A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 25
Traição


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Como vocês estão?
Trouxe mais um capítulo para vocês! Altas emoções! Espero que gostem!

OBS: as cenas em que não existe um narrador expresso é escrita em terceira pessoa e se refere às cenas das nossas vilãs.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/780685/chapter/25

Susana Pevensie

— Aslam! - Exclamei, sentindo um alívio intenso preencher minha alma. Segurei as lágrimas enquanto Caspian, Neriah e eu nos aproximamos  do Grande Leão, ao passo que os soldados se prostraram diante dele. - Não sabe o alívio que sinto em vê-lo!

— Vim justamente com o propósito de acalmá-los - Respondeu ele, a voz arrepiando meus braços - Vejo que já estão prontos para partir.

— Pretendíamos voltar para Nárnia - Explicou Caspian - Temos muitos feridos. Mas acho que tem outros planos para nós.

Aslam riu.

— Vejo que estão aprendendo - Observou e eu sorri - Podem ficar tranquilos quanto a Edmundo. Já providenciei que ele fosse salvo, mas isso demorará um par de dias.

O leão pareceu tirar toneladas de peso dos meus ombros, o coração acelerado se acalmando com tão boa notícia. Apesar de que talvez eu não visse Edmundo por um tempo, saber que Aslam garantiu sua segurança me fazia muito grata a ele.

— Não sabe como agradeço, Aslam - Deixei isso claro e ele assentiu - Apareceu para Lúcia? - Perguntei, já que a mesma havia sonhado com ele uma vez. Aslam assentiu novamente, a juba dourada e sedosa acompanhando o movimento.

— Teremos dias intensos pela frente. Neriah e eu acompanharemos os soldados feridos de volta à Nárnia. Os soldados hígidos ficarão na espreita do castelo de Anvard até que Liliandil dê o sinal para que entrem e tirem tanto ela quanto Edmundo de lá. Nesse momento, o exército narniano comandado por Pedro entrará em combate contra a Calormânia.

— E quanto a nós? - Caspian indagou, observando bem que nem eu nem ele fomos mencionados em seus planos.

— Quero que os dois continuem em direção ao rio Flecha Sinuosa - Aslam sentenciou e confesso que me surpreendi, arregalando os olhos. - Precisamos da lança da rainha Cisne Branco para derrotar a serpente do deserto.

— Iremos sozinhos? - Perguntei, trocando um olhar com Caspian rapidamente.

— Não se preocupem - Assegurou - O caminho será tortuoso, afinal Cietriz sabe onde está a arma que ceifará sua vida de uma vez por todas e fará de tudo para impedi-los. Eu os ajudarei a chegar ao desfiladeiro, mas terão que recuperar o artefato por conta própria no rio.

— Se está dizendo que nos guiará, não hesitaremos - Caspian concordou prontamente, olhando para mim à espera de concordância também. Eu fiz que sim com a cabeça.

— Existe apenas mais um detalhe - Meu pessimismo já soltou o alerta como os sinos da torre de vigia de um castelo; sempre tinha mais alguma coisa - O poder concedido à lança para derrotar a feiticeira calormana é fruto do amor contraditório, mas verdadeiro da rainha Cisne Branco e do príncipe Nihor de Calormânia, porém eles já não estão entre nós.

Pisquei algumas vezes, assimilando o que ele disse.

— Está dizendo que - Olhei para Caspian novamente antes de continuar, a mente trabalhando enquanto eu falava - Para conseguirmos a lança, temos que provar que nosso amor é verdadeiro?

Aslam sorriu de canto, os olhos repousando entre mim e Caspian quando começou a responder.

— Se forem capazes de chegar ao rio em união e fazerem as escolhas certas, terão a aprovação. - Concluiu.

— Nós iremos - Determinei por fim.

— Então aqui nos despedimos. Sejam perseverantes, meus filhos! - Aconselhou o leão - As intempéries do caminho não se comparam ao tesouro do final!

