As Crônicas de Ainsworth escrita por Fore Project


Capítulo 2
Capítulo 01




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Capital imperial de Ainsworth, ano de 1884.

Raleigh havia chegado a Estação Central exatamente às oito horas da manhã, assim como o horário havia previsto.

O casaco negro velho e desgastado ajudava a enfatizar a aparência de alguém desleixado e ordinário, tornando sua presença completamente invisível para àqueles a sua volta. A mala que trazia em uma das mãos estremeceu de forma brusca e violenta, como se houvesse uma fera selvagem presa dentro dela. Ele a balançou de maneira firme e forte, fazendo com o que que estivesse ali se aquietasse. Após checar a hora uma última vez, guardou o relógio de prata no bolso interno de seu casaco e começou a se mover.

Assim que chegou à praça principal onde as várias pessoas que aguardavam por seus trens ou esperavam por alguém estavam concentradas, ele rapidamente localizou aquele que viria ao seu encontro. Ela segurava uma placa em suas mãos onde estava escrito o nome dele; assim que o viu se aproximar rapidamente baixou a placa e fez uma breve reverência antes que pudesse falar.

— Bom dia, Sr. Rivaille. Eu estava a sua espera.

Ela devia ser alguns anos mais nova. Provavelmente havia acabado de chegar aos vinte. Usava roupas formais e caras, os cabelos negros presos por um coque e os olhos verdes sem expressão alguma por trás da lente de seus óculos de armação prateada lhe davam o ar de seriedade e responsabilidade.

— Eu me chamo Helena e estarei encarregada de levá-lo ao Sr. Aurélio, como o informado.

Ela ergueu sua mão direita em um gesto.

— Poderia me acompanhar, por favor.

Ele acenou com a cabeça e a seguiu através da praça principal.

A Estação Central conectava todas as linhas expressas e transcontinentais que passavam pela capital imperial. Era uma das maiores e mais belas construções já vistas – uma verdadeira maravilha construída com a ajuda da magia. Seus pilares principais eram gigantes, capazes de suportar quatro andares de Pedras Reais – um dos mais resistentes materiais e com maior período de durabilidade que existia, podendo sobreviver até mesmo por vários séculos antes que começasse a se deteriorar. Além da utilização de técnicas de magia arquitetônica.

Assim que chegaram à entrada, havia uma bela carruagem aguardando por eles - uma das invenções mais magnificas já criadas. Ela substituía o uso de cavalos pelo uso de motores alimentados por cristais mágicos que absorviam a energia mágica dispersa no ar e a convertia em energia pura. Trocando também as rédeas por volantes que permitiam controlar sua direção com muito mais sutileza e facilidade.

Helena parou diante da porta da cabine, onde o motorista os aguardava fumando um cigarro barato, e a abriu. Com um gesto de sua mão direita ela pediu que Raleigh fosse o primeiro a entrar, entrando depois dele. O motorista fechou a porta assim que ambos entraram e então se dirigiu até o volante, acionado uma alavanca que havia próximo ao seu assento.

A máquina fez um ruído informando que seu motor estava ligado. Em seguida, pisou sobre um dos pedais que havia próximo aos seus pés logo abaixo do painel onde se encontrava o volante – a máquina lentamente começou a se mover e ganhar velocidade, entrando no meio de outras carruagens que também ocupavam as ruas e avenidas próximas dali.

Mesmo que fosse uma invenção nova, com pouco menos que 3 anos, foi considerada uma grande revolução de transporte e se tornou muito comum na capital imperial e em outras grandes cidades. Mas muitos reinos e impérios estrangeiros ainda não haviam adquirido tal invenção ou nem sequer tinha conhecimento sobre ela. Por isso não era muito raro ver alguém ficar totalmente surpreso ao se deparar com uma carruagem automotiva, ou automóvel – como estava sendo chamado recentemente – pela primeira vez.

