Outro dia...

Estava deitada na cama de lençóis bagunçados abraçada ao seu travesseiro e embalada pelos sonhos que somente uma pequena coelha poderia ter. Seu rosto angelical parecia ter acabado de ser esculpido pelas mãos delicadas de alguém apaixonado enquanto seu corpo relaxado fazia leves movimentos de respiração.

Ela não precisava ter pressa em levantar, não tinha tarefas urgentes para fazer, mas mesmo assim os raios de sol invadiram seu espaço atravessando a janela e banhando sua face no leve amarelado caloroso.

Seus olhos se apertaram incomodados enquanto seu corpo se esticou e se encolheu buscando um abrigo para se esconder da claridade. Ela sabia que era impossível lutar e logo se rendeu abrindo os olhos por trás das mãos que cobriam seu rosto.

Levou um tempo até finalmente se sentar na cama e dar o bom dia sonolento para si mesma. Se levantou com calma e foi até a janela onde viu criaturas que passavam com baldes, cestas e lenha seguindo com a rotina de sempre. Viu os pássaros nas árvores e os lobos correndo pela grama. E, também, viu próximo a casa o amigo Rudy conversando com Sith enquanto mostrava algumas flores a ele.

A jovem encarou por alguns instantes percebendo a felicidade que transmitiam sem nem estarem falando com ela. Assistiu o sorriso de Rudy a contagiar e logo teve uma ideia.

Ele sempre ajudava com qualquer coisa que os dois precisassem trazendo junto a suas palavras expressões amáveis e conforto. Então hoje ela queria fazer o mesmo por ele e sem qualquer razão aparente resolveu dar-lhe um presente.

Pensou no que poderia fazer se pegasse as sobras das madeira enquanto se trocava, pensou em colher flores enquanto lavava o rosto e por fim pensou em alguma receita de torta enquanto tomava seu café. Pensou e criou várias coisas em sua mente, mas nenhuma era boa o suficiente.

Sua boca mastigava o morango calmamente enquanto seus olhos estavam fixados em um quadro sem nem ao menos vê-lo. Estava refletindo sobre tantas possibilidades que levou alguns minutos para ver que a resposta estava ali o tempo todo.

— É claro! – Se levantou empurrando a cadeira no impulso. — A última vez que pintei aquele desenho da festa ele também guardou.

A jovem nem tinha ideia do que fazer, mas isso não a impediu de terminar sua refeição animada e correr pela casa pegando seu caderno e o estojo de lápis saindo de casa em disparada.

Seu primeiro passo foi procurar por inspiração, algo único que fosse surpreender o homem. Com isso em mente caminhou pela vila em busca de qualquer vestígio que despertasse sua imaginação.

Olhou as casas em seus tamanhos, formas e cores únicas, observou as criaturas que assim como as moradias também tinham seus traços especiais. Ouviu as conversas mais agitadas até as mais estranhas. Andou com os esquilos e cantarolou com os pássaros. Fez de tudo um pouco, mas nada trouxe o que buscava.

Estava pensando em parar na pequena praça para descansar um pouco quando viu o jovem de cabelos brancos sentado em um banco embaixo das árvore sozinho.

Ele tinha uma expressão pacifica com um olhar que mostrava estar preso em seus pensamentos longe daquela vila. A menor nem pensou duas vezes para ir ao seu encontro e em um pulo se sentou ao seu lado o assustando.

— Oi! – Sabia que eles ainda não tinham intimidade para serem amigos, mas mesmo assim falou alegre como fazia com todos os outros. Ele, por outro lado, só acenou com a cabeça ainda desorientado com sua presença. — O que está fazendo?

— Nada.

— Esperando alguém?

— Não...

— Vai fazer algo?

— Não tenho cer-

— Eu tô atrapalhando? Porque se estiver eu vou embora, mas você disse que não tá fazendo nada então-

— Sunny...

— Sim? – Quase automaticamente parou de falar se virando para fita-lo nos olhos. O rapaz não sabia lidar com contatos visuais e por isso, no mesmo instante, sentiu seu rosto queimar. — O que?

— Você... precisa de algo?

— Sim, ajuda. – Ele não entendeu logo que disse, porém assim que a viu pegar o caderno que estava ao seu lado colocando no colo, pode ter uma ideia. — Eu quero fazer um desenho pro Rudy, mas não sei o que. – Falava sem deixar sua animação ir embora enquanto olhava pensativa para suas mãos. — Já fiz uns rabiscos, mas não tá bom. Eu quero algo bonito e feliz.

Nightmare ouviu atento ao seu pedido percebendo a importância da ajuda. Ele não tinha certeza se deveria participar disso, não se sentia bem com criaturas que não tinha proximidade, mas também não queria negar apoio quando podia dar.

— Tá bom. – Tímido como sempre falou baixo chamando a atenção curiosa dela. — Eu posso tentar te ajudar.

