As Crônicas de Ainsworth escrita por Fore Project


Capítulo 1
Prólogo




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Prólogo.

No ano 1816, durante a Revolução Imperial, magia se tornou o principal poderio militar das grandes nações. Magos foram criados e treinados para lutarem as guerras no lugar de soldados comuns. Um único mago podia equivaler a cem soldados; cem magos podiam equivaler a um exército de dez mil homens.

A cada nova geração de magos treinados, mais forte e refinada a magia se tornava. Durante a quinta geração a magia foi sistematizada, se diversificando em cada uma das nações. Após o fim da guerra, magia se tornou um novo ramo de estudos e pesquisas. Não mais usada como um poderio militar, magia passou a ser usada como um novo meio adquirido para alcançar um nível ainda maior de conhecimento científico.

Ela deixou de ser usada como uma arma e passou a ser integrada à medicina, arquitetura, tecnologia e muitas outras áreas onde jamais poderia se imaginar que teria tanta utilidade. Com o avançando dos estudos e das pesquisas, métodos de tratamentos e curas para doenças e epidemias foram descobertos. Novos meios de construções foram criados. Tecnologias inovadoras e revolucionárias foram inventadas.

Magia passou a ser algo tão natural e rotineiramente utilizado pelas pessoas que muitas acabaram por esquecer sua verdadeira origem e suas raízes. Para que não fosse degenerada pelo tempo, academias de artes mágicas foram criadas para preservar e manter os traços originais da magia. Tais academias eram divididas em várias áreas e ramos do estudo da magia, mas as maiores e mais famosas academias eram aquelas que formavam novos magos para o Império de Ainsworth.

Para manter a ordem, as artes mágicas de luta foram mantidas para a criação de novos magos que atuariam como uma força preventiva para manter a ordem e paz dentro das cidades. E embora digam que a guerra tenha acabado, ela ainda se mantinha viva. Oculta nas sombras e disfarçada pela paz, a guerra ainda existia dentro do império.

Dia após dia lutas continuavam sendo travadas por detrás das cortinas, sem que aqueles rodeados pela paz pudessem perceber, saber ou descobrir. Essa guerra oculta era travada por aqueles que juraram lealdade e proteção ao império contra aqueles que juraram destruí-lo algum dia.

E dentre aqueles que juraram proteger o império havia uma mulher. Tal mulher era uma grande e poderosa maga que acreditava tolamente em seus ideais mais que qualquer outro mago, e acabou se ferindo mais que qualquer um por causa disso.

Ela acreditava que poderia salvar todas as pessoas, e acabou por cair em desgraça quando se deu conta da cruel realidade que o mundo é. Ela percebeu que para salvar uma maioria, era necessário sacrificar uma minoria; para se alcançar um bem maior, era necessário abandonar um bem menor; quanto mais salvasse, mais precisava matar.

Iludida por seus próprios ideais, ela não questionava os meios ou suspeitava dos fins, acreditando sempre estar fazendo o que era mais justo para manter o equilíbrio na balança da justiça.

Ela não possuía nenhum preconceito com qual vida deveria salvar, e, dessa mesma forma, ela também não tinha nenhum preconceito com qual vida deveria tirar. Homens, mulheres, idosos ou crianças... não havia nenhuma diferença para ela, o peso da vida era apenas um só. Ela acreditava que todas as vidas estavam balanceadas entre sacrifício e salvação, aumentando ainda mais o seu fardo.

A mulher cresceu acreditando em seus ideais mais que qualquer um. Ela não se permitiu ter uma infância normal ou feliz, não se permitiu amar ou se apaixonar, e se feriu muito mais do que qualquer outro. Acorrentada pelo peso de seus próprios pecados suas mãos se tingiram de sangue e tudo o que ela podia ver ao olhar para trás era um longo caminho, interminável e solitário, de corpos banhados em vermelho.

Mas mesmo assim ela não se deixou abalar.

Ela continuou a acreditar que o que fazia era o certo a ser feito. Ela continuou a acreditar que todas aquelas vidas que ela sacrificava serviriam para salvar mais vidas. Se tornando uma máquina sem sentimentos ou lágrimas ela continuou matando, matando e matando. Até que finalmente se sufocou com os corpos empilhados sobre si mesma, e se afogou com o sangue de suas próprias mãos.