Raleigh olhava através da janela para as outras carruagens como aquela que ocupavam cada vez mais a avenida pela qual seguiam. Era surpreendente como as carruagens comuns puxadas por cavalos, que predominavam aquelas cidades, estavam perdendo seu espaço cada vez mais para a nova geração. As antigas vias estreitas agora haviam se tornado largas avenidas para que as carroças automotivas pudessem trafegar sem qualquer problema, transformando as ruas e estradas de terra em verdadeiras pistas de concreto acinzentado por toda a cidade.

Estão mudando a cidade pouco a pouco, se adaptando cada vez mais a esses novos “automóveis” — pensou Raleigh, admirado.

— Aqui estão os arquivos contendo os dados sobre os alunos da turma secundária com a qual irá trabalhar.

Helena entregou um livro contendo várias fichas a ele, o tirando de seus pensamentos.

— Interessante – comentou após ler algumas delas. – Para uma turma secundária, até que eles possuem padrões de habilidades um pouco elevados.

— Sim. Especialmente os três últimos. Suas habilidades estão classificadas como classe B, mas desconfiamos que podem ser um pouco mais elevados do que realmente aparentam.

— Estão evitando mostrar todo o potencial, é?

Ele olhou melhor os dados.

— Por que eles não estão alocados nas turmas primárias? – perguntou sem tirar seus olhos das fichas.

— Porque mesmo que as habilidades sejam de classe B, suas ações não conseguiram alcançar a pontuação necessária para serem classificados para as turmas primárias.

— Falta de trabalho em equipe.

— Exatamente.

Helena respondeu de uma maneira automática.

— Magos precisam desenvolver uma ótima conexão para que o trabalho em equipe possa compensar todas as fraquezas do time. Por isso, magos que agem de maneira independente ou individual tendem a possuir habilidades elevadas, mas em um time isso só teria um efeito negativo ainda maior que traria muitas desvantagens. Como mago, você entende o que isso significa, não é?

Ela o questionou porque diferente dela, a qual não era uma maga, Raleigh era um mago um tanto conhecido, principalmente se levando em conta os feitos no qual teve participação alguns anos atrás. E diante desse questionamento, ele optou por se manter calado, esperando que ela continuasse.

— Por outro lado, aqueles que foram classificados com baixas habilidades conseguiram desenvolver uma ótima conexão e um espirito de equipe uniforme.

— Os fortes estão sempre sozinhos, enquanto os fracos juntam forças para se tornarem mais fortes. É isso que está tentando dizer?

Raleigh direcionou seu olhar a ela.

— Pode ser interpretado dessa maneira – respondeu ela o encarando de volta. – Mas acredito que quanto mais forte alguém se torna, mais solitário seu caminho se transforma.

— Compreendo – Raleigh fechou o livro. – Por isso fui chamado.

Ele retirou um pequeno cantil prateado do bolso interno de seu casaco e bebeu um gole demorado, então o guardou de volta com toda a delicadeza.

— Isso realmente me pareceu muito estranho. Ser requisitado pelo diretor de uma das três academias mais conhecidas de toda a capital imperial.

Ele direcionou seu olhar para o lado esquerdo de Helena.

— O que você realmente quer, Sr. Diretor?

A figura de um homem de meia-idade surgiu sentado ao lado de Helena, como se o manto que o encobria fosse dispersado em milhares de partículas de luz. Sua aparência jovial, mesmo para sua idade, juntamente com as roupas elegantes e caras que usava enfatizavam ainda mais o ar de nobreza que o cercava, parecendo com alguém de grande importância. E com um sorriso cínico em seu rosto, ele perguntou:

— Ora, conseguiu me descobrir tão rápido assim?

Mesmo após algumas décadas de evolução da magia, houve somente uma área que se manteve quase intacta até a geração atual: as artes mágicas de combate. Utilizadas durante a Revolução Imperial, elas se mantiveram vivas por várias gerações até que academias fossem criadas especialmente para o aprimoramento e avanço dessas artes.

