Contos - Aventuras Mágicas escrita por Saaimee


Capítulo 14
Ligando pontos


Notas iniciais do capítulo

Tema: Acordando sem lembrar de nada.
Dupla: Vicent, Daichi, Miyumi, Leicy, Rudy, Sith’Thorn, Jamey, Endo e Kalevi.



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Outro dia...

Vozes abafadas invadiram sua mente escura o fazendo lentamente abrir os olhos e ser recebido pela luz forte que transformava tudo a sua frente em borrões e dor de cabeça.

Após minutos lidando com as contorções que seu rosto fazia tentando se adaptar a claridade ele conseguiu ver, ainda embaçado, a grama fresca roçando em sua face e invadindo cuidadosamente sua boca aberta. Depois, quando já estava distinguindo o perto do distante, viu pernas esticadas de alguém sentado próximo dele e com dificuldade empurrou o corpo para o lado se inclinando para frente na intenção de se sentar o mais devagar que podia sem ainda entender o que aconteceu ou do que se tratava aquela gritaria que o acordou.

Enquanto tirava alguns pedaços de grama da língua resolveu olhar melhor ao redor procurando, inicialmente, saber quem estava sentado ali e logo viu o rosto risonho de Miyumi que o fez sentir-se aliviado sem nem saber porquê.

A frente encontrou Vicent em pé com uma mão no rosto encarando seriamente o chão. Ele conhecia o olhar do amigo bem o suficiente para saber que aquilo não era bom. Ao lado dele estava Rudy observando ao redor das árvores como se procurasse algo. O homem no chão até pensou em chama-los, porém a curiosidade o fez desviar os olhos vendo quem mais poderia encontrar.

Sentado em sua frente estava Sith olhando para seu rosto como uma estátua enquanto a feiticeira Leicy ao lado bocejava entediada. Sua cabeça virou para a direita percebendo ter mais alguém atrás atraindo seu olhar para encontrar Kalevi de braços cruzados apoiado em um tronco, Endo agachado próximo dele e Jamey cutucando a terra sem preocupações no olhar.

O homem reconhecia todos os seus rosto, mas não conseguia ver o padrão para estarem juntos naquele local desconhecido. Foi em meio a essas reflexões que percebeu não se lembrar de como foi parar ali ou o porquê.

Intrigado encarou o chão tentando se concentrar em buscar o mais longe que sua memória podia ir. Sabia que isso não era amnésia ou algo muito grave já que ainda se lembrava de se chamar Daichi e sabia que aqueles ali eram seus amigos, porém não conseguia encontrar vestígios do que tinha feito nesse dia.

Rapidamente levantou o rosto olhando em volta novamente procurando por pistas no fundo que pudessem responder qualquer dúvida. E as únicas coisas que viu foi a grama rasa do que deveria ser um bosque e o céu claro de meio da tarde que só aumentou suas perguntas.

— Como...

Sussurrou para si mesmo e como se fosse natural se virou para o amigo Vicent buscando por ajuda, entretanto antes que pudesse dizer algo o ouviu falar.

— Tem que haver algo. – Seu tom não era o composto e frio de sempre, na verdade, era quase irritado acompanhando movimentos frustrados de suas mãos. — Nós não surgimos aqui do nada! Não é possível.

— Na verdade é. – Sem qualquer pressa, Miyumi apontou o fazendo suspirar impaciente.

— Sim, mas não dessa forma. Digo... Por que nós? E quem faria isso? – Era claro em seu rosto que estava confuso, porém a forma lenta como falava mantendo a calma evitava que os outros se desesperassem. Com elegância se virou para ver os demais quando percebeu o mais velho sentado o encarando. — Ah, Daichi, finalmente. Você se lembra de algo?

A pergunta chamou o olhar dos outros em sua direção fazendo o homem fechar os lábios como se tudo o que tinha para dizer não valesse a pena agora. Por instantes se sentiu mal por ver a esperança em seus olhos antes de conseguir balançar a cabeça em negação.

— Eu ia te perguntar isso.

— Claro...

— Todos nos acordamos assim. – Rudy comentou ajudando a aliviar a culpa ao ver Vicent assentindo decepcionado. — Não sabemos o que aconteceu... Nem o Sith lembra.

Ele ouviu o pesar em sua voz mesmo sem entender muito bem o que Sith’Thorn tinha a ver com isso.