Ela matou até mesmo aqueles que jurou um dia proteger... se dando conta tarde demais.

Não importava quantas vidas ela salvasse, ela não poderia salvar todos. Não importava quanto sangue derramasse, ela não poderia salvar todos. Crueldade era um instinto natural dos humanos e, não importava quantos ela matasse para salvar outros, a crueldade sempre continuaria a existir enquanto os humanos existissem. Tornando tudo aquilo um ciclo de ódio interminável e inquebrável.

Em um ponto no caminho ela se deu conta da grande contradição que existia em seus ideais.

Se para salvar uma maioria era necessária sacrificar uma minoria, para manter um sorriso quantas lamentações e tristeza precisaria ignorar? Para salvar uma família, quantas outras teria de sacrificar? Pouco a pouco ela foi percebendo que seus ideais não passavam de um puro e egoísta sonho infantil. E quanto mais se dava conta disso, mais e mais ela se feria.

Caminhando sem um rumo, a mulher continuou a andar e andar; passando novamente pelos inúmeros campos de batalhas nos quais ela lutou um dia, vendo as consequências e a destruição que deixou para trás enquanto seguia cegamente seus ideais e seu sonho infantil. E a cada campo de batalha que ela visitava novamente, mais e mais seu coração se dilacerava, até que acabou por ser completamente engolida pelas sombras do desespero e do arrependimento.

Ao se dar conta do quão egoísta seus ideais eram, ela percebeu que seria completamente hipócrita tentar fugir de suas consequências ou se arrepender de seus atos, e aceitou o destino que lhe aguardava no fim do caminho que escolheu percorrer.

Se algum dia as vítimas de seus ideais surgissem diante dela a procura de vingança, ela a aceitaria tranquilamente sem resistir ou revidar. Aquele era o preço que ela pagaria por ter acreditado tão cegamente que tudo o que fazia era certo e justo.

E quando finalmente alcançou o fundo sombrio do desespero, ela viu uma luz. Um pequeno e fraco feixe de luz que surgiu na superfície, de onde ela mal conseguia enxergar direito, mas que mesmo assim a alcançou.

No meio do caminho pelo qual seguia, ela avistou uma pequena figura caída sobre uma poça de água e lama. Os pingos de chuva caindo incessantemente sobre o pequeno e magro corpo da criança diante dela, enquanto ela mesma se mantinha ali, calada e observando.

Novamente ela estava errada.

Ela não estava aceitando seu destino ou as consequências de seus atos, ela estava simplesmente fugindo deles. Se deixar ser morta por uma das vítimas de seus ideais não era aceitar suas consequências, era fugir delas. Seus pecados foram cometidos por suas próprias mãos e por suas próprias decisões, e por mais ninguém. Era seu dever e obrigação continuar a viver carregando-os consigo enquanto continuasse a existir naquele mundo.

Ela se ajoelhou ao lado da criança, a pegou em seus braços e a abraçou. E pela primeira vez ela se permitiu chorar, chorar como uma criança que se machucou profundamente ao se ferir pela primeira vez.

Depois daquilo, alguns dias se passaram e quando o garoto acordou, tudo o que ele viu foi a figura de uma bela mulher sentada ao lado de sua cama enquanto segurava firmemente sua mão. Por alguma razão, aquela mulher tinha lágrimas nos olhos, mas parecia completamente feliz do fundo de seu coração, como se ela houvesse sido a salva, e não ele.

Quatro anos se passaram desde aquele dia. A mulher cuidou da criança e a tornou seu discípulo, abandonando seu nome e sua espada, ela se dedicou totalmente àquela criança.

O garoto foi treinado e instruído por ela, se tornando um grande mago mais tarde.

E no meio do caminho de sua redenção, a mulher finalmente se apaixonou e teve uma criança. Uma garota, tão pequena e leve, que seu peso era tão insignificante comparado a espada que ela carregou por tanto tempo.

Aquela foi a segunda vez que a mulher encontrou a felicidade em sua vida.

— Eu ainda não consegui pensar em um bom nome para ela.

Ela disse, com sua voz fraca e debilitada enquanto ainda se recuperava em sua cama.

— Eu tenho tantas ideias que mal consigo me conter, e ao mesmo tempo não consigo escolher qualquer uma delas.