Ao todo, vinte e quatro academias de artes mágicas de combate foram criadas em todo o império – sem mencionar aquelas que foram criadas fora dele. Na capital imperial de Ainsworth haviam três academias tão famosas que não havia alguém que desconhecesse seus nomes em todo o continente de Attilas: Titânia, Siegjord e Bellfort.

Aquele que se materializou ao lado de Helena, cujo o sorriso arrepiante era carregado por uma energia sinistra que assustaria qualquer um que o visse, era ninguém menos que o diretor de uma dessa academias. Mais precisamente, era o diretor da Academia Bellfort, Fausto Aurélio Sanctus.

— Magia Holográfica, é?

Raleigh o encarou, pouco admirado com aquilo.

— Não podia esperar menos de um antigo lobo como você.

O diretor o elogiou com certa ironia em sua voz e em seu sorriso, mas foi recebido por um olhar afiado que dispensava qualquer brincadeira ou piada naquela situação.

— Não precisa me olhar com uma expressão tão medonha assim. Eu sei muito bem que vocês odeiam ser chamados disso.

— Então, por que foi que realmente me chamou aqui? – Raleigh o perguntou com uma expressão séria e rígida. – Depois daquela última missão, você não achou que eu realmente acreditaria nessa história de professor temporário, achou?

— Devo confessar, você se saiu muito melhor que eu imaginava. Embora tenha adquirido um novo grau de desconfiança maior do que tinha antes – ele suspirou. – Bem, não posso dizer que desgosto disso em vocês, lobos.

Os olhos de Raleigh se afiaram mais uma vez vendo que o diretor parecia se divertir enquanto sorria ao provocá-lo daquela maneira. Helena, que nunca houvera conhecido aquele homem antes, conseguiu sentir a irritação em seus olhos com total perfeição naquele momento que o tempo pareceu correr lentamente dentro cabine. Raleigh emanando uma aura assassina sufocante a cada vez que era provocado, e o diretor, que parecia se divertir ainda mais enquanto provocava o homem à sua frente.

— Acredito que tenho algo que será de seu completo interesse.

Ele apoiou suas mãos na bengala que carregava, cortando aquele silêncio sufocante.

— Suas marcas se espalharam mais rápido do que o esperado e agora estão lentamente se fundindo aos seus fluxos de magia. Além disso, eu também sei que o seu elixir não está mais fazendo tanto efeito quanto antigamente.

— Como foi que você descobriu? – Raleigh o encarou diretamente nos olhos.

— Bem, eu conheço uma certa mulher que se torna bem tagarela quando está bêbada. Embora tenha sido necessário uma grande quantidade de garrafas caras, ela me contou várias coisas sobre um certo discípulo problemático. E se deseja saber, foi ela mesma quem te indicou ao cargo.

Aquela maldita mulher! — pensou, irritado.

Raleigh sabia perfeitamente de quem Aurélio estava se referindo, o que acabou por deixa-lo bastante irritado e o fez suspirar de tal maneira que parecia cansado.

— Ela também me pediu para lhe passar uma mensagem – ele revelou. – “Você tem uma chance agora, não a deixe escapar de suas mãos”. Apesar de ser daquele jeito, Corona realmente se importa com você, o que me deixa bastante curioso.

— Normalmente essa preocupação dela costuma me trazer mais problemas do que soluções – Raleigh reclamou.

— Antes que escolha recusar, me responda uma coisa, lobo. Não tem nada que realmente queira atualmente?

Atualmente não havia nada que interessasse Raleigh além de encontrar uma maneira de impedir o avanço das marcas negras em seu corpo. Começara a sentir os efeitos se tornando cada vez maiores; tornando mais difícil de controlar o uso da magia corretamente ou em seu total poder. Se o diretor havia descoberto um novo meio de impedir o avanço delas, talvez pudesse lidar com ele por mais algum tempo – ele não queria ter que se envolver com aquele homem novamente se fosse possível. Já trabalhara outras vezes a serviço dele e por isso sabia muito bem o quanto aquele homem podia ser problemático e difícil de lidar.

