Oitava Fileira escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 2
Nomes...Quem precisa deles?




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Foram semanas nos escondendo, dormindo nos lugares mais desconfortáveis e engolindo poeira, até chegarmos onde todos os meus informantes diziam ser o covil do poderoso Cebola, nome que faz o mundo tremer hoje em dia. Não fazia sentido. Conhecendo o sujeito, esperava algo mais grandioso. Um castelo, talvez, ou uma nave espacial pirata. Um dos donos do mundo morava numa mata perdida no antigo e finado Limoeiro? Por que alguém com quase todo o planeta à disposição ficaria naquele lugarzinho mequetrefe?

Era mais simples perguntar pessoalmente, então percorremos o vilarejo, acionando cada alarme mágico num raio de três quilômetros, na esperança de chamar sua atenção. Nada aconteceu, então partimos para a casa do Cebola pra dizer “oi”.

Talvez não tenha sido minha melhor ideia.

O que parecia ser uma distância segura na verdade era o quintal do sujeito. Ele, ou melhor, eles chegaram, e toda a magia protetora invocada por semanas foi desfeita como um... Esquece. Não tenho uma metáfora rápida o suficiente. A onda de choque nos derrubou, e de repente não havia nada entre nós dois e a dupla que exterminou os zumbis do mundo, pôs metade dos poderes terrestres de joelhos... Um probleminha de nada.

O Xaveco, aquele bobo maravilhoso, me protegeu do pior e continuou na minha frente, diante do Cebola e seu braço direito, Nimbus. Ele nos expulsou, e nossas mentes resistiram por um milímetro à ordem, até tirarmos os chapéus e nos apresentamos.

Então o Cebola tirou a máscara, que caiu com o chapéu. O Cascão. Por que o Cas estava fantasiado de Cebola?

— Vocês não são quem eu esperava encontrar.

Pensa, Denise! Alguém como o Cebola não viria pessoalmente ver cada intruso no seu território. Com o Cascão disfarçado, o pilantra podia aparecer em dois lugares ao mesmo tempo e soar ainda mais incrível.

— Xavier? Denise?   

— Você está bem, Dê?

Não respondi, tentando assimilar toda a novidade. As descrições do lugar-tenente do Cinco-fios batiam com a do Nimbus, mas ninguém sabia do Cascão há anos. Deduzi que tinha falecido no fim do mundo, como a Mônica.

(Que foi? Mônica é protagonista, lindos. Se ela não estava causando no mundo e batendo de frente com a maluquice do Cebola, só podia ter passado dessa pra melhor. Beijos, amiga, não me liga)

Cas tinha a cara de figurante de um Médi Mex de baixo orçamento,com uma espécie de placa de metal no rosto e um casaco comprido que não combinava com o calor da mata. Já o Nimbus parecia um lutador da yakuza, o cabelo comportado contrastando com as cicatrizes, e tatuagens indo até os cotovelos. Os dois ainda tinham aparência de adolescentes, como assim?

Quando me constatou inteira, Xaveco olhou pro Cas e, rei da sutileza que é, exclamou:— Mas que cheiro é...— A expressão congelou ao ver as nuvens de poeira rodeando os pés dele. — Meu Deus, você virou o Cap-

— Mas que cheiro é...— A expressão congelou ao ver as nuvens de poeira rodeando os pés dele. — Meu Deus, você virou o Cap-

Interrompi o garoto antes que ele nos fizesse ser expulsos ou virar pó.

— É ótimo ver vocês, rapazes, mas precisamos falar com o Cebola. Podem nos levar até ele?

A expressão dos dois endureceu. Mauro não falou, mas a magia respondeu à mudança, e agora nem mesmo um trem atravessaria os dois metros que nos separavam.

— O que vocês querem com o Cebola, Denise?

— Precisamos de ajuda. Temos um problema enorme, e talvez ele seja o único que pode solucionar.