— Obrigada! – Seus grandes olhos azuis brilhavam como uma joia iluminando sua felicidade fazendo o rapaz desviar o olhar.

— O que precisa?

— Ideias... qualquer coisa!

— Tem algo que ele gosta?

— Tem um monte de coisa. Você quer que eu fale tudo?

— Ah... Não precisa. – Riu sem jeito. Por mais que fosse ajudar ele sabia que se a garota começasse a falar eles não iriam terminar o plano tão cedo.

Ambos sabiam que Rudy era uma criatura gentil e cuidadosa que passava a maior parte do tempo se preocupando com o bem-estar daqueles ao seu redor. Era visto como um vô pela maioria dos habitantes por passar esse conforto de um lar aconchegante sempre que conversavam com ele. Não era difícil imaginar que para alguém assim qualquer presente seria motivo de celebração e até lágrimas, entretanto para Sunny era importante que se esforçasse para mostrar realmente o que sentia.

Nightmare entendia sua preocupação, afinal, ele morava com Kuragari a mulher que todos na vila chamavam de vó e se tinha uma coisa que era fácil de fazer era agrada-la.

Os dois passaram um tempo em silêncio olhando os arredores tentando ver qualquer coisa que despertasse uma lembrança ou uma ideia. No meio dessa calmaria foram surpreendidos por uma coruja que pousou ao lado deles nos galhos da árvore atraindo seus olhares.

A pelagem cinzenta era tão brilhante que mostrava sua condição saudável. Seus olhos dourados enormes os encarava como se quisesse saber o que faziam ali.

Nightmare observou o contraste do escuro das penas com o verde das folhas. A ave não parecia nem um pouco incomodada com suas presenças e apesar de ser um animal cuidadoso não dava importâncias se estava se destacando ou não. Só queria descansar, aparentemente. Ele sorriu pensando que aquela calma e o prazer em poder parar em algum lugar para relaxar o corpo cansado também era felicidade.

Logo atrás pode ver as flores coloridas que nem tinha percebido estar ali antes e se lembrou de algo que o fez se levantar.

— O campo.

— Quê?

— O campo das flores... Aqui perto, já viu?

— Sim... Por que?

— As flores lá-

— São bonitas! – Sunny se levantou junto completando sua frase em voz alta. — E lá é feliz! Fui com o Rudy e o Sith lá e foi divertido e... Ah, vai dar pra desenhar!

— É. Acho que sim.

— Então vamo! – Pegando suas coisas começou a andar, porém parou um pouco depois voltando seu olhar para a coruja uma última vez sorrindo. — Tchau, Kalevi.

Na hora em que ouviu, Nightmare não entendeu o motivo de ter chamado o nome do amigo, entretanto sua ficha caiu logo em seguida o fazendo se virar surpreso para trás vendo a criatura que parecia sorrir vendo sua expressão chocada.

— Vamo!

— Ah... tá...

• • •

Pegaram o caminho mais direto e seguro chegando em pouco minutos ao largo campo iluminado das flores encantadas. Esse era um dos pontos mais fascinantes próximo da vila e quase todos já tinham feito uma visita. O mesmo servia para os dois, entretanto ver a área enorme de flores que brilhavam como estrelas em um céu boreal bem aos seus pés sempre causava impacto.

— Eu acho que sei!

Sentando entre as flores ela abriu o caderno pegando seu lápis e rapidamente desenhando círculos atrás de círculos. Nightmare ficou em pé atrás dela tentando ver o que fazia sem muito sucesso já que a luz do sol era forte demais para enxergar o papel.

Enquanto ela se concentrava empolgada em sua obra de arte, ele procurou por lugares onde pudessem ficar longe da claridade e do calor.

— Aqui. Olha. – Na mesma posição ela chamou empolgada entregando o papel a ele.

— Ah... – o jovem mal enxergava graças ao reflexo dos raios no papel branco cegando sua vista, mas ainda se esforçava para não decepciona-la — Ah...

— Você tá bem?

— Tô... É o sol que-

— Ah, desculpa! – Sunny nem o deixou terminar já se levantando mostrando olhos culpados. — Você não pode ficar aqui, vamo... Vamo embaixo daquela árvore.

Era verdade que pela natureza dele não podia passar tempo demais em ambientes com calor excessivo. Porém ali estava agradável e não causaria problemas. Ele só não conseguiu dizer isso a ela depois de ver o rosto preocupado o guiando.

Assim que chegaram ele se sentou a vendo fazer o mesmo ao lado o fitando séria com as bochechas inchadas determinada para saber se ele estava bem.

— Eu... – estava envergonhado de tê-la tão próxima por isso desviou o olhar mais uma vez antes de assegura-la — estou bem, obrigado.

— Que bom. – Suspirou se jogando para trás sorrindo e então se lembrou do caderno ainda na mão dele. — Você viu?

