Quam superesse in paradiso escrita por Lara Coimbra


Capítulo 9
Náufrago


Notas iniciais do capítulo

Depois de muita frustração, bloqueio, e crises de tristeza, apresento a vocês o mais novo capítulo desta fic, da qual tenho tanto apreço, e quem sabe, né, fãs de plantão algum dia tenham também. Boa leitura.



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“Mamãe… Acorde... Mamãe, acorde.”, chamava Saunter, chacoalhando o braço de Mono.

Ela apenas resmungou.

“Mamãe!”

Mono finalmente se virou, e agarrou Saunter, puxando-o para a cama de grama seca e junco.

“Aaah!”, o menino exclamou, surpreso, e logo depois recebeu uma investida de cócegas.

“Te peguei!”, Mono brincava. 

“Para, mamãe!”, Saunter não se aguentava de risos. 

“Tá bom, vou parar”, Mono cedeu, e passou a acariciar os cabelos ruivos do menino.

“Cuidado com os chifres.”, ele pediu, com sua voz doce e infantil. “Hoje é meu aniversário.”

Mono sorriu, ele havia se lembrado. Naquele dia, o garoto completava seis anos de idade, contando a partir do dia que Mono o encontrara no Santuário da Adoração. Era de praxe que todo ano, nesta data, que cavalgassem até a borda norte, onde ficava a única saída das Terras  Proibidas. Lá eles ficavam berrando praticamente o dia inteiro, na esperança de que alguém os ouvissem. Para Saunter aquilo tudo não passava de uma brincadeira, e Mono até achava bom que ele pensasse assim. 

“Vamos para os rochedos do deserto hoje?”, perguntou Mono, já se arrumando. Seu vestido já estava tão surrado, ela sabia que arrebentaria a qualquer momento. Uma parte do cobertor de Wander acabou virando um kilt improvisado para Saunter. Ela cortou e costurou o tecido com agulhas feitas de espinhos de peixes, e finas fibras de gravetos. Demorou algum tempo para que ela aperfeiçoasse a técnica, mas ali os dois estavam, tentando se vestir e viver de uma forma decente. 

“Ah, não, de novo não…”, o menino reclamou. “Toda vez é a mesma coisa. Vamos para algum lugar diferente! Um que não conhecemos ainda!” 

Mono tentou suprimir o choro. O que ela estava pensando? Por anos gritou, esperneou, e chamou. Ninguém veio por ela. A princesa de Yath não valia o suficiente para ser resgatada. Havia algo muito estranho naquela estória, e a velha angústia de passar seus dias sem respostas a deixava febril. Por que, Agro? Por que Wander me trouxe aqui? Por que minha última lembrança é do rosto de Lorde Emon e não daquele que eu amo?

“Mamãe, você está chorando?”

Mono passou a mão na cabeça do menino, com um sorriso forçado. “O ar está muito seco, é só isso…”

“Então é melhor irmos á praia do sul! O deserto só vai fazer mal!”, Saunter argumentou, assertivo. “Já está claro! Vamos!”

Saunter puxou Mono pela mão. Eles haviam passado alguns dias nessa caverna, um buraco discreto no meio de uma floresta pequena, mas bem densa, e de vegetação alta. Havia várias passagens secretas caso o morador fosse bem observador. Mono e seu menino já conheciam todas, desde o trajeto rochoso que desembocava na região nebulosa dos geisers até o brejo escondido do lado oposto. Agro se alimentava de raízes. A pequena família itinerante direcionou-se para a saída oeste da mata. Do lado direito havia uma cachoeira, onde várias vezes tomaram banho e mataram a sede. Seguindo por um túnel, acabaram por desembocar no vasto vale austral das Terras Proibidas. 

 “Por aqui não, mãe. Também tem um deserto pra lá”, ele apontava.

