Oitava Fileira escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 18
Fantasmas e sombras




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— Fantasma!

Todos os soldados ao meu redor começaram a correr pras trincheiras, enquanto alguém gritava por um médico. Inferno, essa é a terceira vez hoje.

— Senhor, precisa se proteger! O Fantasma!

— Eu não me escondo, capitão. Prepare um grupo de caça. Se certifique que os cavalos estão protegidos.

— Sim, senhor! — Ele seguiu abaixado, enquanto as sombras giravam mais ao meu redor. As espalhei, ordenando em pensamento que encontrassem o maldito atirador, e elas afastaram num chiado, a tempo de eu ver o capitão tropeçar e cair. Antes de tocá-lo eu já sabia que estava morto. Ouvi um guincho de aviso, e pulei a tempo de evitar outro projétil, que se enterrou fundo a dois passos de distância.

Desde o meu ataque fracassado ao Cebola, tudo havia dado errado. Apareciam máquinas e monstros de pesadelo que eu não conseguia controlar, além de um franco-atirador liquidando meus oficiais e tentando me matar. Derrubávamos robôs, destruíamos monstros, mas eles não paravam de aparecer, e eu não encontrava a origem desses ataques. Quando as deserções ameaçaram encolher mais minha tropa que as baixas, só resolvi o problema queimando os que tentaram fugir.

Então chegou o mensageiro, com a informação que os dois malditos que Lady Shih me mandou enfrentar estavam dentro da capital. Como eles passaram por mim, pelas sombras e por toda a guarda nos portões, eu não sabia, mas pretendia descobrir.

Minha raiva atrai mais daquelas coisas, e as deixo vir. São servos rápidos e atentos, e não cansam ou se encolhem de medo do escuro. Outro grito de dor. Quatro homens aparecem ao meu lado. Sei que eles têm medo, mas se demonstrarem agora, no meio do Povo das Sombras, eles os levarão, pra onde nem mesmo eu sei. E a essa altura, não me importo. A única coisa que quero é chegar na cidade e estar ao lado de Lady Shih, onde eu deveria estar.

Dessa vez cometi um erro sério demais. Toda a vida, o irmão dela se baseou em lábia, inteligência e uma ganância insana pra conseguir o que queria, e todos os meus espiões não encontraram nada além. Não imaginava que a aliança com Nimbus lhe daria tanto poder real. Ou que eles viriam em pessoa pra defender um pedacinho perdido do seu território.

E agora eles estavam no centro da minha cidade, graças a alguma feitiçaria que eu não conhecia, apenas com aqueles guardas almofadinhas daquelas gêmeas obsessivas por limpeza protegendo Maria. Eles não serviam pra nada além de causar uma boa impressão, gatos de rua lutam melhor e tinham mais lealdade.

Eu devia ter deixado alguns dos meus homens com ela! Se eles a ferissem, a culpa seria minha. Nunca deveria ter confiado em outra pessoa pra protegê-la.

— Espalhem-se e me acompanhem. Sem ruído.

Cacem, minhas sombras. Encontrem meu inimigo, mas não o levem, não o matem. O guardem pra mim.

Minha Tia Nena e minha prima Magali usam magia, mas nunca consegui fazer nada do tipo. Nada. Era o patinho feio, o cara do “Não, você não pode”, “Você precisa saber usar magia pra isso”, “É arriscado demais pra você”.

Era uma merda, e eu tinha tanta raiva. Nessa época, acho que minha única amiga de verdade era a Maria. Ao contrário do irmão dela e dos outros, pra ela eu não era uma peste, um defeituoso, um cara a ser protegido do mundo. Era alguém com quem eu podia conversar de verdade, sem precisar me fingir de idiota ou fazer alguma piada imbecil.

O que era estranho, porque eu sempre acabava bancando o idiota ou fazendo alguma coisa imbecil. Quando ela me chamou pra ir com ela e os pais pra um fim de mundo sem internet ou pistas decentes de skate, eu fui. Só queria ficar por perto, ouvindo-a rir ou vê-la planejar o futuro. Ela sonhava tão alto e com tanta paixão, que você embarcava com ela.

Agora eu, que sempre achei um delírio os sonhos do irmão dela, também queria o mundo. Almejava dominar cada canto desse planeta esquecido por Deus, e jogar as caveiras enegrecidas do seu irmão traidor e do mago vira-lata aos pés de Lady Shih, e então ela poderia esquecer a vergonha que os dois a fizeram passar.

Segure esses imbecis, Maria. Assim que eu terminar isso aqui eu vou até você.

Da primeira vez que as sombras vieram pra mim, quase morri de medo, como o pirralho que eu era. Foi Maria que me fez ver o potencial. Quando perdi o medo delas, pude ouvi-las. Não demorou muito até poder comandá-las. Em nenhum momento Maria me rejeitou.

Podia ouvir os gritos e disparos, e não podia voltar. Tinha que começar um contra-ataque, pegar um desses rebeldes e saber como diabos eles somem. Estava tão certo de ter matado quase todos eles. Esses ratos não param de se multiplicar.

Vê-la trabalhar com os outros, combater os zumbis, se erguer quando boa parte dos adultos choramingava por um futuro que não existia mais, era o que me animava cada manhã. Quando notei, sentia mais que admiração, respeito ou amizade; ela era minha líder, meu Sol.

“Não importa que pareça impossível, nós vamos sobreviver. Haverá um futuro, e eu vou comandá-lo. Fiquem comigo. Garanto que o mundo seguirá vocês.” Nesse dia, eu me curvei pra ela e disse que a seguiria pelo resto da minha vida. Lara e Luísa seguiram meu exemplo. Eu iria até o inferno se ela quisesse. Mil vezes, e voltaria com o Diabo na coleira se ela me mandasse trazê-lo.

Foi assim todos esses anos. Cumpri cada uma das suas ordens do jeito certo. Me livrei daquele cretino do Genésio quando o bastardo teve medo da grandeza e intencionava transformá-la numa doméstica. Agora aquele desgraçado do Cebola e o sarnento dele estavam na minha cidade, respirando o mesmo ar que a minha garota, e eu estava a malditos duzentos quilômetros de distância!

Mandei os homens pararem; podia escutar um animal lutando com as sombras, disparos e o barulho de um lança-chamas. Avancem, depressa! Eu quero esse bastardo vivo!

Uma criatura maior que um rinoceronte foge correndo, acossado pelas sombras e derrubando seu cavaleiro. Quando nos aproximamos, ele se debatia no chão, tentando se livrar das sombras que o continham, até que nos percebeu lá e parou. Tinha uma coluna de fumaça alaranjada saindo do rifle quando nos aproximamos.

— Fantasma, suponho.

Apesar de derrotado e preso no chão, a expressão dele me incomodava. Era quase como se chamasse de incompetente por levar tanto tempo pra achá-lo. Com a barba e as roupas estranhas, não o reconheci até que me respondeu.

— Boa noite, Eduardo, senhores. Se não pretende me executar aqui, receio que terá de me dar uma carona. Como pode ver, estou sem minha cadeira.


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Notas finais do capítulo

* Lara e Luísa são personagens da turma da Mônica clássica. Eram as sobrinhas de Cremilda e Clotilde, também maníacas por limpeza e queriam a todo custo limpar o Cascão;

* Por mais perigoso que seja, Luca não tem magia própria. E continua paraplégico. Sem uma montaria, ele não pode fugir, simples assim;

* Nero não mandou mensageiros pra Lady Shih? Mandou, mas nunca chegaram.

Espero vê-los na próxima semana.



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