Venha Comigo. vol 4: Presente escrita por Cassiano Souza


Capítulo 4
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Notas iniciais do capítulo

OLÁ! Aqui nós de novo com mais um capítulo, e um que eu adorei. BOA LEITURA



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As tesouras e pinças posavam sobre uma bandeja, e sobre outra, os vários e diferentes equipamentos, vindos das malas da doutora. E em suas mãos, vestidas em luvas cirúrgicas, o escalpelo de lamina fixa reluzia o seu reflexo frio e cintilante, provido pela luz branca da baixa lâmpada sobre a maca. A sala se mostrava quieta, apesar da médica, e do médico, ou dos dois enfermeiros. Grace, assoprou apreensiva, e de sua boca, assim jorrou um bafo gélido como nevoa, mas, que logo foi encoberta, pela mascara hospitalar.

Ela respirava ofegante, tentando a cada aspiração, conseguir um pouco mais de confiança em si mesma. Ela sabia que não devia estar ali, mas, de alguma forma estava. Concluía-se com a sua lógica de acompanhante de Senhor do Tempo, que alguém a queria ali, naquele exato local e ocasião. Paulus não morreria ali, por um verme, era o que a história contemporânea envolta de Grace soava, mas, neste instante, essa mesma história se passava em sua frente, em pleno fluxo, e assim, ela logo devia seguir ao seu ritmo.

— Doutora? - Chamou Charles.

— Sim. - Respondeu Grace, saindo de seus pensamentos distantes, enquanto fitava Paulus, sem vigores, como um cadáver, sobre uma gaveta de necrotério.

— Iremos começar?

E Grace, logo lança o típico olhar de quem está prestes a tomar uma iniciativa:

— Sem delongas. Apenas sigam a dança.

Então, começou-se a cirurgia.

— O verme traseiro. - Começa a explicar a doutora. – Possui seis tentáculos cravados por entre nove das doze vértebras cervicais de um indivíduo, linkado assim, com grande parte dos seus nervos, e com uma espécie de raiz, liga-se também à coluna espinhal. Se avançar demais por ela... Poderá obter acesso ao lobo frontal, e conquistar dos movimentos mais simples aos complicados, ou até a fala, memoria e aprendizado.

— E a senhora já enfrentou muito disso antes?! - Indagou Charles, amedrontado.

— Não, mas li o manual em minhas malas!

Grace, então após orientar o doutor Charles à passar os instrumentos necessários, começou com o seu bisturi a romper os tentáculos do verme. Eram seis tentáculos, e de um em um, Grace começaria a cortar. No primeiro, o medo da reação do verme percorreu por entre os arrepios da médica. No manual, constava uma possível forma de auto defesa da criatura, que consistia em matar o hospedeiro.

— Está tudo bem aí, doutora?

— É o que espero. - Correspondeu ela.

Grace, termina de cortar um dos tentáculos, e assim, o doutor Charles com uma pinça retirava as raízes cravadas. Grace, então passa ao segundo tentáculo, e com sucesso, consegue também cortá-lo.

— Doutora, não será apenas isto a cirurgia, será? - Pergunta Charles.

— Não, há uso dos materiais corretos de acordo com o manual.

Prosseguiu então ao terceiro tentáculo, mas, após cortá-lo, Paulus imediatamente começou a se debater violentamente, com os seus braços e ombros.

— Segurem ele! - Pede Grace, assustada, e assim, as duas enfermeiras obedecem.

— O verme? - Indaga Charles.

— A sua defesa. - Responde a cirurgiã. Paulus continuava a se debater.

— Mas e agora? Se o-está matando, o que faremos, doutora?!

E Grace, se viu sem respostas. A sua respiração, furtava ar tanto quanto os aspiradores de pó de sua época, e o seu coração, batia tão palpitante quanto aqueles que batiam pedindo socorro enquanto morriam nas câmaras de gases dos campos de extermínio. Mas, sendo esperta e inteligente, Grace havia se lembrado de um trecho no manual que explicava sobre o organismo do verme, e que, ele compartilhava dos nutrientes e compostos químicos circulantes no sangue do hospedeiro, porém, sendo ele capaz de barrar aquilo que não fosse desejado. Sendo assim, Grace logo pediu algo ao doutor Charles:

— Uma anestesia! Doutor Charles, me dê uma anestesia!

