Enquanto marchava na direção do Spike, eu consegui perceber o poder de grande parte dos alunos, como uma espécie de aura que os circundava. Mas isso obviamente não era importante para mim, estava muito focada nele, ninguém me acertava e depois insultava minha altura de graça assim.

Dava para perceber no rosto dele o quanto ele estava apavorado, mas ele realmente era corajoso. Spike começou a recuar, atirando pequenas esferas de fogo superconcentradas em minha direção. Devo dizer, o desespero realmente consegue impulsionar as habilidades de alguém, pois podia sentir que eram poderosas, e vinham em grande quantidade, como balas de uma metralhadora.

Novamente, não me importei com nada disso, desviei de grande parte com facilidade, quase instintivamente. As esferas das quais não desviei eu rebati com a mão, percebendo que ali também tinha escamas, e que elas protegiam muito bem do calor. Continuei me aproximando lentamente dele, desviando e rebatendo suas bolas de fogo, até que percebi que ele tropeçou em algum objeto no chão e caiu de costas.

Um pouco atrás dele, o professor Fierce nos observava, de braços cruzados, sem fazer nada. Spike olhou para o objeto que havia tropeçado e se levantou rapidamente, pegando-o. Aparentemente, Lina estava melhorando bastante em seu poder, pois o objeto era um osso longo, afiado, em um formato muito semelhante a uma espada.

Spike percebeu que eu não pararia, então acho que se desesperou um pouco e tentou partir para cima. Para a minha surpresa, e acho que até dele mesmo, a espada de osso em suas mãos começou a pegar fogo, mas sem degradar o material em si, era mais como um revestimento de chamas eficaz.

Isso pareceu aumentar um pouco sua confiança, o que me deixou ainda mais irritada, ele realmente achava que algo simples como um osso pegando fogo seria capaz de me parar? Spike brandiu a espada em um arco entre nós, que desviei dando um passo para trás. Ele tentou diversos movimentos, e enquanto eu desviava, ficava mais confiante em suas habilidades, provavelmente achando que estava me fazendo recuar.

Mas eu já estava cansada dessa brincadeira idiota, dei um passo para frente e esperei seu próximo ataque. Como previsto, ele balançou o osso em um arco, mirando na altura da minha barriga. Infelizmente para ele, bastou um movimento das minhas mãos para acabar com aquilo. Eu olhei para as minhas mãos e percebi que os meus dedos apresentavam longas garras, que eu tinha acabado de usar para cortar o osso produzido por Lina em três ou quatro pedaços.

Spike estava congelado de medo, eu podia sentir sua respiração presa. Assim que dei impulso para atacá-lo com minhas garras, senti o meu corpo travando. Olhando para o meu pulso levantado e para a minha cintura, pude ver grossas correntes me segurando e impedindo meu avanço. É claro que eu conseguia sentir o poder das correntes, me sentia extremamente limitada por elas. Entretanto, ainda estava extremamente com raiva, e continuei forçando o meu braço, até ouvir o som das correntes trincando levemente.

De repente, tudo desapareceu. Eu estava em um campo plano, com grama alta e flores de diversas cores. Podia sentir a brisa no meu rosto e vi que o céu era algo entre roxo e rosa. Eu sabia que estava na ilusão do G, mas isso parecia ainda mais realista do que da última vez. Além disso, para a minha surpresa, eu não estava sozinha: Blair, G e Dandara estavam lá, perto de mim.

Dandara se aproximou e segurou os meus braços, expressando um pouco de dor no rosto, acho que a minha temperatura corporal estava muito alta nesse momento. Olhando para os meus pulsos, eu não pude ver as correntes, mas ainda as sentia lá. Também não podia ver Spike, mas conseguia sentir nitidamente a sua energia, um pouco atrás de Dandara.

—Está tudo bem, Alicia. Apenas ignore o que ele falou antes. – Era o G, parecendo estar muito concentrado.