Observando aquele momento de indecisão, os olhos do diretor se preencheram por um brilho obscuro. Era uma oportunidade perfeita de convencer um antigo lobo experiente e esperto como aquele homem a trabalhar para ele novamente e, quem sabe, até mesmo resolver os atuais problemas que se aproximavam; afastando assim qualquer atenção desnecessária.

— Helena – Aurélio estalou os dedos.

— Entendido.

Helena retirou um envelope do bolso interno de suas roupas e o entregou à Raleigh.

Era uma ficha contendo os dados de um dos alunos da turma secundária que estava separada das outras fichas. Um último recurso que o diretor guardara em sua manga caso Raleigh não aceitasse a proposta que havia lhe feito antes.

— Apesar de ser seu primeiro ano numa academia de treinamento, suas notas conseguiram ficar muito acima dos outros novatos nos testes de aptidão física e nas provas avaliativas, obtendo uma pontuação perfeita e nunca antes vista.

Raleigh ficou em estado de choque. Uma gota fria de suor lhe desceu pelo rosto enquanto as palavras sumiam de sua boca.

— Como alguém que entende a força daqueles que trabalham sozinhos e a força daqueles que trabalham em equipe, eu creio que você seja o candidato perfeito para ensinar essas crianças. Não concorda?

Mais uma vez aquele sorriso sinistro surgiu em seu rosto.

—  Seu maldito...! – Raleigh rosnou.

Seus olhos foram tomados por uma fúria descomunal, preenchendo o interior da cabine com uma intenção assassina e uma aura muito mais sombria do que a anterior.

— Você acha que eu realmente perderia a chance de ter um antigo Executor do império lecionando em minha academia?

Aurélio que, aos olhos de Helena, estava sempre calmo e mantinha sua compostura, mostrou uma face que ela raramente teve oportunidade de testemunhar em outras ocasiões. Ele estava calmo e suas palavras soavam perfeitamente tranquilas e educadas, mas Helena conseguia distinguir perfeitamente a pequena alteração que havia por trás daquele olhar calmo e indiferente: irritação.

— Nós estamos em uma guerra, mago – disse ele, sem perder a compostura. – Já se esqueceu do que aconteceu dois anos atrás? Devo lembra-lo?

Aurélio o ameaçou com tais palavras, o que foi o suficiente para que Raleigh se calasse. Ele parecia querer dizer alguma coisa, mas as palavras sumiram no mesmo instante em que chegaram a sua boca, o fazendo olhar para outro lado em silêncio após estalar a língua com o rosto enrugado em irritação.

— É para prevenir que coisas como aquilo aconteçam novamente que nós treinamos magos para protegerem o império. Esse seu orgulho superficial nada mais é que a presunção de uma criança que teve um mero vislumbre do que a verdade realmente é, mas não consegue entendê-la.

— “Não consegue entendê-la”? Pare de falar como se soubesse de tudo, você não estava lá.

— Mas você estava. Você foi o único que viu aquilo e voltou com vida. O que acha que seus companheiros teriam feito no seu lugar? Você acha que eles abandonariam tudo e se entregariam às bebidas e brigas de bar todos os dias numa cidadezinha esquecida do mundo?

— O que você queria que eu fizesse? Acha que eu não tentei avisar aos outros? Eu tentei, mas eles não me deram ouvidos. Mas também.... quem daria ouvidos às palavras de alguém como eu?

— É difícil acreditar que alguém como você tenha se calado tão facilmente assim.

— Você estava no julgamento, sabe bem que o aconteceu lá.

— Você foi responsabilizado pela morte do próprio esquadrão durante uma missão de investigação. É, eu sei disso, foi o que eles disseram, foi o que fizeram os outros acreditarem. Mas não foi isso o que realmente aconteceu.

