Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 1
Capítulo 1 - Helena




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Você não precisa matar para ser um assassino, nem ter noção do que estão fazendo ao seu redor para sentir culpa dos erros que acontecem por sua causa. Você sabia? Quando a dor e o remorso atacam o que ainda lhe resta de consciência, basta fingir que não conheceu outra opção. Assim, não há sentido em buscar qualquer mudança...basta acreditar que não saberia fazer outra coisa na vida.

Se você é capaz de aniquilar os seus inimigos, é absolutamente natural que tenha que lidar, vez por outra, com a morte de um dos seus amados...mas uma coisa ser comum, não quer dizer que você tenha o poder de se acostumar com ela.

(...)

— 4 de julho de 1871...Este será um dia memorável para todas nós. Sim! Este será o nosso último dia...

— O dia em que finalmente abandonaremos a matéria e alcançaremos o nosso objetivo: a eternidade...

— Helena? O que há com ela, Nanette?

— Não faço a menor ideia, Marton.

Richard, meu amado...Se você pudesse voltar, como nos sonhos...!

— Helena! Estamos falando com você!

— Combinamos de morrer todas juntas hoje, esqueceu-se?

— Morrer não! Abandonar a matéria!

— HELENA!!

O susto me fez largar o retrato de Richard, que eu segurava, no chão.

— Ah, não! O retrato de Richard...!

— Oh! Sabes que a culpa não foi minha - desculpou-se Marton - Eu estava apenas tentando chamar sua atenção, visto que te achavas tão distraída apreciando o retrato de nosso amado Richard...

— Não acho que estejas melhorando as coisas ao supor que Richard pertence a todas nós - acusou Nanette.

— Nanette, por que o falso moralismo? Richard é o que traz beleza para nossas vidas na clausura deste colégio para moças! Além disso, Helena já disse que, quando nosso suicídio for executado com sucesso, ela será a esposa de Richard e, nós, as concubinas...

— Não me lembro de ter dito algo semelhante a isto em momento algum - retruquei.

— Sim, tenho certeza de que disseste isso quando apresentei a você a garrafa de conhaque que meu pai me mandou entregar ao reverendo.

— Já que tocou no assunto, traga a garrafa para cá. Sei que ela ainda estava pela metade! Foi a última coisa que vi antes de ser carregada para a minha cama na noite passada.

— E eu ainda ia oferecer...

— Helena! Marton! Esqueci de dizer! Eu também trouxe algo terrível para animar a nossa noite!

— Desistiu de morrer por hoje? - perguntei.

— Obviamente que sim.

— Que coisa terrível trouxeste contigo? Ópio?

— Ora, não me ofenda! Onde conseguiria semelhante coisa? Não se trata disso. Trouxe um dos livros proibidos da sala secreta da biblioteca.

— Uau! Agora, saberemos mais do que as cortesãs! O que espera que façamos com isto?

— Comecemos a ler?

— Não creio!

 

 

 

Richard...já faz seis meses, não? Como o tempo passa! Como você está? Eu espero que bem. Por pior que seja estar sentindo sua falta, tenho conseguido sobreviver. No começo, eu tinha sonhos onde você voltava para os meus braços, mas já acordei por vezes suficientes para ter certeza de que tudo isso é fruto dos meus desejos que não irão mais se realizar.

De alguma forma, consegui reunir forças para continuar. Nanette e Marton me confortaram e acompanharam durante todo esse período em que tive que me acostumar com sua ausência. A jovialidade e inocência das duas quase conseguiram me fazer esquecer do meu passado. Sei que estou me iludindo. Jamais serei como elas novamente, ainda que tenhamos a mesma idade. Elas são maravilhosas, as melhores pessoas que eu poderia conhecer nesse antro de freiras e carolas. Tenho certeza de que você gostaria de conhecê-las também, e teria uma estima ainda maior por minhas amigas se soubesse que elas descobriram os segredos que envolvem nossa família e nada disseram aos superiores. Por mais que me dediquem uma atenção que às vezes considero até exagerada, elas me acompanharam nos bons e nos maus momentos. Tenho que lhes dar esse crédito. Mas a resposta por trás de tudo isso é uma só: elas amam você e seus feitos tanto quanto eu.

 

 

(...)