Os soldados obedeceram ao comando de Aslam e se agitaram para se organizar e partir. Caspian e eu pegamos esteiras para nós, cobertores, mantimentos e água, procurando um equilíbrio entre saciar nossas necessidades e evitar levar muito peso pelo terreno acidentado de Arquelândia.

Quando estavam de saída, no entanto, uma dúvida pairou na minha mente.

— Aslam! - Chamei. Em um gesto majestoso, o leão virou-se de frente para mim, esperando que eu falasse.

Pensei em perguntar se quando conseguirmos a lança e derrotarmos Cietriz e Jadis, eu poderia permanecer em Nárnia para ser a rainha de Caspian. Senti os olhares curiosos de todos esperando pelo fim da minha hesitação.

O leão me lançou um olhar terno, profundo, as íris douradas cintilando. Mesmo à distância, era como se eu pudesse ver meu reflexo em seus olhos, como se ele soubesse cada pensamento meu e me dissesse para ter calma e principalmente fé.

Sorri sem mostrar os dentes, como sinal de que eu havia entendido o recado. Neguei com a cabeça para dizer que não era nada e permiti que eles se fossem.

Neriah se despediu de mim com um abraço apertado, prometendo que em nosso próximo encontro tudo estaria resolvido. Eu pedi que ela tivesse fé em Aslam, que logo o pai dela e Tácito seriam libertos e seu povo livre. Os soldados acompanharam Aslam e logo estávamos apenas eu e Caspian na frente da caverna.

— Parece que nossos planos mudaram - Disse ele - Você está bem para irmos andando?

Ergui as sobrancelhas.

— Eu que pergunto, e sua perna? - Falei em tom de reclamação, afinal eu havia pedido que ele descansasse para poupar a perna machucada e ele não me ouviu.

Sorriu de canto.

— Estou bem, não se preocupe - Pegou as minhas mãos nas suas - Ver Aslam me deu mais motivos para acreditar que tudo irá ficar bem e me dá esperança de que vamos ficar juntos.

— Precisamos vencer o desafio - Lembrei - Eu pensei em perguntar se poderei permanecer em Nárnia com você, mas… Aslam me fez sentir tanta paz quanto a isso! Acho que pela primeira vez eu não senti dúvidas.

— Eu amo você - Ele tocou meu rosto com as costas das mãos e eu me permiti fechar os olhos para apreciar seu toque. - Vamos conseguir.

— Eu também amo você - Olhei em seus olhos ao falar - E nós vamos provar que o amor sempre vence.

Caspian sorriu para mim e aproximou seu rosto do meu para selar nossos lábios em um beijo cheio de esperança. Foi um beijo curto, pois precisávamos aproveitar a luz do dia a fim de chegarmos o quanto antes ao Flecha Sinuosa.

 

Pedro Pevensie

Havia pedido ao doutor Cornelius que me mostrasse onde estava guardado o meu traje de batalha. Mesmo depois de mil e trezentos anos e duras batalhas, eu me sentia mais confiante se fosse ao combate com ele. Era verdade que estava surrado, embora alguma serva dedicada houvesse remendado o tecido e algum ferreiro tivesse consertado os amassados nas peças de metal da armadura.

Seria minha primeira batalha sem a Rhindon. Eu não me arrependia de tê-la dado a Caspian e certamente não era a minha espada que me fizera vencer e sim a graça de Aslam, mas sentiria falta dela.

A porta de meus aposentos foi aberta e uma Lúcia levemente ofegante no vestido verde escuro daquela manhã surgiu, os olhos levemente arregalados, as esferas azuis expressando a urgência.

— Pedro! - Falou ao entrar - Glenstorm encontrou a traidora. Não vai gostar nada do que ela tem a dizer.

Meus lábios se entreabriram diante da afirmação.

[...]

 

— Os guardas encontraram um saco de moedas de prata calormanas embaixo de seu colchão, majestade - Glenstorm explicou, já na sala do trono.

