Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 12
Capítulo 12 - This is how I disappear




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Para seu próprio espanto, Vince Seingalt constatou que todos eram mais fortes e mais velozes que ele. Obviamente, isso resultaria em prejuízos. Ele já contabilizava uma coleção de chagas preocupantes: uma flecha atingiu o seu flanco direito, produzindo mais um ponto de dor lancinante; um caçador conseguiu pegar próximo aos restos mortais do vampiro Alfred a arma de Karl Lee Rush e disparou dois tiros seguidos contra ele. Nenhum o acertou diretamente, é verdade, mas os estilhaços do ponto de mármore atingido pela bala produziram cortes profundos em sua perna esquerda. A mais profunda ferida – a da perfuração a punhal no ombro – o extenuava, e o vampiro sentia o sangue perdido comprometer seu desempenho. A visão parecia escurecer e o corpo fraquejava ao correr a mais curta distância. Mas ainda assim ele insistiu, numa imitação limitada do que foi sua antiga perícia: derrubou escada abaixo um caçador; virou uma armadura de ferro decorativa em cima de outro, numa intenção desesperada de formar uma barricada entre ele e o outro guerreiro; desmaiou o líder dos caçadores, fato já mencionado antes, o que causou desespero em todos aqueles que ficaram; armou-se de uma lança que fazia par à armadura derrubada e entregou ao fim do longo duelo uma meia dúzia de mortos. Um caçador solitário, temente de enfrentá-lo, apenas correu. Sem forças para segui-lo, Vince, apoiado na lança com que matou ou feriu seriamente todos aqueles que o caçavam, arrastava-se, murmurando qualquer coisa sobre ter que se vingar do garotinho que o atacou com o punhal.

 

(…)

 

Sean, Margarida e seu pequeno aliado buscavam uma saída, mas, quanto mais andavam, mais se perdiam. O castelo imenso e cheio de corredores demonstrava ser inútil o plano de Vince sobre esconder os irmãos em algum ponto inacessível aos caçadores. Quem adentrasse aquela edificação, pelo contrário, se sentiria perdido ao invés de localizar qualquer coisa.

 

— Eu acho que deveríamos descer em vez de subir – sugeriu o menino.

— Não sei se é uma sugestão segura – Sean argumentou – poderíamos estar descendo até algum tipo de calabouço, porão, vai saber.

— Acho que deveríamos ter memorizado melhor quantos andares subimos – disse Margarida.

— Naquela hora em que andamos por aquele caminho em escalada circular, com certeza estávamos subindo; mas quantas voltas demos naquilo?

— Olhe, eu não sei, menino. Se pudéssemos achar aquele caminho de novo, era pelo menos certo que estaríamos descendo. É inacreditável um lugar com tantos cômodos! Parece infinito!

— Vejam! – Margarida apontou – Já não tínhamos passado por aquela estátua de sereia?

— Não, não.

— Como pode saber, Sean?

— Eu me lembro de, embaixo dela, os ladrilhos serem preto e branco. Veja: esta tem a base inteiramente em mármore, portanto não há de ser a mesma. Além disso, esta é branca, e aquela era dourada.

— Oh, é verdade…! Me sinto a cada minuto mais e mais enfadada e cansada de tudo isso… o que custa a eles nos deixarem partir?

— Será que eles já acabaram?

— Quem, menino?

— Ora, quem? Os vampiros. Será que já morreram todos?

— Claro que não. Ainda deve ter mais deles escondidos por aí. O principal deles parece ter falado algo assim.

— Eu também ouvi.

— Abrir qualquer porta, neste cenário, é um perigo.

— É verdade. Temos de ser cautelosos. E eu odeio ser cauteloso.

 

Dito isto, Sean tropeçou em algo, causando grande barulho.

 

— Percebi por que você não gosta de ser cauteloso.

— Não é hora para ironias. E que diabos é isto?

— Está muito escuro, mas parece uma arca.

— Está muito comprido! Eu acho que é um caixão!

— Céus! – Margarida gritou.

— Silêncio! Um deles pode estar aí dentro!

— Precisamos sair daqui! – a moça debateu-se, desesperada.

— Acalme-se! Não pode sair por aí, disparatada deste jeito!

— Vocês estão armados? – ela perguntou.

— Eu ainda estou com aquele punhal – disse o menino, tirando-o do cós da calça.

— Eu tenho umas facas, das nossas e das que achei pelo chão, mas quero algo mais comprido, que dê para acertar qualquer um deles de longe. Como eles são mais fortes, lutar contra eles num combate corpo a corpo não é uma alternativa.

— Eu não tenho nada que possa ser considerado eficiente – Margarida analisou a faca de cozinha que trouxe consigo, resultado da divisão que ela, Sean e Helena fizeram ainda na hospedaria dos Lee Rushs. – Se qualquer um deles aparecer para mim, estarei mortinha, porque não vou ter coragem para usar isto.

— É só levantar as saias, como as caçadoras fazem – o menino opinou, tranquilamente.

— O que foi que você disse? – Sean o puxou pela roupa, indignado.

— A Helena, ela levantava a saia assim – demonstrou o garoto, erguendo a barra da camisa.

 

Sean e Margarida se entreolharam, chocados.

 

— Você não deveria concordar com esse tipo de coisa – Sean falou bem rudemente.

— Não é certo! – Margarida completou.

— Por quê? Funcionava.

— Expor uma garota a um perigo desses nem deveria ser uma possibilidade dentro da cabeça de um guerreiro honrado!

— É, é verdade – o menino concordou, maleável em suas opiniões por ainda estar com o caráter em formação.

 

Três quartos de hora se passaram. Cansados, sedentos e famintos, eles resolveram, por fim, que a melhor alternativa era se esconderem em um lugar ermo enquanto aguardavam o amanhecer do dia.

 

— Sendo dia claro, nenhum deles ousará pôr a cara para fora. Agora, nos esconderemos; quando virmos brotar qualquer indício de claridade, vamos nos aproximar de uma janela. Desta forma, quem tentar contra nós acabará torrado – Sean desenrolou seu plano.

— E se houver outro meio-vampiro, capaz de resistir à luz? – ponderou Margarida.

— Parem com essas contestações desagradáveis! Um fica derrubando o que o outro diz! – intrometeu-se o menino.

— Mas o pior é que é uma pergunta pertinente.

— Escondamo-nos – Margarida determinou, convidando o menino a se aconchegar ao lado dela – e que a sorte nos ajude!

 

Margarida e o menino dormiram abraçados detrás de uma coluna situada em um corredor qualquer. Sean, por sua vez, ficou velando o sono deles, ainda que seus olhos estivessem em brasa. Estava rezando para que ninguém aparecesse ali, pois, se isso acontecesse, eles enfrentariam dificuldades por não ter visão ampla do ambiente onde se encontravam.

 

(…)

 

Vince continuava sua caminhada solitária. Seu corpo denunciava todas as sensações de necessidade possíveis, sendo sede a pior de todas. O gosto do sangue de Bernard amargava a sua boca de um jeito que ele não conseguia explicar. Que sangue péssimo tinha aquele infeliz, pensou. Parece que ingeri veneno! Agora que ele tinha se distanciado tanto de Karl Lee Rush, começaram a lhe ocorrer as primeiras suspeitas de que talvez ele não o tivesse morto com os golpes que aplicou.

 

— Decerto, com a minha força anterior, eu teria causado grande efeito, o que já não posso afirmar com exatidão agora – pensou em voz alta. – Mas as horas caminham para o alvorar do dia e a minha prioridade agora é acabar com aquele maldito que ousou me deixar neste estado!

 

O vampiro, sem entender a complexidade por trás de sua fraqueza, caiu de joelhos. Arfando muito, recusava-se a permanecer daquele modo, por isso ergueu-se novamente reiniciando sua ingrata caminhada. As pernas eram incapazes de se manter firmes. Desse modo, ele contornava os corredores apoiado pelas paredes. Estava obstinado em empenhar sua última energia nesse plano.

 

— Cuidarei de Karl Lee Rush em outro momento. Meu objetivo maior agora é acabar com aquele pequeno bastardo. Sim…! Quando eu puser as mãos naquele insolente, então eu…

 

Ele parou de falar assim que percebeu que não estava sozinho. Sons de vozes humanas pareciam vir do cômodo ao lado. Não eram conversas tensas nem tampouco cochichos, quem barulhava ali não fazia nenhuma questão de ser prudente, ou discreto. Sentiu-se, ao mesmo tempo, insultado e terrivelmente apavorado: estaria ele em condições de enfrentar o que quer que fosse? Como alguém tinha coragem de se expor daquela forma, renegando qualquer perigo que ele representava?

 

Quanto mais ele se aproximava da sacada de onde era produzido todo aquele alarido contente e lascivo, mais reconhecia aquela música carnal dos despudorados, o coito dos despreocupados e incólumes, enfim, o arrefecimento de toda sua autoridade...

 

— Que outro poderia ser, se não tu? – estreitou os olhos e meneou a cabeça, ao reconhecer George segurando a filha do caçador pela cintura, aprofundando o contato entre os dois.

 

Angela, deliciada com o prazer proporcionado pelo infame companheiro, montava sobre ele com força, subindo e descendo, com seus cabelos revoltos, os seios expostos a balançar, as coxas nuas e as saias levantadas, as nádegas separadas pelas mãos gulosas do mais novo amigo, com seus dedos curiosos explorando esse caminho já conhecido por Bertrand horas antes. George, sequioso e faminto, beijava cada centímetro de sua pele que era possível, atacando-a pelo busto, pescoço e rosto, apertando-a contra o corpo como se quisesse destruí-la, indeciso quanto ao que tocar, apalpando a tudo, engolindo a tudo, como se fosse impossível ter outra como aquela nas mãos. A filha do caçador, por sua vez, queria ser exposta a tudo o que ele pudesse proporcionar, como se a saliva daquela fera dos infernos fosse água límpida a higienizar cada ponto de seu corpo invasivamente tocado pelo pai. Cada ponto de pressão que manchava sua pele rósea era para ela como uma medalha de guerra. O sangue que descia por suas pernas tinha um contentamento estranho de vitória pessoal, algo bem controverso, considerando que ela estava perdida, definitivamente perdida dessa vez.

 

A dor do desvirginamento violento nada mais era do que a autopunição por sua impotência anterior; se ela estava sendo punida por ser impura, seria impura por completo. O corpo desonrado daquela que adentrou aquele ambiente como uma noiva virgem era a punição máxima para aquele homem asqueroso que caiu em seu conceito desde que tentou possuir Helena à força logo que deram entrada no castelo, aquele maldito a quem ontem mesmo ela chamava de pai. Sim, aquele homem que dizia prezar a virtude das mulheres de sua casa, quando na verdade só esperava uma licença mínima para atacá-las. Ali ela entendeu que, mais do que uma depravada, a prima era uma vítima. Angela, inteligente que era, calculou que sendo mulher e sendo bela, estaria exposta ao mesmo tipo de humilhação futuramente, bastaria derrapar.

 

E como ela derrapou! Quem resistiria à voz macia e aos belos olhos de Bertrand? Quem faria pouco de seus músculos avantajados e de seu rosto formoso? A virtude, mais do que uma convicção, é um sacrifício, um vício de autoproibição. Desde que entrou ali e ficou ciente de que sua vida poderia se encerrar ao menor ato de distração, Angela percebeu que essa índole limitada às vontades do pai não era o que ela realmente era. Por mais adequado que seu noivo parecesse, ela nunca o achou à sua altura. Vincent era apenas conveniente, mas nada tinha de belo ou arrebatador. É verdade que enlutou ao perdê-lo, reconhecendo-o tardiamente como a melhor e mais segura escolha que poderia fazer. Não estaria mentindo se dissesse que a comoviam os pequenos enfrentamentos que Vincent fazia ao futuro sogro para garantir com ela uma ida a sós ao teatro ou a um passeio público qualquer; não mentiria também se dissesse que a envaidecia o quanto Vincent se curvava a Karl, por amor a ela. Mas ali, naquele castelo, descobriu uma intensidade e uma luxúria impensáveis, um diferente patamar de emoções. Ali, todo o desbotamento de seu noivado ideal fora abatido pelo brilho das criaturas sem lei e sem comedimento. No castelo dos Seingalts, percebeu que não se importava que mãos estranhas percorressem seu corpo com toques inapropriados, invadindo suas regiões mais reservadas. Convencida apenas pela beleza de seus algozes e pelo desprendimento que eles representavam, pela efemeridade das relações que poderia construir com qualquer um deles, pela possibilidade mesmo de ser assassinada após o coito como um animal sem juízo, tudo isso a levava a um universo desconhecido de sensações e prazeres que o entediante mundo dos humanos jamais lhe daria. E era tudo tão pendente de planejamento que ela correspondeu ao beijo de George acreditando que em poucos minutos cravaria nele um espeto que trazia consigo, mas a perícia daquele demônio em possuir um corpo feminino simplesmente a derrotou. Dessa forma, entregue por completo à administração daquelas mãos experientes, seu corpo abandonou integralmente a integridade, curvando-se ao absoluto conhecimento dos prazeres do sexo.

