Paralelo 22 escrita por Gato Cinza


Capítulo 18
18




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 Elisabete

Então era esse o tal amor incondicional da qual ela ouviu falar? O amor de mãe. Estava se sentindo um tanto inconformada, o amor de mãe que ela sentia no momento era só alivio. Alivio por ter dado tudo certo. Alivio por ter o filho nos braços. Alivio por ele ser saudável. Alivio por finalmente não sentir mais aquelas contrações horríveis que lhe tiravam o sono nos últimos dias. Alivio por saber que logo retomaria sua vida que ficou em suspenso por causa da gravidez.

Começou a chorar, agora estava se sentindo a pior mãe do mundo. Como podia estar aliviada por não estar mais carregando aquele anjo no ventre? Devia estar feliz por tê-lo conhecido finalmente e não aliviada.

Qual era seu problema?

O problema era que tinha passado por uma cirurgia de emergência. O problema era que tinha ficado apavorada quando o período de gestação passou sem que sentisse os sinais do parto. O problema é que ao chegar no hospital o obstetra a examinou e começou a dar ordens sem se preocupar que sua expressão preocupada podia causar pânico na gestante.

O problema era que tinha se passado oito dias do previsto para o nascimento de Rafael. O problema era que ela teve uma parada cardíaca logo depois de começarem a cesárea e tiveram que interromper o parto para lhe salvarem. O problema foi que ela precisou ser induzida ao coma logo depois de seu filho nascer sem nem mesmo tê-lo visto. O problema era que só depois de 96 horas dormindo é que ela finalmente o tocou.

Esse era seu problema.

Saber que quase morreu. Não queria ter que pensar no que não tinha acontecido, mas não conseguia evitar. E se morresse? O que seria de seu bebê? Confiava em Quitéria e na família que conquistou, mas como seria se morresse? Tudo estaria acabado para ela. Não gostava de pensar no que acontecia depois que se morria por que tudo que se tinha certeza era que quando morria, acabava. E se não houvesse depois? E se não virasse um “fantasma” mesmo para ver o filho do mundo dos mortos?

— Ainda pensando na sua morte? – o tom distante a fez se virar para a mulher encostada á janela.

Tinha esquecido por completo da cunhada no quarto, fazia alguns minutos que ela estava ali, Dandara passava no quarto várias vezes por dia para ver como ela estava, mas nunca ficava tempo suficiente para terem uma conversa. O que tornava sua visita algo curioso, já que desde que entrou no quarto pouco disse e ficava olhando para fora.

— Não estava pensando na minha morte.

— Não minta para mim, menininha rica – Elisabete revirou os olhos para o apelido idiota que suas cunhadas usavam quando queria insultá-la sem se rebaixar á palavrões – Você não morreu, então não desperdice tempo e energia pensando no que não aconteceu.

— Fácil para você falar, não foi você quem quase morreu.

Ela concordou com a cabeça e voltou-se para fora da janela. Dandara comprimiu os lábios enquanto vigiava a outra pelo embaçado reflexo do vidro, ela nunca “quase morreu”, mas já tivera mortes suficientes para a idade que tinha e sabia bem que muitos outros conhecidos seus morreriam até que seu fim chegasse.

— Quase morrer era uma expressão estupida para se usar – ela disse para a cunhada – Por que em vez de estar comemorando a vida fica lamentando uma não morte? Você consegue ser tão insuportável quanto Mavis quando entra na triste dimensão do e se. Pare com o show de auto-piedade com divagações sobre acontecimentos aleatórios do e comece a planejar o . Cá estás tu, genetriz de um pequeno que carece de ti, te concentre nisto que é e não naquilo que não foi.

Elisabete piscou surpresa, tanto quanto pelo tom emotivo da cunhada quanto pelo teor das palavras. No fim de seu pequeno sermão, ela até desviou do sempre calculado modo de falar e deixou o sotaque estranho escorrer com. Dandara nunca tinha deixado aquele sotaque que as irmãs escondem tão mal transparecer.

A paciente suspirou irritada com o longo silêncio que se seguiu.

— Por que você veio, afinal?

— Por que quero estar aqui quando ele vier visitá-la – e lá estava novamente o modo calculado de falar sem entregar nada além de diversão ou sarcasmo.

— Ele quem?

— Elias Nogueira Figueroa, seu irmão.

Elisabete arregalou os olhos na direção da porta, como se Dandara tivesse o dom de invocar, o que não seria completa surpresa se descobrisse possuir tal habilidade, das três, a enfermeira era quem mais tinha vocação para o inexplicável.

— Por que ele vem me ver? – quis saber nervosa.

— Isso é ele quem vai te dizer. Quando chegar. Aparentemente seu irmão não é uma pessoa pontual.

Suas perguntas seguintes foram silenciosamente ignoradas por Dandara que lhe deu um daqueles sorrisos maldosos de desenho animado. Já estava criando teorias malucas por qual o irmão que a ignorou nos últimos cinco anos quisesse vê-la. Estava nervosa e só quando ouviu as batidas suaves na porta foi que se deu conta que podia ter pedido um espelho para se arrumar ou simplesmente dito que não queria recebe-lo, mas já era tarde, por que ouviu a cunhada permitindo a entrada do visitante.

Elias estava diferente. Era só um ano e meio mais velho que ela, e parecia ter muito mais idade que seus vinte e seis. O cabelo loiro-escuro estava mais curto do que ele usava, estava mais forte e agora tinha uma barba rala no rosto bonito, mas as olheiras indicavam seu cansaço tirando a beleza dos olhos verdes-água-cristalinos iguais aos seus. O estilo permanecia o mesmo, uma camiseta estampada e calça jeans. Ele tentou um sorriso que murchou antes mesmo de chegar os olhos.