Lúcia me acompanhou até lá e todos os conselheiros foram levados de volta, inclusive Liliandil. Alguns tinham semblantes mais calmos, já cientes do ocorrido, outros assim como eu procuravam entender o que acontecia, tentando decifrar no rosto dos presentes a verdade por trás de toda aquela confusão.

— E o que tem a dizer diante de sua traição? - Inquiri à serva telmarina que tinha os braços presos pelas mãos de um par de guardas, um telmarino e um fauno. - Por que entregou informações tão valiosas para nós ao povo inimigo?

— Acha que nós pobres temos muita escolha diante de uma situação como a que vivemos, senhor? - Indagou de volta - Eu tenho família para alimentar!

— Certamente seus filhos não ficarão orgulhosos da forma que encontrou para colocar comida sobre a mesa, arriscando a vida de seu rei e o seu próprio pescoço! - Retruquei. A expressão afetada dela me bastou, baixando os olhos, os lábios comprimidos, fosse de raiva ou vergonha. Não queria prolongar aquela conversa - E vamos ao que interessa: quem lhe concedeu as informações?

Silêncio. Lúcia se remexeu ao meu lado, pelo que parecia que a mulher já havia confessado seu mandante antes. Minha irmã trocou olhares com Glenstorm.

— Já falei! - Retrucou inquieta - A moça calormana, a menina que foi chicoteada! Ela me deu as cartas para entregar ao mensageiro do tisroc!

Senti meus ombros caírem à medida que processava a informação. Sorte minha estar sentado, pois eu teria caído de joelhos se estivesse de pé. Baixei a cabeça sem conseguir esconder o impacto da notícia.

A serva era uma das que destaquei para que cuidasse de Hiandra nos aposentos de Tácito. Inicialmente eu não comentava muito sobre nossos planos com ela, mas à medida que passamos mais tempo juntos, uma coisa ou outra escapou dos meus lábios. Quando ela saiu do repouso, esteve comigo, com Lúcia, com todos os nossos amigos. E era a única que tinha ligação direta com Ahadash.

— Pedro? - Lúcia chamou de onde estava sentada, a voz preocupada chegando aos meus ouvidos lentamente - Pedro, está ouvindo?

— Estou - Reagi por fim, olhando para seu semblante aflito que tentava decifrar o que eu pretendia fazer. - Não há evidências de outro traidor, certo? - Indaguei a ninguém em específico.

— Ninguém que tenha acesso às informações tem motivos para trair o rei Caspian dessa forma, milorde - Theodor respondeu - Está claro que nossa compaixão para com a moça não foram suficientes para fazê-la se voltar contra seus senhores.

— Tenho que concordar com Theodor - Glenstorm afirmou, para minha surpresa - Gosto de acreditar que a origem não define o indivíduo, mas nesse caso… as circunstâncias demonstram que a moça nos espionava desde o início. 

As palavras do conselheiro e do general só confirmaram o quanto eu fui ingênuo, permitindo que Hiandra alcançasse meu coração tão facilmente que sequer reparei que tinha sido sua vítima de manipulação.

E eu havia perguntado. Ela teve coragem de mentir diante de mim e ainda me beijar, como se meus sentimentos fossem recíprocos.

— Tragam-na aqui - Decretei por fim.

 

Edmundo Pevensie

Tudo estava fora de foco. A dor que antes era presente apenas na nuca pelo golpe antes do sequestro se alastrava por toda a minha cabeça, entorpecendo-me. Com o mesmo efeito, o ferimento das presas da serpente sangrava e sua peçonha ganhou minha corrente sanguínea com eficiência.

Sentia os soldados calormanos me arrastarem pelos braços, o corpo a cada segundo mais pesado e dolorido, suando frio e ensopando os tecidos já surrados das roupas que eu usava.

Eu não ouvia muita coisa. As vozes de Jadis e de Cietriz estavam misturadas, mal podia discernir o que diziam.