 

George, como se há anos não desfrutasse de um corpo fresco e atraente, também se embriagava no mesmo ritmo de Angela, esquecendo-se de sua missão, desleixando-se das ordens superiores, ignorando a segurança de seus irmãos e a preservação do próprio nome, tudo o que fora incumbido a ele. E, o mais grave, esquecendo-se de Vince, que se expôs ao sacrifício para que ele pudesse fugir e socorrer os outros. Que poderia ter acontecido a esse Vince? Pouco lhe importava, ele só queria gozar com aquela mulher e descobrir a infinidade de entonações estranguladas que ela poderia emitir enquanto ele agarrava sua garganta e injetava furiosamente nela toda a extensão de sua exacerbada masculinidade. E foi justamente quando a caçadora escorregou de suas mãos inerte, preenchida e satisfeita, que ele viu o vulto do irmão mais velho e sua postura não era exatamente amigável. Vince ergueu a cabeça para que a luz da lua favorecesse o seu reconhecimento. O rosto angelical emoldurado por aqueles longos e espessos cabelos negros era inconfundível. George descorou para além do habitual ao ver ali, diante dele, aquele com quem ele menos gostaria de tratar.

 

— Onde estão teus irmãos, seu rato imundo? – trovejou o líder da família.

 

George empurrou Angela de cima de seu quadril, como se estivesse se livrando de uma coisa inconveniente. Exausta pelo esforço, ela não se levantou nem protestou por esse tratamento. Era esperta o suficiente para entender que a coisa mais inteligente que poderia fazer ali era se fingir de morta.

 

— Que comando te dei? O que me escutaste dizer? Eu precisei vir aqui para ter noção de tua desobediência! E se eu morresse? E se o dia clareasse? O que seria daqueles que esperavam o socorro em ti?

— Em mim? E onde está Charles no meio disso tudo? Não foi ele, afinal, que chamou todos os outros para o plano? Onde esteve ele, que não ficou a postos para o caso de qualquer revés acontecer?

— Charles, seu grande imbecil – Vince tirou o objeto semelhante a uma bússola que eles chamavam de oráculo do bolso e o expôs ao irmão – foi eliminado! Ele não está aqui! Ele não está aqui! Entende agora a gravidade de nossa situação?

— Não me diga! – o outro exclamou, com um sorriso de orelha a orelha – Então, quer dizer que o seu cão de guarda pereceu nas mãos dos caçadores?

— O que há de engraçado nisso?

— Essa sua cara. É, eu gosto dessa cara de desespero! Você sabe que algo muito incomum aconteceu com seus poderes após o golpe do punhal, não é?

— Aonde é que você está querendo chegar?

— O líder da família ferido, com os poderes minados pelo efeito de uma arma misteriosa cujos poderes desconhecemos…! Todos os outros irmãos atrás de uma porta que só pode ser aberta por fora, sendo que o único que os socorreria incondicionalmente virou cinzas em alguma parte do castelo… e o que eu tenho? Uma queimadura irritante de água benta no braço, cujo efeito logo vai passar. Sua posição não é confortável, caro irmão.

 

Vince semicerrou os olhos, encarando seu interlocutor com o ceticismo confiante de quem não acreditava que ele teria a ousadia de concluir seu funesto raciocínio. George, indiferente ao que ele pensava, brincava consigo mesmo como se o irmão não estivesse ali, balançando o sexo com as pontas dos dedos para a direita e para a esquerda, como se o fizesse dançar, umedecendo-o com o que restou do líquido seminal que não teve tempo de injetar em Angela.

 

— Sabe, Vince? Eu poderia tranquilamente assumir a liderança do clã, caso quisesse – sentenciou, sorrindo, expondo e recolhendo a glande como um pré-adolescente curioso descobrindo as funcionalidades do próprio corpo.

— Tu não te atreverias!

— Eu não afirmaria isso com tanta segurança se estivesse no seu lugar – George insistiu, contemplando o gozo que descia lentamente por toda a extensão do membro ainda ativo que aos poucos relaxava.

— Esta mulher com a qual te unias… é a filha do caçador!

— E o que tens tu com isto? Tu, que tanto te deleitaste com todas as humanas que pudeste, estás agora a fazer cerimônias?

— Acabe com isto e siga-me!

— Acabe com isto o quê?

— Prometeste que a matarias assim que a encontrasses! É a filha de nosso maior inimigo! Eu matei o filho, e tu me prometeste a cabeça da filha dos Lee Rush…!

— Promessas!… Promessas!… Olhe para isto, veja o prazer que ela conseguiu extrair! Ah, Vince! Não o reconheço! Andas puritano ultimamente!

— É uma ordem!! Cumpra-a!

— Não irei a lugar algum! Tudo o que quero agora é usar esta mulher até esquecer do meu próprio nome! E não ouse interferir!

 

Angela, que se percebeu em situação delicada, tirou os cabelos de cima do rosto, posicionou-se de modo a realçar suas curvas modestas e sugeriu:

 

— Se me deixarem viver, eu posso ser dos dois.

 

George gargalhou e bateu palmas, extasiado com a sugestão. Estava descobrindo na então casta filha de Karl Lee Rush qualidades que não esperava ver em uma mulher mortal.

 

— Escutaste esta maravilha de proposta, Vince? Esta mulher tem mais talento do que todas as cortesãs da metrópole! É uma daquelas pessoas que, uma vez que se revelam, nada mais as refreia! E tu a queres desperdiçar matando-a!

 

Angela engatinhou sedutoramente até o vampiro-líder e agarrou suas pernas. Suas mãos subiram por toda a parte de trás das coxas de Vince e agarraram as nádegas do monstro, enquanto ela usava ora o queixo, ora a bochecha, para acariciar sua parte íntima, por cima das roupas.

 

— Eu também quero você – disse ela, com a boca colada ao seu membro, esquentando-o de forma muito sugestiva com a voz – Eu quero beijá-lo bem aqui. Eu quero todos vocês dentro de mim, tantos quanto existirem.

 

Sem esperar que Angela concluísse seu ato sedutor, Vince a empurrou ao chão.

 

— Um segundo de distração, e esta mulher apresentará nossas cabeças aos seus aliados! Como ousa não perceber, George?

— Hah! Não é isso que temes! Nunca mais possuíste mulher nenhuma desde a morte daquelas três! Você acha que eu nunca percebi?

— Nada tens que comentar sobre este assunto! E muito menos aqui!

— É claro que tenho! Ou você não está interessado em saber dos detalhes por trás das mortes daquelas três inúteis?

— O que você…?

 

Calmamente, George se levantou e encerrou a frente da roupa.

 

— Tu deverias me agradecer. Caíste numa cilada terrível, meu irmão! Eu o salvei, revelando teu segredinho sujo ao nosso pai! Apaixonado por três mortais! O provável sucessor de nosso pai! Uma piada!

— Tu não fizeste isso…! – rosnou o líder dos Seingalts, estremecendo de ódio.

— Sim, fui eu!… Eu as fiz mulheres muito mais do que tu jamais conseguirias! Claro que elas fizeram uma ou outra observação sobre estarem afeiçoadas a ti, me resistiram, mas de que me importa? No fim, eu triunfei, triunfei com todas, antes de entregá-las aos cuidados “generosos” de nosso pai, que optou por exterminá-las de uma vez!

— NÃO EXISTIRÁS, NÃO EXISTIRÁS POR NEM MAIS UM MINUTO!! MALDITO!!

 

Dito isto, Vince partiu para cima de George. Angela, dispensada por ele, seguindo o exemplo de George, restabelecia a normalidade de seus trajes.

 

George não teve nenhuma dificuldade de segurar a lança com que Vince o atacou, e menos ainda de roubá-la e golpear o irmão com ela. Pior: como ela era de ferro, não se partiu como aquela outra, de madeira, que também facilitava a movimentação por ser mais leve. Para se defender, Vince colocou o braço na frente do rosto, mas isso lhe custou a mobilidade do membro, que acabou por se tornar vítima do golpe.

 

— Como vê, nada pode fazer contra mim – George vangloriou-se.

 

Sem se importar, Vince saltou uma segunda vez em sua direção. Se não conseguiu tomar a lança, conseguiu segurá-la pelo menos de modo a não ser agredido novamente, ou assim esperava, mas foi novamente contrariado ao ser lançado para longe. Caiu de costas na coluna onde Angela se recostava quando George e ela iniciaram seu diálogo. Mesmo em frangalhos, insistia em se manter de pé.

 

— Desista, e diga bem alto para todos ouvirem que sou o novo líder do clã! – George propôs.

— Jamais!! Jamais permitirei! Não enquanto eu existir!

—É muito simples, então: é só fazer você deixar de existir!

—Quando foi que te tornaste isto? – Vince perguntou ao irmão, que o atacava brutalmente, destruindo tudo em volta com o uso de sua lança.

—Tornei-me isto quando, mesmo sendo o mais dedicado a nosso pai, tu foste eleito pelos outros como o líder! Tu, que já deste infinitas amostras do quanto és fraco e suscetível! Mesmo eles o toleravam por estarem desnorteados com a morte de nosso pai, duvido que em algum momento o tenham respeitado e apreciado de fato!

—Não é verdade, tu o sabes! Colocar Arthur a nosso serviço nos fez estar a par do que aconteceria esta noite! Se nada consegui fazer pela nossa proteção, a culpa é de quem não levou meus alertas a sério!

—Colocar aquele idiota na linha de frente apenas o fez morrer de amores por aquela isca dos Lee Rush! Tudo o que conseguiste foi colocar um espião a serviço dos caçadores!

—Eu já o puni por isto! – Vince anunciou, enquanto escapava dos ataques do irmão – Assim como também te punirei hoje pela tua insolência!

—Pois estás a falar com o irmão errado! Eu não sou o Arthur! A mim, tu não governas!

—É o que veremos!

 

George desferiu um ataque que visava fincar o irmão mais velho na parede, mas Vince passou por baixo da lança e avançou em Angela.

 

—Pensando em usar uma mulher para me ameaçar? Que tu pensas que eu sou? – riu-se George. – Nada tenho a ver com esta puta, se quiser mate-a! Eu já estou acima desses apegos vãos! A imortalidade não tirou meu juízo, não ainda!

 

Porém, ao contrário do que ele esperava, Vince apenas arrancou da caçadora o punhal que ela portava, ameaçando o irmão com ele. George riu mais ainda.

 

—Estar armado é fácil – quero ver me atingir!

 

Vince avançou, desviando-se do golpe que o irmão tentou desferir. Dando com o corpo de encontro ao do irmão, ele conseguiu fazê-lo soltar a lança, que caiu sacada abaixo. Em compensação, foi agarrado pelos cabelos e jogado de encontro à parede. O punhal que estava em sua mão foi parar na outra ponta, perto da mureta da sacada. Levando a mão à cabeça, sentiu nela um profundo ferimento e sua mão empapou de sangue, mas ele não esmoreceu: pôs-se de joelhos e, mesmo estremecendo, ficou de pé outra vez.

 

—Sabe que tenho uma teoria acerca do que aconteceu consigo?

—Guarde a língua na boca ou eu o farei mordê-la!

—Bem sabes que não estás em condição disso. Aliás – George em um segundo ficou à frente dele, com sua velocidade sobre-humana – acho que nunca mais estarás!

 

Como um especialista em luta livre, George deu uma cabeçada na testa de Vince, mas desta vez não o permitiu cair. Agarrando seus cabelos mais uma vez, George o arrastou para a beira da sacada, expondo abaixo as dezenas de metros das quais o irmão poderia ser atirado.

 

—O que acha da vista? É linda, não é? Será que, com tuas novas forças, resistirias a uma queda daqui?

—Que ideia estúpida! Tu sabes que posso me transformar em morcego…!

—Sua cara é a de quem não gostaria de que eu testasse isso…

—Toda essa confiança não combina contigo. É ridícula!

—Ridículo foi tu, Vince, o grande líder, se apegar a três prostitutas mortais! Mas não nego que tiveste tuas razões: eram mesmo deliciosas! Ah! A minha favorita foi a menor, a de cabelo castanho! Aquela era a mais arisca das três! Quase não se deixou dominar! Até mordeu-me! Ensinar a mim, um vampiro, a morder! Que insensatez!

 

De todas as formas que pôde, Vince o agrediu, mas nada surtiu um efeito significante.

 

—Tive que fincar seus pulsos com uma adaga, só assim obtive licença sobre o seu corpo – George detalhava, enquanto agarrava os pulsos do irmão – E como gritava!… Debatia-se…! Chorava…! Isto tudo era realmente estimulante!

 

Angela, aproveitando-se da briga dos dois, tentou se retirar silenciosamente daquela cena, mas logo caiu quando George atirou seu irmão sobre ela.

 

—Não irás ainda, isca dos Lee Rush. Ainda tenho uma missão para ti.

 

Como um impacto foi muito grande e a superfície onde eles estavam era de pedra, Angela também se machucou muito. Por pouco não bateu com o rosto no chão, mas seus cotovelos e joelhos pagaram o preço. Vince caiu por sobre o ombro ferido; a dor o fez gritar e rolar para o lado, num movimento autoprotetor instintivo. George o chutou, de modo que ele ficasse de peito para cima. Também com os pés, coordenou o afastamento de suas pernas. Por fim, chamou Angela:

 

—Vá por sobre ele. Ensine-o novamente a apreciar o corpo de uma mulher. Sim! Estimule-o! Ponha fim a essa fidelidade ridícula! Alimente-se de suas sementes; ora, não sejas puritana, já era o que pretendias fazer. Dê um pouco de alegria a este meu pobre irmão que aderiu ao celibato desde que perdeu suas três preciosas amantes!

