Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 19
19




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— Mamãe avisou Dante que o neto nasceu – Dandara informou enquanto caminhava ao seu lado no corredor do hospital – E ele está vindo visitar o galho podre de sua arvore genealógica.

— Dan, não fale assim – Quitéria, do outro lado, repreendeu.

— Mas não foi isso que a velha D‘Gaspari disse quando nos conheceu? Que tínhamos sido infectadas pelo sangue ruim de mamãe?

— Ainda bem que a velha morreu, seria lamentável ter que matar alguém de meu sangue.

— Vocês duas querem fazer o favor de respeitar os mortos? – Quitéria parou de caminhar – Eu sei que nossa avó paterna não era a melhor das pessoas e que sua influência fez papai ir embora, mas, veja...

— Não há nada o que ver Kira, nada do que você diga vai mudar o fato de que eu e Mavis odiamos a progenitora de Dante.

— Dandara está certa, ela ferrou com a vida de nossos pais e tentou convencer a mamãe a nos abortar.

— Felizmente para nós, mamãe sempre foi dependente de si mesma e felizmente para ela, sua avó nojenta, nós só convivemos com ela por um fim de semana.

— Credo, vocês duas são tão rancorosas. Vou me despedir de Elle e te encontro no estacionamento, Rainha Má.

Observaram a caçula se afastar, antes de retomarem a conversação:

— Se não fosse idêntica a nós eu podia dizer que não era uma de nós.

— Deve ser uma doppelganger ou um clone mal fabricado ou só herdou o lado bom de nossos pais enquanto nós ficamos com o resto.

Dandara riu.

— Falando em família ruim, avisou Elias?

— Sim. Assim que Elisabete estiver recebendo visitas ele virá contar a verdade para ela.

— Vai ser um choque.

— Vai, mas já teria sido tudo resolvido se ele não fosse covarde e resolvesse ficar adiando o momento até que já não tivesse mais opções.

— De fato a covardia de Elias resultou em reviravoltas sangrentas e desnecessárias, contudo, acho que foi melhor assim.

— Mesmo?

— Sim, você consegue imaginar a Elisabete de quatro anos atrás lidando com os segredos sórdidos de sua família? Além de que o tempo em que Elias arrastou a verdade foi usado em nosso beneficio.

A imagem de uma Elle com cabelos castanhos, roupas caras e olhos assustados veio á mente de Dandara, não, aquela jovem birrenta que se achava senhora da verdade não estava pronta para a realidade. Talvez nem a Elle de agora estivesse preparada para o inferno por qual ia passar.

— Por que tens tantos nervos com isso?

— Sei lá – Malvina olhou na direção por onde sua irmã seguiu – Quando penso no fardo que Elias vai descarregar sobre ela, lembro-me da garota que tirei da rua naquela noite e de uma jovem mãe que passava horas pesquisando vários significados e variações de nomes.

Dandara sacudiu a cabeça com violência. Sabia bem de quem a irmã falava.

— Elle não é a Tessa, e ela está sendo assistida pela Dra Wanda, ela não vai entrar em depressão – disse convicta mordendo o interior da bochecha para não falar o que não devia – Ela tinha uma doença que foi agravada pela rejeição que a levou ao suicídio.

Dandara piscou várias vezes antes de se recuperar e mudar de assunto:

— Sei que distração não é seu passatempo preferido, mas pode distrair Dante quando ele chegar?

— Claro, por quê?

— Bem, com Elias contando as verdades secretas de sua família para Elle e Kira babando por Rafael, eu prefiro estar ao alcance das cosias aqui no hospital. E de nós duas você é a única capaz de suportar horas de babaquice paternal sem ceder aos instintos.

— Vai ficar me devendo uma.

Claro que ia, sempre ficava. Dandara ás vezes se perguntava por que sua irmã não era como as outras mulheres que se contentavam com um sapato de grife ou aquela bolsa caríssima que nunca ia usar na vida. Favores sempre custavam mais do que algumas centenas de reais.