— Uma anestesia?!

— Sim, uma anestesia! Rápido!

— Mas o senhor Paulus já está altamente sedado!

— Não é para ele!

Assim, Grace apanha rapidamente o anestésico, e injeta-o no verme. O ser começa a se debater, mas, após alguns segundos, para instantaneamente, como se nem vida mais houvesse, e assim, Paulus também termina.

— O senhor Paulus... Será que ele...? - Questionou para si mesmo, o médico.

— Olhe o pulso dele. - Pediu Grace, amedrontada.

Charles, segue lentamente silencioso e tremulo com uma de suas mãos, e olhos vidrados, em direção do pulso direito do general. Era um momento de pura apreensão, medo e esperança, Paulus poderia estar morto, onde estariam todos ali arruinados, e a operação Barbarossa prejudicada. Mas, nada disso era o que importava para Grace ali, ela nada se importava verdadeiramente com estes pontos, se importava apenas em ter salvo alguém, e ter garantido o curso correto da história.

— Graças a Deus! - Felicitou Charles. – Ele está vivo!

Grace respirou aliviada.

— Ótimo. - Disse ela. – Vamos continuar.

Continuaram então, com os tentáculos restantes sendo cortados, e tendo as suas raízes extraídas, e logo em seguia, tendo os ferimentos deixados pelo verme preenchidos por uma substancia anti-bactericida e anti-infecciosa, para depois ser sugado com algodão e costuradas as fendas. A doutora havia seguido o manual, assim, como a foi incumbida, como se aquela fosse a missão de sua vida.

***

Grace, havia cumprido a sua missão, havia feito a cirurgia de Paulus, e obtido êxito. Mas, como avisado anteriormente pelo coronel Joseph, após ele a-salvar de Adam e suas ameaças, a doutora teria de se explicar, por todo o conhecimento aparentemente desproporcional para o contexto ali inseridos. Ele fitava-a observador e minucioso, e ela, desinteressada e cansada, em duas cadeiras, uma de frente a outra, entre uma mesa de madeira, um abajur, e um retrato de Hitler.

— Por onde vai começar? - Pergunta Joseph, acendendo um cigarro.

— O que quer saber? - Revirou os olhos, Grace. 

— Você disse sobre 58 anos no futuro, pontos fixos, e a morte do general.

— Sim, eu disse. - Suspirou cansada.

— Mas como poderia comentar tais fatos com tanta certeza? Não é uma louca, mas também não me soa como uma mentirosa. E por que se intitulou “Grace Holloway”? Você é a doutora Catherine.

— Não sou, simplesmente isso.

Joseph, encara as fotos de Catherine, que ganhou como recomendação. Grace explica: 

— Tecnologia psíquica, coronel, faz ver o que deseja.

— Mas para que, qual o objetivo?! Uma espiã?

— Não. Ajudar vocês. Não foi intencional, eu nunca ajudaria vocês! - Riu. – Mas foi necessário, Paulus é um filho da mãe, mas ele não poderia morrer aqui, e aqui estou eu. Alguém me queria aqui, e alguém sabia sobre o verme de Paulus. E se alguém sabia sobre o verme de Paulus e outro alguém queria interferir e você não tocou no assunto... Então quem é o Mestre? O Mestre do Adam.

Joseph engole a seco:

— Que mestre? Não sei nada sobre o assunto.

— Então por que não questionou sobre isso também? Viu que eu tinha um pouco de sabedoria sobre.

— Não sei de nada disso, é só isso que posso dizer. - Dispensou.

— Não acho. - Encarou minuciosa. – Adam evitou ao máximo o assunto sobre fatos paranormais. Por quê? O que guardam de tão diferente nesta vila?

— Você não precisa saber.

— Então você também não precisa saber sobre o que sei. Poderia te contar quem ou como vencem a guerra, sabia?

— Poderia? Então quem vence, e como vence?!

— Está demitido, não é assim que se negocia. Faça direito.

Joseph engole a seco novamente, mas, depois começa:

— Há três semanas atrás, foi onde uma bola de fogo caiu do céu.

Grace escutava curiosa. Joseph prossegue:

— Onde exatamente há um mês atrás, outra bola de fogo havia também caído.

— E o que eram as bolas?

Joseph recua com os ombros. A ruiva se explica:

— Ah, quis dizer as bolas de fogo!