 

Angela viu-se embaraçada com a ordem, dita assim tão claramente; ganhou um chute nas costelas por sua hesitação.

 

—Que esperas?! – George cuspiu a ordem com um desprezo indescritível.

 

Curvada de dor e pela desconsideração daquele que já acreditava ser um amante fixo, Angela arrastou-se na direção do então líder dos Seingalts. Vince tentou se levantar para protestar mas, em vez disso, o irmão pisou em sua chaga no ombro, prendendo-o ao chão. Num ato de resistência e altivez, desta vez ele se recusou a emitir um pio que fosse. No entanto, não podia evitar que sua respiração errasse o ritmo. Sentia-se sufocado, e a dor era de enlouquecer. Havia perdido completamente o cálculo de como agir. Enquanto tinha o corpo assaltado por aquela jovem desconhecida, cerrou os punhos, debateu-se, protestou verbalmente, tudo embalde. Ficou, por fim, pensando no que poderia fazer para tirar de cima dele o pé que o mantinha cativo. Inútil e ultrajado, percebia, segundo a segundo, o desmantelamento de suas vestes: do broche que prendia a frente rendada de sua camisa elegante ao desabotoamento de seu colete; da abertura frontal de sua calça ao desatar dos laços de sua ceroula. A luxúria então desacordada despontava a cada item subtraído, e mesmo a dor parecia esvanecer, naquele embevecimento anormal de lubricidade suicida característica desses monstros das trevas. O toque dos lábios e língua da caçadora produzia cócegas agradáveis por seu pescoço, mamilos, costelas e umbigo, enfim, por cada centímetro de pele onde passearam. Naquele ponto, já se sentia traído pelo próprio corpo, que esfogueou-se muito rapidamente. O contato, que se iniciou tímido, vinha agora mais intenso e espontâneo. Da parte dele, cada segundo de demora entre um toque e outro parecia um martírio. Angela, por sua vez, empolgou-se de súbito com a visão privilegiada de mais um daqueles corpos perfeitos que só o sobrenatural justificava. O vampiro sentiu uma mão pequena segurar e estimular sua parte íntima, uma boca a contorná-la, uma língua a massageá-la… a delícia amnésica daquelas sensações o fez esquecer parcialmente o contexto em que se encontrava, mas a voz do irmão o fez recordar outra vez sua terrível situação:

 

—Bravo! Bravo! Nada como uma boa mulher para trazer ao corpo deste devasso as antigas recordações de sua funcionalidade! Meu caro Vince, nada podes fazer contra tua própria natureza – tua essência te trai! Tu és como eu: eternamente aberto ao entretenimento, um distraído natural! Insistes nessa racionalidade infundada? Entregue-se! Tua própria rigidez é a prova maior de que teu corpo a reclama! Veja como estás! Se tu perdes consciência de tuas necessidades, teu corpo é breve em lembrar-te do que necessitas!

 

Insistindo em dirigir a situação toda, ordenou a Angela:

 

—Ele está pronto para recebê-la, apenas faça! Encaixe-se nele de forma tão febril e violenta que me faça sentir inveja dele a ponto de querer estar em seu lugar!

 

Obedecendo mais este comando, Angela sentou-se sobre Vince, consolidando a imobilização planejada por George. Fora tratada por ele com tão pouco cuidado e preservação que mal tinha forças nas pernas. Mesmo assim, elevou-se um pouco, de modo a garantir o correto encaixe entre os sexos dos constituintes daquela estranha consumação e, movimentando-se primeiro lenta, e depois muito rapidamente, assumiu as rédeas de toda a prática em si. Sofreu um segundo quando a totalidade de Vince a preencheu, pois ela se viu invadida em um ponto ainda não atingido; porém, logo se acostumou com a nova dimensão que seu corpo era capaz de suportar.

 

— O que quer dizer isto tudo, George? Explique-se! – Vince, tentando racionalizar qualquer coisa daquilo tudo, queria saber.

 

Angela, para garantir que ele ficasse parado no mesmo lugar, o segurava ao chão com a palma aberta sobre sua barriga enquanto, com a outra mão, estimulava os próprios seios com massagens e beliscões. George, para se aproximar da cena ou para impossibilitar qualquer defesa do irmão, não se sabe bem, retirou o pé de cima dele, abaixou-se e segurou os pulsos de Vince acima de sua cabeça.

 

— Considere isto um presente de irmão para irmão. Ou não, nada disso! Considere isto como a forma de eu trazer de volta o Vince que conheço! Afinal, é com ele que quero tratar! Estás melhor assim? Quero-o bem confortável, não aceito desculpas para não usufruíres do último prazer que te proporciono antes de encerrar tua vida e assumir o posto que me é de direito! Afinal, os mais fortes triunfam, e os mais fracos perecem! É a lei da existência!

— Não tenho tempo para nada disto, e tu o sabes…! Temos coisas mais urgentes a resolver!

— Ainda não tiraste de tua cabeça pretensiosa essa falsa ideia de que és líder de nosso clã? Hoje falhaste em tudo quanto era possível! Mesmo a fidelidade que prometeste às tuas prostitutas de estimação, foste incapaz de cumprir!

— Isso ainda não acabou… ainda não acabou aqui…! – disse Vince, dentro do pouco que era possível compreender da sua fala estrangulada pelo prazer há muito evitado.

 

Sem ligar para qualquer intriga que pudesse haver entre os Seingalts, Angela parecia muito concentrada em sua tarefa. Sentia-se dolorida e cansada, mas também plena e livre como nunca. Já era conhecedora do próprio corpo o suficiente para não se desperdiçar em movimentos inúteis; agora, sentia o prazer em sua totalidade. Reconhecia principalmente que toda aquela situação absurda aguçava instintos sombrios de dominação que só conseguia experimentar quando Karl lhe dava um chicote na mão para castigar a prima. A incerteza sobre a sensação que provocava no outro – dor ou prazer, era impossível precisar pela reação dele – só era sanada por aquela rigidez masculina que a preenchia para além dos limites de seu corpo. Se o farto membro do líder do clã inimigo era satisfatório de se ver, o era mais ainda de se sentir. E o simples fato de estar irremediavelmente ereto queria sim, afinal, dizer que ela havia triunfado. Era o terceiro deles a ser seduzido por ela! Angela se sentia imbatível, e ainda mais por causa deste, considerando todo o histórico a que teve acesso no diálogo entre os irmãos. Qual a duração do hiato que ela havia quebrado? Um ano? Dois anos? Dez anos? Cinquenta anos?

 

— Eu sabia! Eu sabia! – ela exclamava, tresloucada – És ainda melhor do que todos os outros! És o melhor! És o melhor…! Eu o sinto aqui! Entrando, entrando fundo, me ferindo por dentro como uma rocha! És insuperável, oh, és o melhor deles todos!

 

Injuriado pelo resultado da comparação, George arrancou Angela de cima de Vince pelos cabelos.

 

— Não te autorizei a falar qualquer coisa, vadia!

 

Angela, jogada para o lado com brutalidade, assistia impotente George avançar sobre seu mais novo amante. A visão de dois irmãos brigando por causa dela a envaidecia de um modo que ela não sabia traduzir em palavras, e mesmo ciente do perigo que representava aquelas duas feras duelando, ela não conseguia ignorar essa felicidade confusa que obstruía a visão de todo o resto. Não fosse o fato de ter sido arrancada de súbito antes da satisfação completa, estaria felicíssima com aquela experiência. Vince, em vez disso, virava-se de banda e cobria sua nudez como um derrotado, recolhendo as pernas à posição de feto, como se pretendesse chorar.

 

— Sempre a mesma coisa! Nos bailes, nas festas particulares, nos prostíbulos…! Até quando tu serás o favorito delas?

 

Sem respondê-lo, Vince tentava recobrar o juízo tão repentinamente arrancado. Diferente do que ele gostaria ou mesmo planejava, seu corpo ainda vibrava de um êxtase incompleto, insatisfeito. Sentia-se traidor do próprio luto, indignado e envergonhado por sua fraqueza.

 

— Responda!! – George gritou-lhe ao ouvido, puxando seu cabelo pelo alto da cabeça – É por esta energia desvairada que demonstras? Por nunca negá-las, por nunca falhar com elas? Por nunca precisar atirar-te à direção delas? Por que elas vêm apenas a ti, e não a mim, ou a qualquer outro? Por que se cedem em duas, em três, em quatro, em vez de repartirem-se entre nós, os teus irmãos? Não somos igualmente belos? Satisfatórios?

— O teu demasiado apego a fatos de pouca importância e teu ressentimento supérfluo em um momento como este dá pistas do porquê de nosso pai e nossos irmãos não o terem eleito como sucessor! És vexatório, vexatório em ações e em juízo!

— Tu, que te julgas tão racional, estiveste aqui, esta noite, a render-te a uma mulher desconhecida, demonstrando que em nada és superior a mim! Tuas ações derrotam qualquer coisa que tu possas dizer!

— Se intentavas ferir-me através da constatação de minha própria indignidade, perdeu seu tempo. Se matar um homem é um ato impiedoso, e eu os matei hoje aos punhados, ceder à sedução da filha de um inimigo é um mero detalhe irrelevante!

— Forças a indiferença, mas falhas até nisso! Bem sei o que significou para ti esta derrota…! Infiel…! Animalesco! Bestial! São estas as palavras que guardas consigo em teu coração neste exato momento!

— Décadas não te livraram desse hábito execrável de competir comigo e os anos escoaram por tuas mãos como se não tivesses sido obrigado a amadurecer! És irritante, cale-se!

— O que elas pensariam de ti se pudessem vê-lo hoje?

— Elas diriam: “o dia está para amanhecer, esconda-se!”

— Errado! Elas diriam que tu és um traidor, um pária, um abutre sem escrúpulos! Diriam que os anos que conviveste com elas foram inúteis, que nada fizeram para aplacar tua natureza promíscua! És como todos nós, carregas os mesmos vícios de comportamento, as mesmas prioridades, a mesma frivolidade! Não entendo por que te julgas tão superior a todos nós, se o que te beneficiou em nossa hierarquia foi apenas a diferença de idade, tua posição na linha de sucessão da família!

 

George o largou de volta ao chão. Vince, aproveitando a ocasião, começou a se recompor e cobrir novamente sua nudez.

 

— Antes de ti, ela enlouquecia em meus braços! Duvidas?

 

Ele tentou puxar Angela pelo braço, mas ela o rejeitou. Furioso, ele tentou agredi-la no rosto, mas a filha do caçador se defendeu, cobrindo-se a tempo. Contrariado, avançou novamente para cima do irmão.

 

— Terei que matá-lo para que coisas assim parem de acontecer?

 

O silêncio que se fez em seguida a esta pergunta só foi interrompido pelo choro de Angela, que lastimava os antebraços roxos.

 

— Mesmo enfraquecido, mesmo vítima daquele punhal cujo efeito desconhecemos, é a ti que elas preferem? Como posso explicar um fenômeno tão estúpido? Nada és agora, perto de mim!

— Minhas forças podem ter sido subtraídas, como é de teu conhecimento; no entanto, tu és fraco de temperamento, eu não sou. Mas reconheço que foste competente em me irrogar tamanha humilhação, e eu não deixo passar coisas assim.

— Eu sabia! Eu te disse, então assumes…!

— Não me refiro a esta isca que me empurraste hoje, mas à consciência de que não pude defender nenhuma das minhas preciosas concubinas.

— Nada podes fazer, Vince! Antes, hoje, que importa?! Nem por ti mesmo, nem pelos nossos irmãos, aos quais me imporei à força! Graças ao teu plano estúpido, todos eles estão aqui, na palma da minha mão!

Sem nada anunciar, Vince avançou em cima de George, mas ele foi rápido em reagir. Com um golpe na nuca e um chute no ventre, o vampiro o fez cair metros adiante, imóvel. Por fim, George deu meia volta na direção de Angela. Era chegado o momento de a caçadora sentir toda a ira do ultrajado irmão de Vince.

 

Angela recuou no rumo de uma das muitas colunas de arco que ornamentavam aquela sacada, exatamente aquela onde, horas antes, exercia sua sedução à distância. George agarrou seus cabelos, na direção da nuca, e forçou um beijo. Ela, numa reação automática, virou o rosto, desprezando-o.

 

— Não quero!

— O que há consigo? – bradou o vampiro, arrastando-a para perto do irmão, de modo que Vince pudesse vê-los – Por que não me beijas como fazias há um quarto de hora? Ou tens medo de saber o que teu novo amante pensa a respeito de nós?

— Pare com isso! – ela implorou, após receber vários bofetes – Deixe-me!

— Insolente! Insolentes, vocês todas! Agem desdenhosamente como se pudessem escolher! Como se tivessem autoridade! Força! Poder! Vontade! Olhe bem para este ser imundo derrotado sob meus pés – George novamente pisou na ferida do irmão – Veja como é fraco, e não traz consigo a robustez de um homem de verdade! E esta insultante fisionomia afeminada! Como alguém pode cogitar dirigir a palavra a uma criatura tão desprezível se estivermos eu e ele no mesmo recinto?

— Oh! Sim…! És mais forte, mais atrativo e mais viril…! – adulou Angela, apenas para se safar.

— Então, por que disseste aquela insanidade?

— Eu só queria envaidecê-lo, para que ele não se sentisse diminuído…! Foi só por isso!…

— Então diga! Diga isto frente a frente com ele! Diga!!

— Está me machucando! Ai!!