—É verdade, Alicia, nada que ele falou estava certo, você é demais. – Dandara disse, segurando os meus braços, já não fazendo cara de dor. – A culpa é minha, eu deveria ter defendido aquela bola de fogo.

Eu nem tinha parado para pensar que esse era o dever de Dandara no exercício, mas de forma alguma conseguiria culpar ela pelo que aconteceu, ainda estava muito irritada com Spike.

—Alicia, está tudo bem, você não precisa ficar mais irritada. – Era Blair dessa vez, mostrando um pouco de confiança na voz. – Você já mostrou para ele que é melhor, ele estava quase morrendo de medo.

Finalmente senti o meu corpo relaxar um pouco. Parei de resistir e deixei meus braços caírem dos lados, me sentindo um pouco mal por ter precisado dos três para me parar, com certeza exagerei. Os tons vermelhos que toldavam minha visão sumiram, e junto com eles as minhas garras.

—Está tudo bem, eu não estou mais tão irritada, não vou atrás dele. – Eu disse, já considerando o que tinha feito. – Só espero que ele não repita isso.

A ilusão do G desapareceu, mas os três ainda estavam lá, perto de mim. Spike estava atrás do professor, que liberou as correntes quando percebeu que eu tinha relaxado. Olhando para trás, pude perceber que o chão estava completamente rachado desde onde eu havia sido acertado até onde eu estava. Os outros alunos haviam se afastado e estavam encarando de longe, assustados.

—Vocês têm que saber a hora de se controlarem... – Pude ouvir o professor dizendo, desaprovando o exagero. – Mas acho que foi um bom começo.

Estava um pouco confusa, ele tinha visto isso tudo como algo positivo? Olhei para o rosto dos três ao meu redor, mas eles pareciam igualmente confusos.

—O objetivo da aula era vocês descobrirem melhor seus poderes e deixá-los mais fortes, e foi exatamente isso o que fizeram. – Ele disse, alternando os olhos entre as faces dos envolvidos. – Mas sinceramente, às vezes eu questiono um pouco os métodos do diretor. – Essa última parte ele sussurrou para si mesmo.

—Spike obviamente está controlando as chamas melhor, sendo inclusive capaz de recobrir objetos com elas sem queimá-los. – Ele começou a dizer, pois ainda parecíamos confusos. – Dandara teve uma mutação incrivelmente rápida para aguentar o calor e também a força de Alicia, G criou uma ilusão compartilhada, muito realista aliás, Blair conseguiu acalmar a nossa pequena barraqueira. – Ele não parecia dizer isso para me irritar, citou quase como um fato – E Alicia começou a descobrir seus poderes reais, acho que foi uma evolução no geral.

É, olhando por esse lado, ele realmente estava certo, essa foi uma forma muito eficaz de desenvolvermos os nossos poderes. Eu troquei um soquinho com o G e um toque de mãos com Blair e Dandara. Nós somos muito fodas.

—Mas, isso não significa que perder o controle tenha sido justificável. – O professor Fierce completou, olhando para mim. – Sem pudim por uma semana, Alicia.

Okay, isso foi um golpe incrivelmente baixo. O pudim era a minha motivação para subir de rank, ou pelo menos era no começo. Depois de vermos aquele monstro de rank H, eu percebi que precisava ficar muito mais forte para conseguir combater o que quer que estivesse lá fora, e eu realmente presava pela segurança dos meus novos amigos. Suspirei e me sentei na arquibancada, para assistir os outros continuarem a praticar. Eu ter feito uma cena não era razão o suficiente para parar o treino dos outros.

O mestre Fierce orientou todos a voltarem a treinar, inclusive Spike, que já parecia menos abalado e pronto para voltar a praticar. Pude ver Blair retornando ao grupo de pessoas e conversando com eles, e dessa vez eles começaram a fazer coisas estranhas como cantar, sentar no chão e outras atitudes incomuns para a situação.