— Certo. Elas eram coisas como carros, como maquinas, e caíram próximo de um dos nossos campos de extermínio. A primeira, acabou estraçalhada, e a segunda, quase intacta.

— Mas dentro destas maquinas, o que havia?

E Joseph, sorri malicioso:

— Demitida. Sua vez agora.

Grace assopra emburrada:

— Ah, pois é. Quer saber quem ou como vencem a guerra? Então, vamos lá, algum pais que já teve monarquia em sua história, feudalismo, e que talvez neve no inverno.

— Mas com estas descrições pode ser qualquer país europeu!

— É, pode. - Gargalhou. – A verdade é que não posso te contar, sinto muito, pontos fixos.

— Ora, não brinque comigo, senhorita, já matei muitos homens! Mulheres, não seria difícil.

— Já salvei homens piores do que você.

— Está brincando com a morte, poderia tortura-la de mil formas diferentes.

— Poderia, mas não vai.

— Quem garante?!

— Sei de muita coisa, e sou a única aqui que conhece o Mestre de verdade.

Joseph ouviu de olhos revoltados. Grace completa: 

— Se quer viver, ou deseja o bem de seu povo ou partido, tem de me escutar, e deixar eu falar com o Mestre. Você não o-conhece, e ainda se acha perigoso?! Esqueça, coronel!

— O que adiantaria falar com ele?

— Entende-lo, saber o que ele quer, o objetivo dos vermes traseiros, e chamar o Doutor, apenas ele, resolveria isto, E o Doutor, com certeza mais cedo ou mais tarde virá por mim.

— Quem é o Doutor?

— Alguém que salvou este mundo, mas que o-destruiria em um piscar de olhos, se fechasse eles. Confie em mim, preciso falar com o seu alienígena.

Joseph, sentiu verdade e profundidade a cada palavra da mulher em sua frente, mas, mesmo assim, sentia mais ainda que não poderia confiar em alguém que sabia mais do que devia, e que, apenas o-contou meias verdades. E neste caso, a sua resposta foi:

— Não, nada de acordo.

Grace força os punhos irritada. Joseph termina:

— Guarde o que sabe para o Führer, amanhã mesmo a-despacharei para Berlim.

— Não! Não faça isso! Você não está entendendo a gravidade desta situação, é o futuro do mundo em perigo!

— Então diga isso para o senhor Hitler.

— Não! O que você deve fazer é me deixar entrar em contato com o extraterrestre. Não podemos perder tempo!

— Vá dormir, seu carro parte amanhã às 8:30.

— Não, por favor! Me escute.

— Só se escutar o som dos meus homens entrando por aquela porta. Guardas?! - Gritou. – Escoltem a doutora até os seus aposentos, e mantenham vigilância.

E assim, entraram dois soldados, apanhando e escoltando Grace, por seus braços. Ela engoliu a seco, irritada, e se calou impotente, viu que não conseguiria convencer o coronel, e assim, se deu por vencida, se sentido derrotada, mas, não desistindo, ainda havia determinação em seu olhar.

***

Em Wizna, a vila polonesa onde o Doutor e Gordon haviam acabado de chegar, o silêncio e a depredação cercavam os dois, e de frente ao enorme hospital da vila, o Senhor do Tempo e o seu acompanhante, se preparavam agora para as buscas de Grace.

— Pegue isto. - Estendeu o Doutor a sua mão, com dois pequenos objetos, como fones.

— O que é isso? - Indaga Gordon, pegando e cheirando uma das peças.

— Aparelhos de comunicação. Não mordem, não se preocupe. Bem, os de Gallifrey mordem. - O Doutor põe em um de seus ouvidos, e assim, logo Gordon também.

— Mas estaremos lado a lado, para que uma dispositivo como esse exatamente?

— O nome responde. Não estaremos lado a lado, acho que seria melhor que nos separemos logo. No bom sentido.

— Senhor, eu não... Eu não me sinto confortável andando sozinho. - Disse envergonhado.

— Tem medo?!

Gordon se vira, desconfortável.

— Por favor, não me interprete mal. - Pediu o Doutor. – Não há problemas no medo, medo é um aliado, é um super poder, não precisa se envergonhar.