— Fale para ele o quanto sou superior!

— És em tudo superior a ele, já o disse, agora solte-me!

— E prometes que nunca mais falarás tamanho desagrado!

— Ai! Eu prometo! Eu prometo!! Pare! Aiaiaiiii!

— Abaixe-se! – George ordenou, empurrando-a de cara para o chão, de modo que suas ancas se projetassem para cima.

— O que você vai fazer?

— Mostrar “o quanto sou superior”! – ele respondeu, enrolando a saia dela na mão.

— N-não! Espere! Não faça isso!

 

Em meio segundo, Angela rolou até sair daquela posição e ficou deitada de costas para o chão, o peito para cima. Com os pés, aplicou diversos chutes no vampiro, que soltou sua saia e tentou agarrar seus tornozelos sem sucesso. Como Vince já ensaiava para se levantar de novo, ela imediatamente correu para trás dele, protegendo-se:

 

— Ajude-me, por amor de Deus!

— Não se atreva a falar este nome perto de mim novamente – Vince ordenou, quase sussurrando.

— Novamente, te interpões entre mim e minhas conquistas! É maior o teu gozo quando tu roubas aquilo que sabes me pertencer?

— Pare de choramingar! Não tenho interesse nenhum nesta mulher, e tu o sabes melhor do que ninguém! – Vince retorquiu, entredentes.

— Se ela não o interessa, mande-a a mim agora!

— Se tu estivesses disposto a matar a filha de Karl Lee Rush para vingar nosso pai, e não apenas satisfazer tua fome lúbrica, eu lha entregaria com gosto! Mas não tens maturidade para compreender o quão precioso é o nosso tempo a contar deste segundo! Portanto, cabe a mim, um adulto, pôr fim a isto!

 

Vince se voltou para Angela e tanto ela quanto George compreenderam que o vampiro tinha intenções assassinas.

 

— Não admito! – George se colocou entre os dois – Não a matarás, não sem que eu a faça mulher em meus braços novamente e a faça erguer a voz em defesa de minha virilidade! Em nada me vences, para que me saias a distribuir ordens!

— Nada tens que dever a uma criança inconsequente! Saia do caminho!

— Eu odeio…! Odeio quando falas com esta superioridade!… – rosnou George.

— Imprestável!

 

Vince pretendia esbofetear o irmão mais novo, mas acabou tendo a mão detida por um fechamento implacável de dedos. George se aproveitou daquela proximidade para lhe tomar o pescoço com um mata-leão.

 

— Imaturo! Falho! Miserável! – Vince cuspia essas palavras às faces do irmão, enquanto tentava deter aquele estrangulamento irresistível do qual era impossível se defender.

— Efeminado! Besta sentimental e corrupta! O que podes fazer contra mim? Responda!! Onde estão teus poderes? Nestas mãos enfraquecidas? Nestas pernas que estremecem e perdem o governo de si mesmas? Neste histórico de incompetência e derrota que é tua vida afetiva? Ah, Vince! Tu, que eras mestre na conquista, te apegaste à estabilidade, esta coisa a qual tu bem sabes que os imortais nunca tiveram direito! Que decepção me trouxeste – apaixonado! Patético! Patético! Quem eras tu para criticar Arthur, o virgem? No fundo, sei que apreciavas o romancezinho dele com a maldita caçadora Helena Lee Rush! E, quando ele ia à metrópole e trazia novidades mencionando-a com aquela insistência irritante, não me venha dizer que nunca percebeste a paixão que havia na entonação daquelas palavras emocionadas! Tu conhecias o coração de nosso mensageiro, e secretamente o estimavas, por identificação!

— Perdeste completamente o juízo! Vê bem do que me acusas! Se tu tens algum desprezo por Arthur, saiba que revezamos do mesmo sentimento!

— És tão fraco quanto ele! E posso provar!

 

Angela, acreditando que George estava plenamente distraído, investiu numa segunda tentativa de se despedir daquela cena. Mais uma vez, ouviu o rugir daquela voz estrondosa:

 

— FIQUE AÍ! ÉS MINHA CAÇA, NÃO IRÁS FUGIR!

 

Chorando de soluçar, ela caiu de joelhos e se balançava para a frente e para trás, sem se preocupar em esconder seu desespero. Estava entre dois extremos: um daqueles irmãos pretendia matá-la; o outro, violentá-la até provavelmente ela morrer também. Aliás, tendo George pressionado o irmão até ele perder a consciência, tudo indicava que o seu futuro certo era a violação.

 

— Diga, mulher!

— Hã?...

— Olhe bem para mim! Veja! Veja como este traste amolece em minhas mãos! Veja como se rende a mim, como desfalece ante a menor demonstração de força! Vês quem aqui é o inútil?

— S-sim! És forte! Fabuloso! Subjugas o mestre de teu clã como um Zeus, és indomável! Ninguém pode contra ti!

— Eu sou o mais poderoso! Eu sou o maior! Eu sou o líder! Eu sou o mestre!

— Sim! Sim! Sim! – Angela concordava freneticamente, as mãos unidas como em oração, os olhos lacrimosos, o semblante fanático e um sorriso ensandecido no rosto. Não sentia verdade em uma vírgula do que dizia, mas desejava sair dali com vida e, naquele momento, esse ato de exacerbada adoração parecia a melhor escolha.

— Eu sou o único… o único líder… o único homem…!

 

Angela quase conseguiu anuir mais esta observação, mas a partir de um certo momento ficou tão chocada que não conseguiu mais dizer coisa alguma. Debruçando o irmão desacordado na mesma posição em que deixou Angela antes, George rapidamente o desembaraçou das roupas de baixo e passou a sodomizá-lo.

 

— É este o teu homem, aquele de quem disseste coisas gloriosas? É este aquele a quem apontaste como insuperável? Este pederasta? Veja isto!… Olhe bem de perto!… Como é fácil humilhá-lo!

 

A cena era tão terrível que Angela, a exemplo do que aconteceu com Helena mais cedo, dispensou abaixo tudo o que havia de líquido guardado. Ignorando o medo que provocava e, se duvidar, extraindo até um prazer extra dele, George movia-se veloz e furiosamente, como se descontasse naquele corpo inerte a ira de toda uma existência. Os longos cabelos negros de Vince serviam-lhe de arreio, como as cordas de um cavalo encabrestado.

 

— Aproxime-se – George convidou, ao que Angela hesitou – VENHA, ESTOU MANDANDO! – ordenou energicamente, e aí sim ela o obedeceu, arrastando-se envergonhada pela própria urina. – Veja isto…! É este… o rosto de um derrotado! É a isto que te entregavas e dizias: “És o melhor! O mais competente! Encontra-se acima de todos, no mais elevado patamar”… Ainda pensas a mesma coisa?

 

Aterrada, a filha de Karl Lee Rush estava imóvel. Convocada aos gritos a emitir uma opinião, ela fez que “não” com a cabeça, e não conseguiu fazer nada além, a não ser chorar de pavor. George, narrando minuciosamente os pormenores de seu prazer, relatando principalmente os séculos de dissabores e ordens esdrúxulas que o levaram àquela rebelião extrema, determinava de tempos em tempos que Angela dissesse algo que diminuísse a honra e pusesse em dúvida a masculinidade do irmão dominado, numa comparação que não exigia o mínimo de sua opinião sincera. Às vezes, ela poderia pensar se não estava sendo má com sua prima Helena, mas aquilo era um patamar de bestialidade tão acima do dela que ela se sentiu nauseada a ponto de vomitar. Perdida quanto ao que fazer e mais ainda quanto ao que estava ouvindo, duvidou de sua própria sanidade ao vê-lo repetir:

 

— A tua autoridade…! Sente ela aqui, entrando e saindo! Uma criança faria isto? Hein? Hein? Hã? Tu não eras o mestre, o grandioso líder? O que fazes aí, deitado? Reaja! Imponha-te!

 

Minutos daquela agitação despertaram novamente o corpo massacrado do vampiro-líder, que primeiro expressou sua dor fechando uma das mãos, depois apoiando a palma da mão aberta no chão para tentar se levantar. George forçou seu ombro ferido para baixo, provocando uma dor tão extrema que não causou outra coisa, senão a obediência imediata e um grito contrariado de dor e derrota.

 

— Olhe para ela – George provocou – A filha de teu maior inimigo, incólume! Eis o resultado de tua ordem! É esta a submissão que te dedico, meu caro líder! Veja: a filha de Karl Lee Rush, o inimigo maior de teu pai, intacta!

— Seu maldito bastardo!! Solte-me, é uma ordem!

— Acho que você ainda não entendeu sua posição aqui – George ajustou o quadril que o irmão tentou escorregar de seu alcance para cima de novo. Para puni-lo, o penetrou com ainda mais violência. – Olhe para ela viva enquanto eu me satisfaço! Agora sou eu quem dá as ordens!

— Maldito…! Maldito!! Tu és menos que nada!… Nada… irá… mudar… isto!

— Estás sentindo? Sinta! Sinta minha superioridade! Sinta a tua impotência! Sinta tudo isto! Minha rigidez invadindo teu corpo como se tu fosses minha mulher! Tu nada mais és do que a minha concubina hoje! És minha Emma… isso! Emma…! Ou devo chamá-lo de Anna? Oh, Anna! Anna sim, pelos cabelos negros!

— Não!! Eu vou acabar com você! EU VOU ACABAR COM VOCÊ!! Pare! Pare com isto, seu verme!

— Mulher, mulher sim! Não aprecias a palavra? Caçadora! Isca caçadora! Venha aqui e repita agora tudo aquilo que disse, uma vez que ele despertou novamente!

 

Diante da hesitação de Angela, mais uma vez ele rugiu:

 

— VENHA!!

— Solte-me!! Já disse para me soltar! Por acaso não sabes quem és? Quem eu sou?

— I...Incapaz! Vil! Insuficiente! Insatisfatório! – Angela gritava, enxugando as lágrimas apavoradas.

— Mais…! É pouco! Ponha força nestes insultos!

— É… és desprezível! Em tudo o que há em teu corpo, n-nada me atrai!

— Exceleeeeente! E a quem preferes? A quem preferes?

— A ti…

— FALE, VADIA!

— A ti!!! A ti, somente a ti!! Ele não é nada! Nada!!!

— Ainda te porás outra vez a elogiar este afeminado?

— NÃO!!! NÃO, não, de forma alguma…!

— Aproxime-se!

— Calado! Maldito, como te atreves?! Diante desta mulher… é repugnante!

— Não! Não, por favor, não!…

— Tu ainda não viste nada, querido irmão!

— Pare com isso imediatamente! Sou teu mestre, obedeça-me!

— Venha, isca dos Lee Rushs, olhe bem aqui…

 

George a convidou a ver bem de perto a cópula entre ele e o irmão. Apesar de Vince se debater e protestar com palavras de autoridade, desprezo e resistência, seu novo corpo era fraco demais para resistir. Como Angela tentasse ficar a uma distância de um braço deles, George a puxou primeiro pela mão, e depois pelo cabelo, para forçar sua aproximação.

 

— Ahaahaiiiii…! Aih! – ela gemeu, em protesto ao grande tufo ruivo puxado. Sem poder ignorar a ordem, olhou para onde ele pediu.

— Testemunhe este momento…! Veja…

 

O que ele expôs precisamente foi o exato momento em que preencheu a retaguarda do irmão com todo o seu gozo. Vince só foi libertado quando George se certificou de que não deixou cair fora uma gota de seu sêmen. Ele encerrou o coito com uma empurrada potente que fez o prisioneiro sentir cada centímetro de sua ereção. Desfeito o contato, soltou o irmão, que caiu no chão de uma vez, sem forças. Antes que ele pudesse esboçar qualquer tentativa de levantar sozinho, George o puxou mais uma vez pelos cabelos. Ergueu seu rosto, forçando-o a encarar a filha do caçador que tanto odiava.

 

— A filha do caçador que coordenou o assassínio de teu estimado pai. Linda, não é?

 

Vince virou o rosto, de repúdio.

 

— E tu – ele forçou novamente o queixo de Vince na direção de Angela e a chamou – Olhe bem para ele. É o rosto do assassino de teu pai e de teu irmão.

 

Angela olhou para Vince e para George com espanto e terror, num ceticismo relutante de quem esperava que qualquer um dos dois desmentisse a afirmação, nem que fosse por caridade.

 

— Não!

— Tu te divertiste muito com ele, não foi?

— NÃO, NÃO, NÃO!!!

— É verdade! – ele riu com gosto – É tudo verdade! Elogiaste o desempenho justamente daquele que te subtraiu aqueles que tu mais estimavas!

 

Angela gritou com todas as forças. Ia se levantando para correr, mas teve o braço agarrado pelo vampiro, que a forçou a se sentar de novo no chão.

 

— Ainda não disse que tu poderias ir embora! Você o odeia, ele a odeia! Seria interessante assistir vocês dois, agora que estão absolutamente cientes de quem são e do que fizeram!