A mulher segurava a criança em seus braços com a maior delicadeza que podia possuir naquele momento. A criança dormia tão tranquila e com uma expressão tão serena por sentir o calor de sua mãe tão de perto, que ninguém nunca imaginaria quão longo foi o caminho pelo qual aquela mulher andou até chegar ali.

— Mestra... – o garoto disse, hesitante, observando as duas.

— Por favor, não faça essa expressão tão abatida assim... – pediu ela com um sorriso singelo. – Eu sei que não tenho o direito, mas olhar para o rosto dessa criança me traz tanta felicidade e paz que mal consigo me afastar dela...

— Se você diz isso, então por que você...

O garoto parecia preocupado.

— Infelizmente, eu não posso fazer isso...

Ela recusou de imediato com uma expressão angustiada e abatida.

— Minhas mãos estão manchadas de sangue, e sempre estarão. A única maneira de poder segurar essa criança em meus braços sem mancha-la com meus pecados é usando estas luvas. Eu não posso tocá-la diretamente com essas mãos sujas e manchadas com a sujeira e imundice de meus crimes... e eu também sei que não tenho o direito, mas... mas... Mesmo assim eu ainda quero poder sentir um pouco dessa felicidade antes de partir – ela disse com um semblante tão sereno e tranquilo.

Mesmo ainda se recuperando e ainda um pouco magra, suas feições continuavam belas e resplandecentes, quase como uma joia nobre. Aquele sorriso singelo em seu rosto enquanto observa tranquilamente a criança em seus braços só fez com que o garoto adotasse uma expressão de dor ainda maior em seu rosto.

— Você é tão gentil... – ela disse, observando o garoto. – Talvez o mais gentil que eu já tenha conhecido, mas não deveria gastar suas lágrimas com alguém como eu... Eu não as mereço...

— Eu sei...

Ele disse, quase engasgando com suas palavras.

— Eu sei disso... Você não pode se perdoar por seu passado... Eu sei disso melhor que qualquer um... mas ainda assim... ainda assim... eu...

— Eu só tenho mais alguns anos, não é...

Ela disse com a mais pura tranquilidade em sua voz.

— Foi uma longa, longa caminhada até aqui... – ela olhou para a criança em seus braços. – Mesmo que seja por pouco tempo, eu ainda quero poder desfrutar dessa felicidade o máximo que eu puder... mesmo não a merecendo.

— Sim...

O garoto sabia muito bem.

Ele sabia melhor que qualquer um que sua mestra nunca se perdoou pelas coisas que fez ou pelas decisões que tomou em seu passado, continuando a se culpar por tudo aquilo em silêncio.

Escondendo sua dor, ela continuou a sorrir para aqueles à sua volta; nunca mostrando sua tristeza, nunca mostrando seu sofrimento. Ela sempre se manteve sorrindo. O garoto sabia muito bem disso, por isso, tudo o que podia fazer era concordar com as palavras dela.

— Eu sei que posso estar sendo egoísta, mas, por favor, me permita ser um pouco mais egoísta – ela pediu com sua voz um pouco fraca, quase um sussurro.

— Sim...

O garoto limpou as lágrimas com as costas de sua mão.

— Você pode ser egoísta o quanto quiser, eu não reclamarei.

— Você é mesmo muito gentil...

Ela sorriu novamente.

— Em breve, eu não estarei mais aqui, por isso eu peço que você guie essa criança em meu lugar. Guie ela por um caminho diferente do qual eu caminhei. Eu tenho certeza de que um dia ela irá se tornar uma ótima garota que ajudará aqueles que precisam de ajuda... Eu quero que ela seja uma pessoa completamente diferente do que eu fui...

— Tudo bem... eu farei isso. Eu prometo...

— Por favor, não faça uma promessa com uma expressão tão dolorosa assim.

Mais quatro anos, a mulher só tinha mais quatro anos de vida.

Foi o que o doutor disse após o parto. Segundo ele, aquela mulher havia alcançado o limite de sua força, e por causa disso seu tempo de vida acabou sendo encurtado. Alguns de seus circuitos mágicos foram destruídos e isso desabilitou algumas das funções de seu corpo. Ela não poderia mais andar ou se esforçar de mais, mal conseguiria carregar aquela criança em seus braços quando estivesse um pouco mais velha.