— Sou um homem de 39 anos, e pareço um moleque amedrontado de 15! Como não me envergonhar?! - Deu uma pausa sem palavras, encarando os olhos do outro, cheios de compreensão. – Vi um amigo morrer devorado por uma bomba, em minha frente, e não tive coragem de enterra-lo senhor, de me aproximar. Nem sei até agora como consegui me casar. - Sorriu tristonho. - Papai dizia que um dia encontraria um heroi dentro de mim. Quando? Nesta guerra, até agora não.

— Sou um alien de séculos de vida e estou vestindo fantasias de uma festa de ano novo humano.

Gordon, recua com os ombros, sem entender aonde o outro quis chegar. O Doutor defende:

— Você é o que você quiser, Gordon, covarde ou não. Todos temos as nossas fraquezas, qualidades, e defeitos, mas, não cabem aos outros julgarem.

— Você não parece uma pessoa normal. Sempre compreensivo, bondoso, e... Você realmente é de outro mundo, não é?

— Pela milésima vez, sim, eu sou.

— Mas por que está aqui?! Quer dizer... Um mundo selvagem e cruel como este? E correndo atrás da salvação de pessoas pecadoras e falhas?!

O Doutor sorri distante:

— Porque entre mil em mil, sempre há um como você.

— Como eu?! Como é “como eu”? Sou só um homem qualquer, senhor.

— Você é especial, Gordon, acredite nisso.

O humano nega descrente, com a cabeça. O alien completa: 

— Está destinado a fazer grandes coisas, assim como a Grace, vocês são algo a mais para mim.

— Sabe o que eu acho, senhor Doutor? Você é louco.

E após recuar ofendido com os ombros, gargalha o Senhor do Tempo, gentilmente tratando as palavras de Gordon como um elogio, pois, há séculos se escutou aquela suposição. E talvez, o Doutor seja mesmo apenas isto, um louco em uma caixa azul.

— E sabe o que eu acho de você Gordon Conall Lethbridge-Stewart? - Indagou o gallifreyano. - Você é um bom homem.

— Eu não, você é que é. - Negou o humano. 

E o Doutor, toma olhos distantes, parecendo tocado:

— Que seja. Mas, vamos lá, vamos continuar. Siga-me. - Pediu, dando as costas, e se voltando ao hospital.

— Não vou com o senhor.

O Doutor encara surpreso. Gordon completa:

— Pode ir, vamos nos dividir, é realmente melhor.

— Tem certeza? Pode não ser confortável para você.

— Pode, mas não se vence um medo deixando ele lhe dominar. Era o que o meu pai dizia! E meu avô, e avó. - Sorriu. – Eu estarei bem, senhor. E aqui está, pegue. - Estendeu uma arma de pequeno porte, ao Senhor do Tempo, que fitou-a sério.

— Não, não uso armas.

— E por que não?! É uma guerra!

— Exatamente por isso, não seria uma se não fossem por elas.

O Doutor, deu as costas, e assim, partiu para o hospital, enquanto Gordon, apenas se manteve calado, e pensante sobre a personalidade do Doutor. De fato, aquele homem era de outro mundo.

— Mas, senhor! - Gritou, vendo a imagem do Doutor sumir por entre a escuridão do recinto. – Para qual lado eu vou?!

— Sou o Doutor, eu vou pro hospital! - Respondia gritando. – Você é humano, vá para casa!

— Está há mais de 1600 quilômetros!

— Quis dizer os casebres da vila! Olhos para frente, soldado!

— Sim, senhor!

Gordon, então se volta para as moradias da vila, que se mostravam desoladas e sem proprietários, mas, distraindo-o, a sua mochila logo começa com o seu típico show de vozes, oriundos da esfera de vidro luminosa, que o soldado tinha secretamente por amigo.

— O que foi agora, coisa fofa? - Indagou para a esfera.

E se manifestava ela, com suas centenas de vozes sussurrando ao mesmo tempo.

— Eu sei, eu também gostei do Doutor, ele é uma boa pessoa. - Comentava Gordon.

Mas, deixando de sussurros amigáveis, logo tomaram um tom mais sério, com a esfera tomando também um tom vermelho.

— Mas o que foi? Não entendo onde querem chegar! E como assim... "Homem mal"? Não estão falando do Doutor, estão?

Homem mal, homem mal, mal, mal...

— Certo, não sei quem seja, mas ok, de qualquer forma, não contarei nada ao Doutor.

Gordon, então guarda novamente a sua amiga redonda dentro da mochila, e assim, segue aos casebres.