— Espero que nada disso seja relacionado a você, Endo. – Mudando completamente sua postura dócil, Vicent apontou no tom frio que costuma arrepiar qualquer um que o ouvisse.

As palavras chamaram a atenção de todos, principalmente do menor que só conseguiu fitar confuso o olhar superior que parecia estar esperando o momento certo para soltar essas palavras.

— Por que eu? – Perguntou inocentemente, porém assim que viu Vicent erguer a sobrancelha acusatória entendeu do que se tratava. — Por causa da Elizabeth... Mas isso ainda não faz sentido. Seria idiota te colocar em uma situação dessas. Só ia complicar tudo. – A explicação fez o homem a frente rir curtamente da forma mais sarcástica que pôde incomodando o jovem. Endo sabia que ele não gostava de sua presença, mas aquilo estava passando do limite. — Acha que sou burro assim?

— Não me lembro de ter dito algo do tipo.

O tom irônico e a forma como lhe deu as costas foi o suficiente para provoca-lo e fazer Daichi se levantar prevendo que teria que se colocar no meio deles para que o menor não perdesse um braço.

Endo também se levantou, porém com os punhos cerrados e a veia em sua testa palpitando de raiva. Ele planejava caminhar até o maior e tirar de vez toda a frustração que o fazia sentir, entretanto parou antes de dar o segundo passo quando sentiu uma mão o segurar pelo ombro.

Sem mudar a direção do corpo, ele inclinou a cabeça para trás mostrando olhos furiosos a Kalevi que só balançou a cabeça como se dissesse que não valia o esforço. O jovem até quis afastar aqueles dedos em um tapa, mas preferiu evitar mais confusão pelo próprio bem.

Um suspiro aliviou a tensão em seus ombros antes de se virar novamente falando alto:

— Ok, mas se é assim então todos aqui são tão suspeitos quanto eu.

Os olhares que se desviavam da discussão rapidamente se voltaram para ele vendo a certeza misturada ao rancor em seu rosto.

— Até o Jamey? – Leicy, que até o momento preferiu descobrir suas respostas sozinha, questionou apontando para o rapaz que fazia um monte de areia entre as pernas próximo dele.

— Ah... Tá, menos o Jamey. De qualquer forma, você tá na lista, Vicent.

— Certo e com qual propósito eu faria isso? – Cruzando os braços se virou para fita-lo com o olhar desafiador na esperança de ouvir uma acusação aleatória.

— É você quem tem-

— É esse o plano? – A voz de Miyumi cortou a conversa como uma faca trazendo as atenções para ela no chão. Seu rosto parecia calmo e sem dar a mínima para o que acontecia, entretanto o suspiro pesado deixava óbvio a falta de paciência. — Vamos passar o dia todo apontando o dedo um na cara do outro até descobrir que ninguém sabe de nada? – Não houve resposta, apenas tossidas sem jeito de Vicent percebendo sua falta de compostura. — Ótimo plano, rapazes.

O tom irônico que usou fez o maior desviar o rosto como se sentisse decepcionado consigo mesmo por ter iniciado tudo isso. A cena fez Daichi ao seu lado sorrir impressionado. Era difícil vê-lo perder a calma, por isso, ver seu rosto envergonhado pareceu tão divertido.

— Isso é um bosque, certo? – Rudy notou as coisas saindo do controle e olhou ao redor procurando mudar o assunto. — Se andarmos um pouco talvez ajude a lembrar de algo.

— Aqui está. Um bom plano, obrigada.

Era óbvio que todos estavam passando pela mesma situação catastrófica dentro e fora de suas cabeças. Os nove não sabiam como tinham chegado ali e nem o que aconteceu para terem caído no sono. Quanto mais tentavam encontrar a resposta mais dúvidas surgiam a ponto de começarem a se questionar o que tinham feito na noite anterior e há quanto tempo estavam perdidos ali.

O estresse estava dominando cada um de uma forma diferente, porém também não podiam sentar ali e esperar que as respostas surgissem em meio a brigas. Não havia uma explicação clara no momento então, assim como foi sugerido, todos se levantaram e juntos resolveram explorar os arredores do bosque.

Não havia mal algum em tentar entender onde estavam e, quem sabe, isso não trouxesse pistas para ajudar a saber como chegaram ali.

