Contos - Aventuras Mágicas escrita por Saaimee


Capítulo 23
O som do silêncio


Notas iniciais do capítulo

Tema: Frio.
Dupla: Slash e Yuzuke.

Boa leitura!



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Outro dia...

Foi o barulho dos pássaros na janela que me fez despertar do silêncio no canto. Apesar de não dormir, passar a noite toda ouvindo os suspiros dos que dormiam me ajudava a ficar disperso e me perder entre um pensamento e outro.

Ainda era cedo, mas dava para ouvir os sons das panelas sendo guardadas no armário. Esse era o sinal de que Yuzuke já estava de pé.

Me levantei e com calma caminhei pela sala vazia de móveis largos até chegar na cozinha só para vê-lo sussurrando sozinho pelo cômodo. Tive certeza de que devia estar se questionando sobre a limpeza da casa ou talvez das tarefas do dia.

Ele sempre foi assim precavido com todos os detalhes como se precisasse estar à frente e evitar desastres. Dizem que é por isso que ele ganhou o apelido de mãe. Não sei se faz jus a ele, não consigo entender assim como não sei o que sente quando ouve essas palavras.

— Ah... Oi, Slash.

Sempre tinha esse sorriso. Toda manhã me cumprimentava dessa forma mesmo que eu não fizesse o mesmo. Sei que sorrisos expressão alegrias, simpatia e educação, mas não sei qual era o seu motivo quando me encontrava assim.

— Oi.

— Os dois já acordaram?

Às vezes parecia que essas perguntas saiam automaticamente como se fossem programadas. Precisava saber se os outros estavam bem o tempo todo como uma forma de manter o equilíbrio das coisas e muitas vezes eu notava que isso o deixava exausto. Não era assim antes e não sei como mudou.

Como as coisas realmente mudam?

Olhei para trás vendo a porta do quarto aberta sabendo que aqueles dois não deviam estar mais deitados. Meu corpo se impulsionou para frente, mas parou logo em seguida ao ver Ashley saindo com um sorriso ainda maior que o dele e atrás dela, com o rosto emburrado, Yoshino.

Era natural sorrir pela manhã? Ou o certo era estar irritado? Qualquer que fosse a resposta, cada um ainda fazia de um jeito como se não houvesse padrão, mas vontade. Talvez isso fosse como quando estou em batalha e desejo proteger a Mestra. É o tipo de obrigação que eu quero realizar.

— Vocês dois vão sair?

— Tenho que falar com a Relliane.

— E eu ainda tenho que encher aqueles malditos potes de mel.

— Se é tão chato fazer isso então não faz.

— Tá doida? Pra Relliane arrancar minhas antenas?!

Toda manhã era assim: conversas, risadas e olhares silenciosos que pareciam responder muitas das perguntas. Dificilmente os via discutindo nesses momentos e mais difícil ainda era vê-los sair de casa sem se despedir com os sorrisos.

— Tá, mas vistam uma roupa quente. Parece que vai esfriar mais hoje.

Dava para ver pela janela que o sol não iria se mostrar pelo resto do dia e o vento nas árvores estava forte o suficiente para balançar todos os galhos. Ainda assim, eu não sentia.

Toda vez que esfriava eu via os agasalhos, via os movimentos de mãos esfregando a pele e as conversas sobre a temperatura e a mudança na área.

Eu podia ver o frio em sua forma branca azulada fazendo tudo sumir com fumaça, podia sentir a força do vento em meu cabelo, mas não conseguia entender o que era. Parecia ser como um espirito que meus olhos formam e deformam, mas minhas mãos nunca tocam.

Os dois estavam a mesa ainda conversando enquanto Yuzuke caminhava colocando a comida para eles. Não eram de comer muito — éramos parecidos nesse ponto —, já Yuzuke comia bem mais e sempre fazia questão de se sentar com eles nem que acabasse ficando sozinho quando partiam nas tarefas. Por isso eu estava ali.

Fazer companhia a ele em seu silêncio e durante as conversas sobre seus planos, já fazia parte dos meus dias. Não tinha um significado ideal, mas era necessário.

Depois de tudo, fizeram como eu esperava, se apressando para pegar os casacos e se despediram de nós em direção a um dia longo. Ashley ainda se despediu fazendo algumas piadas enquanto Yoshino parecia estar irritado até para realizar isso. Como sempre.

Em momentos assim era normal Yuzuke os comparar a crianças teimosas mesmo que ficasse sem jeito quando era chamado de mãe. Eu não entendia.

Para mim eles eram Yuzuke, Yoshino e Ashley, domesticados da Mestra Relliane assim como eu. Era isso que sabia e o que conseguia entender. Talvez seja por isso que esses títulos nunca chamaram minha atenção. Se eu não podia entender então significava outra coisa além daquilo que conheço e se fosse assim então eu não os conhecia. Eu não queria isso.

