L observava Raito.

Através das meias palavras que eram cautelosamente ditas, dos passos lentos que atravessavam o chão do QG até o encontro sutil e “não-proposital” de suas peles, dos mistérios não resolvidos de seu sorriso de canto de lábio, das micro-expressões que seu rosto pálido nutria em cada confronto e de cada respiração compassada, L observava com minúcia, atento a cada detalhe que pudesse revelar o que era uma verdade que lhe pertencia.

Raito era Kira.

E não era porque houvesse uma prova matemática que colocasse isso no papel que L poderia dizer tal afirmação. Em seu histórico como detetive, sempre havia sido demasiado cuidadoso, para que não faltasse com a Justiça a quem quer que estivesse acusando de culpado; a quem quer que estivesse condenando, simplesmente não podia haver 0.1% de dúvida antes que enviasse o seu veredicto final.

Mas com Raito as coisas eram simplesmente diferentes.

 Aquele inocente garoto, por detrás de seu sorriso de anjo, e de seu olhar amendoado de cachorro abandonado, nutria algo de realmente maligno, de infeccioso, de doente, que L conseguia sentir. A voz dele, a cada palavra, era como um veneno sutil que penetrava suas veias intoxicando-o, preparando o terreno para sua morte, empurrando sua cabeça em um tanque sem que pudesse retirar para buscar o oxigênio novamente.

Lentamente, L conseguia sentir a própria morte.

 Caminhando em sua direção, toda vez que estava perto dele, ou toda vez que ele se aproximava o suficiente para que conseguisse sentir seu perfume adocicado, doce de mel. Não era uma decisão com base não só em evidências reunidas, em suspeitas estudadas, em porcentagens acumuladas, não, L não seria tolo o suficiente de mentir para si mesmo, porque não era. Era uma decisão vergonhosamente sentimental.

L sabia que estava apaixonado por Kira.

Era clássico.

O detetive se apaixonar pelo suspeito, mas não qualquer suspeito. O principal suspeito. L não se apaixonaria por alguém que não fosse tão calculista e frio quanto ele, que não fosse capaz de pensar exatamente como ele, de antecipar seus passos e prendê-lo na curva de sua própria sabedoria. Ele não se apaixonaria por alguém que não fosse também um mistério que ele teria que solucionar, um quebra-cabeças que não precisasse resolver, um caso que não fosse semi-impossível de desvendar.

L estava apaixonado por Raito Yagami.

Quando Raito sorria para ele, uma mão invisível apertava seu estômago, sufocando as mil borboletas que voavam ali dentro. Quando Raito olhava para ele, sua íris era um mar de creme de avelã pelo qual nadava até atingir a pupila, um buraco negro que o sugava para realidades alternativas, onde seus corpos se entrelaçavam em meia centena de posições diferentes. Quando Raito falava com ele, seus pelos pareciam acordar para ouvir as palavras também, ficando eriçados na extensão de todo o seu braço. Quando suas peles se encostavam, volts percorriam seu corpo num choque elétrico intenso e as palavras reunidas no seu céu da boca derretiam como gelo que encostasse no sol.   

L amava Raito Yagami.

Não sabia o que era o amor, e não saberia reconhecê-lo em nenhuma outra situação, mas se não fosse amor o que fazia com que aquilo doesse como se estivesse mergulhando numa piscina de ácido ou como se alguém o estivesse esfaqueando tão fundo no seu coração que era como se a faca pudesse atravessar seu espírito e chegar em sua alma?

Era como se cada centímetro de sua pele estivesse queimando num fogo ardente e vívido, e por mais que gritasse por socorro, ninguém viesse acudi-lo.

E por que doía?

Porque L iria matar Kira.