Mar de Cores escrita por Biazitha


Capítulo 4
Laranja




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Abri os olhos sentindo o calor de Neji atrás de mim; as suas mãos pousadas em cima das minhas e a respiração calma fazendo cócegas na minha orelha descoberta. Observei os nossos dedos juntos e sorri. As manchas de tinta já faziam parte dele, não saiam nunca por mais que as lavasse. Eu achava lindo, era a representação literal de todo o seu esforço, talento e vida. 

Em seguida suspirei baixo, sentindo um comichão incômodo no estômago. E não era de fome, para a minha infelicidade. 

Era o meu último dia em Shikotan. O nosso último dia.

Eu não podia o forçar a vir comigo, afinal a minha vida não era exemplo de segurança, calmaria ou qualidade. Obedecíamos o imperador Higashiyama e suas vontades, sendo que muitas delas arriscavam o nosso bem estar; como navios alvo em um jogo de batalha naval. Não poderia o arrastar comigo para aquela loucura, por mais que ele tenha expressado uma única vez que gostaria de experimentar uma rotina mais agitada.

Eu apenas ri quando ele disse aquilo, na frente dos pais ainda, uns dias atrás. A sua mãe foi solicita com a minha situação, disse diversas vezes que sentia muito pela condição, no entanto fui enérgica ao afirmar que era o que eu havia escolhido para mim e me orgulhava de trabalhar para a marinha japonesa. Sentia-me útil. 

 Neji não fazia ideia de como era.

Uma angústia estranha tomava conta de mim ao pensar que o deixaria para trás, todos os nossos segredos, beijos, declarações e noites de amor ficariam presos em um capítulo de um livro. Poderia eu ser egoísta ao menos essa vez?

— Não, eu acho que não. — murmurei baixinho me desvencilhando dos braços daquele que eu me via tão apegada, brigando comigo mesma para criar coragem e ficar as últimas horas longe dele.

Não poderia pedir à Neji que largasse a sua casa, sua família e seu sustento por mim. Tinha plena consciência de que ele tinha uma vida inteira formada na ilha. Eu não abandoaria a minha vida no mar também, nem pensava nessa possibilidade. Não conversamos sobre o assunto explicitamente, contudo era claro que eu não pertencia à terra firme.

A liberdade do mar me chamava. Era como se as ondas berrassem o meu nome. 

Os nove dias que passamos juntos deveriam ser guardados com carinho na memória. Havia lido um livro sobre “amor de verão”, mas creio que na nossa situação seria mais como um “amor de beira-mar”. Eu e ele sabíamos que já tinha data de expiração logo que nos conhecemos. 

Deixei o moreno dormindo em sua cama e resolvi espairecer, indo contra a minha vontade de permanecer ao seu lado. 

Andando com menos vigor pelas vielas da ilha acabei encontrando uma parte da tripulação. Estavam encostados em um dos bares, falando alto e rindo. Com certeza já sentiam falta do mar assim como eu. 

— A donzela apareceu desacompanhada, quem diria. Pronta para deixar o seu artista para trás e viver como uma maldita foca solitária para sempre? — Suigetsu provocou logo que me aproximei. Empurrei-o com as mãos, vendo com satisfação o seu corpo perder equilíbrio e quase cair no chão sujo. A garrafa da bebida fétida que ele segurava – e antes tomava com tanto gosto – espatifou-se em centenas de pedaços. Eu só queria que ele calasse a boca. 

— Você é tão invejoso. Só porque viverá o resto da sua vida sozinho não significa que deve ter inveja da felicidade dos outros. — retrucou Sai antes mesmo que eu pudesse dizer algo. Naquele momento eu não sentia muita vontade de discutir ou irritar o Hozuki, a sua fala começava a mexer mais comigo conforme ecoava em minha mente.

Estaria eu destinada a viver como uma foca cinzenta e tristonha para o resto da vida? Aquilo nunca havia me incomodado tanto.

Uma ansiedade crescente tomava conta de mim; era o nosso último dia. Nem mesmo as noites longas de tempestade, onde o navio quase era engolido pela água feroz, foram capazes de me deixar tão agitada.

— Não me incomodem muito hoje. Estou estranha. — confidenciei um tanto envergonhada, apertando as mãos atrás do corpo. 

— Mitsashi, você é uma imbecil apaixonada. Eu vivi para ver este dia. — a voz irritante do homem de cabelos brancos ainda era possível de ser ouvida, a sua provocação baixa para que não levasse mais reprimendas enquanto olhava desinteressado para os próprios pés. 

— Como você está? — Kurenai abraçou-me de lado, acolhendo não somente a minha figura desassossegada como também a minha mente desordenada. — Vocês conversaram?

— Eu não quero ser egoísta. Não posso pedir para que Neji venha, o colocaria em uma situação muito desconfortável e perigosa.

— Pretende ir embora sem dizer nada, então?

— Eu não seria capaz de fazer isso, mas não quero que a nossa despedida seja mais longa do que o necessário. Não achei que doeria tanto, nos conhecemos a nove dias, como pode incomodar desse jeito?

Senti a mulher rir contra os meus cabelos e apertei ainda mais minhas mãos uma na outra. Observei a figura elegante de Sai à minha frente, os braços cruzados e o cabelo escuro perfeitamente alinhado. Ele parecia refletir ainda mais sob a luz do sol, um ser estranho e arrumado demais para o estilo de vida que tinha; destoava-se por completo da tripulação do Coral Sombrio.

— Eu nunca achei que te veria tão entregue à alguém dessa forma, mas aconteceu. Não vá embora sem ao menos tentar. Perguntar não ofende, minha cara. — tentou me tranquilizar ou incentivar, eu não saberia dizer, pois sentia-me ainda mais perdida com toda a atenção que os dois me davam. — Deve se arrepender apenas pelas coisas que não faz, não é? Não deixe que isso se torne um arrependimento.

— Será que é seguro para o Neji? Não quero que ele... Seja levado pela emoção e faça algo que se arrependa depois.

— Ele é adulto, tem plena consciência e responsabilidade pelas decisões que toma.

— Eu espero que...

— Que papinho insuportável! — Hozuki explodiu por fim, jogando os braços para o alto e mirando-me com tanta raiva nos olhos que senti como se peixes-espadas perfurassem o meu corpo. Calei-me. — Pare de responder por ele, Mitsashi. Você está impedindo que tentem algo novo que pode dar certo. Ao menos tente, tudo bem? 

Um pouco surpresa pelas sinceras palavras do meu companheiro, assenti positivamente. A mulher soltou-me de seus braços e finalizou com ternura na voz: 

— Você sabe o que fazer, minha querida. E o capitão jamais diria algo para a Navegadora preferida dele. 

Mais confiante andei para longe deles, pensando no belo moreno que eu havia deixado para trás. Segurei o meu chapéu com força na cabeça e corri, tropeçando algumas vezes pela areia até enfim chegar à casinha.

Hyuuga Neji estava sentado na cama com o olhar perdido. Demorou alguns segundos até que voltasse as suas pérolas hipnotizantes para mim. Quando o fez, arrisquei um sorriso e fui retribuída. 

Sentei na beirada da cama e ele capturou-me entre seus braços, depositando o queixo em meu ombro. 

Em um fio de voz fui capaz de implorar por algo que nunca me imaginaria dizendo. As palavras saltaram da minha boca como um peixe agitado escapando da rede do pescador.

Mas no fundo eu já sabia que era o certo a se dizer.

— Por favor, venha comigo.


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