Vivemos juntos há muito tempo para conhecer os costumes de cada um. Sabia que eles não tinham padrão e nem eram iguais. Tudo neles muda, mas ainda são eles. O Yuzuke que conheci no início de tudo não é o mesmo que está limpando os pratos agora, mas eu ainda o chamo de Yuzuke, ainda tem as mesmas lembranças.

Eles são como o tempo que muda a cada estação e eu uma pedra no meio deles.

— Slash, eu vou entregar essas sementes para o Anthony e já volto.

— Ok.

Mais sorrisos. O rosto dele inteiro se mexe quando fala comigo. O meu, não.

Seus passos calmos para fora fecharam a porta mais uma vez, agora me prendendo no silêncio. Por minutos isso me fez ficar parado no mesmo local próximo as cadeiras da cozinha. A casa vazia se tornou um reflexo de mim.

Não está morta, mas parece não reagir a vida. Ela guarda lembranças em cada cômodo e conta histórias em suas paredes, mas não consegue falar, não consegue sentir nada além da tinta fria que a cobre.

Não queria ficar parado ali como um pilar e se Yuzuke disse que voltaria seria melhor esperar em outro lugar.

Devagar me guiei até a sala vendo pela janela atrás de mim o vento caminhar por entre as casas e bater no vidro como se quisesse me ver. Assisti as criaturas longe cobertas em pano sorrindo com olhos brilhantes, rostos avermelhados e mãos agitadas.

Sozinho tentei copiar seus movimentos corporais, mas foi diferente. Eu era.

Meu corpo é o mesmo. Tenho boca, orelhas e pele, mas não sou como eles. Meus olhos não veem o mesmo mundo, minha pele não sente o clima ao meu redor e meus sentidos trabalham por outros motivos.

Atrás da janela eu observava o mundo que nos separa. Eles sentem para viver e eu não posso sentir se quiser viver. Estou vivo, mas sei que não posso alcança-los.

Sonhos, desejos, motivos, cada um parece carregar o seu e, me pergunto, se conheço todos os meus.

O som da porta me faz suspirar. Os passos calmos eram os dele voltando mais uma vez para me encontrar. Vi seu rosto aparecer no canto da sala procurando por algo antes de me ver. O assisti caminhar até mim se sentando no sofá. Ele estava ali, sentado do meu lado, eu vi. Novamente.

— Consegui encontrar ele no meio do caminho.

Sua voz calma e carregada de tons altos e baixos invadiam meus ouvidos tirando a sintonia de todos os pensamentos enquanto quebrava as geleiras ao meu redor.

Ele estava ali, podia ver, mas, por alguma razão, era como se também pudesse sentir.

— Era sobre uma planta que a Relliane encontrou. Ele ficou feliz de ver.

Seu sorriso agora não era o mesmo que mostra para mim de manhã onde seus olhos acompanham seus lábios. Era só um sorriso. Comum como aqueles que acabei de ver do lado de fora quando se conversa com estranhos.

— Parecia que eu tinha entregado um pote de ouro.

O ouvia falar, via se mover e sentia essa memória ser gravada dentro dos muros em mim. Não tirei os olhos de seu cabelo violeta e nem deixei passar um único detalhe de seu rosto. Eu o queria guardar comigo e me lembrar sempre de sua voz gentil que me puxava para perto.

Seus olhos me encontraram no silêncio. Azuis como o oceano que ele tanto ama, mas intrigados como se estivesse preso em um labirinto.

— Slash, o que foi?

Naquele momento eu nem tinha percebido que também estava sorrindo. Não sabia como parecia, mas entendi que era fraco e soube que era uma reação de meus desejos.

Eu não podia responder sobre o que não tinha certeza. Por isso balancei a cabeça lentamente como se pedisse que continuasse a falar, continuasse a me preencher com suas imagens.

 

Eu não entendia o que era o frio, nem as mudanças ao meu redor, mas eu sabia que era ele que fazia a energia em meu peito se fortalecer e causava o calor que corria dentro de mim.

Talvez tenha sido ele quem me fez ser igual a partir do momento em que ultrapassou a parede que dividia esses mundos e se sentou ao meu lado prometendo um futuro em que eu queria viver.

—Fim. XXII


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Notas finais do capítulo

Talvez eu tenha exagerado mostrando meu amor por uma das minhas shipps favoritas? Talvez, mas eu nem me importo porque eles merecem :D
Eu adoro escrever textos em primeira pessoa (apesar de achar difícil) e amo mais ainda deixar o personagem refletindo sobre coisas que não consegue responder. Por isso achei que deveria fazer pelo menos um capítulo desse jeito :D Brigada Slash por ser minha musa ♥
Espero que tenham gostado e até amanhã!



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