Aurélio cerrou os olhos, observando bem a expressão de Raleigh. Ele olhava através da janela, para muito além do horizonte, os olhos cansados e vazios, sem qualquer brilho de vida ou humanidade naquele momento.

— Eles ocultaram tudo – disse ele após um breve silêncio, frio e seco. – Fizeram parecer que alguma coisa deu errado durante a missão, onde os membros acabaram envolvidos e mortos. Apagaram todos os registros e documentos relacionados àquela missão, não deixaram nada que tivesse qualquer relação com aquele dia. Eles conseguiram até mesmo esconder que uma vila inteira foi morta.

Raleigh virou-se para Aurélio e o encarou no fundo dos olhos.

— Eles tentaram me silenciar, me ordenaram a não falar qualquer informação relacionada aquele incidente. Tentaram empurrar tudo para debaixo do tapete e me obrigaram a ficar longe de qualquer investigação relacionada àquilo.

— Mas você não obedeceu.

— O que esperava que eu fizesse? Que eu deixasse toda essa merda pra lá? Que eu aceitasse o que eles me ordenaram obedientemente sem saber o verdadeiro motivo pelo qual nós fomos mandados para aquela ilha? É claro que não.

— E isso não acabou bem, então o usaram como um bode expiratório e o responsabilizaram. Revogaram todos os seus poderes e direitos como um Executor e o impediram de descobrir qualquer coisa sobre àquela missão.

Aurélio segurou o queixo entre o polegar e o indicador, seus olhos encarando o assoalho da cabine – distantes e pensativos.

— Entendo – ele disse, após pensar em silêncio por um certo tempo. – Você de fato é um sujeitinho bastante interessante, mago.

Raleigh não entendeu o que Aurélio estava tentando dizer com aquilo, por isso esperou que ele fosse dizer alguma coisa a mais, mas o que veio em seguida foi apenas um breve sorriso enigmático.

— Eu o farei a oferta mais uma vez, Sr. Lobo Negro. O que acha de se tornar um professor em minha academia?

Os olhos de Raleigh foram preenchidos por uma gigantesca irritação diante de tal pergunta. Ele estava prestes a responder o diretor de maneira brusca, com palavrões e xingamentos, mas parou assim que estava prestes a começar. Aguçou os olhos por um momento, retomou o controle de suas emoções e se acalmou novamente.

— Tudo bem. – Disse ele, frio e seco. – Mas eu tenho uma condição.

O diretor apenas o observou em silêncio, aguardando o que ele tinha para dizer.

— Eu farei isso do meu jeito.

Helena, que apenas se manteve calada diante de toda aquela discussão, viu com total clareza nos olhos de ambos que nem um dos dois estava disposto a recuar. Raleigh tinha um olhar irritado, mas firme, mostrando que não tinha intensão alguma de obedecer obedientemente ao diretor. Aurélio, por outro lado, mantinha um olhar calmo e tranquilo, ainda exibindo aquele sorriso enigmático – mas que no fundo, estava repleto por uma frieza descomunal.

— Faça como quiser.

Após sua resposta sorridente, mas fria e desprovida de qualquer emoção, o diretor desapareceu. Ele desativou sua magia, interrompendo assim a conexão com o interior da carruagem.

— Eu estou surpresa... – Helena comentou, com certo espanto, mas mantendo seu tom de voz calmo e sereno. – Após todos esses anos, essa foi a primeira vez que vi alguém levar o diretor Aurélio a perder sua calma e compostura de tal forma.

— É por isso que não gosto de ter que lidar com ele – Raleigh resmungou irritado.

— Acho que apesar de sua arrogância, ele realmente se importa com o bem das pessoas.

— Você não poderia estar mais enganada.

— O que você quer dizer?

— Ele é alguém completamente indiferente a emoções e sentimentos. Ele também não dá a mínima para a vida das pessoas ou o sofrimento delas. Apenas as vê como meras ferramentas necessárias para se alcançar um bem maior.