Londres, seis meses antes, castelo dos Seingalt

— Onde está Helena? O que houve com ela?

— Richard, cuidado! É provável que ela esteja em posse do "conde" agora! Ele conseguiu carregá-la para dentro!

— O quê? Não é possível! Como permitiram que--?

— Este é o papel que ela sempre desempenhou. É para isso que as iscas servem - disse o patriarca dos Lee Rush, friamente.

Apesar de ser filha de sua falecida irmã, Helena era uma entidade à parte, praticamente não era considerada um membro da família. Richard, apesar de ter sido imediatamente apresentado a esse fato, não hesitou em pedi-la em casamento, tamanha a beleza da moça. Mas agora a vida de sua noiva corria perigo, pois seu papel primordial nas missões da família era colocar a própria vida em risco, visando ganhar tempo para os caçadores.

— Richard, você não pode ir até lá sozinho! - Angela, prima de Helena, soluçou.

— Então, siga-me, oras!

— É que...é o líder de todos eles, e eu não posso...eles sentem especial atração pelo sangue de virgens...!

— Então, procure um lugar seguro para você e o tio e deixe isto com quem tem capacidade. Não se preocupe, Angela! Eu ficarei bem! Muito bem, conde! Prepare-se!

Desajeitado e com muita pressa, Richard abriu a porta de duas folhas para entrar no castelo com muito mais força do que seria necessário. Contava arrombá-la, o que não foi necessário, visto que ela estava apenas encostada. No processo, um dos lados da porta bateu contra sua testa, fazendo-o gemer de dor e refletir "bem que alguém poderia ter avisado que isto estava aberto o tempo todo!".

— Mas não é hora para fraquejar - tentou convencer a si mesmo, assim que viu a imensidão escura do castelo medieval que o cercava - O importante agora é ir atrás da minha amada Helena!

Helena, a vinte passos de distância dali, estava em apuros.

— N-não se aproxime! - ameaçou, tocando no crucifixo que trazia junto ao pescoço.

— Que preciosa criatura que me deram de presente, os caçadores! Se conhecesse o talento dos Lee Rush para a escolha de tão formidáveis caças, teria eu pessoalmente os incomodado há muito mais tempo!

 

— O que temes, pequena? - indagou o maioral dos vampiros - Vieste invadir meus aposentos para, no fim, dizer que não me toleras? Tenho uma péssima notícia para ti: meus dons hipnóticos causarão em ti efeito de mais puro assentimento, feito que não gostaria de acrescentar à minha longa lista de pecados, mas a bela senhorita há de perdoar minha indelicadeza, não?

 

Com a mente, Helena o resistia, mas seu corpo, esfogueado pela mais pura lascívia, não era capaz de resisti-lo. Reuniu suas últimas forças para unir os joelhos e cruzar os braços diante do busto, apertando com força o crucifixo.

 

— Maldito - rosnou, impotente, constatando que seus braços, que originalmente deveriam empurrar o adversário para longe, na realidade, mais e mais o aproximavam de si.

— Vejo que tem um bom temperamento. Muito bem. Toda essa resistência é um atrativo a mais. Os séculos me trouxeram mulheres com uma variedade entediante. É raro encontrar uma como tu.

 

Richard, olhando para todos os lados, conferia a infinidade de portas e galerias onde sua amada poderia estar escondida naquela edificação sem limites. Ao mesmo tempo que torcia para que ela gritasse, facilitando assim sua localização, isso poderia indicar que Helena estava em situação de sério risco. Na verdade, estar ali era o risco em si. No covil dos inimigos, ele poderia dar como certo que não tinha um único adversário, e em outra circunstância jamais cometeria tamanho atentado contra a própria vida.

 

— Onde está Helena? Não terei tempo de procurá-la. Senhor Deus, me ajude.

 

Helena, hipnotizada, sob comando do líder dos Seingalt, baixou seus braços em sinal de rendição.

 

— Se fores realmente uma virgem - observou a criatura das trevas - teu sangue não fugirá à regra, será deliciosamente aprazível!

— Pare...ou eu acabarei com você... - Helena conseguiu, enfim, afastar os dedos que cobriam a joia que representava o Cristo.

 

Impaciente pela visão do apetrecho religioso, Seingalt a agrediu com um violento golpe no rosto. Helena foi derrubada, caindo sobre um de seus braços, o que provocou uma dor lancinante.

