A Million on My Soul escrita por Izzy


Capítulo 3
Morte à Escolhida




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Sky nunca imaginou que um dia situações como aquela estaria acontecendo. Anjos, demônios, seres sobrenaturais... Apesar de ser uma pessoa sensível e sentir coisas acontecendo, não necessariamente presumia ter um anjo caído deitado despojadamente no sofá da sala, bebendo chá verde extremamente quente. As longas asas escuras ainda abertas repousadas em todo acento transmitiam um calafrio nela. Floyd deitou-se em cima e Sky pela primeira vez temeu pela vida do bichinho.

— Não tenha medo, eu não irei machucá-lo. Ele é especial — disse Soren, enquanto alisava o dorso do animal. Grim que assistia tudo de pernas cruzadas não desgrudava o olhar em Soren, afinal ela já tinha o traído uma vez. Mas isso foi há muito tempo atrás.

— Por que está aqui Soren? Como me achou?

— Até que foi fácil... — ela fez uma pausa, bebericando do chá. — Você tem um cheiro muito específico.

— E você acha mesmo que eu não sei?

— Não me referi a você, Grim — disse rispidamente, fitando a garota sentada ao lado.— Você é muito bonita pra ter esse belo rostinho desperdiçado.

— Infelizmente não funciona desse jeito — respondeu Sky, sabia que a mulher estava estudando cada palavra sua.

— Mas o que faz ao lado da morte?

— Ela vai me ajudar a encontrar minha foice — ele interrompeu.

— Eu não estava falando com você, Grim!

Soren o olhou furiosa, as asas agitaram-se, afastando o gato de cima delas. As íris escuras pareciam pegar fogo.

— Ok, Soren, o que você quer?

— O que eu quero?! — ela riu. — Você sabe o que acontece quando a morte para de ceifar almas? As almas ficam exatamente aqui, não vão pra lugar nenhum. Não podem reencarnar. Nada!

Sky ficou quieta, observando os dois discutirem sobre o destino das almas. Soren tinha retraído as asas, agora ela parecia menos assustadora. Fisicamente aparentava terem a mesma idade.

— Já terminaram? — questionou Sky, colocando a comida de Floyd no pote.

Os dois se entreolharam em silêncio. Quando se encontravam era de acontecer assim, Soren o deixava fora do próprio equilíbrio.

— Bem, eu não sei como eu a perdi. Lembro-me de ter levado uma alma quando estava no Million Dollar Saloon — ele se levantou, andando ao redor da sala — Quando saí, estava sem ela. Mas senti algo, então na melhor das hipóteses, alguém a roubou.

— Então naquela noite você estava lá pra levar aquele cara e me deu o casaco? Por sua causa eu tive que passar a noite na delegacia dando depoimento.

— E você foi liberada e agora não precisa mais dele. Fim de assunto. Estou em todos os lugares Sky, você sabe quem eu sou, mas agora estou aqui contando com sua ajuda. E Soren, eu sei que eu não deveria confiar em você mas eu irei, então se me ajudasse eu ficaria muito grato. Mas se não quiser, a porta de onde você entrou está aberta e a noite lá fora é escura, do jeito que você gosta — ele torceu o nariz e colocou as mãos nos bolsos na calça.

Soren rolou os olhos, calçando os sapatos pretos.

— Eu irei ajudá-lo, mas não espere muito — afirmou, colocando as asas de fora, fazendo Sky dar um pulo de espanto. Saiu do apartamento pela varanda sem ao menos olhar pra trás.

Grim se jogou no sofá, suspirando aliviado.

— Então, e agora?

— Temos que consertar o que você fez, o que mais estaríamos fazendo?! — questionou, parada na frente dele.

— Eu não sei, pegar comida...?

— Você quer ir buscar comida, depois que perdeu a arma mais importante da história?

— Sim.

Ela ficou em silêncio, não tinha como argumentar ou discutir com ele.

Foi em direção ao quarto, tomou um rápido banho e colocou a roupa de trabalho. Vestido preto colado ao corpo, botas pretas, peruca rosa. Passou o perfume de sempre e saiu do quarto às pressas, prendendo a meia sete oitavos na cinta liga preta.

— Hey, hey, aonde vai? — perguntou ele, olhando-a de cima abaixo.

— Trabalhar, pelo menos alguém aqui precisa.

Ele ficou olhando todos os movimentos dados por ela enquanto passava pra lá e pra cá. Quando acabou, pegou alguns trocados na bolsa.

— Você vem?

Grim se levantou no mesmo instante, pondo-se atrás. Trancou a porta de casa e deixaram o apartamento.