Urrei. O efeito do veneno era torturante, tomando meus nervos em dores espasmódicas, como se agulhas finas os furassem no ponto mais sensível. Ao fechar os olhos, via o rosto de meus irmãos refletindo as mesmas dores que eu sentia, uma alucinação mais terrível que a dor física. Cheguei a implorar pela morte.

 

Fortaleza em Anvard

Cietriz cobriu sua nudez com as roupas de sacerdotisa que usava quando se disfarçou de Katrizia para enganar o tisroc Ahadash. Jadis deliciou-se em ver Edmundo gemer amargamente pelos ferimentos e pelo efeito do veneno negro que o consumiria lentamente.

— Precisamos jogá-lo no calabouço antes que o general veja o rei morto - Jadis alertou à serpente do deserto. - Certifique-se de que ele não será encontrado. Eu cuido do corpo do tisroc.

— Não pense que só porque conhece Nárnia melhor que começará a me dar ordens - Cietriz retrucou.

A vilã ancestral caminhou em direção a Edmundo e o agarrou pelo braço, a força sobre-humana erguendo o rapaz ferido em questão de segundos. Antes que ele sucumbisse sobre os próprios pés, Cietriz apressou-se em levá-lo para fora da sala do trono.

A nova mulher surpreendeu os guardas que estavam do lado de fora. Com um movimento rápido de uma das mãos, areia se desprendeu de seus dedos e enfeitiçou os olhos dos guardas, evitando seus questionamentos.

Guiando o par de guardas que traziam Edmundo, Cietriz caminhou em direção ao calabouço de Anvard, atraindo os olhares de todos por onde passava. Era uma mulher de uma beleza perturbadora, os olhos castanhos dourados penetrantes demais para que alguém a encarasse por muito tempo sem que se perdesse neles, Rilian era a prova disso. 

A trajetória para o subsolo foi interrompida diversas vezes pelos ataques intermitentes de dor sofridos por Edmundo, o veneno levando o rapaz à beira da loucura. Não era intenção de Jadis ou da serpente matá-lo. Elas queriam vê-lo definhar de dor, fome, sede e sangue lentamente.

Quando os guardas jogaram o rapaz na cela, Cietriz pronunciou as palavras de uma língua antiga, aprendidos por ela através de sua mãe, uma bruxa das Terras do Agreste do Norte fugida de sua terra natal quando os gigantes atacaram sua aldeia.

Ninguém verá a sua face, ninguém ouvirá o seu clamor — Conjurava ela, na língua que nenhum ser vivo daquela época era capaz de compreender - A cela só se abrirá para quem por dentro a destrancar, mas quem deste segredo saberá?

Edmundo sumiu da vista dos guardas, da serpente, de qualquer um que passasse pelos corredores das masmorras. Seus gritos, suas necessidades, seus clamores, tudo era inaudível, tal qual Cietriz decretou.

Castelo Telmarino

Pedro Pevensie

Glenstorm tirou a serva telmarina do centro da sala, guardando aquele espaço para a mandante da traição, a qual aguardávamos.

Minha cabeça estava a mil. Mandante. Traidora. Doía só de pensar. Ainda me agarrava à esperança de que ela fosse inocente e que aquilo fosse uma calúnia.

Levantei do assento de conselheiro e me posicionei abaixo dos degraus que levavam ao trono de Caspian, esperando encarar Hiandra de frente. Lúcia trocou um olhar com Liliandil e veio ficar do meu lado, expressando em seu olhar total apoio.

A voz indignada de Hiandra soou do lado de fora da sala, ela pedia por explicações, não entendia o motivo de estar sendo levada à força para a sala do trono. Eu torcia para que não fosse pura atuação.

Respirei fundo quando os guardas a trouxeram. Implorei mentalmente a Aslam que me desse forças e que se ela fosse inocente, que eu não fizesse nenhuma injustiça.