— E qual problema seria esse? — Céus, quando o Cas ficou tão... sombrio? A voz e a postura mudaram, e eu fiquei com muito medo. Lembrava das palavras de Xavecão, quando o apocalipse só acontecia nas histórias dos outros:

“Cascão herdou os poderes do Feio, e tinha seus próprios planos pra dominar o mundo.” Senhor, caímos da panela direto no fogo. Será que além da Bruxa Má do Oeste e o Cebola, ainda teríamos que lidar com o Capitão Feio II e a Maga Li?

Vilões demais, meu pai, precisaríamos de uma agenda ou uma trilogia.  Eu podia reconhecer a expressão nos olhos deles. Quem quer que tenha sido, aqueles dois já mataram antes. Talvez eu tenha errado ao temer apenas o Cebola.

— Há uma pessoa no interior, expandindo seu domínio a qualquer custo. Matando pessoas, corrompendo outras. Ela precisa ser impedida.

Fiz minha melhor cara de súplica. Qual é, eu estava mesmo desesperada. Contava com a bajulação e o ego cósmico do Cebolácio pra convencê-lo a ajudar. Isso não funcionaria com o Cascão, e nenhum deles parecia disposto a nos deixar chegar mais perto do chefe que aquilo.

Xaveco olhava pros dois, vigilante. Era bonitinho demais ele reagindo como se pudesse realmente impedir algum dos dois de fazer alguma coisa. Ele é um lutador incrível, mas havia muito poder sobrenatural vindo dos dois. Seria como tentar conter uma cachoeira com as mãos.

Finalmente o garoto entendeu minha expressão, me olhou de volta como se eu fosse louca. Me conhece há tanto tempo, e ainda não estava acostumado com o fato de que estou certa até quando ainda não sei disso.

— Por favor, lindo.  

Nimbus relaxou um pouco o cenho. — É a melhor ideia até agora. Bem devagar, Xavier. Mais devagar.

Aos poucos, as facas, o revólver e a pistola caíram no chão. Gente, o gato parecia um Rambo loiro. A cada arma solta, o Cascão parecia mais intrigado.

Madonna do céu, Cas era cego.  

— Muitas armas pra quem não quer fazer mal a ninguém, não acha?

— O mundo é um lugar perigoso hoje em dia.

Algo no ar desagradou o Cas, e ele segurou o braço do mágico.

— Não nos envolvemos em disputas políticas. Vocês podem ficar aqui na floresta essa noite e descansar, mas não vamos ajudar vocês. Recolha suas armas, Xavier, e vão embora.

— Esperem, por favor.

Não. Isso estava saindo do controle. Eles estavam se afastando, e apesar do Nimbus parecer quase com pena de nós, ele seguia o outro pela mata. Estava bem claro que a próxima vez que nos víssemos, seríamos estranhos e invasores.  

Eu não deveria falar. Era errado de tantas formas, mas precisava convencê-los. Não conseguiríamos sem eles, e morrer em solidariedade nunca está nos meus planos. Xaveco sempre pareceu ler minha mente e encolheu-se, esperando o golpe.

— Ela matou o pai do Cebola. O amigo do agroboy mágico. A Aninha. E vai continuar matando e passando por cima de quem precisar até tomar o mundo pra si. Por favor, rapazes. Falem com o Cebola, pelo menos. Ele precisa intervir. A Carmem está com ela.

Pelo que eu sabia, eu podia estar lutando por outra pessoa morta. Xaveco virou-se pra mim. Cássio parou.

Até aquele momento, nunca tive medo do Capitão Feio, ou do que Cas tivesse herdado dele. Era um vilão pateta que enchia a paciência desde que éramos crianças. Os poderes do velhote sem a Serpente não eram mais que uma chateação. Mas o Cas ... Quando ele virou pra gente, ele irradiava morte. Eu teria corrido, se pudesse.

Não sei bem o que aconteceu depois. Xaveco caiu, e em seguida minha visão borrou, minha cabeça parecia explodir de dor e despenquei também. Nimbus começou a xingar alguém e com certeza disse que uma pessoa linda e diva como eu é necessária para o mundo, porque uma mão gelada cobriu meu rosto e a dor passou.