 

A filha de Karl pranteava escandalosamente e cruzava os braços diante do peito como se tentasse se proteger. Vince tentava se soltar dos braços do irmão, sem sucesso, com os cabelos espessos cobrindo boa parte de seu belo rosto envergonhado. Se Angela tivesse mergulhado num pântano, não se sentiria tão suja. Gostaria de arrancar do corpo cada segundo do prazer que teve com Vince, aliás, do prazer que teve com eles todos! Maldito Bertrand, que a assaltou de sua simplicidade e apresentou seu corpo ao vício e à danação! Maldito George, este sádico que arrancou sua virgindade, privando-a definitivamente de refazer a vida quando saísse daquela situação absurda, se é que sairia! E maldito seja esse Vince que, sendo assassino de quem quer quer que fosse, submetido a qualquer coisa, seguia com aquela beleza arrebatadora e aquela altivez…! Em relação aos outros, poderia estar meramente atraída, mas a este, ela tinha certeza absoluta que amava! E era disso que queria fugir, deste sentimento invasivo e impertinente que escanteava mais uma vez para um limbo insignificante a visão sagrada, grata e conveniente que tinha do dedicado Vincent! Ela não poderia se permitir! Pelo seu pai e pelo seu irmão, ela não poderia se atrever!…

 

— Beije-o, já disse! – George ordenou, em mais uma de suas tentativas de humilhar o irmão, arrancando-a de seu devaneio.

 

E Angela, consciente do que aquele ato significava para Vince, consciente do que aquele ato secretamente representava para ela mesma, obedeceu.

 

A aproximação da caçadora começou tímida. Segurando o rosto do vampiro e afastando os cabelos que ele tinha por cima dos olhos, encostou seus lábios nos dele muito superficialmente. A criatura secular virou o rosto e baixou a cabeça, não por timidez, mas por ojeriza. Rilhou os dentes e sibilou, numa legítima demonstração de impotência semelhante à de Arthur, quando foi abordado por Helena em seu primeiro contato com a isca. Vince recolheu um pouco as pernas junto ao corpo para criar uma barreira entre os dois, mas logo desistiu da ideia ao tomar consciência de sua quase imobilidade – George realmente acabou com ele. Tentou recuar, mas o irmão mais novo, ainda agarrando seus cabelos pela nuca, o imobilizou e sinalizou para Angela continuar, enquanto segurava seus braços ora para baixo, ora para trás, de acordo com sua resistência.

 

— Pensei que tu gostasses de ser o alvo favorito do apreço feminino – George provocou. – Estou te dando a oportunidade calar a boca da tua forma favorita e é assim que me agradeces?

— Como eu o odeio!… Pelo que tu fazes, sim; mas, muito mais, pelo que tu pensas! És essencialmente estúpido e mesquinho!

— O que está esperando, filha de Karl Lee Rush?

— Perdeste completamente o respeito por teu pai e cada um de seus representantes! Tu bem sabes quem ela é e tudo o que representa!

— Sei, é claro que sei – George assentia, com um sorriso insano – E é por isso que tem que ser ela!

 

A impossibilidade de reagir redobrou a ira do indignado vampiro:

 

— Um ultraje! É o cúmulo! Isso extrapola todos os limites de…! – Angela simplesmente não permitiu que ele continuasse.

 

Como boa aluna que era, repetiu no irmão mais velho de Bertrand tudo o que havia aprendido com ele, assaltando-lhe a boca, molhando-a, excitando-a, mordendo-a, acarinhando-a com os lábios e a língua, numa invasão sedutora que minaria o juízo de qualquer homem que tivesse o mínimo de sangue nas veias. Mas tamanho era o orgulho do líder Seingalt que ele se deslocava, indomável, da mesma forma que lutou por sua honra até o último segundo de violação. Em um dado momento parou de resistir, não por inclinação à ideia de ceder seus lábios à filha de seu arqui-inimigo, mas porque o dano generalizado do duelo contra os caçadores somado ao coito incestuoso o inviabilizaram por completo. Sua mão, que em vão tentava afastar a filha do caçador, escorregou pesada ao longo do corpo, impotente. Angela, esquecendo-se de todo o contexto em torno daquela cena, o envolveu nos braços de uma forma que lembrava em tudo a posição invertida que originalmente seria a de um homem beijando uma donzela. Isto definitivamente não agradou George, que sentiu nova excitação raivosa dominá-lo. Acreditando que o irmão a correspondia, George arrancou Vince de Angela com a seguinte exclamação:

 

— Basta!

 

Angela, colocando a mão enluvada diante da boca, arregalou os olhos, pois não estava gostando daquele termo e daquele ato. Ela se deu conta de que seus pressentimentos estavam corretos quando ele começou a falar:

 

— Vincett! Já tiveste tudo de minha generosidade, caro irmão, e teu tempo se estendeu desnecessariamente enquanto durou toda a minha vontade de arruiná-lo, sob meu jugo e potência! Agora que já tenho o efeito desejado sobre teu espírito, posso acabar também com o que restou de tua miséria, esta carcaça violada que certamente abominas agora! E, no inferno onde estiveres, tu te lembrarás de que teu corpo me pertenceu na mesma noite em que te fiz beijar a primogênita de teu maior inimigo! Não me ocorre mais nada com que eu possa desonrá-lo! É o teu fim!

 

Finalizado este anúncio, George avançou sobre Vince, tentando agarrá-lo pelo pescoço com clara intenção de provocar um estrangulamento. Vincett se desviou de sua investida não por habilidade, mas por sobrevivência, pontuando com um ou outro gemido entrecortado cada colisão com uma parte dolorida de seu corpo. Como ainda tinha as calças baixas após a violação, tropeçou ao engatinhar, e seus cabelos compridos também foram um inimigo que se colocaram abaixo das palmas de suas mãos ou de seus cotovelos, comprometendo sua movimentação quando tentou ganhar distância. George o tomou por um dos braços, coincidentemente o do mesmo lado cujo ombro sofreu uma perfuração, e o jogou no chão de costas. Vince tentou sem sucesso esconder o quanto aquilo o torturara. Ele tentou se distanciar, recuando com a ajuda das pernas, mas George se lançou sobre ele e, mesmo sendo empurrado com vigor, ele ainda era mais forte, pois tinha domínio completo de seus poderes.

 

— Despeça-se deste mundo! – rugiu George, com uma expressão alucinada que Vince nem em seus piores pesadelos sonharia ver.

 

Ainda assim, arrogante o suficiente para não admitir a derrota, ele provocou, enquanto as mãos do irmão ganhavam espaço naquela luta:

 

— Nada vai mudar o que és! Oportunista imundo! Em condições normais, tu nunca te atreverias a me enfrentar, pois terias um adversário invencível diante de ti!

— Efeminado! Tu te lembras de como eras chamado por todos? “Viginti”! Aquele cuja fisionomia nunca excedeu os vinte anos! Aquele que, mesmo sendo o mais velho entre nós todos, a idade-limite nunca permitiu conhecer o crescimento de um bigode! Mulherzinha! Mesmo teu fidelíssimo Charles se pegava a rir deste apelido às vezes!

 

(George se refere ao processo de maturidade dos vampiros. Idade-limite seria o momento em que uma pessoa nascida vampira cessaria o envelhecimento).

 

— Charles está morto! Como, aliás, estarão o restante dos teus irmãos todos se continuares me ocupando com tuas reclamações sem importância!

— Não te preocupes, Viginti!! Não precisarás ouvi-las, nunca mais!

 

George esticou o braço e pegou ao lado dele a faca que Angela trazia consigo e que, minutos antes, Vince havia tomado dela, antes de também perdê-la de vista em meio a toda aquela movimentação do duelo. Seu braço desceu com tudo, intentando assassinar o irmão com uma punhalada no peito, mas Vince foi exato em aparar a lâmina com as duas mãos no meio do percurso.

 

Enquanto observava os dois e prestava melhor atenção ao que eles diziam, Angela não conseguiu evitar a identificação que tinha com as queixas de George. Antes de sabê-la desonrada, vulgar e disponível, todos os homens encostavam-se uns nos outros durante as reuniões na estalagem perguntando de quem Helena, aquela linda jovem de longos cabelos negros e olhos de águas marinhas, seria filha, e a quem teriam que se dirigir para pedir sua mão, quando ela pararia de servir mesas para dançar com um deles e comentários similares. Por mais que ela, Angela, se adornasse de rendas, chapéus, luvas, meias de seda, babados e frufrus, era Helena, com seu vestido de saia única, com seu corpo naturalmente magro que dispensava espartilhos, com aqueles seios quase inexistentes, com aquela altura módica de criança, que chamava a atenção dos mais belos cavalheiros. Esse ressentimento que cresceu e explodiu especialmente quando ela percebeu o interesse de Richard van Gloire pela prima bastarda, deveria torná-la quase uma irmã de alma de George. Mas agora, diante daquele líder dos Seingalts, ela conseguia absorver um pouco do impacto que alguém realmente belo provocava nas pessoas em volta. Diante dele, conseguia perdoar cada um dos homens que valorizaram a estética de Helena em detrimento de sua virtude, pois agora os compreendia. Vince e Helena, que, igualmente altivos, também não se deixavam humilhar, a impressionavam também por essa semelhança. Seria esse, afinal, o segredo da conquista? Essa autoconfiança fundamentada em coisa alguma, esse direito que se davam à indiferença, ao menosprezo do alheio, esse fazer pouco de qualquer ofensa, esse estoicismo irritante de quem age com os outros como se dissesse permanentemente: faze tudo, e mesmo assim em nada me abalas? Era isso que arrebatava todos em volta, para além de tudo o que a natureza já havia lhes dado de privilégio? Ou era justamente a beleza que lhes conferia esse caráter arrogante e vitorioso?

 

Vince, mesmo sem nenhuma chance, enfrentava aquele monstro por cima dele com a firmeza de um igual. Não enfraquecera, sequer desperdiçara uma gota de lágrima, como se um trauma como a violação fosse um acontecimento corriqueiro. Talvez o fosse, afinal. Ela realmente não se importava. A virtude, a castidade, o comedimento e a reserva eram juízos de valor de um passado muito distante. Ela, que se banhou no mar das impurezas, não queria mais saber de retornar às águas límpidas e serenas. Em seu coração, independente do resultado daquele duelo, ele já tinha um vencedor, e era aquele jovem valente que segurava uma lâmina assassina mesmo sacrificando a integridade de todos os dedos.

 

— Por que insistes em viver? – George questionava, intrigado e muito ofendido com a costumaz indiferença de Vincett – Eu já não te tirei tudo? Tudo aquilo a que te apegavas, tudo aquilo que tu consideravas importante, eu não consegui eliminar? Violei e entreguei à morte aquelas mulheres a quem estimavas! Pus nas mãos do inimigo, praticamente, a adaga que extirpou teus poderes! Desobedeci tua ordem de matar a filha do caçador, gozei com teu corpo, o que mais esperas que eu faça? O que devo fazer para destroçá-lo? Pare de me encarar com essa superioridade aviltante!

— Ouça bem o que vou te dizer, e atribua a estas palavras o significado que bem entender – Vince respondeu, rilhando os dentes de ódio – Tu não tens os atributos necessários para me derrotar!

— Veremos! – insistiu o vampiro furioso, arrancando a faca das mãos de Vince e baixando-a violentamente para um novo golpe. Mais uma vez, Vince conteve a faca, mantendo para cima as mãos agressoras do irmão homicida – Já sei o que fazer…! É a este rosto que elas tanto gostam, que eu devo destruir? É precisamente isto que te afetará? É ele que te envaidece a ponto de ignorares a posição em que te encontras? Pois o destruirei! Eu acabarei contigo, de um jeito ou de outro!

 

Angela, encolhida em um canto e tentando parecer invisível, cobriu os ouvidos. Os ruídos da luta eram realmente assustadores, e a cada momento parecia que um ou outro estava levando vantagem. Mais uma vez, ela se rendeu à falta de atitude que usou na luta entre os Lee Rushs e o vampiro Bertrand. Era exigir muito de seu caráter que ela tomasse partido de qualquer um dos dois. Sua cabeça novamente repetiu aqueles cálculos de sobrevivência sobre o que ela faria se um ou outro lado vencesse. Por algum motivo desconhecido que só a paixão explica, ela guardava alguma convicção de que Vince derrotar o irmão era menos pior, talvez porque em seu íntimo ela achasse mais misericordioso ser assassinada imediatamente do que ser torturada no processo.

 

— Pare! Pare de resistir! É inútil! – George gritava ao aproximar a lâmina mais e mais do rosto do irmão, e realmente estava a poucos centímetros de atingi-lo.

 

Como suas mãos estavam muito feridas, Vince se viu em grande apuro quando o sangue começou a gotejar por todo o seu rosto, obstruindo a visão. O braço anteriormente golpeado pela lança de ferro também latejava de dor, e sua resistência se esvaía a cada segundo. Incapaz de continuar resistindo, mudou de estratégia: em vez de pressionar a mão de George para cima, para evitar que a lâmina o atingisse, ele a empurrou para o lado, criando uma abertura para se esquivar. Um centímetro para o lado e tudo daria errado, mas ele foi bem sucedido ao escapar pelo menos deste ataque, e a lâmina que atingiria seu rosto cravou um pouco de seu cabelo no chão, mas não passou disso. George levantou a faca com a intenção de atacá-lo novamente, mas, desta vez, Vince ficou decidido não apenas a se defender, como tomar a arma para si. Na batalha pela posse dela, ele simplesmente inverteu a posição da lâmina, contorcendo o pulso do irmão de forma muito dolorosa.

 

— Isto não vai funcionar! – George tentou comentar qualquer coisa para desanimar o irmão, pois aquilo definitivamente o preocupara.