— O que está acontecendo, rei Pedro? - Hiandra implorou em saber, os mesmos olhos assustados que eu vira quando a encontrei acamada, as costas abertas em chagas - O que eu fiz?

— Não se faça de desentendida, garota! - Theodor acusou - Descobrimos a sua espionagem!

— Já disse ao rei Pedro que sou inocente quanto a isso! - Falou com veemência, voltando seu olhar para mim à procura de apoio - Eu não traí ninguém, ainda mais aqueles que cuidaram de mim!

— E foi através justamente daquela que cuidou de você que nos traiu! - Theodor mostrou a serva calormana com uma das mãos - Ela entregou você! Ou vai negar que a conhece?

— N-não, eu não nego - Sua voz falhou ao encontrar o rosto da serva - Ela me trazia comida, n-nada mais que isso!

— Você me mandou entregar a carta ao mensageiro, não pense que serei enforcada sozinha! - Acusou a serva com raiva, tentando se desvencilhar dos braços dos guardas - Você foi quem me deu as moedas calormanas!

— Eu não dei nada a ninguém! - Retrucou - O tisroc, que ele… - A força do hábito fez Hiandra começar a frase de reverência ao seu rei, mas ela se corrigiu - Que ele morra! - Murmurou - O tisroc e suas esposas só abusaram de mim, só me humilharam! - Ela encarou Lúcia com os olhos marejados. Minha irmã a olhou de volta, os lábios comprimidos e o rosto tenso - Eu não tenho motivos para ser fiel a eles!

— Então nega que era sua missão desde o início nos espionar? - Glenstorm foi o autor da pergunta - Que não era sua intenção se envolver com nossos nobres reis a fim de conquistar sua confiança e nos destruir de dentro para fora?

— Claro que nego! - Apesar do tom firme, lágrimas já caíam do rosto de Hiandra.

Engoli em seco. Pensando racionalmente, precisávamos de mais uma prova que indicasse o envolvimento de Hiandra com a serva e com o mensageiro calormano. Até o momento, apenas a serva era culpada. Entretanto, não podia culpar os conselheiros por desconfiarem dela. A evidência de que Hiandra estava ali para nos comover e enganar era grande demais. Eu não podia deixar aquilo passar. Não sabia o que pensar, no que acreditar.

— Já chega - Pedi. Os olhares de todos se concentraram em mim e escolhi bem minhas palavras, julgando ser a melhor decisão até o momento. - Glenstorm, vasculhe os aposentos de Hiandra e interrogue todos os servos que tiveram contato com ela. - Uma pausa - Por ora, Hiandra ficará detida na masmorra até que sua sentença seja definida.

— Pedro, por favor, acredite em mim, eu não sou culpada! - Ela tentou se desvencilhar dos soldados para chegar até mim

— Não importune o rei com suas mentiras! - Theodor se exaltou - Confesse logo sua culpa e pode ser que alcance alguma misericórdia.

— Eu jurei e continuo jurando que não fiz nada para prejudicar vocês!

— Há de convir que as circunstâncias são muito convenientes! - Explodi, ignorando a todos que estavam ao redor. Meu coração acelerado, os pensamentos em tempestade, a raiva por cogitar a possibilidade de ter sido enganado, tudo ativou a minha impulsividade.

— Pedro, calma! - Lúcia pediu.

— Eu desconfiei de você no momento em que disseram que havia um traidor, mas você jurou que não tinha sido você e agora a serva é encontrada com moedas calormanas e diz que foi você que as deu a ela, em quem quer que eu acredite?!

Ela negou com a cabeça, mais lágrimas transbordando de seus olhos. Eu me arrependi das minhas palavras, lamentando ter perdido a cabeça e tê-la magoado. Coloquei a mão sobre a testa.

— Está fazendo o que ele quer - Ela provavelmente se referia a Ahadash - Está concretizando sua vingança ao me condenar e está deixando o verdadeiro traidor à solta!