Eram sete da noite, mas nas ruas sempre estava acontecendo alguma coisa. Rostos familiares a cumprimentavam ao longo do caminho para o Million Dollar Saloon.

Oi Sky! Como vai Sky? Sinto muito pelo que aconteceu com ela, Sky.

Pararam em frente à um food truck de cachorro quente e os olhos de Grim brilharam, como de uma criança quando a mãe compra o doce favorito dela.

Sky tinha comprado pra ele, mas o mesmo não quis, então entregou à ela.

— Tem certeza? Você parecia querer muito.

Ele concordou com a cabeça, adiantando os passos.

— Depois não venha pedir um pedaço — ela provocou, dando uma generosa mordida, precisava mesmo daquela refeição.

Continuaram o trajeto, Sky reconhecia de olhos fechados onde estava pois o cheiro de cerveja e sexo enchia os becos apertados e úmidos. Ouviram mais cumprimentos.

Oi BB! E aí, Brooklyn Baby, vai um cigarro? BB? Sigla para Bad Bitch? 

E até mesmo um grupo de idiotas adolescentes sustentados pelos país fazendo gestos e insinuações enquanto passava. Grim não disse uma palavra, mas achou extremamente desrespeitoso e nada legal. Ela não deveria ter que ouvir aquelas horríveis coisas, e se ele estivesse com a foice não hesitaria em levar cada um deles, mesmo que não estivessem em sua hora, e não trataria as almas gentilmente.

— Você vai ter que permitir que não te vejam agora... — avisou ela, quase sussurrando.

— Eu tenho idade para estar aqui.

— Mas não parece! A não ser que tenha identidade falsificada, só que o Brian, ele é duro na queda, ele sabe verificar uma corretamente.

Grim deu de ombros, ignorando totalmente o aviso sem que Sky percebesse. Ela estava nervosa, nunca tinha levado ninguém pro trabalho, ainda mais a morte.

A fila de pessoas fora do MDS crescia conforme o horário passava. Brian, o segurança alto e forte com cara de intimidador segurava a fila. Sky passou na frente de todos, ouvindo resmungos e reclamações.

— BB, está atrasada — repreendeu Brian de braços cruzados.

— Eu sei, mas estou aqui, não estou?

Ele foi abrindo a passagem, até a língua coçar.

— Quem é o rapaz? Não parece ter idade o suficiente para estar em um lugar como este.

Sky apesar de não sentir o frio da noite batendo na pele morena, gelou, sabia que ia dar merda.

— Sou o irmão dela, Anakin — Grim se pôs firmemente ao seu lado.

Brian semicerrou os olhos, estava confuso. Eles não tinham nada em comum, absolutamente nada, a começar da etnia.

Sky dessa vez tomou a frente, chamando Brian para mais perto, o suficiente para estar na altura do ouvido dele.

— Ele é adotado, não gosta que falem disso — sussurrou.

O homem disse um pequeno "ah" extremamente baixo, mas Grim ouviu.

— Entendo, sei como seus pais gostavam daqueles filmes. Mas ainda preciso ver a identidade del...

Grim apareceu rapidamente com a identidade em mãos. Brian leu Anakin Walker claramente, verificando cada detalhe do documento. Quando terminou, abriu novamente a passagem, dando entrada para os dois e um crachá de convidado à ele.

— Tenha cuidado ai dentro, rapaz — avisou Brian. Ele parecia um brutamonte, mas na verdade tinha um coração de ouro.

A música alta e o cheiro de maconha exalava por todo ambiente. Mulheres nuas em seu auge e dinheiro vivo. A prostituição ficava debaixo dos panos, mas ainda acontecia. Aquele era o lugar.

Uma certa mulher de cabelo rosa e contrariada pisava duro, em passos longos até a sala de funcionários. Grim tinha dificuldade em acompanhá-la.

Ele entrou e Sky bateu a porta atrás dele.

— Não vou gritar com você, mas o que eu tinha dito?

— Eu sei o que você me mandou fazer, mas eu não fiz... Está brava?

— Um pouco — negativou de leve com a cabeça — Passou quando você fez aquilo. Desde quando seu nome é Anakin Walker?! — agora ela estava rindo, totalmente surpresa.

— Eu sei não é! Tive que pensar de última hora. Mas e você... adotado?! Pfff, tecnicamente eu sou seu pai, Sky.

— Se você começar com isso, eu... — ela se calou, indo na direção do pequeno armário. — Oh, queridos Sarah e Martin Walker, eu ainda continuo pagando pelo seus erros como fãs. — sussurrou quase em rogação, sentindo a textura do papel onde continha os rostos dos pais.

Fechou o armário, dando um longo suspiro.