***

— Ah, Doutor, apareça logo. - Diz Grace, andando de um lado para o outro, em seu quarto. – Tudo menos Berlin, por favor.

Se voltou desanimada para a janela, encarando a altura de seu andar, e as estrelas brilhando.

— Eu devia estar lá em cima com você agora. - Uma lagrima desceu-lhe às bochechas. – Mas não estou, estou aqui, onde nunca viria, ou seria trazida. Realmente às vezes eu não sei se estar com você é um sonho ou pesadelo, e acredite, odeio ter de dizer isto. Dói.

Fitou uma chave, retirada de seu sobretudo:

— Acho que nunca tenho sorte mesmo. Grace Holloway, a azarada, e idiota sempre enganada. Já devia ter me acostumado. - Suspirou desanimada. – Você me dá a chave da TARDIS e aí eu evaporo. Por que a vida tem que ser tão complicada?!

Guarda a chave novamente:

— Mas eu estar aqui, onde um dever esperava exatamente por mim... Isto me parece tão impossível! A menos, que algo ou alguém esteja por aí agora, e seja tão preocupado com interferências no tempo tanto quanto eu ou o Doutor. - Arregalou os olhos. – Hou... Seria um...

Mas, foi interrompida, a porta do quarto recebia sérias batidas, e uma voz masculina logo avisou:

— Jantar!

Assim, adentrou uma jovem ao quarto, com uma estrela de Davi costurada em uma de suas mangas, portando uma bandeja com uma tigela e copo d’agua. Ela fecha a porta, e direciona a bandeja até a doutora:

— Aceite, senhora, eu aguardarei até o termino da refeição. 

— Ah, obrigada. -  Grace, apanha a bandeja. – Não comi nada desde que vim do futuro!

A jovem franze as sobrancelhas, confusa. Grace comenta: 

— O que foi? É sério, e estou até atrasada para um plantão. - Senta-se na cama. – Ou será que eu estou adiantada? - Pensou.

— A senhora diz coisas estranhas.

— Digo? Ouço muito isso. - Deu uma colherada na sopa, fazendo logo cara feia. – Hum, sopa de nabo.

— Sim, senhora, o mesmo que servem em Auschwitz. - Disse a garota, em um tom perdidamente entristecido e distante.

Grace, encara-a curiosa:

— Você é judia, não é? - Fitava as mangas da jovem.

— Sim, senhora, e perdão, senhora.

— “Perdão”?!

— Sou uma sub-humana, e estou em sua presença, senhora.

Grace, tomou a sua postura boquiaberta, estava indignada com o que ouvira, e não sabia se sentiria pena ou ódio pelo pedido:

— Por que pediu perdão?

— Ora, a senhora sabe, é ariana. Somos inferiores, o meu povo é inferior.

— Você... Escutou direito o que acabou de falar?!

A jovem se mostrou confusa. Grace continua:

— "Sub-humanos, inferiores, arianos"?! Não existe isso, nada disso!

— Como não? É o que o seu povo prega.

— Meu povo não. - Negou com o indicador. – Nosso povo. 

A garota continuou atônita. A ruiva esclarece:

— Não existe humanos melhores ou piores, existem apenas humanos, todos nós. Saiba apenas que, alemães, soviéticos, ingleses, judeus, homossexuais, negros, deficientes, e ciganos, e qualquer outro que seja... Somos todos apenas humanos, nada mais, todos pessoas, todo mundo. Pessoas.

— Realmente a senhora diz coisas estranhas. Como uma médica nazista poderia pensar de tal maneira?!

— Não sou nazista, e você não é sub-humana. Sou americana. 

A garota arregalou os olhos, e Grace, revirou os seus:

— O que foi?! Não somos o demônio! E outra coisa, você e os outros não são a praga que Hitler abomina, e nunca serão.

— Então por que tanto ódio, por que tanto desprezo e maldade contra nós?

— Eu não sei, desisti de entender o ser humano. - Respondeu distante. – Mas quer saber? A verdade é que acho que nem mesmo o Hitler acredita em suas próprias palavras, apenas se aproveita da fraqueza da mente de uma nação revoltada e enfraquecida pelo sofrimento da última guerra. Em outras palavras... Poder move o mundo, e assim os homens se movem sobre ele.