Arfei.

— As evidências comprovarão quem fala a verdade - Retruquei em um tom impessoal, afastando-a de mim.

Ela percebeu isso, as sobrancelhas erguidas em dor caíram junto ao seu olhar derrotado. A dúvida corroía meus pensamentos quando vi os guardas a levando para o calabouço.

— Estão dispensados. - Declarei, cruzando a sala em direção à porta.

Pude ver Hiandra caminhar lentamente, praticamente arrastada pelos guardas, virando o corredor.

Apressei o passo para meus aposentos, sentia-me prestes a explodir com a confusão em minha mente. Sorte minha que os pés haviam memorizado o percurso, pois sequer sabia como cheguei tão rápido ao aposento.

— Pedro! - Ouvi a voz de Lúcia implorar por calma enquanto eu andava, mas minha irmã não me seguiu por muito tempo. Ela entendia que eu queria ficar sozinho.

Bati a porta dos aposentos com raiva, sorte dela que era de madeira grossa e pesada e não se espatifou com meu ato rebelde. Apoiei-me na mesa em que costumava deixar a jarra de água e alguns livros. Meu peito subia e descia irregular e eu joguei a jarra ao chão com raiva, junto ao restante das coisas que estavam na mesa.

Joguei-me na cama e me deixei levar pelas lágrimas uma única vez. Eu deveria ter me permitido viver o luto por meus pais. Deveria ter deixado a dor de tê-los perdido me consumir por alguns dias para me deixar por completo quando fosse sentida.

A lembrança de meu desabafo com Hiandra sobre o ocorrido só me fazia sentir mais exposto, mais magoado. Não era possível que ela se utilizasse da minha vulnerabilidade para extrair de mim tudo o que podia. Se sua traição era verdadeira, Edmundo corria perigo por sua culpa e eu também, já que me sentia prestes a beirar a insanidade.

 

Fortaleza em Anvard

— Parece que o plano de Ahadash em culpar Hiandra pela traição funcionou - Cietriz havia enfeitiçado uma bacia de prata, em cujas águas ela conseguia ver a cena de derrocada de Hiandra e o desespero de Pedro.

— Com Pedro desestabilizado assim, será fácil derrubar Nárnia - Jadis comemorou - Aliás, precisamos convocar o exército para comunicar a morte do tisroc.

— E acha que serão fiéis se desconfiarem que matamos seu rei? - Cietriz lembrou.

— Não precisarão ser fiéis - Retrucou Jadis, o sorriso pretensioso já desenhado em seu rosto pálido - Só precisam estar vivos.

 

No dia seguinte...

Lúcia Pevensie

Havia acordado cedo, antes mesmo do sol nascer. As madrugadas em Nárnia estavam muito frias, refletindo o clima desértico que se instalou em nossas terras: dias insuportavelmente quentes e noites terrivelmente frias.

Resolvi me arrumar o quanto antes, escolhendo um vestido de montaria vermelho escuro, colocando uma calça marrom escura por baixo e botas da mesma cor. Não sabia porquê, mas pressentia que roupas de batalha nos seriam úteis.

Susana costuma ser mais jeitosa com penteados, mas ela me ensinou a fazer uma trança raiz em mim mesma. Puxei algumas mechas que emolduravam meu rosto com cachos e resolvi que estava pronta para ir quando coloquei o coldre dado pelo Papai Noel com o suco da flor de fogo e o punhal.

Por fim, decidi ver Pedro. Ele passou o restante do dia anterior trancado do quarto, mergulhado na decepção com Hiandra e provavelmente submerso em outras frustrações que foram se acumulando através do tempo.

Os guardas estranharam que eu o fosse visitar tão cedo, mas não fizeram qualquer objeção quando pedi que batessem à porta.

— Pedro, sou eu, Lúcia! - Anunciei. Ele demorou a responder e eu comecei a bater o pé direito, impaciente.