• • •

O lugar era vazio onde apenas aves de diferentes espécies conversavam umas com as outras e pequenos animais corriam entre brincadeiras e caçadas. O grupo desajeitado caminhava por essa paz reparando em cada canto buscando informações ao mesmo tempo que tentavam de alguma forma aproveitar a tranquilidade do dia apesar de nem todos se darem bem.

Rudy junto a Leicy e Sith caminhavam na frente. Enquanto ela prestava atenção no que se escondia nas sombras, o mais velho apontava para os locais claros com animais incentivando Sith a segui-los com os olhos. Vicent e Daichi estavam logo atrás e apesar de Vicent manter o semblante irritado, ele ainda tentava conversar com o amigo preocupado com ele. Miyumi acompanhava a conversa dos dois de perto tendo Endo atrás dela com os olhos grudados em Vicent.

Jamey só estava seguindo a linha, mas parecia completamente perdido ali. Ele não queria ficar muito perto dos outros por causa do estado de seu corpo — mesmo que o dia não estivesse quente —, afinal não queria correr o risco de despertar os insetos adormecidos. Já Kalevi estava atrás dele no final da fila, não só porque queria manter distância de todos, mas por estar curioso de encontrar o morto-vivo ali. Ele sabia que o rapaz só ficava com Anthony e Jyrki todos os dias então estar sozinho o deixava incerto sobre a situação.

Pensou que talvez Malphas tivesse algo a ver com isso, mas desconsiderou logo em seguida. Não fazia ideia do que estava acontecendo, porém tinha certeza que teria de ficar de olho no loiro contra sua própria vontade se quisesse respostas.

Alguns passos mais tarde, Leicy viu, próximo a uma árvore, algo escuro que chamou sua atenção. Rápida e curiosa correu até lá ignorando as perguntas preocupadas de Rudy. No mesmo momento, a fila parou de andar sem entender o que estava acontecendo enquanto ela se aproximava daquilo.

Logo que diminuiu a distância o suficiente pode decifrar que aquele objeto era uma simples cesta de palha e antes que pudesse joga-la em um canto decepcionada algo piscou em sua mente como um flash a fazendo parar.

— Leicy? – O mais velho chamou a vendo se virar com o objeto em mãos. — O que...

— A gente veio aqui... – Falou desconfiada de sua própria mente enquanto fitava o fundo de palha. — Isso é nosso. Como...

Cada palavra que dizia o fazia encarar furiosamente a cesta percebendo que ela realmente estava certa e ele precisava se lembrar. Entretanto, por mais que forçasse sua mente, não conseguia encontrar a resposta para aquilo ter acabado ali assim como eles.

— Hoje de manhã. – Sith falou sem mudar a expressão apática. — O Rudy disse para colhermos as frutas com ele.

— Perto daqui! – O mais velho completou quase em um grito feliz por finalmente se recordar de algo junto deles.

Os demais na fila apenas assistiram tentando ligar qualquer ponto que aquela conversa buscava enquanto o trio chegava a sua conclusão. Os três entretanto continuaram se entreolhando esperando que houvesse mais coisas que conseguiriam lembrar depois disso.

— Ok... Então, vamos até o local? – Rudy questionou sorrindo. Ele esperou para saber se os demais concordariam e logo que teve a aprovação do grupo partiram em direção do caminho falhando em suas mentes.

 

Foi por entre galhos e moitas que chegaram a uma pequena área ainda no bosque onde as árvores carregadas de frutos formavam um círculo convidando todos a se deliciarem com seus sucessos.

— Foi aqui. – Leicy comentou batendo a cesta contra as pernas frustrada. — Eu lembro disso, mas ainda não faz sentindo como fomos parar lá.

Por minutos eles ficaram andando de um lado a outro com a ajuda do restante em busca de qualquer pista que tivesse sido deixada para trás em algum momento. Se os três foram sequestrados então haveria algo que respondesse a pergunta, entretanto não havia nada, nem mesmo para diminuir as chances de sequestro.

Não tinha mais o que fazer a não ser tentar forçar suas mentes ao máximo para descobrir qualquer coisa simples que pudesse ajudar. Estavam em outra área e se para os três isso trazia alguma lembrança talvez para os outros pudesse ao menos desencadear alguma dúvida.

Daichi estava se esforçando para fazer isso acontecer quando olhou para Vicent encostado em uma das árvores e apesar de ver seu rosto concentrado o que chamou sua atenção foi outra coisa.