Assim que Dante chegou á cidade ele entrou em contato com a gêmea pacifica, Quitéria que o atualizou de suas vidas no último ano. Tão logo soube que Malvina estava com problemas judiciais se ofereceu para ajuda-la. Não que tivesse algum problema em resolver o assunto, afinal o pai das gêmeas não estava entre os melhores do mundo á toa e, para quem defendia criminosos internacionais e transformava um psicopata perigoso numa criança inofensiva fazendo traquinagem aos olhos cegos da justiça, fazer de Ulisses o malfeitor não foi nenhum desafio digno de nota.

Foram almoçar no Vênus, por que era o ponto de encontro preferido das gêmeas quando se tratava de reuniões de quais quer espécies. Sabendo que Nicolas estaria ali á trabalho ela não se surpreendeu com sua presença, mas ficou admirada quando ele se aproximou para saber como tinha sido as coisas e só quando o apresentou á Dante foi que ela conseguiu entender a expressão dele, era só ciúme. E ficou em duvida, era bom que o amante sentisse ciúmes dela? Ou isso podia lhe causar algum problema futuro? Mais importante, ela sentia ciúme dele? Não conseguia lembrar se teve algum episódio em que se incomodou com a presença de outra mulher perto dele... Dandara e Artur se juntaram a eles pouco depois, e teve que deixar suas analises emocionais para outra hora.

— Vovô! – Artur abraçou ao homem em cumprimento, enquanto Dandara apenas lançou um informal:

— Olá, Dante – enquanto chamava a garçonete.

— Agora falta apenas Kira – o pai observou.

— Ela vai se juntar á nós assim que possível – Dandara informou enquanto fazia seus pedidos.

Não que fosse preciso, Joyce, a garçonete e todos os outros, sabia que Dandara tinha alguma compulsão estranha pelas sobremesas, ela não ia ao restaurante para apreciar os pratos salgados e sim pelas sobremesas. Então, uma salada de frutas e algo feito com chocolate eram sempre pedidas.

— Ao que eu entendi você não trabalha mais para aquele cientista arrogante, não é? – Dante questionou a mais velha num tom esperançoso.

Malvina deu de ombros, ela tinha encontrado com o pai num evento á qual acompanhava Oliver que conseguiu discordar e contrariar cada opinião do advogado sobre quais quer assuntos, de modo que Dante simplesmente detestava o cientista. Oliver tinha o dom de ser indesejado quando lhe convinha. Dante conseguia imaginar melhor uso para os talentos da filha se ela trabalhasse com um de seus clientes ou sócios.

— Dante, eu não me meto no seu trabalho, seja gentil e não se meta no meu.

— Foi apenas uma pergunta, Malvina. Disse que está trabalhando com o Navarro, fiquei curioso.

Malvina sorriu e aprumou os ombros, olhando-o nos olhos.

— O senhor trabalha para Sergei Adamovich, Nigel Lynwood e Rosalie Mason Porterfield-Bradshaw. Devo perguntar como anda os negócios deles? – o tom dela era como se comentasse sobre a diferença entre sal e açúcar.

— Como sabe que trabalho para Nigel? – ele sussurrou com desconfiança e interesse.

— Nós também nos importamos com quem nossos pais se envolvem – Dandara informou no mesmo tom apático da irmã.

— Falando em se envolver – Dante mudou de assunto – É impressão minha ou o Navarro pareceu aliviado quando você me apresentou como pai?

Dandara arregalou os olhos para a irmã.

— Era ciúme o que farejei? Você está dormindo com o pateta?

— Não é da sua conta.

— Estou impressionada que Oliver não tenha feito ele desaparecer ainda, ele é um tanto possessivo com você.

— Eu não desfigurei a figurante de filme B, ele ditou as regras. Eu não me meto em sua vida e ele não se mete na minha, á menos que peçamos.

— Isso quer dizer que você e aquele... – Dante estava horrorizado – Você se casou aquele cientista maluco?

— Se chama Emparelhar e na nossa tradição é absolutamente normal, mais simples que um casamento convencional.