Raleigh suspirou profundamente, apoiando sua cabeça na parede da cabine.

— Por causa de sua personalidade perfeccionista e indiferente, ele abomina aqueles que colocam suas emoções acima da lógica e da razão. É por isso que quando ocorrem coisas que não estavam dentro de seus cálculos perfeitos ele se irrita e acaba perdendo a compostura. Exatamente como acabou de acontecer.

— Então, isso quer dizer que...

— Embora eu seja mais racional do que emotivo, eu posso acabar agindo por impulso de minhas próprias emoções em algumas situações. Afinal de contas, eu sou humano e tenho um coração.

Ele fechou os olhos, sua vista estava um pouco cansada.

— Como ele não consegue me manipular como faz com a maioria, ele acaba tendo de recorrer a outros métodos mais pessoais, onde tem que lidar com as emoções e sentimentos das pessoas, os quais tanto despreza. É por isso que eu não consigo aceitá-lo, e ele não consegue me aceitar.

— Eu estou surpresa.

— Pelo quê?

— Quando fui informada a seu respeito, achei que seria alguém mais frio e indiferente.

— Por quê?

— Porque você é um antigo Executor, não é mesmo?

Raleigh abriu seus olhos e ficou encarando o teto da carruagem por alguns instantes antes de responder qualquer coisa àquele comentário. Ele precisava pensar e escolher bem as palavras que deveria usar. Não podia dar uma resposta qualquer apenas para desviar da pergunta, ele tinha de responder aquilo que realmente pensava.

— É verdade que já fiz coisas das quais não me orgulho e gostaria de esquecê-las se pudesse, mas foram decisões que tomei por conta própria, por isso tenho de conviver com as consequências que meus atos e escolhas causaram. É a forma de me responsabilizar pelas escolhas que fiz, sejam elas certas ou erradas. Mas eu nunca mais me submeterei obedientemente a qualquer um que ache que pode fazer o que bem quiser com os outros.

Helena apenas se manteve em silêncio diante de tais palavras, mas seus olhos cintilavam com o brilho de alguém que vislumbrou algo fascinante pela primeira vez em muito tempo.

— Como pensei, você é completamente diferente deles.

— Deles? - indagou.

— Eu já conheci outros Executores e posso afirmar com total certeza que todos eles estão muito distantes do que se pode chamar de “humano”. Seja seu rosto ou seus olhos, eles parecem seres desprovidos de qualquer sentimento ou emoção humana; são como marionetes sem qualquer vontade própria. Entretanto, você é completamente diferente.

Helena estendeu suas mãos em direção Raleigh, tocando seu rosto de forma curiosa, mas delicada.

— O que você está fazendo? – perguntou, confuso.

— É quente.

— Bem, eu estou vivo – respondeu. – Aliás, suas mãos estão gelad...

A cabine tremeu de forma brusca e violenta, arremessando Helena de seu assento em direção a Raleigh, caindo sobre ele e terminando por não se machucar ou ter qualquer arranhão. Raleigh, por outro lado, não teve tempo para se segurar em qualquer coisa ou se apoiar, resultando em um pequeno baque em sua testa, onde surgiu um galo.

— Você está bem?

Raleigh a ajudou a sair de cima dele. Escutou o motorista saltar sobre o que parecia ser uma poça d’água - o som de suas botas pesadas sobre o chão de pedra facilmente notado de dentro da cabine – e o ouviu muito bem dar a volta e parar diante da porta.

— Nós já chegamos?

— É estranho.

Disse Helena, sem nenhuma emoção em sua voz.

— O que?

— Nós ainda estamos na metade do caminho...

A porta se abriu e revelou cerca de seis homens armados os esperando do lado de fora da carruagem. Dentre eles estava o motorista, um baixinho de nariz redondo que mostrava um largo sorriso exibindo os dois dentes de ouro que possuía.

— Isso é um assalto.


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