Dancing With Your Ghost escrita por Nazomi


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Escrevi essa oneshot ouvindo a música: Dancing With Your Ghost da artista musical Sasha Sloan. Recomendo que a escutem enquanto leem esta fanfiction, pois é de imensa importância, já que ela foi a maior referência para a criação dessa pequena história.
Sem mais delongas, espero que gostem!



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Uma hora. Duas horas. Três horas. Não sabia mais há quanto tempo permanecia deitada, agarrada às cobertas que cobriam com delicadeza seu corpo macio e belo. Seus curtos cabelos castanho-claros espalhavam-se pelo travesseiro, a franja cobrindo os olhos inchados e já, infelizmente, despertos. Estava na hora de se levantar, mas uma força maior que a gravidade jazia sobre a pele pálida da mulher, fazendo-a ceder aos próprios medos e inseguranças de uma vida novamente solitária.

Por fim, sentou-se, não se espreguiçando como normalmente fazia todos os dias, alongando seu corpo para uma caminhada ao trabalho ou mais tarde para a faculdade em que lecionava. Passou as mãos pequenas pelos olhos acabados, segurando para dentro a vontade de se derramar em lágrimas intermináveis, levantando-se para seguir até o banheiro pequeno, conectado ao quarto.

Arrependeu-se ao olhar para o espelho e se deparar com uma imagem fétida e digna de pena do que uma vez já fora, os grandes olhos negros estavam fundos, vermelhos, sua cor escura havia perdido o brilho há três meses. No mesmo fatídico dia em que o tinha perdido para sempre, onde a chuva se fazia presente e escorregava pelas estradas vazias que o levariam diretamente a ela, para casa.

Se não tivesse pedido que ele a trouxesse coisas específicas do mercado, talvez agora estivesse com ela, abraçando-a como sempre fazia quando a encontrava em frente à pia. Não era idiota. Sabia bem que tudo não havia passado de acasos do destino, por causa do tempo, o piso escorregadio tinha causado o acidente de carro, sem qualquer culpa sua envolvida. Mas então, a quem podia culpar?

Esta era a questão, não podia culpar a ninguém.

Uma pontada forte fez com que arquejasse de dor, o coração não cicatrizado gritava em agonia, clamando para que o devolvessem são e salvo. Xingava seu amado relutantemente de idiota, por ter saído em um clima tão ruim para trabalhar como sempre fazia, negando suas tentativas de fazer com que ficasse em casa em um final de semana cheio de amor e expectativa. Jamais ouviria sua risada, sua voz, seus sermões quando não regava as plantas da varanda outra vez. Nunca mais na vida teria seus braços fortes a protegendo de inimigos, em nenhum momento teria seus tímpanos acariciados pelas juras de amor eterno.

Notara só então, que lágrimas pesadas, redondas e cheias de significado rolavam pelas bochechas magras, antes tão saudáveis. Tinha se destruído no primeiro mês, procurando-o nos lugares do apartamento pequeno onde residiam sem querer, bebendo e derramando pranto em quase todos os cômodos. O lençol já se achava sem o perfume daquele que amara por tanto tempo, desde a infância. Suas roupas dobradas e organizadas em duas gavetas do armário que dividiam não eram tocadas em uma esperança de que o dono delas voltasse para as buscar.

Limpou bruscamente as lágrimas que ousavam cair, cansada e irada pela injustiça que a vivência lhe cobrava, entrando no box para tomar banho, na expectativa de recuperar o pouco de dignidade que lhe restara. Haviam lhe tirado tudo que mais amava, o colorido escorria de sua derme e caía pelo ralo do chuveiro, levando junto a água de seu choro. De repente, em um súbito ataque de pura angústia e frustração, permitiu-se gritar depois de tanto tempo, a voz saiu carregada de sofrimento junto a uma leva de aguardo que, sabia, de modo algum encerraria.

Rememorou-se das vestes negras que fora obrigada a usar em seu enterro, dos abraços e palavras vazias que recebera de amigos e conhecidos do emprego. Tinha noção de que sua expressão neutra no dia, sinalizava a morte de suas emoções mais amáveis e internas, agradecia no mais profundo âmago por nenhum dos espectadores terem iniciado uma conversa ou tentado sequer puxar algum assunto. Era inteligente o suficiente para saber que a olhavam com pena, para onde quer que fosse e caminhasse, era alvo de piedade, coisa que odiava.

Saiu do chuveiro e se secou com a única toalha disponível no recinto estreito. A escova de dentes, o creme de barbear, todos os pertences foram colocados em uma caixa na primeira oportunidade que encontrara, pois, a chance de sequer avistar um deles era uma memória ácida. A corrosão seria forte, espalhar-se-ia como uma doença em plena criação e crescimento. Caminhou, quase determinada a se vestir o suficiente para sair e realizar os afazeres do dia, estava de férias e tinha ainda uma semana para se acostumar com a vida moderna de novo.

Suspirou, levando consigo suas torturas e soltando-as no vento frio que vinha da janela do quarto coberto em escuridão. Estava na hora de se acostumar com a dor, levá-la como companheira e seguir em frente. Seu pensamento era positivo, mas suas ações não coincidiam, seu corpo ainda pesado queria simplesmente cair no colchão e permanecer lá durante o resto dos dias que tinha de folga. Avistou o retrato virado para baixo na cabeceira da cama, andando lentamente em direção a ele em seguida, prestes a dar um passo em direção ao futuro que tanto temia. Precisava aceitar. Aceitar que nada daquilo era uma mentira esfarrapada.