Ao saber disso, a mulher aceitou tudo aquilo com o mais puro e singelo sorriso. Ela se sentia grata por ter a oportunidade de conseguir viver um pouco mais e ver sua tão amada filha crescer. Mas para o garoto, isso apenas trouxe dor e tristeza.

Ele ainda não havia conseguido retribuir por tudo o que ela havia feito e lhe ensinado. Ele queria mostrar a ela, queria mostrar o tipo de homem que ele se tornou por causa dos ensinamentos que ela lhe passou; queria mostrar a ela que tudo o que fez não foi errado ou em vão.

Ele queria que ela pudesse se perdoar por seu passado, mas não conseguiu.

E então os quatro anos se passaram.

Era um dia cinzento e frio.

No pequeno monte atrás do vilarejo um grupo de pessoas vestindo preto estava reunido diante de uma lápide, onde um caixão estava sendo enterrado. O padre local fez algumas orações e disse algumas palavras – assim que o caixão foi completamente enterrado as pessoas tão logo se foram.

Restando apenas uma.

Ele se manteve ali por algum tempo observando o nome escrito na lápide.

Não importava quão forte as gotas de chuva lhe golpeassem, ele não recuou um único passo, e misturada as gotas de chuva estavam suas lágrimas. Ele não conseguiu mais suportar o peso de seu próprio corpo e desabou sobre suas próprias pernas, caindo de joelhos sobre a terra enlameada.

— Eu sinto muito...

Ele disse, quase engolindo sua própria voz com aquelas palavras que pareciam estar tão pesadas em sua garganta.

— Eu não pude cumprir minha promessa... é impossível... É um fardo pesado demais para mim.

Ele cerrou os punhos molhados e cobertos de lama. A expressão de dor em sua face retorcida mostrava o quanto estava se segurando ao máximo para não chorar feito uma criança vendo sua mãe partir.

Um dia antes do enterro, a pequena garotinha de quatro anos estava aos prantos.

Mesmo que fosse cruel demais para uma criança daquela idade, o garoto ainda assim teve de contar. Ele teve de contar a ela que sua mãe nunca mais voltaria e que ela nunca poderia vê-la novamente. A garotinha então chorou, chorou e chorou até não aguentar mais e acabar adormecendo.

Algumas horas depois uma bela carruagem chegou à pequena casa de madeira onde o garoto morava com sua mestra e a filha dela.

Um homem com uma aparência um pouco mais velha e de cabelos grisalhos saiu e foi de encontro ao garoto. Ele o conhecera, era o pai da garotinha que dormia de tão cansada que estava após chorar por horas; o homem pela qual sua mestra se apaixonou, mas não pôde viver junto.

Ele era o líder de uma das mais antigas e tradicionais famílias da capital, e como a mulher não queria que sua filha seguisse seus passos e se tornasse uma maga, ela acabou o deixando e se refugiou no interior, em um vilarejo onde ninguém a conhecia.

O homem aceitou e permitiu. Assim como o garoto, ele também conhecia sobre o passado da mulher e entendia que ela não podia se perdoar pelo que fez. Ela evitava se aproximar muito das pessoas temendo que pudesse se apegar a elas, sempre acreditando que não possuía o direito para tal coisa.

Ao ver sua amada deitada de forma tão graciosa sobre a cama, ele se ajoelhou ao seu lado e pegou suas mãos.

O garoto os deixou a sós, ele não tinha o direito de observar aquela cena íntima entre o homem pelo qual sua mestra se apaixonou e ela. O homem ficou ali, por um longo momento segurando a mão de sua amada enquanto uma expressão contorcida de dor surgia em seu rosto. Ele passou a mão em seus cabelos tão negros quanto a noite, os acariciando uma última vez antes que pudesse dizer adeus.

Mesmo que nunca se perdoasse pelas coisas que fez em seu passado, a mulher foi mais amada do que imaginava, tanto em sua vida quanto em sua morte. Ela teve um ótimo discípulo, se apaixonou por um homem que a aceitou mesmo conhecendo seu passado, e por fim deu à luz a uma linda garotinha. Mesmo que seu tempo houvesse sido curto, ela aproveitou cada segundo daquela felicidade, mesmo acreditando que não a merecia.

— Você tem certeza? – o homem perguntou.

— Sim...

O garoto respondeu, quase engasgando com a própria voz.