— Por toda a Polônia, há centenas de campos de concentração e extermínio, a maioria estão aqui. Quem não é exterminado, é escravizado.

— Saber disso dói.

— Ver, dói mais.

— Eu sei.

— Nos proibiram de ir aos cinemas, teatros, escolas, e depredaram e queimaram os nossos comércios. - Sorriu tristonha. – Nos tomaram os nossos imóveis, e então nos enfiaram nos guetos.

— Mas você está aqui. Como chegou?

— Antes da guerra começar, muitas famílias judias fugiram, as que tinham condições, para qualquer lugar que fosse. Então minha mãe, minha avó, e eu, viemos para cá, mas a Polônia foi invadida, e então... Aqui estou escrava. O que é uma sorte, já que devia estar morta.

Grace, pigarreia desconfortável após a história: 

— E a sua mãe e avó?

A jovem engole a seco:

— Um dia os alemães chegaram no gueto onde nos mantinham, e outras famílias, e... Disseram que levariam os mais velhos para fazer exames. - Deu uma pausa, enquanto deixou também duas lagrimas caírem. – Aquela foi a última vez que vi a minha mãe e a minha avó.

Grace, não conseguiu acrescentar mais nada. Ouvir aquilo, foi como o enfio de uma adaga em seu coração, ou como um tiro em sua cabeça, ou como ter tomado uma capsula de cianureto, e ter cometido suicídio, forma inclusive, que muitos nazistas encontraram para fugir da justiça. Ela, estava entristecida, estava decepcionada, e estava mais ainda, sem ter o que responder, ela, simplesmente então se manteve calada, ainda sentada sobre a cama, e deixando a refeição de lado.

— Bem que as vozes me disseram, a senhora era diferente. - Disse a garota, quebrando o silêncio após o termino de suas palavras anteriores.

— Vozes?! - Confundiu-se, Grace. 

— Olhe embaixo da cama.

— Embaixo da cama?!

— Sim, sou faxineira também, então pude estar aqui antes.

— Ok, só espero que não seja algo como os fetiches do meu ex.

Grace, então se agacha, e vê uma esfera de vidro luminosa, embaixo do móvel:

— O que é isso?!

— Eu não sei, encontrei há alguns dias atrás, faxinando o quarto do cabo Adam. As vozes me pediram socorro, e assim eu fiz. E desde que chegou, me pediram para deixa-la aqui, querem ficar com a senhora.

— Comigo?! - Grace apanha a esfera, e observa-a, minuciosa.

— Sim, as vozes da esfera sussurram muitas coisas, nem tudo dá pra se entender, mas... Há coisas que fazem sentido às vezes.

— Mas por que comigo?

— Disseram que só a senhora poderia salva-los do maligno.

— Do maligno?! Quem é esse?

— Não sei, mas não consigo pensar em mais ninguém se não o senhor Hitler.

— O Hitler?! - Pensou sobre. – Não, não acho, isto não é coisa deste mundo. O Hitler é um monstro, mas... Mas há um ser na vila escondido e protegido pelas tropas. Preciso saber o que é?

— Fala do homem do celeiro?

— Homem do celeiro?

— Há um homem no celeiro, não sei como ele é, ou de onde veio, mas é trancado a sete chaves.

— Deve ser o Mestre!

— Mestre? Um professor?

— Um lunático, um ser terrível e abominável, e capaz de chegar aos níveis mais alarmantes do horror. Esta guerra afeta todo o mundo, mas o Mestre... Ele é capaz de assolar o universo inteiro se quiser.

— E ele é do partido?

— Não! Ele é de outro mundo. O seu partido é apenas o seu egoísmo, cujo alimenta sem limites. O mundo está ainda mais em perigo a partir de agora.

— E o que a senhora fará?

— Eu não, você.

— Eu?!

— Preciso sair daqui, e preciso encontrar o alien do celeiro. E não, não estou enlouquecendo, isso é muito sério!

— Mas o que eu posso fazer?!

— Me tire daqui, dê um jeito, só você pode me ajudar.

— Senhora, sou apenas uma serviçal, odiada e vigiada quase o tempo inteiro. Como eu poderia tira-la daqui?!

— Não sei, mas você é tudo o que eu tenho agora, e se você não puder me ajudar... Então, adeus humanidade, pois com a aparição dos vermes traseiros... A história será completamente dilacerada. Apenas... Seja como o Doutor sempre pede para que eu seja, seja esperta e inteligente. Eu confio em você.