Desviando da Areia, Agro guiou-os até uma perigosa passagem. Uma ponte de pedra no formato de arco. Antes que pensassem em atravessar algo inusitado chamou a atenção deles. Uma coluna de fumaça saindo das praias, bem debaixo de seus narizes. Da beirada do precipício podia-se ver toda a extensão da baía e a fonte da comoção.  Um navio havia se chocado contra as pedras e fora arremessado contra a praia, dividindo-se em vários pedaços. O que não estava em contato com a água queimava. Muitas caixas destruídas coloriam a paisagem. Mono pensou tantas coisas ao mesmo tempo, que era difícil decidir o que fazer. . Mono percebera corpos estirados na areia, junto às caixas e pedaços do navio.

“Saunter, tem pessoas ali. Vamos! Pode ter alguém vivo!”

“Mãe?!?”, Saunter estava assustado, e segurou na barra de seu vestido.
“Nós precisamos ir lá.”, ela disse calmamente, fazendo um carinho na cabeça do menino. Ele apenas engoliu o choro e assentiu positivamente. 

Atravessando o arco, Agro se deparou com um desafio de certa forma pessoal. Para atravessar seriam necessários dois grandes saltos. Se não fossem certeiros, ela e seus amigos humanos cairiam para a morte. Mono decidiu pular por conta própria para não acrescentar peso ao cavalo.  Saunter se segurou bem e deu tudo certo no primeiro. Mono conseguiu. No segundo salto, porém, Mono quase falhou, ficando dependurada. Saunter foi rápido, oferecendo a guia de Agro para ela. O animal puxou Mono de volta à superfície. 

“Nunca mais passamos por aqui, entendido?”, Mono concluiu, ofegante. 

O menino, em choque, apenas seguia sua mãe. Não sabia o que pensar daquilo tudo. Agro pegou ritmo, até fazer uma curva brusca para a esquerda. Era como se ela soubesse o caminho exato para descer até a praia, assim como se já estivera ali. O trecho era deveras íngreme e sinuoso, de forma que nem Agro conseguia prever certos obstáculos. Relinchando e galopando, ela conseguiu completar a descida, não menos ansiosa e estressada que aqueles que ocupavam sua sela. 

Descendo da égua amiga, Mono fez um pedido que nunca achou que faria para uma criança. 

“Meu filho, eu sei que você está assustado, mas eu preciso da sua ajuda. Você confia em mim?”

A criança assentiu positivamente.

“Tente acordar todas essas pessoas no chão. Veja se algum se mexe. Eu vou até o barco.”

Enquanto Mono vasculhava caixas e investigava o naufrágio, o pequeno Saunter ia de corpo em corpo, tocando-os levemente. Sua protetora não havia explicado exatamente a diferença entre uma pessoa viva e outra morta, mas o menino logo percebeu como averiguar. A primeira coisa que o assustou era que os homens tinham a pele mais escura, da cor das cascas de árvore. Ele nunca imaginou que a primeira vez que visse outra pessoa a não ser a mãe fosse tão diferente, e tão… Sem vida. Os corpos eram enrijecidos, alguns retorcidos devido a fraturas. Aos poucos, Saunter foi perdendo o medo e superando o nojo, pois ele tinha uma missão. Ele faria qualquer coisa pela mãe, até mesmo mexer em cadáveres. 

Mono não percebia o quão cruel ou egoísta era o pedido incubido ao menino, ainda mais no dia de seu aniversário . Por seis anos ela esperou por algo, tornando sua longa agonia compreensível. A moça tentou invadir o barco em chamas, por um dos buracos abertos com a batida sofrida. A água batia em sua cintura. Encontrara vários cavalos mortos, boiando em sua direção, mas um estava vivo e assim que percebera a oportunidade, nadou para fora, quase atropelando-a. O animal passou direto por Agro, que o acompanhou com os olhos, mas  optou manter-se focada em seus donos. Mono pegou o que podia, e levou consigo. As ondas, felizmente, jogavam objetos flutuantes e caixas contra a areia, em vez de puxá-los de volta ao oceano. Ao abrir algumas dessas caixas, Mono continuou frustrada, pois muitas coisas estavam quebradas, e os papéis arruinados. Um berro familiar voltou sua atenção onde era mais necessária, seu filho.