— Ela é a sua filha, e mesmo que eu tenha prometida a minha mestra, eu não tenho o direito de tomar o seu lugar. Além disso... eu ainda preciso me encontrar e descobrir o que eu realmente quero me tornar.

— Se algum dia você quiser retornar, você tem a minha palavra que eu irei recebê-lo de braços abertos em minha casa.

— Sim... algum dia eu irei retornar. Até lá, você deve cuidar bem dessa criança. Ela é o primeiro e último legado de minha mestra.

O garoto olhou de forma carinhosa e ao mesmo tempo triste para a garotinha que dormia.

— Ela é a prova de que um dia minha mestra esteve nesse mundo.

— Você tem minha gratidão até o fim de minha vida por tudo o que fez por ela até agora. Por isso... – o homem ficou diante do garoto e se curvou para ele. – Eu o agradeço.

Tudo o que garoto pôde fazer foi abrir sua boca para dizer algo, mas não conseguiu.

Ter alguém de uma família tão importante e orgulhosa se curvando para ele daquela maneira era algo inacreditável e surreal. Também mostrava o quanto aquele homem realmente era grato do fundo de seu coração por baixar a cabeça para alguém como aquele garoto.

— Eu queria dar a ela um enterro melhor, mas tenho certeza de que ela iria rejeitar. Não era algo dela gostar de parecer alguém importante ou chamar a atenção. Ela certamente iria preferir alguma coisa mais simples.

— Sim...

Após dar seu último adeus com uma expressão dolorosa em seu rosto, o homem partiu levando a pequena garotinha consigo em seus braços. Ele entrou na carroça e logo desapareceu pela estrada de terra que estendia até onde os olhos podiam ver.

Após o enterro, o garoto retornou a pequena casa de madeira e começou a recolher suas coisas.

Ele ficou alguns dias arrumando tudo antes de partir, além de se recuperar um pouco da perca recente. Muitas vezes ele acabou por recordar memórias antigas daquela casa enquanto recolhia tudo e colocava em caixas de madeira.

Ele lembrou-se da vez que sua mestra o tentou ensinar a ler aquelas palavras tão difíceis e complexas que havia nos vários livros que ela tinha. Eles passaram vários dias e noites sentados à mesa lendo e escrevendo até que ele pudesse executar tudo o que ela o havia ensinado sem dificuldade alguma.

Outra vez acabou por se lembrar de quando o teto estava quebrado e ele precisou consertar, mas acabou por escorregar e cair sobre o pequeno jardim de flores que havia atrás da casa de madeira. Sua mestra quase o matou por causa daquilo.

Também se lembrou da vez em que a garotinha começou a chorar de fome e ele precisou preparar alguma coisa para ela, já que sua mestra ainda estava se recuperando. No fim ele acabou por errar várias e várias vezes até que finalmente conseguisse preparar um pouco de mingau que pudesse ser comestível.

Cada vez que ele guardava alguma coisa, mais e mais recordações surgiam em sua mente – as boas e as ruins. A cada toque de seus dedos pelos móveis e pelas paredes, uma nova memória surgia, o preenchendo por uma felicidade nostálgica e ao mesmo tempo uma angústia dolorosa.

Após finalmente arrumar tudo, ele retornou a lápide de sua mestra uma última vez.

Era tarde e o manto alaranjado do crepúsculo cobria completamente toda a paisagem a sua volta. Ele se agachou e colocou algo perto da lápide – uma pequena flor de lírio branco. Juntou suas mãos e fez uma breve oração. Levantou-se novamente e olhou uma última vez para o vilarejo.

— Eu posso não ter cumprido a nossa promessa de antes, mas eu prometo que algum dia eu retornarei e trarei visitas – ele se voltou para a lápide novamente. – Até lá, por favor, tenha um pouco de paciência, mestra.

Uma leve brisa gélida do início de noite passou por seu rosto e moveu alguns fios de seu cabelo, quase como se uma leve e delicada mão invisível lhe houvesse feito carinho.

Ele ficou estático por um breve instante, como se fosse atingindo em cheio por um turbilhão de emoções que queriam explodir de uma única vez, mas aguentou tudo. Em seguida, olhou para o céu já escuro, mas iluminado pelas estrelas, e sorriu.

— Sim, eu irei me cuidar... mestra.


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