 

Em vez de alertá-lo sobre o que faria ou o que iria ou não funcionar, Vince se contentou em usar os joelhos para empurrar a perna de George para trás, causando a perda de sua sustentação e, consequentemente, sua projeção total para a frente. Com isto, o irmão que atacava tornou-se a vítima maior de seu mais engenhoso artifício: não tendo tempo de se apoiar e se defender daquele espeto para o alto, George caiu por cima da faca mais ou menos nos moldes do que aconteceu com Alfred alguns duelos antes, na mira da seta que Sean tinha nas mãos, mas pelo grito que ele deu, era certo que não havia sido atingido em um ponto vital. Angela destampou os ouvidos acreditando que a vítima do ataque era Vince, mas, em vez disso, aquele ressurgiu de baixo do irmão, empurrando-o de cima dele com muita impaciência.

 

— O MEU ROSTO!! O MEU ROSTO!! – George gritou, desesperado, rolando para o lado e apalpando o corte que pegava profundamente o seu queixo e ia suavizando conforme subia no rumo da bochecha direita. – NÃO!! NÃO, ISTO NÃO!! OLHA O QUE VOCÊ FEZ! MALDITO, OLHA O QUE VOCÊ FEZ!!!

 

Vince esfregou os olhos e piscou algumas vezes para entender o que tinha acontecido e, contrariado, percebeu que falhara em sua tentativa de matar o irmão. Mas, astuto, também se deu conta de que a lâmina havia sido imprudentemente solta no chão, afinal, George estava chocado demais para raciocinar com clareza. Quando se lançou ao chão com o intuito de tomar a faca que estava muito mais próxima do irmão do que dele, já calculando o próximo ataque do inimigo, Vince não imaginou que ela não seria mais necessária. Estranhou ouvir um grito tenebroso vindo de George, mas creditou isso à dor de ter o seu belo rosto desfigurado. Mas, ao olhar para ele, notou que algo bem diferente estava acontecendo.

 

Da ferida que a faca produziu, uma quantidade desproporcional de sangue começou a jorrar e, em poucos segundos, a borbulhar e estourar para fora como se fosse uma mistura fervendo. Boquiaberto, Vince examinou a faca em sua mão acreditando por um momento que portava um item mágico, mas não, era realmente uma faca de cozinha comum. George estendeu a mão na direção dele, primeiro, como se pedisse ajuda, depois, tentando agarrá-lo para atingi-lo também com o que quer que estivesse acontecendo com ele. Nesse momento, seus olhos simplesmente explodiram e saltaram das órbitas, e sangue começou a escorrer de sua boca como se ele estivesse ferido por dentro. Vince tropeçou ao recuar exageradamente para evitar esse contato. A pele de George também começou a produzir nódoas que se transformaram em bolhas purulentas que espocaram em poucos milésimos de segundos, e toda essa sucessão de acontecimentos terríveis era acompanhada pelo grito da vítima que, assim como sua pele, seus cabelos que iam se soltando do couro cabeludo, seu rosto que fervia até se transformar em cinzas, suas roupas que queimavam, ia se liquefazendo. Ao soltar a faca no chão foi que Vince viu refletida nela a fina linha dourada de um horizonte que amanhecia. Nesse momento, ignorando toda as dores que tinha pelo corpo, ele tomou o cuidado de cobrir o rosto com as duas mãos e disparar para dentro. Do meio para o final do percurso, nem se ocupou mais em dar passos, literalmente se lançou para a parte interior do castelo, longe daquele corredor externo com sacada onde, afinal, Angela ficou sozinha a apreciar o espetáculo tétrico dos restos mortais de George pegando fogo enquanto ela dava os maiores gritos que sua garganta era capaz de produzir.

 

Mal se viu totalmente do lado de dentro, Vince rolou pelo chão e estapeou o próprio corpo como uma pessoa comum faria em caso de estar pegando fogo. Mas, para a sua surpresa, ele estava totalmente intacto, e a dor que ele tinha pela pele era apenas o resultado de seus muitos duelos e, agora, de sua luta para entrar – ele havia se ralado um bocado pelas pedras para fugir da luz. Talvez tivesse escapado porque ficou no chão enquanto George estava meio levantado. Nessa sua teoria, devido à sua posição, deitado, protegido por trás das sombras da mureta da sacada, o sol não atingiu em cheio sua pele como ocorreu ao irmão! Era um milagre! Um perfeito deus ex machina! Lançado ao chão, exausto, sorrindo de alívio, rindo de fato, ele tirou os cabelos de cima da cara, abriu a frente da blusa e acompanhou os movimentos de subida e descida do seu pálido e liso peitoral de adolescente. Sua mão desceu vagarosamente pelo abdome para medir a extensão de sua sorte, na qual ele ainda não acreditava. Quando tentou tocar nas pernas para medir suas feridas e sentiu que elas estavam nuas, uma sensação arrebatadora de desolamento tomou conta dele ao trazer recordações de sua desonra. Isso arrancou seu sorriso de imediato. Inspirando fundo, em um misto de tristeza e ira, ele agarrou o cós da calça e a puxou para cima de uma vez, não levando em consideração, talvez, que o volume de suas nádegas fosse atrapalhar o percurso que ele estimou que aconteceria. Esbravejou e gemeu de dor ao ter que subir o quadril para concretizar a ação com sucesso. Tentou se virar de lado para em seguida levantar, mas a dor causada pelo abuso era tanta que ele não conseguia se imaginar de pé. A movimentação fez cair de seu bolso aquele objeto tão conhecido pelos Seingalts: o oráculo. Quando virou a cabeça sonolenta molemente para o lado, Vince enxergou o objeto mas não atentou para o que ele representava logo de cara, e demorou uns dez segundos para que isso acontecesse. Assim que ele se deu conta, arregalou os olhos e levantou de um salto.

 

(…)

 

Após ver todo o corpo de George queimar, Angela tomou coragem para verificar o que teria acontecido a Vince. Quando chegou na parte interior do castelo, onde o vampiro havia estado há pouco mais do que alguns minutos, ela não o encontrou mais lá.

 

(…)

 

Sean acabou adormecendo, o que comprometeu sua vigília e fez o grupo todo perder a noção do tempo. Margarida foi a primeira a acordar dos três, e reclamava do peso que o garotinho fez em seu braço.

 

— Meu Deus, eu não sinto mais nada!…Ai, ai, ai…!

— Então, é verdade – disse o menino, decepcionado. – Não era um pesadelo.

 

Margarida abraçou sua cabeça e a beijou.

 

— Vai ficar tudo bem, querido. Sean! Sean, acorde!

— Ah, o que é, Constansia? Pare com isso…!

— Quem é Constansia?

— Hã? O quê?

— Sean, quem é Constansia?

— Uma artista muito habilidosa que conheci tempos atrás, por quê?

— Sean, em que contexto essa mulher te acordou?

— Ahn…

— Eu acho que já deve ter amanhecido, né? – observou o garoto.

— Olhe aqui, você não se meta em conversa de adulto! E pare de acobertar este malandro aqui!

— Eu não estou acobertando ninguém, eu só disse que deve ter amanhecido, e deve ter amanhecido mesmo!

— Huh! Bem se vê que eles já nascem prontos para encobrir as safadezas uns dos outros!

— Mas do que você está falando?

— Nada, ela é maluca!

— Ah, eu sou maluca?

— Psiiiu! Nada de barulho! Esqueceste de onde estamos?

 

Margarida fez sinal de que estava beijando a cruz duas vezes, como forma de dizer que prometia que não iria mais abrir a boca.

 

— Será que eles ainda estão aqui? – o menino perguntou, sussurrando.

— Claro que estão, é a casa deles – Sean respondeu, espichando o pescoço na esperança de escutar ou ver algo.

 

Foi malsucedido em ambos. O silêncio e o breu eram absolutos.

 

— Será que já amanheceu?

— Ah, não sei, eu acabei dormindo. Mas, enquanto estive acordado, a impressão é que se passaram horas!

— É melhor, então, a gente sair daqui – a criança sugeriu – Porque, se a gente demorar demais, eles podem acordar de novo!

— É uma observação sensata – Sean assentiu.

— Estou com tanto medo! – Margarida comentou, sem se mexer do lugar.

— Não tem jeito, teremos que enfrentar isso. Se for verdade sobre ter amanhecido, é grande a possibilidade de eles estarem dormindo ou terem sido queimados pelo sol!

— Nesse lugar tem muitos esconderijos, precisariam ser completos imbecis para ficar abaixo de uma claraboia ou diante de uma janela! – Margarida desdenhou de suas suposições.

— É, mas precisamos ser otimistas, para não dizer loucos – Sean tomou a frente, ajudando-a a se levantar – E eu estou morrendo de sede e de fome!

— E eu estou com dor pelo corpo todo! Que saudades da minha cama!

— E, por falar em dor, como está seu pescoço?

— Oh, é verdade – Margarida tateou a região para emitir algum diagnóstico – Deixe-me ver… Eu acho que está tudo bem!

— Verdade?

— É sério! Toque!

— Do que vocês estão falando?

— De um ferimento que um deles fez em Margarida. Ela quase se transformou, mas agora está tudo bem.

— Tudo graças a Helena – Margarida sorriu, emocionada.

— Sim, tudo graças a Helena – Sean assentiu, sobraçando-a.

—Helena, a isca caçadora?

—Como será que ela deve estar agora? – Margarida perguntou, olhando para o alto como se estivesse falando com o próprio Deus.

 

Sean, sem querer dar qualquer resposta, apenas inspirou fundo. O menino, sem cerimônias, respondeu:

 

—Ela deve ter morrido! O mestre Karl deu vários tiros nela, eu vi!

—Aquele filho de uma…!

—Margarida…! As notícias ruins chegam logo! Enquanto não tivermos notícias sobre Helena, ainda há alguma esperança de ela estar viva.

 

Mas já era tarde demais para ele falar qualquer coisa de consoladora, Margarida já estava chorando.

 

(…)

 

Angela andou por várias galerias em busca de uma saída. Cada lugar que parecia ser um acesso para fora ia dar, na verdade, em lugar algum. Era um padrão: os corredores eram luminosos e claros até certo ponto, depois estreitavam-se, dividiam-se e iam descambar na mais completa escuridão e, se muito insistisse (sim, ela teve coragem para isso) a pessoa ia dar de cara com um muro fechado no fim de cada via. Constatou estar em uma espécie de labirinto. Sedenta e sonolenta, ela se conformou em permanecer no mesmo lugar assim que reconheceu uma sacada parecida com aquela onde se encontrou com os irmãos Seingalts. Caminhou por aquele espaço aberto até cansar. Tudo era igual, e as portas que pareciam abertas de noite agora estavam todas trancadas. Ela não conseguia lembrar qual era a direção precisa do lugar onde esteve com George e Vincett. Exausta, sentou-se ao chão. Examinou as saias e pequenos pontos de sangue delatavam a sua indignidade. Montes de pano das próprias anáguas do vestido serviram para enxugar suas coxas e virilhas de todo o sangue e fluido que ali se concentravam. Puxou as meias de volta para cima, atou os laços do decote como pôde e tentou de todas as maneiras parecer apresentável. Muito suada pelo esforço de caminhar, prendeu os cabelos com um pedaço de pano que rasgou do próprio vestido. Olhou para o céu, e, diferente do alvorecer que se anunciava alaranjado, o dia alto agora parecia ter matizes de nuviosidade. Não conseguia ter a mais remota ideia de como faria para sair dali. De onde ela estava, o castelo escorria infinitamente para baixo, se encerrando numa floresta fechada cujas copas das árvores se encontravam tão distantes a ponto de parecerem pequenos selos postais. Diante dessa visão desanimadora, resolveu desligar desses problemas sem solução e se pôs a pensar no que havia sido aquela noite, e como ela impactaria no restante de sua vida.

 

Tocando nos lábios, conseguiu rememorar a última pessoa a tocar neles. Vince poderia ser mais jovem que ela em aparência, mas devia carregar um belo par de centenas de anos nas costas. Era o líder deles… e como era bonito! Por mais que ele a reconhecesse como a filha de seu maior inimigo e discursasse nesse sentido exaustivamente, Angela fantasiou que em algum momento ele correspondeu seu beijo. E, se não correspondeu seu beijo, pelo menos o seu corpo reagiu às suas carícias!

 

De início, ela queria apenas seduzir uma fera desvairada que ameaçava a sua integridade, mas conforme avançava sobre aquele corpo e sentia a frescura de sua pele, a beleza de seus traços, a dignidade de suas convicções, a tristeza e humanidade de seu passado, ela se pegou a pensar: que valioso! Que raro! Ele não era um mero animal como os outros. Vince certamente estaria entre aquele seleto grupo de homens que rejeitariam Helena.

 

Ah! Mas, de que importava esse nome agora? Vincett, essa criatura quase mítica que lhe escapara aos olhos, era seu objetivo final. Se seu pai e seu irmão foram eliminados simultaneamente, o que poderia ser isso, se não a mão da sorte sobre seu futuro? Aquele pai que avançou sobre sua prima com aquela expressão no rosto e aquele irmão que assistia a tudo isso com uma conivência silenciosa não deveriam ser pessoas cuja ausência ela lamentasse. Helena, que deveria estar morta e esquecida em algum canto daquele castelo imenso, com certeza também não era mais uma rival. Tudo o que ela precisava fazer agora era encontrar com aquele belo monstro e finalizar a conjunção inconcluída de mais cedo! Os dois estariam quites: ambos perderam suas famílias nas mãos um do outro, e agora poderiam se perdoar e recomeçar. Estava certa de seus talentos e igualmente certa de sua beleza: bastaria encontrá-lo, e o faria escravo do corpo dela assim como ela já era do dele!