“MÃE!” 

Tropeçando miseravelmente, ela agarrou Saunter, envolvendo-o no seu abraço. “Eu estou aqui, me desculpe, eu nunca mais vou lhe pedir algo assim.”

“Não, mãe, não é isso!”, Saunter desvencilhou-se e apontou para o homem ao lado. “Ele está respirando!”

Mono puxou o garoto para longe, a fim de protegê-lo. Depois ela colocou o ouvido sobre o peito do sujeito. Ela podia sentir e ouvir o bater de seu coração, mesmo que ele estivesse inconsciente. “Precisamos tirá-lo daqui…”

“Você acha que ele vai acordar?”, Saunter pensava se logo ele estaria morto, pálido, e rígido, assim como os outros.

“Espero que sim, precisamos aquecê-lo.”

Mono arrastou o homem para longe do mar, até um vão semicircular,e encostou-o contra a parede rochosa.  Junto com Saunter, apanhou restos de madeira seca e montou uma fogueira cercada por pedras. Como o vento já estava calmo, seria possível acender o fogo. Com lascas metálicas que se soltaram do navio e outras pedras específicas encontradas à sua volta, Mono produziu faíscas até que a fina raspagem se incendiasse e aos poucos contaminasse a lenha com seu calor crescente. Enquanto aguardavam uma resposta vital do sobrevivente, a jovem mulher e Saunter desnudaram os falecidos, lavaram minimamente suas vestes e trocaram de roupa pela primeira vez desde seus primeiros momentos juntos. 

“Mamãe, o que vamos fazer agora?”, Saunter ainda observava os mortos.

“O certo seria um funeral, e cremação, mas... “, seu estômago roncava. Mono não percebeu que passou tantas horas sem comer. “Você deve estar com fome também, não é?”

O menino de chifres apenas assentiu, abraçando a barriga. 

Mono se ausentou momentaneamente, a fim de coletar alguns daqueles frutos super nutritivos. Felizmente, sua abundância sempre vinha a calhar. O náufrago começara a gemer de dor e confusão. A princesa, numa tentativa de trazê-lo à consciência, espremeu gotas do suco do fruto em seus lábios. Depois de repetir o ato algumas vezes, percebeu que seus olhos tentavam se abrir.  Saunter deu alguns passos para trás, receoso. 

“Vai ficar tudo bem…”, sussurrou Mono ao homem. “Se estiver me ouvindo, por favor, dê  algum sinal.”

O navegante acidentado levantou o braço lentamente, tentando tocar Mono. Sua palidez o fez pensar que era uma visão, ou um espírito. “Onde… Estou…”, ele murmurou, com a voz fraca. 

Saunter se impressionou. “Ele fala!”

“Quieto, filho”, pediu Mono, antes de responder pausadamente: “Você se envolveu em um acidente.”

“Onde, onde?!?”, ele se agitou. 

“Nas Terras Proibidas”.

Ele apenas sorriu, e começou a falar consigo mesmo, em voz baixa, até dormir novamente. “Nós conseguimos. Nós achamos você. Obrigado, Dormin.”

“É um prazer te receber…”, Saunter lhe disse com uma voz profunda, de forma tímida, sentado no seu canto. Ele chorou logo depois, por que se sentiu como se não tivesse controle da própria garganta. 

Mono consolou seu menino, mesmo sem compreender o que lhe havia acontecido. Seria aquilo um indicativo de que finalmente alguém lhe traria todas as respostas que procurava? Poderia ela confiar neste homem? Saberia este o paradeiro de Wander, ou porquê fora abandonada por seu próprio pai?

 

Por que atendestes pelo nome de Dormin, meu filho?


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo marca o início de uma nova fase na fanfic, em que expandirei o universo em que ela se passa, conforme avisado no capítulo anterior também. Pensei nessa alternativa para bolar um plano que no futuro servirá para retirar Mono das Terras Proibidas. Até a próxima.



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