Olhando para o G, pude ver ele fazendo seis bolinhas desaparecerem simultaneamente, mas se concentrando muito. Acho que uma situação de pressão realmente impulsiona bastante os nossos poderes, porque todos pareciam pelo menos um pouco mais fortes e eficientes com suas habilidades. Comecei a me concentrar no treino de Dandara e Spike.

Spike começou de forma comum, atirando esferas de fogo com sua mão esquerda na direção de Dandara. Ele estava atirando rápido, com velocidade próxima ao que usou contra mim, com a mão direita ele segurava outro osso produzido por Lina. Dandara, para a minha surpresa, não estava devagar, ela já estava um pouco mais ágil que uma pessoa normal, desviando de grande parte dos disparos.

As esferas flamejantes que a acertavam não causavam danos significativos, o que mostrava que ela também tinha ficado mais resistente ao calor rapidamente. Após a minha pequena demonstração de poder (ou descontrole total, tanto faz), ambos pareciam mais ousados e determinados a testar os seus poderes de melhor maneira. Dandara se aproximou rapidamente de Spike, dando uma finta em sua direção. Spike imediatamente traçou um arco no ar com a espada de ossos, agora flamejante, e se decepcionou por ter errado. A menina, com um sorriso, apenas pegou algo do chão e se afastou novamente.

Quando olhei paras as mãos da minha amiga, percebi que ela estava segurando um dos fragmentos da espada de osso que eu tinha cortado, apertando a parte afiada contra sua palma. Após ela ter pego o pedaço do osso, Spike voltou a atirar esferas de fogo contra ela, ainda mais rápido do que antes. Para a minha surpresa, Dandara defendeu todas as esferas com a mão que segurava o osso, que estava sangrando aliás, e começou a se aproximar dele de novo. O menino parecia estar concentrando suas chamas na espada, esperando a aproximação da menina.

Quando ela estava quase chegando, Spike girou a espada em um arco novamente, mas dessa vez as chamas saíram quase como uma extensão do osso, impossibilitando qualquer esquiva para trás ou para os lados de Dandara. Mas não foi necessário, ela soltou o fragmento que estava segurando um pouco antes de chegar nele e pulou por cima do movimento que ele fez, agarrando a espada com a mão nua e passando por cima dele em uma pirueta, parecia quase ballet, se essa dança fosse mais perigosa e mortal.

Assim que aterrissou atrás de Spike, Dandara puxou a espada que estava segurando, fazendo o menino girar com ela, dando um leve peteleco no nariz dele quando terminou o movimento.

—Acho que ganhei, Spike. – Ela soltou a espada de osso sorrindo, muito orgulhosa de si mesma. Spike estava um pouco atordoado com esse último movimento.

—Ganhou sim, eu admito, você não é tão ruim. – Ele soltou a espada de osso, que parou de emitir chamas, e segurou a mão dela. – Você está bem? A espada era bem afiada e estava muito quente, não se machucou?

—Não, eu estou bem, olha só. – Dandara mostrou a mão para ele, que continha apenas uma pequena cicatriz cauterizada, ela realmente tinha resistido sem machucados contra o movimento dele. – Eu usei um fragmento de osso da luta anterior para desenvolver resistência contra coisas afiadas, e depois parei suas bolas de fogo com a mesma mão para induzir resistência contra calor.

Ele pareceu bem impressionado, mas apenas esfregou onde ela tinha dado o peteleco e se afastou, olhando para as suas mãos e considerando o poder que tinha. Essa luta foi impressionante, e tenho certeza que o professor também tinha assistido, pois assim que acabou, ele anunciou o fim da aula.

—É isso, pessoal. Teremos diversas sessões de treino. – Ele começou a nos dispensar para o almoço. – Mas preparem-se, vocês têm menos de uma semana para ficarem mais fortes, os colocarei para enfrentar o monstro rank H novamente.

Todos tivemos calafrios quando ele mencionou o monstro, mas não estávamos com tanto medo assim. Agora sabíamos que poderíamos melhorar e, aparentemente, estávamos avançando rápido. Saímos da arena, em direção ao refeitório para almoçar.