— Eu vou sair, fique onde quiser só não me atrapalhe ou me chame pelo nome quando estivermos aqui — ela abriu a porta e se retirou, voltando segundos depois — E não gaste dinheiro demais nelas.

Grim a seguiu, sentando-se em um sofá confortável mais afastadamente. Não pediu nada, e todas as mulheres que passavam — era gratuito, como cortesia da casa por ele ter o crachá de convidado — ele recusava. Apenas ficou observando como ela era dedicada mesmo com aquele tipo de trabalho. Servindo bebidas e pedindo à Deus para não ser tocada.

A noite se passou lentamente, ele se deitou, levantou, abriu os armários da sala de funcionários e achou coisas que eram melhor não ter achado. Quando terminou a tour, acabou voltando pro ponto de partida.

Sentiu uma certa presença, alguém o olhando quase sem piscar, até reconhecer uma cabeleira. Era Soren, brincando com os seios de uma mulher dos cabelos tingidos sentada em cima dela. O olhar dos dois se cruzaram. Soren sussurrou algo no ouvindo da ruiva, a dispensando.

Seguiu até ele, sentando-se ao lado.

— Você precisa parar de aparecer assim nos lugares, está começando a me assustar — disse Grim, passando os dedos entre os cabelos.

— E perder toda essa diversão? Não. Além do mais de certa forma estou te ajudando, foi aqui que perdeu seu brinquedo favorito — o sorriso provocativo nos lábios a deixava com um tom misterioso, como se estivesse ali com a missão de sacanear de propósito.

— E o que descobriu até agora além do belo par de seios? — ele rebateu. Soren calou-se, fazendo bico.

— Cafona... — ela resmungou.

— O que disse?

— Nada! — o sorrisinho falso tomou os lábios pintados de vermelho.

Ela pegou uma taça que vinha em uma bandeja e virou o líquido garganta abaixo. Soren estava planeando jogar aquela taça bem na cara da morte, com toda sua força, mas foi interrompida quando não o viu mais e a voz de Sky soar contra a música agitada.

Do lado afastado do salão, Sky estava com o braço de um cara aparentemente bêbado entre as mãos, e se fizesse mais um esforço poderia torcê-lo, só que não fez.

— Eu disse sem tocar! — gritou com a voz trêmula. Ele tinha passado a mão nela, sem dúvida nenhuma, e isso foi a única coisa que ela pôde fazer.

Ela largou o braço do homem com rapidez, recuando. Então, em um movimento que nem a própria conseguiu ver, ele ergueu a mão contra ela. Grim apareceu na hora, pegando o braço do homem, e o torcendo, sem dificuldade alguma. Mas ele enxergou alguma coisa em Grim, ou melhor, ele o deixou ver aquela coisa, o que ele era. O olhar de horror e medo do homem era tão intenso que o barulho da urina descendo pelas calças foi silencioso, como a própria morte.

Ele saiu correndo, desaparecendo desesperadamente pela porta dos fundos.

Soren presenciou tudo logo atrás de Grim. Vê-lo agir sem ao menos estar por completo a fez recear, até mesmo ela temia à morte, mas deixava isso em segredo. E quem não temesse, ela sabia que estava cometendo um grande erro.

Já Sky ficou apenas de pé, parada no canto. Tinha a sensação que as pernas pesavam uma tonelada. Quando finalmente teve coragem, deu as costas e saiu apressadamente pela porta dos fundos, precisava de ar fresco.

Soren e Grim trocaram olhares, hesitando no começo, mas foram os dois atrás dela. Procuraram por todo canto, mas não encontraram ninguém, nem um rastro de vida se quer.

Ela abriu as asas, voando, olhando de cima pra baixo. Encontrou Sky caída no chão à poucos metros do local.

Ela tremia no chão, a íris castanha olhando diretamente pra cima enquanto convulsionava. Os dedos das mãos abertas como se quisesse agarrar-se em algo, mas estava completamente paralisada.

Grim apoiou a cabeça dela no colo, enquanto Soren tentava fazer alguma coisa para voltá-la ao normal. O que funcionou depois de muita persistência.

O vestido curto deixou as pernas quase desnudas se não fosse pela meia sete oitavos. Mesmo assim, Soren percebeu algo marcado internamente em uma delas.

— Grim, olhe — ela apontou para dentro do vestido.

Ele a olhou com descaso.

— Maldita seja você, Soren! Isso não é hora pra...

— Não Grim, olha isso!

Ele se levantou, tirando a cabeça dela gentilmente do colo.

Observou com cuidado, e pela primeira vez desde a criação da vida, sentiu um tremor por dentro da sua essência.

— Não vê? É ela! A nascida amanhecer. O ser que possui dentro de si apenas uma alma, que equivalem a mil.


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