Quando o mundo focou novamente, eu balançava no ombro de Mauro, como uma droga de princesa raptada. Alguém guarde o que sobrou da minha dignidade, sim? Xaveco também sacudia no ombro de Cássio, completamente nocauteado. Quando a ressaca mágica passou, eu estava num quarto muito... ah, eu diria espartano pra agradar o dono, mas o fato é que era sem graça mesmo. Ao meu lado, Xaveco roncava como uma motosserra. Comecei a sacudi-lo.

— Cruzes, gato! Engoliu um motor? Acorda! — Levou um tempo pra Xaveco sintonizar de novo, até que ele me encarou com aqueles olhos lindos, e aquele cheiro que... (vou parar por aqui, senão o foco e a classificação da história vão mudar)

— Onde estamos?

— Acho que é o quarto de um dos dois.

— Sinto como se alguém tivesse usado minha cabeça como bola de basquete. O que aconteceu?

— Eu... não sei.

(Sim, é um momento histórico, eu não saber. Não fiquem acostumados)

— Estamos presos aqui?

Do outro lado da porta, ouvimos uma voz familiar:

— Não, não estão.

A porta abriu sem barulho e a dupla dinâmica do Fim dos Tempos foi até nós. Sentaram no chão, ao lado da cama japonesa (que é um jeito estiloso de dormir no chão) onde estávamos. Cássio passou de supervilão de quadrinhos a uma pessoa que não sabia onde enfiar a cara.

— Desculpem. Eu não queria ferir vocês. Estão se sentindo bem?

Tapei a boca do meu cosplay de Frank Farmer. Discutir com uma pessoa que me derrubou apenas virando na minha direção não é bom pra saúde.

— Estamos ótimos, obrigada. Sei que estou insistindo muito, mas precisamos da ajuda do Cebola. Não tem jeito de falarmos com ele?

Cássio pareceu pensativo.

— Podemos falar a verdade, Cas.

Ah, não. Verdade não. Já completei minha cota de verdades desagradáveis das próximas três encarnações. Não importou, Cascão falou mesmo assim.

— Tudo bem então. Cebola está morto há nove anos, Denise. Morreu no primeiro dia. Sempre fomos eu e o Mauro.  

— Estamos fodidos.  — murmurou Xaveco do meu lado. — Totalmente fodidos.

Levei um minuto pra absorver a ideia. Por que diabos uma pessoa conquista poder e fama e dá todo o crédito a um cara morto? Só mesmo o Cas pra aceitar uma maluquice dessas. Que meus planos todos foram pras cucuias não importava. Denise é poderosa, conectada e assim que lembrar como formar frases em português vai mostrar como se dá a volta por cima.

Nimbus levantou-se. Era muito desconfortável acompanhar os dois. Eles não faziam ruído! Era como assistir um vídeo sem som.

— Vocês devem estar com fome. Tudo parece pior de barriga vazia. Por aqui.

Gente, que lugarzinho chinfrim! Era grande, e a vista era linda, ok, mas só.  Nada combinava com nada, e eu jurava que conhecia aquele tapete. Tinha almofadas, pufes enormes e macios, e nenhuma cadeira. Sem cadeiras, gente! Eles tinham atravessado a esquisitice e saído do outro lado. Sentamos ao redor de uma mesa baixa, com frutas, bolo e geléia.

Comemos como se não tivesse amanhã. Posso ser uma diva, mas era uma diva faminta.

— Bom que eu posso tirar isso, está muito quente hoje. — Cascão tirou o casaco e as calças, tinha uma camiseta e bermuda por baixo. Fiquei mais passada. Metade do homem tinha ido embora. Cego, com um braço e uma perna metálicos, não é à toa que Nimbus parecia um tantinho superprotetor.

Xaveco parecia mais tranquilo, mas não totalmente. Como lutador, ele era muito bom, mas um mastodonte como diplomata.