— Entra, Lu.

A voz nada animada dele me convidou a entrar, mas a porta estava quase barrada por uma jarra de prata, uma bandeja e livros que foram jogados ao chão em seu ataque de fúria.

Pedro estava deitado na cama com os pés descalços do lado da cabeceira. A armadura estava amontoada em um canto da cama, próxima aos travesseiros e ele vestia as mesmas roupas do dia anterior.

— Como você está? - Indaguei receosa. Desviei das coisas que estavam no chão, tentando não me impactar ao imaginar a cena que configurou aquela bagunça.

— Acho que evitei o sofrimento por tempo demais - Sua voz estava nasalizada, afinal o nariz devia estar congestionado após ter chorado. Apesar da pouca luz do quarto, eu conseguia ver seus olhos inchados e marejados, as bochechas levemente vermelhas.

Peguei um travesseiro e sentei-me ao seu lado na cama, colocando o objeto para apoiar sua cabeça. Passei a mão por seus cabelos, começando a afagá-los.

— Há alguns dias eu comentei com Hiandra sobre a morte dos nossos pais - Contou - Ela me ofereceu um pouco de consolo, pensei que podia confiar nela. Agora eu descubro que ela é uma traidora e estou me sentindo… 

— Vulnerável? - Sugeri e ele hesitou antes de concordar. Suspirei - Olha, Pedro, talvez você tenha confiado rapidamente em Hiandra por estar carente, afinal nossos pais foram tirados de nós de maneira muito brusca. - Ele me ouvia com atenção, ponderando sobre minhas palavras - Mas acho que deve ter cautela antes de condená-la. - Seus olhos se ergueram para mim - Eu devia ter falado algo ontem na sala do trono, mas estava tão atônita que não consegui dizer nada.

— Acha que posso ter sido injusto? - Indagou.

—Na sua posição, ou na de Caspian se ele estivesse aqui, é natural colocar o acusado em prisão preventiva - Ressaltei - O que estou dizendo é que no seu íntimo você já considera Hiandra uma traidora, mesmo tendo pedido mais provas a Glenstorm!

Ele arfou em decepção, já temia o que eu acabara de constatar. Apesar de tudo, eu entendia o lado dele. Pedro defendeu Hiandra com unhas e dentes para Caspian e Susana permitirem que ela fosse tratada e ficasse protegida entre nós. Cogitar que ela pudesse ser uma mentirosa feria seu orgulho e seus sentimentos. Eu sentiria o mesmo de Rilian nos traísse.

— Leve o tempo que precisar para refletir, mas não espere as provas para se desculpar com Hiandra - Pedi. - Se ela for culpada, terá sua pena, afinal se não confessou, é porque não se arrependeu.

— E se ela for inocente…  - Completou - Ficará magoada caso eu só peça perdão depois de descobrir a verdade.

Assenti em resposta. Passei mais um tempo cuidando dele até que o sol raiou, anunciando que tínhamos pouco tempo para tomar café e partirmos para o Ermo do Lampião. Liliandil e eu saímos juntas da sala de jantar para encontrar Theodor e Windren devidamente preparados no pátio do castelo. Rilian estava com eles, com roupas novas como eu havia pedido. Não lhe deram armas, medida de proteção, mas eu já estava feliz por ele poder ir conosco.

— Podemos ir? - Indaguei e todos fizeram que sim. Gael havia trazido um cavalo para mim e fiquei feliz por encontrá-la de novo. - Edmundo precisa que sejamos rápidos.

— Que Aslam nos conceda o sucesso! - Windren exclamou.

Campo aberto em volta do Castelo de Anvard

— Para aqueles que não sabem quem sou - Cietriz começou seu discurso frente ao exército, orgulhosa de finalmente poder usar sua aparência verdadeira - Sou a serpente do deserto, como gostam de chamar. Cietriz!

Os soldados urraram, estimulados por verem sua grande feiticeira diante de seus olhos. Jadis subiu ao palanque também, ostentando suas vestes alvas.