Seus olhos desceram para seu corpo e naquele momento estalou os dedos chamando a atenção ao redor.

— Quando acordei eu vi isso, mas esqueci de falar. Por que você tá vestindo sua roupa de missão?

A pergunta fez o homem se olhar rapidamente quase soltando o mesmo estalo com a língua como se também tivesse esquecido desse detalhe.

— Eu me perguntei também, mas não faço ideia da resposta. – Se afastando da árvore falou calmamente vendo o outro assentir. — Acredito que se descobrirmos isso, entenderemos o motivo para você e Miyumi também estarem vestidos assim.

O comentário fez o moreno se olhar notando de fato estar com os trajes que normalmente usava para ajudar em missões leves e logo se virou vendo a mulher com a espada na cintura.

— A gente tava caçando algo? – A pergunta despreocupada dela fez o homem balançar a cabeça sem saber como responder.

A única coisa que podiam ter certeza era que de alguma forma estavam juntos antes disso tudo acontecer ou, pelo menos, tinham a intenção de estar.

Durante a conversa que mais parecia um labirinto, Endo achou a resposta do seu problema exclamando automaticamente um “ah” animado chamando os olhares.

— Lembrei o que vim fazer aqui. Quer dizer, quase... – coçando a cabeça olhou ao redor confuso. — Mas não era aqui... Não era nem perto daqui!

— Fala logo o que é!

— Eu vim passear por uma área bem distante daqui pra conhecer o local. Queria caçar algo diferente.

— E sem qualquer razão você foi parar lá conosco? – Sem provocações Vicent questionou mostrando seu sério interesse.

— É tudo o que eu lembro.

— Já é um começo. – Rudy comentou contente por estarem finalmente encontrando algumas respostas mesmo que elas fossem tão desconexas e logo se virou para seu grupo vendo Leicy erguendo a cabeça enquanto olhava ao redor com as orelhas em pé. — Leicy?

— Tem uma vila aqui perto?

Endo e Kalevi rapidamente tentaram captar algum sinal distante e assim que conseguiram Kalevi se lembrou do que estava fazendo. Ele, entretanto, não quis chamar a atenção e rápido abaixou a cabeça juntando as peças em sua mente. Não podia falar para eles que tinha ido ali para caçar pessoas nessa vila. Porém, lembrar disso o fez pensar que nenhuma das respostas do grupo fazia sentido ou tinha um padrão para acabarem juntos ali. Aquilo já não parecia planejado, mas sim como um acidente.

— Então vamos lá. – Miyumi incentivou se ajeitando para partir na direção que a feiticeira apontava. — Deve ter alguma resposta.

• • •

Demorou alguns longos passos por pedras e folhas atrás de Leicy guiada pelo som no caminho até que finalmente chegaram a uma pequena vila com poucas casas de madeira e trabalhadores simples fazendo suas tarefas pelas estradas improvisadas.

A primeiro olhar nada parecia familiar para nenhum deles e já começavam a se sentir perdidos de novos, mas agora, pelo menos, tinham para quem perguntar o que houve.

Sem questionamentos seguiram em frente caminhando pela areia enquanto procuravam por placas que revelassem o nome do lugar até que viram um homem de meia idade correndo em suas direções com um semblante preocupado.

O grupo se alertou parando no meio do caminho esperando ele se aproximar sem folego até Miyumi fitando o rosto dela e dos outros dois homens ao seu lado.

— Vocês conseguiram?

Perguntou ofegante os fazendo arregalar os olhos por não fazer ideia do que falava, porém essa simples pergunta os fez ligar as dúvidas da roupa com a possível missão começando a encontrar algum sentido.

Nenhum deles respondeu na esperança que o homem os contasse o que era isso que deveriam ter conseguido, entretanto ele só olhou de volta ainda mais preocupado.

— Vocês conseguiram, certo? É por isso que voltaram?

A cada pergunta o senhor procurava o rosto de cada um mostrando um desespero incomum que fez seus corações doerem por imaginar que, talvez, o que tinham prometido fazer fosse extremamente importante.

— Não. – Daichi respondeu com pena fazendo os dois se virarem rapidamente o encarando com olhos que gritavam para calar a boca. — Ainda não, porque, você sabe... É difícil conseguir algo assim. – Entre salivas que raspavam sua garganta e acenos que geravam desconfiança ele explicou se virando para os dois implorando que o ajudasse.

