Every other day escrita por Luna The Cookie


Capítulo 5
The Play - pt. ll




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IV

 

 

O primeiro ato seguiu normalmente.

A peça em questão era original de Preston:

Um romance trágico sobre uma marciana e um soldado do exército americano, ele com a missão de explorar e aniquilar o que encontrasse e ela uma simples alienígena, nenhum com poder o suficiente para parar a guerra entre os mundos mas ao mesmo tempo o desejo de mudar alguma coisa, fazer um impacto.

Tabii era uma das personagens principais— o interesse romântico, e de alguma forma, Niel havia sido encarregado do papel do soldado, apesar de não ser o melhor dos atores.

Max disse que esse havia sido o motivo para ele ter vindo ver a peça ao invés de ter saído depois da abertura das cortinas: ele queria ver Niel passando vergonha, talvez errando uma de suas falas ou tremendo tão intensamente por causa do nervosismo que acabaria derrubando a arma de brinquedo que segurava na maior parte de suas cenas.

De qualquer forma, a peça não estava sendo tão ruim quanto Nikki imaginava que ela pudesse ser: Tabii e Niel tinham pouquíssimas cenas que exigiam contato físico apesar de estarem interpretando um casal e a história parecia pelo menos coerente, mesmo se fosse um pouco arrastada.

Até que o desastre aconteceu.

Início do ato ll, as rainhas marcianas aparecem em toda a sua glória, dando início ao julgamento do jovem soldado, que na história havia sido pego depois de seu rival romântico (Um garoto baixinho com uma semelhança assustadora ao Hitler) ter revelado a localização do terráqueo. A questão é:

 Nikki não esperava que as rainhas fossem Sasha e Erin.

— Oh, terrível soldado! Você tem que, tipo assim, pagar pelos seus crimes.

Sasha começou, ela revirou os olhos ao dizer a sua fala.

— É, você ouviu a minha esposa. – Erin disse com seriedade. — Por ter sido o responsável pela morte de três marcianos e ter lutado contra o nosso glorioso planeta, você será enforcado.

— A morte de três marcianos? Devo ter perdido alguma coisa, não me lembro de ter visto essa parte da história.

Nikki murmurou para si mesma, tentando se forçar a prestar a atenção na peça.

No geral, a flower scout não considerava-se uma pessoa focada, nem de longe. Sempre teve tendência a se distrair a sonhar acordada, especialmente quando estava entediada, o que tem acontecido cada vez mais nos últimos meses. Mas era principalmente difícil focar-se quando Sasha estava lhe observando tão intensamente entre os diálogos que sentia como se a líder estivesse lendo a sua mente.

Talvez não ter mudado de lugar antes do início da peça fosse uma má ideia, por que independente de tudo, Nikki estava sentada ao lado de Max e não havia dado nenhuma indicação de que mudaria de lugar também.

Era uma transgressão, estava claramente indo contra as regras impostas pela garota que deveria, e costumava, seguir cegamente.

‘’ Mas também, acho que uma transgressão não é tão ruim assim se levar em conta de que, no final das contas elas me deixaram de fora do plano. A ideia não era Tabii interromper o seu próprio monólogo com uma declaração de amor? E de Erin acender fogos de artifício no final? O que elas estão fazendo no palco?’’

Nikki se perguntou, balançando a cabeça algumas vezes e tentando se focar novamente na peça. Estavam indo contra o plano, mas conhecendo as três a vinda não havia sido em vão.

Não deveria questioná-las e seus métodos, era algo que havia aprendido quando começara a andar com elas. Tudo tinha um propósito, menos quando não tinha.

Mas você não deveria comentar sobre isso, ou sequer pensar demais sobre alguma coisa (por mais que isso seja o que Nikki mais tem feito durante os últimos tempos). Pensar demais te deixa infeliz, faz com que cumprir ordens seja ainda mais difícil.

Talvez seja por isso que esteja se sentindo tão desconfortável sentada na plateia, sentindo as ondas de vergonha quando o olhar de uma de suas colegas cruzava com o seu. Não é como se ela e o Max fossem alguma coisa— eles se conheciam a menos de dois dias e mal tiveram tempo para conversar de verdade nesse meio tempo, nada além de conversas crípticas movidas por curiosidade em relação ao outro.

Nikki não sabia nem qual era o animal favorito dele, e na opinião da mesma, era simplesmente impossível se apaixonar por alguém que não gostasse de lobos.

Mas— Voltando ao assunto, Nikki não estava apaixonada. Ela não vivia em um dos romances de Preston, não seria o interesse romântico que largava a sua vida em prol de alguém que ela mal conhecia. Não, ela se recusava a ser diminuída a isso.