Soluçou ao limpar com a manga do moletom a poeira em cima do vidro do quadro, passando os dedos finos pelo rosto dele, detalhado com um sorriso vívido, tão vivo quanto nunca estivera. Vivo. Conteve mais um soluço, respirando fundo, sentia sua falta, muito. Deitou na cama em um tremendo desalento, segurando a foto contra o peito que doía com as lembranças que corriam soltas pela mente. Ficaria até tarde da noite pensando nele, tinha convicção de suas suspeitas.

Mirou a caixinha de presente que havia preparado três meses atrás com o habitual propósito de o surpreender como sempre fazia. Sorrindo minimamente ao fato que traria felicidade ao amado recém-falecido. No final, nada pudera fazer, ele tinha ido embora sem saber pelo que esperar. Levantou-se, rastejando até a caixinha vermelha, abrindo-a ao puxar o laço igualmente carmesim, desvendando um teste de gravidez com resultado positivo.

Uma lágrima caíra em cima da pequena tela, manchando sua visão em uma expectativa muda e crescente. Ainda tinha uma parte do amor de ambos dentro de si e, em breve, ela faria parte deste mundo. Somente agora notara. Conviveria consigo, gritaria, choraria, gargalharia e, por fim, voaria em prol da própria existência. Sorriu, como não sorria há muito tempo, passando as mãos fracas pela barriga vagamente levantada, na esperança de sentir um pouco da futura criança que jazia em seu útero.

Riu levemente, prendendo a vista nos fones de ouvido conectados a um iPod. Seu maxilar travara. Pensava que tinha perdido o aparelho junto do amado no acidente, todavia, lembrou-se de como o recuperou logo antes do enterro, das mãos de um amigo cirurgião que auxiliara nas cirurgias falhas. Esticou o braço quase esquelético em direção ao eletrônico, colocando os fones de ouvido para ouvir qual tinha sido a última música a encantar os tímpanos de seu marido falecido.

Os segundos se passaram, rápidos, como um dia voltariam a correr contra o tempo. A harmonia era a favorita dos dois, recordou-se de como era característica do relacionamento em que coabitavam e sorriu novamente. Em meio ao paraíso em que se encontrava depois de tantos dias, sentiu o enjoo dos três meses lhe atacarem de forma desprevenida, fazendo com que arranjasse forças do além para correr até a privada, desesperada.

Soltou o pouco que havia comido no jantar do dia seguinte, sabendo que estava matando a si e ao ser que viria ao mundo em pouco menos de meio ano. Começaria a comer melhor, voltaria a se exercitar. Não porque queria e sim porque era necessário. Levantou-se do chão frio e branco como as nuvens, enxaguando a boca do gosto terrível da bile e retornando ao seu conforto nos lençóis, escutando a melodia que entrava pela cabeça e lhe trazia paz. Experimentava os braços fortes dele e o calor de seu coração batendo compassadamente enquanto a música reprisava em um loop infinito.

De repente, nada mais parecia tão solitário e vazio. A cor voltava aos poucos naquele quarto escuro e silencioso com o passar das batidas ritmadas, era arrebatador e consolador. Colocou o retrato cuidadosamente no criado mudo, junto da caixinha de presente e o teste de gravidez. Suspirou, prometendo à própria consciência que se consertaria aos poucos, pedindo desculpas a ele, imaginando que a observava de onde quer que estivesse, ouvindo imaginariamente como resposta as palavras confortantes que sempre ouvia. Enxugou a dor que saía pelos olhos em forma de gotas delicadas, erguendo-se da cama e se preparando para o que viria a seguir: a desistência.

Revelou um abrir de dentes ao notar que esta, pela primeira vez, não aparecera como tantas vezes outrora. Tinha noção de que estava só começando, não estava pronta, pelo menos, não ainda. Aconchegou-se perto da janela aberta, observando os carros passarem pela rua, irrefreáveis como seu amor. O vento balançou seus cabelos curtos e recém-lavados, trazendo o frio da manhã ao seu humor que melhorara consideravelmente ao notar que, surpreendentemente, não estava sozinha. Achava-se três meses atrasada para ter notado, apesar de seu objetivo primário ter sido realizar uma surpresa.

Zombou de si mesma, ouvindo o refrão da música preencher seu coração dolorido e cheio de cicatrizes. Cansada demais de sofrer, chorar e rastejar pelo chão do apartamento, deixou que a brisa que arranhava sua pele tirasse de si o resto de tristeza e depressão. Em uma simples reflexão intensa, respirou fundo e cantou a composição, lembrando-se das memórias que compunham sua história de vida e repertório cultural.

I put the record on. Wait 'til I hear our song. — Buscou ar, esperando prosseguir. — Every night I'm dancing with your ghost. — Sussurrou como em um voto de devoção eterna, desligando o aparelho assim que a música terminara e acariciou a barriga um pouco avantajada.

Todas as noites, sorrindo, dançaria com seu fantasma.


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Notas finais do capítulo

Se você leu até aqui, eu sinceramente espero que tenha gostado.
Todos nós, um dia, passamos por problemas em relação a ter perdido um ente querido, uma pessoa ou um amor na vida. Mas assim como todas as feridas que se abrem, com o tempo, naturalmente a cicatrização ocorre, seja ela de forma lenta ou rápida.
Se você, caro(a) leitor(a), já passou por uma situação dessas ou está passando por isso, não se preocupe, pois o tempo cura, por mais difícil que possa parecer.
Obrigada por ter lido até aqui, vejo você em minhas outras fanfictions!



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