— Mas eu dei as coordenadas...

— Sim! Mas isso ainda não faz as coisas se tornarem mais fáceis. – Miyumi acrescentou tentando parecer amigável e acompanhar o plano do mais velho. — Existem condições que complicam...

— O que pode nos forçar a levar algum tempo para concluir. – Vicent ajudou na farsa soando confiante o suficiente para se acreditar.

— É claro! – Daichi gritou agora sorridente. — Não é fácil de pegar isso... É escorregadio e foge muito rápido.

— Cogumelos fogem? – O senhor questionou confuso fazendo os três congelarem segurando o grito de frustração e vergonha em suas gargantas.

Os outros no fundo assistiam calados a cena sem saber se deveriam interferir ou esperar para ver se realmente conseguiriam escapar dessa encrenca.

— Cogumelos são escorregadios. – Miyumi justificou sem qualquer confiança procurando por uma saída naquele abismo.

— E não estamos falando de qualquer cogumelo, certo? – Vicent retomou a conversa ajeitando a postura voltando o olhar do homem para sua confiança. — O senhor nos pediu para pega-los, mas, assim como nós, também não esperava que eles estivessem amaldiçoados.

— O que?!

— Sim, mas é claro! – A mulher gritou como se aquilo fosse a desculpa ideal dando um sorriso para Vicent em gratidão. — E é uma magia poderosa que os permiti fugir e se esconder. Não dá pra lidar com isso sozinhos. O senhor já deveria esperar que em um bosque como este algo assim aconteceria.

— Tem razão...

— Mas não se preocupe. – Mais uma vez Vicent se colocou com segurança se virando para trás. — Temos aqui uma jovem feiticeira capaz de lidar com esse problema sem dificuldades. – Leicy ergueu as sobrancelhas quando viu as atenções em sua direção segurando a vontade de rir daqueles besteiras e ainda mais daquele pobre homem que acreditava neles. — Vamos conseguir dessa vez.

— Que bom-

— Mas aí você vai precisar nos dizer se tem outra área com esses cogumelos por perto. – Daichi voltou a conversa rápido tentando se esgueirar na pergunta. — Ela vai precisar de um cogumelo normal para acabarmos com esses malditos antes que eles causem problemas maiores, né, jovem feiticeira?

— Aham.

— Ah... – pensando sobre a questão o homem olhou para os lados antes de voltar com a resposta. — Tem, sim. Eu disse para vocês seguirem reto aqui até chegar no rio e então virar para esquerda, certo?

— Claro... Foi isso mesmo.

— Então agora virem para a direita. Vão encontrar alguns, mas lá é perigoso.

— Está tudo bem. – Vicent assegurou sorrindo. — Conseguimos lidar com qualquer coisa agora.

— Muito obrigado, soldados! Muito obrigado!

Acenando um breve adeus o grupo voltou para o bosque na intenção de fugir antes que tudo o que disseram soasse suspeito.

Rudy até quis questiona-los do porquê não terem dito a verdade, afinal essa era a oportunidade de saberem o que faziam ali antes de tudo acontecer, mas, vendo como se saíram, achou que isso talvez fosse o mais conveniente para não magoar ninguém.

Deixando a tensão dos ombros caírem para longe dali, os três estavam impressionados consigo mesmo enquanto riam do que fizeram.

— Eu não sabia que você conseguia mentir assim, Vicent. – Daichi apontou vendo o amigo vendo balançar a cabeça entre suspiros cansados.

— Isso porque eu não gosto de mentir. Entretanto, vivendo no mundo em que vivo a coisa que você mais faz é inventar desculpas. E, modéstia à parte, eu sou bom em fingir.

— Percebi. – Concordou vendo Miyumi assentir ao lado. — É isso que se chama duas caras?

— Não é assim! – Rápido como uma adaga, negou irritado com a acusação vendo o rosto brincalhão do maior. — Quando você tem que socializar com estranhos é preciso conseguir a confiança deles então dizer o que querem ouvir, ser gentil e amável ajuda a deixá-los confortáveis. – Se explicou calmamente como se isso fosse um exercício diário em sua vida. — Eu não minto, apenas finjo reações para ganhar tempo. – Acrescentou deixando claro que não era a favor de conversas falsas e maliciosas. — Não gosto de brincar com o sentimento dos outros então o que digo que vou fazer, eu faço. Assim como se eu disser não, é não.