 

Animada por estas ideias, ela, que já tinha se sentado ao chão desesperançosa de encontrar uma saída, voltou a procurar um acesso para a parte interior do castelo. Encontrou cerca de meia hora depois, quando de repente viu o vulto de uma pessoa caminhando no interior da edificação. De imediato, ela sabia que não poderia ser um dos vampiros, pois um pequeno feixe de luz adentrava aquela câmara e um vampiro real jamais caminharia por ali com aquela tranquilidade. Tentou se ocultar; sua família e seus antigos aliados eram, para ela, completos desconhecidos agora. Mas, diferente do que ela pensava, a tal pessoa a viu e perguntou, em um tom de voz desgastado e assustado:

 

— Helena? Ou é Angela, a filha de Karl Lee Rush?

 

Contrariada e já pensando no que seria de sua reputação se algum aliado seu tivesse sobrevivido e soubesse que ela estava ali voluntariamente, voltou atrás no seu plano de ficar para sempre em companhia do vampiro Vince e resolveu se manifestar:

 

— Alguém…! Finalmente, alguém!…

— Angela, venha comigo! Ajude-me a carregar o teu pai! Ele ainda está vivo!

 

Aquela notícia foi um golpe em seu coração. Estava preparada para ouvir dizer que Bernard, o seu manso e tolerante irmão, estava vivo; o pai mesmo, não.

 

— E Bernard…? O que aconteceu com ele? – ela perguntou, já sabendo a resposta que o próprio George antecipara horas antes.

 

O homem meneou a cabeça e disse:

 

— Nós temos que tirar o seu pai de perto dele.

 

O caçador em questão nada era mais do que aquele que informamos antes que fugiu quando Vince tomou uma lança de ferro e começou a dar cabo de um a um dos guerreiros que combatiam do lado dos mortais. Como Sean, Margarida e seu pequeno protegido, teve a mesma ideia que era uma estratégia padrão de enfrentamento de vampiros em situações drásticas: esconder-se durante toda a noite, esperar amanhecer e então ficar de frente para qualquer lugar claro, como uma claraboia, vitral, janela ou sacada. Ele explicava para a filha do líder dos caçadores como fez para escapar com vida, dizia que ela teria que preparar seu espírito para o que veria dali a pouco, mas Angela estava absorta demais com as lembranças satisfatórias do contato sexual com o líder dos Seingalts. Enquanto caminhava e sentia no corpo as dificuldades de cada passo, tinha impregnada na mente a imagem inesquecível daquele genital incomparável, forçando a mente para lembrar como era tê-lo por entre os lábios, como era tê-lo dentro do corpo. De fato, não escutava nada do que o outro dizia.

 

Não havia forma de ela ser poupada do que veria, uma vez que Karl, este homem que a buscou e a própria Angela (eles não sabiam sobre o menino que estava com os circenses) eram os únicos sobreviventes do verdadeiro massacre que foi aquele combate. Essa foi a conversa do caçador por todo o trajeto, e ele tinha um tom de voz fúnebre, traumatizado.

 

— Você precisa ser forte – foi a última coisa que ele disse antes de apresentar, com a palma da mão, a imagem miserável de Karl Lee Rush agarrado ao filho.

 

O mestre Karl tinha o rosto coberto de sangue, e seus braços e tórax estavam cobertos pelas vísceras de Bernard, que ele literalmente abraçava como se fosse o filho vivo. O homem que encontrou Angela tentava convencê-lo a ir embora dali, mas ele não queria.

 

— Veja, encontrei sua filha – ele insistia. – E o senhor precisa cuidar desse braço esmagado, antes que seja tarde demais.

— Eu não quero ir! Eu quero levar o meu filho comigo!

— Seu velho hipócrita! – Angela rugiu, entredentes, causando um choque que deixou o caçador que a encontrou boquiaberto – Tu mesmo apontaste tua arma para a testa dele duas vezes, e agora põe-te aí a lamentar! No que dependesse de ti, ele estaria morto antes!

 

Karl, perfeitamente racional, a despeito de tudo o que parecia antes, levantou-se de cima de Bernard e encarou a filha com uma indignação poderosa, assassina.

 

— Era para tu estares aí, e não ele!

— Antes fosse você, e não ele!

— Por que tens sangue nas saias, sua vadia?

— Porque me entreguei a dois deles, antes que tu mesmo cuidasses de me desonrar, como fez à Helena!

— SUA PUTA!!! Eu vou te matar!!

 

O velho pulou em cima da filha e ainda chegou a agarrar o pescoço dela com sua mão nojentamente ensanguentada, mas foi impedido de consumar sua intenção assassina pelo terceiro constituinte daquela cena, o caçador aleatório que não era parente de nenhum dos dois. Numa segunda tentativa dele de investir contra a filha, Angela o golpeou no braço machucado e ele rolou pelo chão, grunhindo e chorando o estrago.

 

— Tu és a minha vergonha! Tu és a minha vergonha! Bastarda! Vagabunda! Eu não tenho mais filha! EU NÃO TENHO MAIS FILHA! Vagabunda! Eu vou acabar com a tua raça, sua messalina!

— Senhor Lee Rush, por favor! Não podemos brigar agora!

— Saia da minha frente! – ele gritou, após se reerguer – Deixe-me matá-la! Eu não vou admitir tamanha vergonha e afronta!

 

Quanto mais o homem o segurava, mais forte ele gritava os insultos à filha:

 

— Puta! Puta! Mil vezes puta! Teu irmão morreu e teu pai quase foi morto por esses malditos do inferno! E tu me apareces aqui, desonrada, dizendo que te entregaste não apenas a um, mas a dois deles!?

— Senhor, por favor, não grite! O líder deles deve estar em algum lugar deste castelo! Pode ter mais deles por aí!

— Que vão aos diabos! Não temo nenhum deles! Meu filho é morto e minha filha é uma bisca! Que me importa qualquer coisa? Não tenho mais nada a perder!

— Não quero mais nada consigo, e nem com teu filho, que graças ao bom Deus morreu, antes de pegar a própria irmã e o pai no mesmo leito!

— Tu não sabes nem do que estás falando! Mentirosa! Insultas a teu pai para justificar tua vadiagem! Puta mentirosa!

— Enquanto teu filho estava lutando contra os vampiros sozinho, tu estavas a bulir com meu corpo, agarrando-me pelos seios como só um bom filho de Satanás faria, olhando-me com esses olhos cobiçosos de fera selvagem! Que tens tu a dever às feras do inferno? Nada! És um animal! Em vez de ajudar Bernard, estavas a querer saciar tua própria bestialidade!

— Como te entregaste a eles? Com quais deles você se esfregou? Eu os matarei, por honra do meu nome!

— Teu nome é lixo!… E eu o lançarei fora assim que o primeiro homem aparecer para me desposar, apenas para removê-lo do meu registro! Ou andarei por aí inominada, como órfã, mas nunca mais me apresentarei com este nome, que hoje considero maldito, muito mais maldito que o sobrenome Seingalt!

— Puta!! Tu não passas de hoje neste mundo!

— Antes morta do que submissa a ti!

— Eu vou te ensinar a respeitar o teu pai!

 

Mais uma vez, o guerreiro aliado dos Lee Rushs, esse sobrevivente de nome desconhecido, tentou ajudar Angela. A discussão esquentava enquanto a filha de Karl, desafiando o pai mas sempre se escondendo atrás desse personagem coadjuvante, avançava os degraus da escada principal do castelo cada vez mais para cima. O homem tentava refreá-la de dizer qualquer coisa e ao mesmo tempo deter o velho furioso, falhando em ambos. Num dado momento, no ápice das duas ações, ele tentou sinalizar para Angela parar de proferir suas provocações, e foi distraído por isso o suficiente para relaxar com a própria segurança. Resultado: Karl, puxando o aliado pelo braço, garantiu que ele se desequilibrasse e rolasse vinte degraus abaixo, quebrando o pescoço. Alguns espasmos finais entregaram a gravidade da situação, a vida que se extinguia. Angela, agora sozinha com o pai, estava completamente à sua mercê.

 

(…)

 

— Finalmente conseguimos enxergar uma luz ao fim do corredor! – vibrou o novo companheiro de Sean e Margarida, ao localizar um arremedo de luz vindo do que parecia ser a parede depois de outra esquina de parede.

— Eu não acho bom que acessemos lugares tão a fundo assim. Estamos migrando para a luz, é verdade; mas também podemos estar complicando ainda mais o nosso caminho para o lado de fora! – Sean ponderou.

— Você é um medroso! – o menino comentou, após um muxoxo.

— Um medroso que foi capaz de matar um vampiro!

— Quem o matou fui eu! Se ele fosse largado do jeito que você o deixou, facilmente se levantaria e atacaria de novo!

— Margarida, veja se eu posso com esse moleque!

 

Margarida, diferente dos dois, estava silenciosa e abatida. Sean se aproximou dela e, sobraçando-a, tentou trazer algum ânimo ao seu espírito com esses dizeres:

 

— Se Helena está longe daqueles parentes, só pode estar bem! Por isso, fique tranquila.

 

A moça não se deixou convencer, e enxugou uma lágrima que caiu fora de seus planos.

 

— Ânimo! Ela com certeza deve estar bem, eles devem estar juntos agora. Hein? – Sean insistiu, ao vê-la em silêncio.

 

Margarida deu um sorriso tímido e não muito convencido nem convincente, apenas para tranquilizá-lo. O clima enternecido que se formou entre eles foi quebrado pela observação do menino, que trouxe às suas narinas a constatação dessa coisa muito desagradável:

 

— Credo! Aqui está fedendo a queimado!

— Ugh! É verdade! – Margarida concordou, tapando o nariz.

— Se não tem fumaça, é porque o que estava queimando já acabou de queimar. Nesse caso, avante! – Sean convocou os dois.

 

Mais dois passos do pequeno, e ele tropeçou em alguma coisa e caiu, lamentando-se pelo joelho ralado.

 

— Você está bem? – Margarida correu até ele, esbaforida, acreditando que ele tivesse sido vítima de algum ataque.

— Estou, mas… o que é isso?

 

Sean e Margarida forçaram a vista para tentar reconhecer o objeto que ele tinha nas mãos, mas a claridade ainda era muito reduzida.

 

— Vá para a direção da luz – Sean sugeriu.

— Eu sei! – o menino respondeu, ansioso e malcriado, correndo para onde estava mais claro. – Ah, é um punhal! Parece com esse outro que eu já tenho! – ele concluiu, mostrando o objeto bem ao alto.

— O que será que queimou aqui? – Sean questionou, muito incomodado. – Que cheiro horrível!

— Vamos sair daqui! – Margarida puxou o amigo pela manga da camisa e eles dois chegaram mais perto do garoto com a arma lendária.

 

O leitor mais atento deve ter percebido que eles estão precisamente no mesmo corredor onde Emma Seingalt e seu irmão Ramon confrontaram-se e morreram ao discordarem sobre eliminar ou não o meio-vampiro Arthur. Nesse caso, o punhal que o menino tinha nas mãos era nada mais, nada menos, do que a lendária adaga vermelha dos Seingalts, aquela com o poder de matar imediatamente qualquer vampiro que fosse perfurado por sua lâmina.

 

— Olhem! Olhem! Parece ser um quarto, ali ao fim do corredor!

 

Margarida e Sean apressaram-se em acudir o menino, até para que ele não fosse surpreendido por qualquer ameaça.

 

— Ei…! Isso no chão… é sangue? – a criança questionou, com a voz trêmula e as faces contraídas de preocupação.

 

Com a claridade vinda da vidraçaria da porta, atingida em cheio pela luz nublada do amanhecer, era possível reconhecer um caminho arrastado de vermelho que buscava desde a rota mais longínqua daquele corredor até o interior daquele quarto, que ainda contava com a porta meio entreaberta para fornecer pistas do que havia dentro. Era chegada a hora do trio descobrir o que o destino havia reservado para Helena Lee Rush e Arthur Seingalt.

 

(…)

 

Vincett Seingalt percorreu todo o castelo às carreiras, visando encontrar o acesso único ao esconderijo dos irmãos. Sem a visão felina de antes, contou com uma lamparina para enxergar o longo caminho obscuro que o conduziria até o local. Quando chegou ao portão que os encerrava no calabouço, não com muito esforço moveu todas as manivelas e tramelas que o mantinham fechado. Independente de seu estado, operava no limite de suas forças e com a maior velocidade que era possível. Mas foi tudo em vão. Ao abri-lo, deparou-se com a resposta que já tinha em mãos desde que olhou para o oráculo: armaduras chamuscadas largadas ao chão e roupas tostadas, metade cinzas e metade tecidos, revelavam a inutilidade de sua pressa. Todos os seus irmãos estavam mortos.