— Senhora...

— Por favor. Pois se a esfera queria estar aqui, é porque também sabe o-quanto preciso encontrar o Doutor, e o-quanto preciso entender o Mestre, e não ir amanhã para Berlin! Por favor, e agora até entendo, recebi uma ligação, um alerta, e só podia ser esta esfera tentando falar comigo.

— Mas não posso lhe prometer nada.

— Não prometa.

Era isto, Grace precisava de ajuda, mas, uma, que só poderia vir da pessoa mais enfraquecida e ameaçada em todo aquele ambiente. A pobre garota não queria negar, mas, o que ela poderia fazer? Em seus pensamentos, nada. Mas, manteve-se em silêncio, e nada negou ou afirmou. E antes que qualquer uma das duas dissesse mais algo, grosseiramente a porta do quarto se abriu, onde um dos soldados parte revoltado para cima da jovem, puxando-a por seu braço.

— Tempo de refeição esgotado! - Disse o homem, onde assim, se apanhou a tigela de sopa, e expulsou a jovem serviçal do quarto. Grace, parte para intervir, mas tem a porta fechada na cara.

Estava só agora, era só a certeza que tinha, onde apoiou-se de costas na porta, e sentou costas contra ela, ouvindo os choros de “Adélia”, era o que ela escutava. ouvindo-se as vozes furiosas dos soldados no corredor, ordenando-a que fosse lavar as louças dos demais soldados. 

***

O Doutor, seguia pelos corredores e quartos do hospital, e Gordon, por entre as ruas, quintais e casas da vila, sendo em uma casa agora. Investigavam paralelamente, porém, sempre em diálogos, por seus comunicadores.

— Isso é tão triste. - Diz Gordon, apanhando algumas fotos pelo chão de uma sala de estar, onde uma família em preto e branco sorria em cada pequeno retrato.

— O que é triste? - Perguntou o Doutor, andando cauteloso, nos corredores sombrios do hospital.

— “O que é triste?!” Ora, senhor, todo o caos da guerra. Olho para fotos de família no chão neste momento, sendo uma que poderia muito bem ser a minha.

— Eu sinto muito.

— Eu sei. - Guardou as fotos no casaco. – Mas sabe o que é o mais errado?

— A violência, a intolerância, o genocídio.

— Sim, senhor, mas não falo disso, falo de tudo ao nosso redor.

O Doutor se mostra curioso. Gordon completa: 

— Observe o ambiente.

— Eu já fiz isso.

— E o que percebeu?

— Silêncio, abando, e muitas capsulas de balas de fuzil, por todo o chão da vila, e até aqui no hospital.

— Sim, e o que mais?

— A escuridão? Parece um filme de terror.

— Não, Senhor do Tempo, falo dos corpos.

— Que corpos?! - Indagou, adentrando a um dos dormitórios do hospital, repleto de suas camas mofadas e fúnebres. - Não há.

— Exato, senhor, "que corpos"? Não vi nenhum corpo, e o senhor também não.

— Então teoriza que ninguém em uma batalha aparentemente tão violenta tenha morrido?

— Não sei, mas já vi mortos andando nas trincheiras, senhor. E tudo bem, pode zombar de mim, todos zombam.

— Zombar?! Já vi tanto disso. - Disse, encarando a vista da janela do dormitório, e observando vila.

— Sabe, não acredito que você acredita, mas tudo bem, você é de outro mundo, deve ser normal. - Se sentou numa cadeira, de uma mesa na sala. – Você está com medo, senhor Doutor? - Perguntou, tímido.

— Não, ainda não, mas às vezes sim. O escuro assunta qualquer um, não acha?

— Acho, mas é aí que está, tenho pavor a quase todo tipo de coisa, e quando resolvo me abrir sobre isto... Me tratam como um monstro.

— Está com medo agora?

— Sim. - Sorriu. – Há uma escada cheia de espelhos, indo para o andar de cima desta casa, e é assustador!

— Bom, há um monte de camas com lençóis fantasmagóricos entorno de mim, e armários enferrujados. Do que estamos reclamando? Isso é cenário digno de Hollywood!

— Você diz coisas estranhas.

O Doutor sorri de canto. Gordon alisa o bigode:

— Mas sabe qual é outro erro intrigante por aqui?