— Eu sei bem disso. – Daichi acenou com a cabeça junto ao rapaz afastando os galhos para os outros passarem.

— Ah, – levantando uma das mãos Vicent chamou trazendo o olhar dos dois para ele — e que fique claro que eu nunca menti para vocês.

A confissão fez Daichi sorrir. Era claro que ele já sabia disso, mas foi inesperadamente amável ver o olhar sério dele enquanto reafirmava sua confiança na amizade que construíram.

— Mas, vem cá, – se colocando entre os dois, Miyumi começou a falar risonha — na sua vida de rico, qual o momento em que você mais precisa mentir?

— Ah... – ele não queria ouvir essa pergunta, mas agora tinha certeza que teria que responder sentindo os olhares curiosos de ambos o queimando. — Normalmente, são em ocasiões que ocorrem propostas de relacionamento.

— Nossa...

— Que isso, Vicent? – Daichi riu alto o fazendo revirar os olhos. — Era concorrido assim?

— Daichi. – Não valia a pena discutir, mas ainda precisou chamar seu nome friamente para mostrar que estava irritado. — Minha espécie passa a vida toda com um único companheiro então... Sempre existem aqueles que se oferecem para o “cargo”... Eu odeio esse termo. – Falou cerrando os olhos incomodado. — Mas, bem, isso geralmente ocorre. Especialmente no meu caso pelo dinheiro... Será que podemos não falar sobre isso?

— Claro, senhor popular. – Miyumi assentiu rindo vendo o olhar sério a encarando.

— É por isso que você nunca tentou com o Raphael? – Daichi perguntou brincando o fazendo fechar a cara quase automaticamente. — Porque a gente sabe que ele não é do tipo que se oferece assim.

— Não é do tipo? – Vicent retrucou com um riso amargo. — Porque, até onde eu sei, foi ele quem ofereceu a chance ao Sigmo ou estou errado? – Perguntou irritado fazendo Daichi parar de andar para encara-lo sarcasticamente sem acreditar no que ouvia. Quando Vicent notou a reação acabou suspirando raivosamente balançando a cabeça. — Não comece.

— Ah, eu mal posso esperar pra chegar em casa e falar pro Hayato.

— Você vai distorcer minhas palavras.

— Eu? Imagina.

 

A caminhada continuou por longos minutos até chegarem ao rio e então viraram a esquerda como a missão sugeria ao invés da direita onde imaginavam que encontrariam diversas armadilhas, espinhos venenos e os olhares de criaturas escondidas nas sombras. Estavam em busca do ponto inicial então tinham que ignorar as novas instruções.

Durante esse tempo eles ainda aproveitaram para conversar sobre tudo o que se lembravam e, impressionantemente, isso ajudou a encontrarem novas lembranças e se sentirem mais aliviados.

Enquanto a maioria vasculhava o local Kalevi preferiu ficar em um canto sem chamar atenção observando atentamente Jamey que, próximo dele, ficava olhando para as próprias mãos contente.

Seu comportamento era estranho, mas nada que impressionasse o rapaz. O que o incomodava era que o jovem era o único que não tinha dito nada e parecia não estar preocupado em se lembrar do que aconteceu.

Por instantes o encarou até que o loiro notou seu olhar e, se virando, sorriu para ele.

— Olá.

Sua voz amavelmente chamou o sem-forma que não teve tempo de disfarçar sobrando somente a opção de revirar os olhos com a falta de noção dele.

— Oi... – sem jeito respondeu desviando o olhar. — Você não tá preocupado com... tudo acontecendo?

— Não. – Respondeu honesto e sem qualquer sentimento negativo.

— Tá... Mas você também não lembra o que aconteceu?

— Eu... não sei o que aconteceu, só sei que achei vocês caídos lá no campo e ninguém se lembra de nada.

As palavras foram ditas de forma confusa, mas ainda foram o suficiente para Kalevi arregalar os olhos incrédulo com o que ouvia.

— Espera... Você... Ah, é, você não dorme né? – Perguntou com raiva de sua própria burrice vendo Jamey assentir. — Então... O que você tava fazendo?