 

O cenário também era desolador: boa parte do ambiente estava destruído e fétido da maneira descrita pelo pequeno aliado de Sean e Margarida. O cheiro de queimado, característico da carne dos vampiros, era insuportável. A destruição do local, Vince já sabia a que se devia: derivava da tentativa de um ou mais de seus irmãos, de abrir o local pelo lado de dentro. Diferente do que todos acreditavam, havia uma forma de sair para quem estivesse do lado de lá, mas o prisioneiro precisaria teclar uma complicada sequência de notas musicais. Tal medida havia sido implantada pelo próprio Vince cerca de um século antes, e sua intenção com isso era tornar mais flexível a poderosa armadilha dos Seingalts. Sendo o calabouço uma antiga arma de defesa da família contra o acesso externo, poderia proteger os vampiros de explosivos, prepará-los contra inimigos que portassem armas lendárias, impedir a entrada de exércitos inteiros, mas pecava por esse impasse: uma vez impossibilitada de ser acionada pelo lado de dentro, contava com o auxílio de um sobrevivente externo para se fazer acessar pelo lado de fora. Ora, e se todos os aliados morressem? Preparado para esta possibilidade, Vince refez os mecanismos da armadilha então criada pelo pai para proteger a família em caso de percalços extremos. Porém, ele ignorou que a maioria de seus irmãos tinha pouca ou nenhuma habilidade musical – aliás, cultural em sentido amplo – e que seu tempo ocioso era gasto em maior parte com glutonices e luxúria. Dessa forma, ninguém se preocupou em decorar a senha que garantiria a libertação segura de quem estivesse dentro do esconderijo dos Seingalts.

 

A metade do local destruído revelava que alguém havia tentado acertar as notas, sem êxito (quanto maior os erros, mais o local cederia, fazendo qualquer invasor que não fosse da família cair metros abaixo, acima de lanças pontiagudas). E o único corpo que ali restava (pelas roupas, ele reconheceu que eram os restos mortais do vampiro Lake) expôs que ele não teve coragem para realizar as tentativas necessárias ou talvez conhecimento para executá-las, caindo em combustão assim que o dia amanheceu.

 

Vince cerrou os olhos por um momento, e seus joelhos cederam. Parece que de uma vez todo o peso daquele dia caiu em seus ombros, tanto em sentido psicológico quanto físico. Ele estava sozinho, invariavelmente sozinho. Sem fêmeas à sua disposição, a reconstrução de sua família já era uma coisa impossível, e agora seus companheiros também estavam mortos. Séculos de parceria e fraternidade se encerravam naquela noite, e esse golpe foi maior do que o de seis meses antes, quando havia obtido a notícia de que seu pai fora assassinado por um caçador de nome Richard van Gloire. Sua própria criatividade para soluções havia se esgotado, e a simples ideia de ir a um prostíbulo atrás de uma mulher ou correr os campos atrás de alguma aldeã parecia-lhe extenuante. O passar dos séculos havia feito ele se conformar com a posição de filho de um patriarca, mas não ele mesmo ser um. Quando tomou para si o peso da liderança da família, sabia que um dos legados que teria de entregar era produzir herdeiros, mas estava tão enlutado pela perda de suas amantes, tão abatido pela morte do pai, que sequer considerou fazê-lo. Achava que tinha a eternidade à sua disposição, que os anos lhe trariam conformação e disposição para executar essa obrigação. Os irmãos, então, só consideravam tomar as amantes por uma noite, os porões cheios de ossadas eram testemunhas disso. E as irmãs, avessas à maternidade, seduziam mulheres na maior parte de suas conquistas, para evitarem o inconveniente da gravidez.

 

Enquanto encarava os restos mortais fumegantes de seu único irmão que tinha à vista e imaginava os corpos massacrados dos outros metros abaixo, pensava consigo no que poderia ter feito para tornar o calabouço mais acessível àqueles incultos. Poderia ele, simplesmente, ter feito alguma alça ou manivela mais simples! Talvez algum conjunto de roldanas, correntes, que exigisse o fluxo através de alguma combinação de peças que demandasse um menor esforço intelectual. Mas como ele poderia saber que aqueles seres que tinham a eternidade a perder de vista e um piano no centro da sala não se ocupariam em treiná-lo? Como ele poderia não ter percebido, em séculos de convivência com os irmãos que, durante suas festas e saraus, ele era o único que tocava, talvez revezando assento apenas com Charles e Benjamin, que sabiam no máximo tocar uma partitura ou duas?

 

Por que ele não se certificou se seus irmãos que diziam despreocupadamente “Eu já conheço a senha, pare de me amolar com este assunto!” realmente sabiam a combinação? Por que ele não foi insistente em comentar esse assunto com todos, em vez de expô-lo apenas aos irmãos que considerava de maior confiança? Sua mente foi tomada por minutos incansáveis de “E se…?”, até que, extenuado de suas reflexões, ele resolveu abandonar o local, mais se arrastando do que necessariamente caminhando. Seus olhos, ineditamente embaçados por uma nuvem abundante de lágrimas, eram quase inúteis naquele contexto. Sua tristeza só não foi maior do que a sua revolta, ao recordar que havia incumbido a George a missão de salvar a todos. Aquele mesmo George, que estava agarrado com aquela filha imunda do caçador Lee Rush! Aquele George, que se atreveu a… não, ele não ousava repetir, mesmo que mentalmente, os eventos daquela madrugada. Ainda que seu corpo estivesse massacrado pela dor, ainda que cada passo fosse um suplício, ainda que sua cabeça doesse de tanto refletir a desonra e que seus joelhos tremessem, ainda que a região afetada sangrasse e pulsasse de dor, ainda que ele sentisse a semente do irmão jorrando por entre suas pernas, esse era um pensamento indizível, ele se recusava a trazê-lo à tona! Ele não lançaria esse evento à escala dos mais importantes daquela noite, não quando tantas outras coisas haviam acontecido! Essa vergonha solitária seria anulada para sempre pela nova família que ele tinha a obrigação de reconstruir. Ele tinha a missão de repovoar aquele castelo, de refazer seu nome, de enchê-lo novamente de pequenos sanguessugas, de ser chamado não mais de líder, e sim de pai!… Dessa forma, ninguém faria ideia de sua violação, ninguém arriscaria dizer que seu corpo havia passado por semelhante humilhação…! No entanto, como se empolgar com a incumbência de recomeçar, se seu coração ainda estava preso à imagem daquelas amantes e daqueles irmãos? Suas centenas de anos vividas da mesma forma e com as mesmas companhias lhe trouxeram uma conformação tão grande com aquela existência que Vince não conseguia se ver recomeçando, ainda que racionalmente visse isso como uma necessidade.

 

Como pensar com a mente de um patriarca, se ao olhar para aquele calabouço a primeira imagem que lhe vinha à mente era a do pai, na noite que sua mãe fora morta por caçadores, dizendo-lhe:

 

— Vincett, fique aqui e proteja os seus irmãos!

 

Ele era apenas o irmão mais velho protetor, e não conhecia outra missão na vida além dessa. O sobrenome Seingalt nunca lhe pareceu um fardo tão pesado como naquele momento.

 

(…)

 

Sem se importar com as advertências de Sean, Margarida abriu o restante da porta à toda e correu para dentro daquele que era o cenário do encontro final de Helena Lee Rush e seu então amante Arthur Seingalt. Deparou-se com a jovem morta nos braços do meio-vampiro, ambos com a tez empalidecida e os traços imóveis e rígidos, ao lado de um grande recado escrito a sangue no chão, numa letra que a circense calculou ser da própria amiga:

 

Nanette, Marton

 

Acredito que os Lee Rushs foram os vencedores dessa batalha, porque fui ensinada que os monstros e seus aliados são o mal, e o bem sempre vence.

 

Agora, sou uma mulher casada. Façam um favor para mim: cuidem direitinho do Richard, porque a minha vida e a do Arthur só começa agora...”

 

— Nããããão!!! Não, não, não…! – Margarida lamentou, atirando-se nos braços de Sean.

 

O ex-mágico a abraçou, sem nada dizer. Não havia nada para ser dito. A primeira coisa que passou por sua cabeça foi que, se Helena escreveu algo por último, isto queria dizer que, naquele momento, o meio-vampiro já deveria estar morto. Caso contrário, os dois escreveriam um registro de seu encontro juntos, cada um com a sua letra. Isso sem falar na “tinta” usada para este recado. Como achou que seria insensível trazer essas constatações à tona, julgando que elas não seriam consoladoras para Margarida, ele se omitiu de fazer qualquer comentário.

 

— “Margarida, não se esqueça de...” – leu o garotinho, com entonação de aprendiz, uma nota que Margarida e Sean ainda não tinham percebido, disposta do outro lado de Helena e Arthur.

— Está incompleto… deve ter sido a última coisa que ela tentou escrever! Uma mensagem para mim! – Margarida disse, com a voz embargada.

— Mas “não esqueça” do quê? – o menino perguntou, com a insensibilidade típica de uma criança desligada de toda aquela situação.

 

Margarida fechou os olhos e se lembrou de Helena dizendo para ela:

 

— Eu acho que o seu ‘amigo’ gosta de você.

 

O “não esquecer” talvez tivesse algo a ver com ficar junto de Sean, seguir o coração em vez de dar ouvidos a qualquer impedimento que causasse o afastamento dos dois. Talvez fosse um aviso para ela valorizar aquele rapaz ao invés de desmerecê-lo ou subestimar os sentimentos que tinha por ele. As possibilidades não eram muitas; Helena e ela construíram uma amizade forte, mas muito pouco consistente em confidências.

 

— Eu não vou esquecer, amiga – disse ela, ajoelhando-se diante dos corpos, beijando as pontas de dois dedos e tocando na testa de Helena com eles.

 

Sean tentou ajudá-la a sair de perto dos dois. Margarida resistiu. Paciente, o jovem apenas ficou disposto em pé, à espera de que os rompantes de revolta dela terminassem.

 

— Ela estaria viva se não fossem aqueles parentes terríveis! Ela nem precisaria ter levado o primeiro tiro! Não precisaria ter enfrentado os mortos-vivos! Era para ela ter escapado com ele em paz…

— Margarida… – Sean se abaixou para ficar no nível dela – Sua amiga nunca seria feliz ao lado de uma criatura que precisava matar pessoas para sobreviver. Seria contra os próprios princípios dela! É óbvio que, do modo como as coisas aconteceram, tendemos a torcer pela felicidade dos dois e lastimar o que aconteceu, mas não haveria como os dois serem felizes juntos! Encerradas as coisas deste modo, pelo menos sabemos que Helena encontrou o homem que amava, ainda que por uns breves minutos. Mas a coisa toda nunca poderia passar disso…! Ela seria caçada pelos parentes como se fosse um deles…!

— E já não era? – Margarida retrucou, revoltada.

 

Sean cerrou os olhos e expirou, sem resposta. Tergiversou por falta de alternativa:

 

— Precisamos ir embora.

— Nesse seu “precisar ir embora”, Helena ficou desprotegida e foi facilmente morta!

— Se estivéssemos em companhia dela, as coisas não melhorariam!

— Poderíamos tê-la ajudado a se poupar do esforço que teve ao se arrastar até aqui! Veja, por todo o caminho, o sangue dela!

— Pode ter sido também do rapaz, ele estava igualmente ferido!

— Mas…!

— Ele ficou com ela até o fim! Se estivéssemos atrapalhando, ela jamais teria se aproximado dele!

— Ela se aproximar dele foi o que a matou!

— Isso não é verdade, você sabe! Desde a estalagem ela foi negligenciada, acusada de estar ao lado do inimigo! Margarida, pense bem…! Helena só conseguiu chegar a ele porque, uma vez sozinha, conseguiu tomar suas próprias decisões de para que lado ir! Se estivesse conosco, não ousaria manifestar qualquer apreço a esse jovem, tampouco morreria com ele! Ela morreria infeliz, sem conseguir realizar o objetivo que, você mesma disse, foi o que a trouxe aqui!

— Quando você escolheu deixá-la sozinha, não pensou em nada disso!

— Eu já expliquei, eu não tive intenção nenhuma de que ela tomasse outro rumo…! Achei que se arrependeria e voltaria para nós…!

— Orgulhosa como era?

— Eu a conhecia pouco! Não seria capaz de adivinhar sua reação! Se manter em grupo é o que qualquer pessoa racional faria nessa situação!

— Helena não estava normal! Ela não era capaz de raciocinar com clareza!!

— Ei… por que vocês estão brigando? Parem com isso!

— Eu só estou tentando explicar para Margarida que…

— Eu nunca vou entender! Nunca! Nunca vou entender!

— Margarida, o dia já está claro! Eles não oferecem mais nenhum risco, numa hora dessas devem estar se escondendo…! Vamos achar a saída e…

— EU NÃO QUERO SAIR DAQUI!!

 

Sean olhou em torno, apreensivo. Fez um sinal pacificador, tentando alertá-la para baixar a voz. Por incrível que pareça, ela obedeceu e passou a chorar mais baixo.

 

— O que foi que deu nela?

— O resumo é que Margarida conheceu Helena e se apegou a ela. Margarida, ouça…

— Eu não quero ouvir!…

— Helena disse para você não se esquecer… não se esquecer do quê? Seja do que for, ela se esforçou para conseguir o antídoto… Não se exponha…! Não morra inutilmente! Helena seria a primeira a te dizer para você acompanhar a gente e sair daqui o quanto antes, Margarida!…

— Não era para ter sido assim…!

 

Sean ajudou a amiga a se levantar e, dessa vez, Margarida não relutou em acompanhá-lo.

 

— Adeus…! Adeus, Helena! – a moça agitou a mão numa última despedida enquanto era conduzida delicadamente por Sean e o mais novo companheiro da dupla, que os seguia, contrito mas ao mesmo tempo sem entender terça parte daquilo.

 


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