— Me responda você, está se mostrando um ótimo companheiro. - O Doutor teria respostas em uma olhada, mas queria ouvir o humano. 

— "Companheiro"? Espero que defina um dia isto direito. Mas, o que estou dizendo, é que, se houve um ataque soviético aqui, deviam haver corpos, e se houve um ataque alemão novamente aqui, não deviam haver casas.

— Exato, soldado, possuem tanques, depredariam tudo, mas tudo, está intacto, praticamente.

— Sim, é isso que estou dizendo. Seja o que for, que tenha acontecido... Assim como você, não foi coisa deste mundo.

— Jura? Que nostálgico.

— "Nostálgico"?! Estamos a procura de uma amiga sua, que pode muito bem estar realmente morta agora!

— Não houve corpos encontrados. - Acrescentou triste. – E a cidade está cheia de cercas, acho que todos os corpos oficiais foram levados.

— Mas e os civis?

— Eu não sei, não consigo pensar em mais nenhuma boa teoria.

— Eu é quem estava teorizando!

— Não seja egoísta!

— Ora! 

Mas, interrompendo a discussão, a chave de fenda sônica imediatamente começa apitar, severos bips constantes. Gordon estranha:

— O que é isto, senhor?

— Minha varinha mágica. - Responde o Doutor, retirando a chave sônica dos bolsos, e Gordon franze a testa. O Doutor esclarece. – Parece estar entrando em sintonia, sintonia com outro aparelho, um aparelho que dívida ou reflita o mesmo sinal que ela!

— Ótimo, entendi tudo. - Negou com a cabeça.

— Vem de algum aparelho convencional primitivo! Muito perto! - Seguiu os bips, sendo então, guiado a uma mesa de canto, naquele dormitório, onde, um telefone de fio se encontrava. – Telefone?! O telefone. Vem dele o sinal, como se estivesse sendo usado para ligar para a chave sônica. Espere aí... Isto é algo que instalei no telefone da Grace.

— Então pode ser ela?! - Se levantou Gordon da cadeira, animado.

— Pode ser qualquer coisa, Gordon, qualquer coisa, basta o seu telefone. Mas, uma chance, é tudo o que temos.

— Podemos então encontrar um cadáver.

— Podemos. - Confirmou distante.

— E aí... Será fixo, não poderá ser mudado?

— Sim. - Confirmou com amargura.

— Então...?

— Então seguiremos o reflexo sonoro. - Apontou a chave sônica ao telefone, fazendo todos os telefones da vila começaram a tocar, em um ritmo de quatro batidas, constantes e altas.

— Isto é ensurdecedor! - Tomou um susto, o humano, após um telefone ao seu lado disparar com uma chamada

— Não se preocupe, foi como atiçar um monte de brasas num resto de uma fogueira, apenas a mais forte resistirá. Se calarão um a um, e assim, encontramos o ponto de origem.

— Vai dar trabalho, sabia?

— Já passei mil anos organizando a minha biblioteca, meu caro Gordon. Estou cansado, estressado e irritado, e há alguém brincando comigo. Vou te procurar, Grace Holloway, vou te encontrar, e nunca, nunca irei parar, caro inimigo.

Começaram então, a parar de um a um os telefonemas fantasmas, onde assim, Gordon e o Doutor iam prestando atenção, em busca do que seria a última ou única fagulha de esperança.

— Sabe de uma coisa, Doutor? Adorei esta sua última frase.

— Bem, falar isto apenas estragou o momento.

O ritmo dos quatro, soava por toda a vila de Wizna.

 


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Teorias?
Aquilo que a Adelia contou foi exatamente isso, os judeus passaram por tudo que foi dito ali, e muito mais.
Auschwitz foi um dos mais terríveis e grandes campos de concentração nazista, localizado como a maioria na Polônia, e que levou a morte mais de um milhão de pessoas, sendo a maioria judeus. E sei que servia sopa de nabo lá porque em um documentário uma das sobreviventes contou isso. A história da Adelia também, é inspirada nas histórias dos sobreviventes, que tiveram vidas interrompidas pela guerra, e até hoje nunca mais viram vários de seus parentes.
A delia não apareceu agora, veio sendo citada desde o capítulo 1 e 2. A estrela de Davi costurada na roupa era uma identificação que os alemães exigiam na época do início da repressão.



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