— Oi – arriscou tenso, olhando para o quarto.

— Oi – pigarreou e cumprimentou mais alto – Oi.

Elisabete sentia o coração disparando, estava feliz em vê-lo? Não sabia. Estava com medo do que aquela visita representava? Não sabia. Queria uma aproximação da parte dele? Não sabia. Tudo o que sabia era que estava agradecida pela cunhava estar ali, os observando com aquele sorrisinho estranho e indefinível no rosto.

— Está atrasado, Elias – disse atraindo a atenção do loiro para si – Tinha desistido de vir?

— Não. Eu estava apenas criando coragem para encarar a realidade.

— De onde se conhecem? – Elisabete se ouviu questionar.

— Ah! Esse é um dos detalhes da longa história que Elias vai te narrar. Sugiro que comece logo, não tenho todo tempo do mundo e só temos três horas até o horário de visitas.

— Pode me deixar a sós com minha irmã, por favor.

— É claro que posso – Dandara disse, mas não se moveu.

Elias bufou e puxou a cadeira para que ficasse de costas para a enfermeira. Elisabete estava desconfiada de seja lá que relação eles tinham. Só uma pessoa acostumada com sua cunhada era capaz de entender como ela pensava e saber que ela não sairia dali.

— Como está, Elle?

— Bem, tive um filho e ainda estou no hospital, mas estou...

— Você está feliz? – ele a interrompeu.

— Sim – sem hesitação e com um largo sorriso, ela respondeu – Muito.

Os irmãos estudaram os rostos um do outro e um leve franzir tomou conta dos olhos da jovem mãe.

— Mas você está infeliz – ela afirmou com pesar indisfarçável – Soube que estava noivo de Liliane.

De vez em quanto tinha seus dias de stalker e sentia a compulsão de xeretar as redes sociais de seus antigos conhecidos em busca de informações sobre como estavam.

— Rompemos – ele contou sem nenhum traço de lamento – Devia ser um casamento de conveniências, felizmente ela achou um par mais rico do que eu.

A ruiva, cuja coloração dos cabelos tinha que ser retocados, arqueou uma sobrancelha. Não estava surpresa pela afirmação de que o irmão tinha se disposto ao papel de casar por conveniência, só ficou surpresa por ele contar. Aos poucos o silêncio começou a tomar conta do lugar. Ela olhou do irmão para a cunhada e de volta para ele, então quebrou o silêncio outra vez.

— Por que você veio Elias. Não que eu não esteja feliz em ver você novamente, só que é inesperado isso. Então? O que está acontecendo?

— Você é jornalista, Elias, ou conta a verdade para ela ou eu conto minha versão.

— Se insiste em ficar, mantenha-se calada.

Elisabete olhou para a cunhada esperando uma reação para o tom severo de Elias, mas a mulher mantinha a calma de sempre. Aquilo tinha que significar alguma coisa e vindo logo daquela gêmea, coisa boa não devia ser. Qualquer outra pessoa teria levado um sermão ou uma surra por falar com ela naquele modo. Encarou o irmão, o encorajando a falar logo seja lá o que ele tinha para contar.

— Sabe aquelas coisas que falavam sobre o vovô?

Ela assentiu e ali começou a ruptura do véu que mantinha a verdade encoberta. Elisabete sentia os olhos arregalar á medida que o irmão contava sobre o avô, sentiu o queixo cair enquanto o irmão falava sobre as atividades ilegais daquele homem amoroso á quem ela adorava. Sentiu os arrepios diante dos crimes que ele cometeu para chegar e manter a posição que tinha. Quando acabou o que tinha que ser dito, ela sentia lágrimas correndo pelo rosto.

Não conseguia dizer nada, estava muda, estava desolada. Preferia ter continuado com a ideia de que o povo era invejoso e que tudo sobre seu avô não passava de boatos. Mas era verdade, seu irmão podia ter muitos defeitos e qualidades, ser bom mentiroso não era um deles. Pior, ele lhe deu um pen-drive com tudo o que ela precisava para confirmar o que tinha ouvido.

— Já chega – Dandara rompeu a história que o irmão parecia ainda querer terminar – Já é o bastante por um dia.

— Não, eu quero saber.

Ela a ignorou.

— Elias... – a advertência fez o loiro recuar.

— O que pode ser pior? Meu avô era um criminoso internacional, um assassino, ladrão, corrupto... O que pode ser pior.

— Elias, não.

— A decisão não é sua, Dan – ele sussurrou antes de se concentrar na irmã e segurar suas mãos trêmulas – O infarto dele foi provocado.

O horror tomou conta de seu rosto quando entendeu o que ele dizia.

— Assassinato?

— Pare – Dandara tinha se aproximado e segurou o ombro de Elias – Faltam só uns minutos para a hora da visita e você não pode ser visto aqui.

Ele assentiu, mas ainda segurava as mãos de Elisabete. Depois de uma comunicação silenciosa por troca de olhares marejados e uma despedida igualmente silenciosa, Elias foi embora. Dandara a ajudou ir ao banheiro limpar o rosto marcado pela choradeira. Seu avô, João Pedro Salles Figueroa, líder politico de sua época e um homem que ela considerava sinônimo de honra e bondade, no fim era só mais um criminoso. Alguém que usou de meios ilegais para se tornar quem era. Tentou conter a magoa da descoberta. Ainda tinha mais a ser contado, e se o olhar temeroso de seu irmão lhe pudesse servir de indicador, o pior ainda não tinha sido dito.


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