Então por que estava tão desconfortável?

— É... Nikki, você está bem?

 Nerris sussurrou, despertando-a de seus pensamentos novamente. Ao focar-se na peça reparou que a cena era completamente diferente da anterior e que as outras flower scouts haviam saído de cena. Havia se distraído de novo?

— Sim, sim! Não se preocupe comigo, só estou um pouco...

A garota tentou procurar a palavra certa. Entediada? Não queria insultar Preston. A peça não era necessariamente mal escrita, mas ninguém ali em cima parecia realmente estar dando o seu melhor também. Se tivesse que apostar chutaria que a maior parte dos atores havia sido obrigado a participar pelos monitores.

— Cansada? Não é a única, as peças do Preston são uma merda.

Max respondeu, ela assentiu.

— Não é que é ruim, mas é... Longa.

Nerris concordou, aparentando simpatizar com a sua situação.

— Você tem sorte. – A elfa voltou a sua atenção para o palco novamente. — Não tem que ver isso toda a semana. Ele faz peças de cinco horas, Nikki. Cinco horas!  Não sei nem onde ele arruma tempo para escrevê-las.

A flower scout colocou uma de suas mãos no braço de Nerris, como um sinal de apoio silencioso. De algumas formas imaginava que assistir as peças de cinco horas de Preston não deveria ser tão ruim, pelo menos não tão ruim quanto as aulas de etiqueta que era obrigada a aturar, mas parecia ser ruim de seu próprio modo, talvez em um nível diferente.

— É, pior do que isso é o David obrigando a gente a participar delas.

Max cruzou os braços

— Vocês têm que participar? Então o que estão fazendo na plateia?

— Não passei na audição. – Nerris disse, dando de ombros. – Ele disse que não demonstrei paixão o suficiente ou algo do tipo.

— E eu fui banido.— O asiático parecia indiferente quanto a isso, a escoteira não conseguiu esconder a sua curiosidade.— Não é nada demais, suas amigas fizeram mais do que eu inclusive.

Ele se virou para o palco novamente, Nikki reconheceu que ele não queria falar sobre o assunto.

Quando voltou a assistir à peça reparou rapidamente que ela estava, finalmente, chegando ao seu final.

Tudo isso sem sequer um sinal de uma confissão amorosa.

 

━━━━━━◇◆◇━━━━━━

 

A marciana havia morrido.

Foi um ato de sacrifício—Ela se jogou em frente ao seu amado durante a batalha final, sendo atingida pela arma do rival amoroso.

Pra ser sincera, Nikki havia previsto esse final no início da peça.

Qualquer história de amor sobre duas pessoas de mundos diferentes que se apaixonavam acabava de maneira trágica. Era algo de conhecimento geral naquele ponto, não existia nenhuma possibilidade de essa peça ter um final feliz, principalmente vindo de um fã de Shakespeare.

— Eu não entendo por que eles fazem o esforço. – Nikki murmurou. – Por que ela não fez karatê? Vale mais a pena do que correr atrás de macho.

Niel estava fazendo o seu monólogo, falando sobre a mortalidade do homem e a brutalidade da guerra.

— Ah, minha a-amada noiva alienígena! Nosso destino, apesar de trágico, nu..nunca poderia ser evitado. Estamos simplesmente pagando por nossos pecados, por um passado que para nós é desconhecido.

 Niel parecia estar a cinco segundos de um colapso mental. Ele se ajoelhou ao lado de Tabii, que estava deitada no meio do palco, e parecia hesitante em se aproximar demais dela.

As luzes estavam focadas nele.

— Mas mesmo com a sua ida, eu prometo honrá-la. Nunca amarei tanto alguém quanto amarei você, minha querida—

Tabii se levantou repentinamente e o beijou, interrompendo o monólogo.

Foi uma decisão de última hora, um impulso, mas estranhamente a coisa mais Tabii que ela poderia fazer.

A loira nunca foi muito apegada a planos e sempre teve certa preferência por fazer as coisas do seu próprio jeito, mesmo se elas dessem muito errado. A prova disso era o tapa-olho que ela usava— um simples contratempo, segundo a mesma.

Então é, apesar de todas as indicações de que ela faria isso eventualmente, Nikki estava em choque.

— Mas que porr—Você sabia que ela ia fazer isso? – Max olhou para a Nikki, não parecia tão chocado quanto indignado pelo que havia acabado de acontecer.

— N-Não! Ninguém disse nada sobre beijo! – A escoteira exclamou.

Niel havia desmaiado em algum ponto depois do beijo e Erin havia entrado em cena da maneira mais profissional que poderia.

— Brava camponesa, serva de seu reino. Você- ahm...Foi corajosa em realizar a sua missão! Enganar o terrível humano e... Garantir a vitória de seu planeta.