— Não faça essa cara de quem vai ter um infarto, papai – Dandara censurou – Tendo brigado tanto com mamãe por causa de nossa criação deveria saber como funciona nosso mundo.

Dante não entendia como a Tradição do povo de Amanda funcionava, mas aprendeu a respeitar a ideia de que quanto menos soubesse melhor era para ele, embora nunca tenha conseguido impedir que as filhas se envolvessem naquele submundo perturbador e seminatural, nunca teve do que reclamar. Então mudou para italiano, de modo que Artur e Malvina que não entendiam nada do idioma se distraíram com um vídeo na internet até que foram interrompidos pela chegada dos pratos e Quitéria que cumprimentou o pai com real carisma e afeto, antes de sentar-se.

— Por que estavam falando em italiano?

— Por que Dandara está sendo maldosa e não quer que Artur saiba sua opinião sobre certos assuntos.

— Ah! A moral distorcida da Princesa das Trevas – a cozinheira zombou antes de virar para o pai e começar um assunto aleatório, ignorando as irmãs.

Elas não se importavam. Haviam aprendido com o passar dos anos que o modo mais fácil de lidar com um problema era deixando que ele se desenvolvesse até um ponto onde sua interferência poria um fim á tal. Quando crianças, Dandara e Malvina costumavam interrogar a mãe sobre o pai, uma curiosidade genuína da infância, depois descobriram que não importava para o quão longe dele ia depois de visitá-las no natal ou nos aniversários, ele continuaria indo e voltando sem ficar tempo suficiente para que elas sentissem sua falta quando partisse. Como os outros parentes distantes que elas tinham e só sabiam de sua existência por que alguém falou que... Alguém viu... Alguém conhece... Dante era para elas um parente distante com quem ás vezes se encontravam.

Tinham afeto por ele? Tanto quanto tinham por aquele amigo do colegial que um dia se mudou da cidade e prometeu que seriam amigos para sempre, mas nunca mais reviram. Ou o amor incondicional que tinham por aquele primeiro namorado que depois da primeira briga perceberam que era só hormônios confundindo suas mentes. Ou aquele apego por aquele personagem daquele livro que no fim quando morre, é como se tivesse matando alguém que elas conheciam de verdade. Tinham afeto pelo pai, só que já tinham aprendido a diferença entre sonhar e realizar.

— Foi divertido – Dandara abraçou o pai no estacionamento – Agradeço a companhia.

Dante olhou confuso para Malvina que sorriu e explicou:

— Gostamos de deixar Quitéria nervosa, e assisti-la mediando algo que pode ser desastroso é um bônus para nossa alegria.

— Aborrecem sua irmã por que gostam de vê-la chateada?

— Nunca vamos longe demais, sabemos o quanto ela pode suportar com nossas gracinhas. E ela nos faz lembrar a mamãe quando se irrita.

Dante riu, de fato que a caçula lembrava Amanda quando ficava zangada.

— Da próxima vez traga Stefano e Celeste – Dandara pediu ao pai – Quero conhece-los pessoalmente.

Malvina já conhecia o meio-irmão e a madrasta, tinha gostado deles.

— Sabe que tem um tio de sua idade? – Dandara informou ao filho.

— Tenho? Cadê? – o pequeno perguntou olhando para os lados, como se esperasse ver uma criança se materializando ali.

— Na Itália com a mãe – o avô respondeu satisfeito com a lembrança das impressões que Malvina causou e teve de sua família, se a mais terrível delas tinha gostado de sua esposa e filho então os outros os aceitariam bem – Quem sabe quando forem para lá não os conheça?

— Eu posso ir com ele para a Itália, mãe? – Artur quase implorou, empolgado com a idéia.

— Claro que pode, quando tiver 18 anos poderá ir até para a lua. Antes disso não te deixo sair de perto de mim, bebê.

— Não sou bebê, mãe – ele resmungou fazendo-os rir.

Malvina piscou para a gêmea que sorriu de modo cumplice. Ás vezes era divertido tirar um dia para fazerem coisas normais como um almoço em família.


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