A pergunta o fez se virar olhando novamente e dessa vez conseguindo ver o desenho de um coelho com dois homens do lado no meio do campo cheio de flores. Eram traços infantis, delicados e cheios de alegria que preenchiam cada espaço em branco da folha. Nightmare sorriu vendo ser algo que só ela poderia fazer.

— Gostou?

— Sim, ficou muito fofo.

— Obrigada. – Apesar de parecer envergonhada com as bochechas rosadas ela ainda esbanjava orgulho ao ter seu trabalho elogiado. — Eu vou pintar. – Ele concordou devolvendo os papeis e assistindo sua busca pelas cores certas. Foi aí que ela percebeu que o jovem só estava acompanhando e agora não teria mais o que fazer. — Quer fazer um pra Kuragari?

— Ah... Eu não sou muito bom nisso...

— Tenta. O Rudy disse que se você colocar seu sentimento de verdade então tudo fica bonito. – Sunny repetiu as palavras seriamente entregando algumas folhas.

— Tá bem.

O rapaz não sabia como fazer aquilo e ter ela por perto só o deixava ainda mais tenso, porém ter visto a ilustração antes acabou despertando a vontade de animar a mulher que sempre cuidou dele.

Com carinho começou a pensar no tempo que passou junto ao lado de Sigmo e Kuragari todos esses anos e como era feliz por tê-los por perto. Logo já estava rabiscando algumas tentativas no papel esquecendo completamente da presença da garota.

— Terminou? – Ao ver o jovem observando a folha, ela questionou. Tímido como sempre ele só conseguiu responder assentindo com a cabeça. — Posso ver?

Era um desenho simples e ainda mais infantil que o seu. Parecia ser de uma criança que acabou de aprender a pegar no lápis e não do rapaz de 21 anos ao lado dela. Porém o sentimento era dele. Ela observou vendo uma criança no meio de mãos dados com um homem e uma mulher e mesmo sem entender o que representava para ele, ainda se sentiu feliz.

— Heh, ficou fofo. – Comentou o vendo ainda de costas sem querer olhar por medo. — Eu gostei e a Kuragari vai gostar também. – Entregando o papel sorriu o fazendo olhar envergonhado.

Depois disso eles retomaram os trabalhos procurando pelos lápis. Passaram o tempo todo ali fazendo comentários, voltando ao silêncio, ouvindo os pássaros e olhando outros que passavam. Estavam cada um com seu trabalho, mas estar junto fez toda diferença no sentimento.

As pinturas saiam da linha, tinham buracos e até cores bagunçadas, mas o sorriso no rosto deles valia por cada falta de coordenação. E eles só pararam quando o papel ficou inteiramente pintado.

Antes de ir embora ainda pegaram algumas flores para decorar o presente como parte do embrulho que não existia e seguiram seus caminhos de volta para casa acompanhados do sol baixo do fim de tarde.

— Sabe, – ao lado dele, Sunny começou a falar feliz — a gente devia morar todos juntos.

— Hã?! – O comentário foi repentino o deixando confuso.

— O Rudy ia gostar também e aí a gente podia desenhar sempre. Ah, o Sigmo desenha?

— Acho... Acho que sim.

— O Sith também! A casa ia ser maior também. – Para ele não fazia sentindo ela sugerir isso do nada quando eles nem eram tão próximos, mas logo que parou para pensar no que dizia conseguiu ver melhor a situação com Kuragari se divertindo com Sunny pela casa e ele podendo passar um tempo ajudando Rudy com qualquer coisa. Sigmo e Sith até poderiam se entender bem. A imagem o fez sorrir surpreso por ser algo que se encaixava melhor do que podia esperar.

— Ah... Eu sei que a Kura também ia gostar... Ela gosta de você.

— Eu gosto dela. E gosto de você. – O sorriso desapareceu o deixando vermelho. Ele sabia que era um comentário inocente, mas ainda o abalou. Talvez essa fosse a primeira vez que ouvia isso tão diretamente. Ela não fazia ideia do que tinha causado, mas ver o rosto dele a fez sorrir.

A jovem sempre foi amigável com todos e com Nightmare não era diferente. Sabia que a ideia de morar juntos talvez não acontecesse por seus motivos pessoais e só sugeriu isso porque achou divertido. Porém saber que ele concordou a deixou contente.

— A gente pode não morar junto, mas quero continuar saindo com você, tá?

Seu pequeno sorriso de bochechas avermelhadas concordou com a ideia sem nem precisar usar suas palavras desajeitadas.

Nightmare sempre teve problemas para lidar com os outros depois da transformação, mas era estranho como Sunny conseguia invadir seu espaço sem o sufocar ou desrespeitar suas necessidades. Ela tinha se tornado sua amiga antes de poderem dizer isso e só agora quando voltavam para casa com os presentes que ele percebeu que eles também tinham ganhado o deles.