Ela fez o melhor que podia para que tudo parecesse estar sob controle, oferecendo a sua mão para que Tabii se levantasse da onde ela estava sentada. Nikki conseguia ouvir a voz de Preston ao fundo, o dramaturgo gritando ordens que ela não foi capaz de entender.

— Então...Para honrar a sua coragem eu e a minha esposa. – Ela pôs ênfase na última palavra, dando a deixa para que Sasha entrasse no palco. – Lhe damos o título de...

Erin olhou para a líder em desespero, assim que Sasha parou ao seu lado, não conseguindo prosseguir com a frase.

Sasha retirou a coroa que usava e a colocou na cabeça de Tabii.

— Princesa honorária. Tipo, faça valer.

Era fácil perceber em seus movimentos, um pouco menos graciosos do que o normal de que ela estava absolutamente lívida, apesar de ainda conseguir transmitir a quantidade usual de confiança em seu diálogo.

A cortina se fechou e Preston apareceu, improvisando uma nova conclusão para a sua história, raiva clara na sua postura tensa e tom de voz mais alto do que o usual.

Nikki apressou-se em se levantar, acenando para Nerris e Max como uma despedida, não se preocupando em dar uma desculpa para a sua partida repentina— eles entenderiam, com toda a certeza. Mesmo se não fosse a mais leal das flower scouts ainda tinha o dever de ajudar as garotas quando precisassem, especialmente em uma situação dessas.

Não foi difícil encontrar os bastidores, e o caos que estava acontecendo atrás da cena lhe traziam um conforto estranho. Ninguém sabia exatamente o que fazer naquela situação e alguns campistas que não reconhecia muito bem andavam de um lado para o outro tentando encontrar algo com o que se ocupar.

Ao adentrar um pouco mais o cômodo encontrou onde seria o palco— as três escoteiras em seu centro, com Erin e Sasha tentando segurar Tabii para que a mesma não atacasse o pobre Niel, que estava sentado na outra ponta do palco sendo acudido por outro campista, o baixinho que se parecia com Hitler.

— Nicolette!

 Sasha exclamou ao notar a presença da mais nova, não precisava de nenhum sinal para saber o que deveria fazer neste momento.

Nikki se aproximou de Niel, mesmo sabendo que era o curso mais arriscado no momento. Ele parecia um pouco ansioso ao vê-la, a escoteira não o culpava.

— Você consegue levantar? Eu preciso que você saia daqui. O mais rápido o possível. – Ela olhou de relance para Tabii, que se debatia freneticamente no ponto em que estava. – Elas não vão conseguir segurar ela por muito mais tempo.

Ele concordou com a cabeça, parecia um pouco confuso ainda.

— Não se preocupe. – O garoto baixinho que se parecia com o Hitler disse. Nikki reparou que ele tinha um sotaque alemão bem forte. – Eu vou tomar conta dele.

Nikki assentiu brevemente, dando espaço para que Niel conseguisse se levantar.

— Não vá para a sua barraca agora. – Ela instruiu, falando um pouco mais baixo para que Tabii não ouvisse. – É mais provável que ela vá te procurar lá se ela acabar fugindo...Ah, e não fique sozinho também!

— Não estava planejando ficar sozinho. – Niel disse, a sua voz mais baixa e assustada do que o usual. – Só...Deixa ela longe de mim, por favor. Não aguento mais isso...

Nikki suspirou, cansada. Ela entendia Niel, realmente entendia. Por mais que no começo tenha sugerido o plano apenas como uma maneira de causar caos, estava tudo sendo mais exaustivo do que imaginava.

Atrás de si, Tabii se debatia com mais força e gritava algo incompreensível.

— Rápido, rápido.

 O garoto alemão pegou Niel pelo pulso e o guiou até a saída mais próxima, Nikki acompanhando-os até a porta para certificar-se de que haviam saído e proteger a saída o máximo que poderia, garantindo pelo menos alguns metros de vantagem entre os garotos e a imprevisível Tabii.

Voltando o seu olhar para o trio, percebeu que a loira havia parado de se debater, apesar de ainda ter os seus braços segurados pelas outras duas escoteiras. O seu rosto estava baixo, oculatado por sua franja, em um sinal claro de vergonha.

Com cuidado, Nikki ousou se aproximar, ainda mantendo-se alerta para o caso de Tabii decidir ataca-la.

Ao invés de continuar a resistir, gritar ou xingar, a loira manteve-se quieta por alguns segundos, tentando segurar as lágrimas.

— Ele nunca vai me amar, né? – A sua voz era baixa, um pouco mais alta do que um sussurro. – Eu entendo isso agora.


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