— Pode relaxar, Xavier. Vocês estão seguros. — Cássio comentou entre uma fatia de bolo com geleia e um copo de suco.

— Como você...

— Daria pra ouvir sua tensão lá de fora. — respondeu Nimbus, voltando com um mapa. — Você não para de se mexer. Carrega um arsenal inteiro. Cássio é cego, não surdo.

— Bom, agora que todo mundo descansou e comeu, vamos aos negócios. — Nimbus olhou pra nós dois. — Filhos da Tormenta. São deles que vocês estão fugindo, não é?

— Como você sabe?

— Sou mágico. — Os dois pilantras não seguraram o riso nem três segundos.

—Ah, faça-me o favor, bofe! A gente aqui, mais ferrado que ovelha em dia de churrasco e vocês se divertindo com a nossa cara?

— O babaca usa essa desculpa esfarrapada o tempo inteiro comigo. Ele sabe, só aceite. — Cascão voltou a ficar sério. — O nome, Denise. Quem é o responsável pela morte de Seu Cebola?

— Uma bruxa psicopata que faz a noiva do Chucky parecer santa.

— Vou gostar de conhecê-la. — Em algum lugar, um demônio saiu chorando de medo quando o Cas sorriu.

— Controle-se, porra. — comandou Nimbus. — Denise, descobri muita coisa, mas não a identidade dela. Quero o nome.

Qual o problema desses dois com nomes? O nome da doida podia botar tudo a perder. Louca, assassina, sociopata. Precisam mais que isso pra quê? Queriam segui-la no Instagrama? Xaveco baixou a cabeça. Toquei de leve no joelho dele, ele cobriu minha mão, procurando apoio. Continuei a explicar.

— Antes vocês precisam saber de uma coisa: Por muito tempo nós trabalhamos com os Filhos da Tormenta. Ela não era má, só muito ambiciosa e sempre queria ter razão. Geralmente tinha, e nos manteve vivos quando muitos outros morreram. Eu podia não concordar com algumas atitudes, mas ela não era cruel. Bom, o moleque já era, mas ela conseguia mantê-lo na linha.

— Conhecemos alguém assim.

— De uns quatro anos pra cá, algo mudou. As pessoas que discordavam deles passaram a sumir, ou morrer em acidentes estranhos. Eles se tornaram implacáveis. Por acaso descobrimos o que aconteceu com Seu Cebola, sete anos atrás. Assim que a garota percebeu que sabíamos, quase morremos. Aninha tentou nos avisar, e eles a mataram.

Cas e Nimbus seguravam até a respiração. O mágico começou a entender, e o gato parecia com um predador prestes a perseguir alguém. Ele tinha ligado os pontos.

— O nome dela, Xavier. Quem é ela? Quem mandou matar Seu Cebola?

Todas as vezes em que Xavier era forçado a dizer aquele nome, vazava o mesmo tanto de mágoa, pesar e culpa na voz. Coitado.  

— Maria... Cebolácia... Menezes da Silva... Filha.


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Notas finais do capítulo

Quanto às referências:

*Nave espacial pirata é o lugar que o personagem do Cebola ( Cap. Onion C.) usava como base na saga "O dono do mundo", na Primeira Série. O visual que o Cas usa como "Cebola" é bem parecido com o personagem também;

* Frank Farmer é o personagem título do filme "O Guarda-costas" (aquele com a Whitney Houston);

*Sim, segundo a Wikipedia, esse é o nome completo da Maria Cebolinha. Como alguns personagens secundários, existe mais de uma versão, mas vou adotar essa;

*Sim, mesmo que agora tome banho, o cheiro do Cas ainda não é dos melhores (poderes de decomposição, corrupção e etc. Lembram da história anterior?). Normalmente, as pessoas não comentam isso por motivos óbvios. Xavier nunca foi muito hábil com esse negócio de não dizer besteira.

A quem acompanhou até aqui, meu muito obrigada. Espero vê-los no próximo capítulo.



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