— Eu tava andando pelo lugar porque tinha me perdido aí ouvi um barulho muito alto e depois... teve fumaça! Eu pensei que tinha explodido algo então continuei andando pra ficar longe e depois de um tempo achei vocês caídos lá. – Contou enquanto apertava as mãos se esforçando para pensar no máximo de coisas que sabia. — Eu assustei porque pensei que vocês estavam feridos. Aí verifiquei o corpo e estavam todos bem, mas eu não sei como isso aconteceu.

— E você só tá seguindo a gente...

— É.

— Ah... Calma, ninguém te perguntou nada?

— O Rudy foi o primeiro a acordar e perguntou o que aconteceu e eu disse que não sabia. Depois o Vicent acordou e foi a mesma coisa. Ninguém sabia. – Falou calmamente terminando com um sorriso bobo enquanto Kalevi piscava lentamente tentando acompanhar a sequência.

— E como ninguém lembrava, eles acharam que você também estava assim... Ok. – Balançando a cabeça, se virou para frente tomando um longo suspiro. — Vicent, cala a boca!

O grito fez o homem se virar para ele incrédulo com a audácia chamando também a atenção dos outros.

— Mas eu estou calado! E quem é você para me dar ordens?

— É, eu sei, mas agora todo mundo tá prestando atenção. Então... Escuta, a gente tem que voltar lá.

— Por que?

— Alguma coisa aconteceu por aqui e acho que a gente não devia estar andando.

— Como?

— O Jamey viu acontecer. – Falou apontando para o loiro que ao ver os rostos o encarando, acenou para eles. — Ninguém quis perguntar nada pra ele?

— Claro que perguntamos!

— Perguntaram sobre ele?

— Perguntamos se ele estava bem, mas eu não quis forçar ele a pensar. – Rudy explicou mostrando a preocupação no olhar. — Vicent e eu não nos lembrávamos e imaginei que fosse o mesmo para ele. Eu não sabia como isso o afetaria.

— É verdade que demorou pra mim processar tudo. – O morto-vivo comentou sem rancor fazendo Kalevi se acalmar. — Na hora eu talvez confundisse tudo se fosse falar.

— Ok... então vamos voltar logo.

— Ah, claro, – Vicent concordou e logo procurou pelo rosto da feiticeira — mas, já que estamos aqui, Leicy, se importar de emprestar a cesta para colocar alguns cogumelos?

— Fica à vontade.

— Obrigado.

 

No caminho Jamey contou tudo o que viu para todos ouvirem enquanto tentava responder as indagações que se seguiam. Aos poucos as lembranças começaram a voltar, entretanto ainda havia uma névoa que os impedia de entender como acabaram ali.

Com mais alguns passos o grupo passou pelas últimas árvores prontos para investigar o ponto inicial de tudo, porém os planos foram alterados quando acabaram sendo surpreendido por um abissal de armadura parado onde eles tinham acordado naquela tarde.

Assim que Jamey viu o desconhecido, ele se colocou no final da fila atrás de todos para evitar ser visto e causar problemas com sua natureza que não deveria existir.

O rapaz, por outro lado, estava tão surpreso quando os encontrou que só conseguiu gritar:

— Achei eles!

A voz alta chamou outros dois homens — outro abissal e um alado — que vieram correndo da direita por entre os arbustos até chegar ao grupo assustado.

— Onde vocês estavam!? Não podiam ter saído daqui desse jeito.

— Eu falei que alguém tinha que ter ficado!

— Vocês estão bem?

Devagar o grupo tentou acalma-los assegurando que estavam bem antes dos três decidirem explicar a situação e oferecer socorros do melhor jeito que podiam.

Naquele tarde quando coincidentemente os nove faziam suas tarefas por aquela área, esse trio estava em missão para matar uma criatura que tinha acabado de despertar por ali. A luta entre eles foi longa, mas com sucesso. O problema foi que, acidentalmente, na hora do golpe final eles acertaram uma glândula venenosa que tinha o poder de apagar suas consciências, memórias e até mata-los.

Os três estavam preparados no caso disso acontecer e por isso conseguiram se proteger, entretanto o restante que passava por perto foi atingido. Como responsabilidade pelos erros eles correram por toda a floresta e o bosque juntando as criaturas caídas e levando para locais de segurança. Aonde esses nove acordaram.

— Vocês tiveram sorte de ter somente uma amnésia parcial

— A gente realmente lamenta por isso.