— E como sabem, com o objetivo de derrotarmos Nárnia definitivamente - Continuou Cietriz - Trouxemos de volta sua maior inimiga: Jadis, a grande feiticeira branca!

A festividade dos soldados foi menor, afinal estavam mais admirados e apreensivos com Jadis diante deles do que felizes.

— Temos duas grandes notícias para… encorajá-los - Jadis se pronunciou, encobrindo um riso na última parte. - A primeira é que o rei Edmundo de Nárnia e o rei Naim de Arquelândia estão sob nosso poder. Conquistamos Arquelândia em sua totalidade e Nárnia sucumbirá em breve!

Os soldados voltaram a urrar, entusiasmados por estarem bem perto de conquistar os objetivos de seu rei.

— A outra notícia, porém - A voz de Cietriz interrompeu as comemorações - É que o tisroc Ahadash não está mais entre nós.

O fato de Cietriz não ter utilizado a frase “que ele viva para sempre” após falar do tisroc seria uma completa falta de reverência percebida por todos se a notícia que ela trazia não fosse muito mais chocante. Os murmúrios assustados, surpresos dos soldados, chegavam a ser ensurdecedores e logo fizeram Jadis perder a paciência.

— Basta! - Bradou severa.

— Como o tisroc morreu? - Até mesmo o general esqueceu-se da frase, que não fazia mais sentido diante da morte do rei.

— Simples - Cietriz deu de ombros, passando a língua ofídica pelos lábios pintados de vermelho - Nós o matamos!

O general sacou a espada de imediato, os olhos arregalados diante da confissão cínica de traição e regicídio.

A feiticeira branca não evitou a risada de escárnio. Ela sempre se divertia com a facilidade com que os humanos se confiavam em suas espadas, crentes que a força bruta seria capaz de derrotá-la.

Com um movimento rápido de uma das mãos, um cristal de gelo pontudo foi atirado no coração do general, atingindo-o com facilidade apesar da armadura. Ele soltou um gemido abafado, atônito. O ferimento ao invés de jorrar sangue, foi cristalizado pelo gelo, que se espalhou por todo o seu peito. Os olhos do general tornaram-se transparentes como gelo, petrificados com o feitiço de Jadis e logo ele estava de joelhos diante dela.

Os soldados calormanos estavam apavorados e antes que pudessem fugir, Jadis abriu os braços e milhares de estalactites passaram a atingir e perseguir os soldados, transformando-os em fantoches nas mãos da feiticeira.

— Uma pena que nem todos suportam o feitiço - Jadis lamentou para Cietriz, o olhar sem um pingo de piedade diante dos corpos caídos no chão sem vida. Os “corações fracos” sucumbiam ao poder de Jadis, a vida se esvaindo deles antes que a magia se concretizasse.

Quando os gritos cessaram, quando o desespero se foi, os soldados de pé se colocaram em marcha perante as duas feiticeiras, pisoteando os soldados mortos sem sequer se darem conta.

— Desses eu posso cuidar - Cietriz murmurou para a feiticeira branca, pronta para fazer sua demonstração de poder.

Ela fez cunhas com a mão, as palmas viradas para cima e enrijeceu os dedos. Os corpos caídos sofreram uma espécie de choque, de impacto com seu gesto e à medida que ela erguia as mãos para o alto, eles se levantavam, as cabeças pendendo para o lado como sacos de pele, ossos e vísceras sem vida.

— Eu detesto admitir, mas até que fazemos uma boa dupla - Jadis decretou por fim.

— Agora que já temos o nosso exército, tenho que cuidar do casal patético que acredita que me vencerá com a lança de Cisne Branco.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eai? Gostaram?
É muito importante que vocês deixem seus comentários para que eu entenda o que estou acertando, o que pode ser melhorado e deixem sugestões sobre o que esperam da história!
Beijos!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Última Chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.