— Viemos aqui pra ajudar e quase matamos inocentes. – Coçando a nuca o alado comentou olhando seus rostos nada surpresos. — Se a gente puder fazer algo...

— Está tudo bem. – Rudy respondeu com o sorriso acolhedor que afastava o mal por onde passava. — Saber as respostas é mais do que o suficiente e vocês já pediram desculpas.

— Mas vocês atrapalharam nossa colheita então... – Leicy apontou cruzando os braços com cara de quem não estava afim de fazer o trabalho agora. — Podem ajudar a terminar de pegar as frutas lá atrás.

— Só isso?

— Na verdade, a gente precisa de mais cogumelos também. – Miyumi falou mostrando a cesta que Vicent segurava.

— Claro.

Aceitando todos os pedidos que eram lançados em suas direções, os rapazes olharam para os outros dois que estavam calados no canto. Kalevi rapidamente desviou o rosto escondendo os olhos e deixando claro que não queria conversar.

— Eu tô bem. – Endo comentou forçando um sorriso enquanto caminhava. — E se não tiver nenhuma toxina mortal em mim eu tô indo pra casa.

Os rapazes asseguraram que todos estavam livres de problemas e se não havia mais nada que precisassem eles poderiam começar a ajudar nas tarefas.

Logo formaram dois grupos um com quatro e outro cinco criaturas partindo para os destinos. Rudy estava seguindo com os outros quando viu Jamey e Kalevi ainda parados perto das árvores. Ele pensou em voltar para lá e perguntar a Jamey se gostaria que ele o acompanhasse até a casa depois que tudo se acalmasse, mas desistiu quando notou que Kalevi estava com os olhos colados no loiro tendo certeza que eles ficariam bem.

O sem-forma assistiu todos partindo e quando teve certeza que estava seguro se virou para ver Jamey atrás da árvore ainda no escuro sem saber se deveria pedir ajuda ou não.

— Vai ficar aqui? – Sem paciência ou qualquer intenção de ser grosseiro, Kalevi perguntou.

— Ah... Eu tenho que voltar...

— Você tá perdido, né?

— Sim...

O olhar tristonho dele não moveu o rapaz sensivelmente, entretanto ainda o moveu de alguma forma fazendo com que bufasse olhando para o bosque vazio.

— Eu te levo.

— Sério?

— É. – Respondeu tirando as mãos do bolso e dando os primeiros passos enquanto ouvia o loiro agradecendo contente no fundo.

A ideia era sair logo dali e resolver esse problema de uma vez, porém o plano mudou logo depois de alguns instantes de caminhada quando Kalevi se irritou com a distância que Jamey mantinha dele ficando um metro atrás.

Ele parou de andar e estalando a língua voltou os passos até parar na frente do rapaz que parecia sem jeito pelo que causou.

— Será que dá pra ficar perto? Se você se perder de novo eu não vou te procurar. – Falou rápido mostrando claramente sua impaciência. Jamey por outro lado permaneceu em silêncio como se pensasse em algo. Foi aí que o sem-forma notou o erro. — Ah... Não precisa esconder os insetos de mim. Eu gosto deles. – Com cuidado esticou a mão pegando um besouro que saia da orelha dele.

— Verdade...?

— É... – Vendo a criatura andar em sua palma respondeu calmamente e logo esticou a mão colocando entre os dedos de Jamey com cuidado. — Vamos logo. – Sem olhar em seu rosto falou voltando a andar, porém parou novamente olhando por cima do ombro com uma expressão incomodada. — Ah, e não conta pro Anthony, tá?

— Tá. Não vou falar.

Contente e sem mais motivos para ficar preocupado Jamey correu alguns passos alcançando Kalevi para andar ao seu lado. Os dois não conversaram muito, porém também não tiveram qualquer motivo para discutir ou detestar a presença um do outro.

—Fim. XIII


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Notas finais do capítulo

Eu fiquei muito feliz em conseguir fazer pelo menos dois capítulos com vários personagens. Apesar de ser mais trabalhoso, também é muito divertido :D Amo ver as bagunças que eles fazem ♥ O único problema é que eu acabo passando por tantos personagens durante a trama que aquele que começou a estória dificilmente é o mesmo que vai terminar ela, haha.
É meio injusto eu dizer que amei esse capítulo quando a maioria que está aqui é meu favorito lol Mas vou dizer mesmo assim ♥3

Obrigada por ler e até amanhã.



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