 

— Guarde esses brinquedos para quando eu tiver tempo a perder com cerimônias! Num cenário de luta real, o que haverá de si se tiver que combater um inimigo a uma proximidade tão curta? Eu a seduziria mil vezes e tu nada poderias fazer! Veja!

 

Com uma menção de fechar o punho, o vampiro conseguiu que a própria Helena encerrasse a mão ao redor do artefato. Richard, a poucos cômodos dali, jurava ter escutado um barulho e anunciou, convicto, para atrair a atenção de um eventual monstro para si:

 

— Peguei você!

 

Mas não havia nada. Ele havia errado de porta. Helena, sem poder fazer nada, era encurralada no chão, entre os braços do inimigo.

 

— Vejo que és uma caçadora que não desiste de seus empreendimentos, independente do quão gentil seja seu captor. Neste caso - anunciou o vampiro - só me resta fazer o que faço sempre: consumi-la de todas as formas que eu puder e acabar com você o mais rápido possível.

— Não entendo o que quer dizer - Helena sabia que os vampiros, até por depravação, adoravam perder tempo com moças inocentes, então interpretou bem o seu papel, para ganhar tempo.

— Não há o menor problema. Eu terei a maior paciência em explicar.

 

Quando o monstro avançou na direção do pescoço da vítima, ela não conseguiu mais fingir, e sua reação natural foi gritar o nome do noivo.

 

— RICHARD!!!

 

— É a voz de Helena! - Richard exclamou, de si para si, desesperado por ela estar em perigo, mas feliz por ela estar viva - Ela deve estar lá em cima!

 

Ao olhar para a infinidade de degraus que o esperavam, quase conseguiu se arrepender de se distrair na luta contra um vampiro secundário enquanto sua noiva era miseravelmente sequestrada.

 

— Helena, meu amor, estou indo! - gritou, visando atrair a atenção de todos os monstros para si, contanto que saíssem do alcance de sua amada.

 

Mesmo intimidado pelos poderes diferenciados que todos os caçadores descreviam nos Seingalt, Richard desconsiderava qualquer possibilidade de recuar. Conseguia até imaginar Helena enchendo-o de carinhos ao fim da batalha. Tinha esse mal: divagar demais em situações extremas. Tirou por A+B por que motivos particulares valeria a pena vencer aquela luta, e então avançou. Helena gritava e se debatia enquanto se livrava do transe que a colocava em estado de objetificação, lutando para manter as presas de Seingalt bem longe de seu pescoço.

 

— Ri...chard! - chamou, sem acreditar na presença real que viu diante de si com aquela porta ruidosamente aberta.

— Quem ousa me interromper? - sibilou o vampiro, recolhendo as presas.

— Pode ir parando por aí, vampiro - disse o rapaz, com autoridade.

— Richard! - Helena proferiu mais uma vez, alegremente, como que querendo convencer a si mesma do milagre que estava diante de seus olhos.

— Desculpe a demora - rebateu o outro, casualmente, como se não tivesse nenhuma ameaça por ali.

— Não posso imaginar o quanto você deve ter se divertido antes de chegar aqui - ela observou, falsamente magoada.

— Se chamar subir trezentos degraus de se divertir...

— Só um momento - o vampiro impetuosamente avançou na direção do invasor - Quem é o atrevido que ousa adentrar meus aposentos na calada da noite, trazendo em suas roupas o cheiro da morte de meus companheiros?

— Desculpe se ainda não me apresentei devidamente. Eu sou... - Richard tomou seu punhal de prata da cintura e elevou a voz - ...um caçador de vampiros!

 

Richard já se preparava para elevar o olhar e se deparar com mais uma carniça daquelas virando fumaça, mas não foi o que aconteceu. Seu punhal cravou na parede. Ele escutou um ruído atrás de si e voltou-se para trás na velocidade de um raio.

 

— Onde está esse miserá...?

— Isso mesmo, atrás de você - sorriu o demônio sugador de sangue - E muito bem acompanhado.

 

Era o que Richard temia ouvir, e ele verbalizou isso em palavras.

 

— Tire suas mãos de cima dela, desgraçado! - bradou.

— Presumo que você seja o herói que ela não parava de chamar. Habitue-se agora com a ideia de viver sem ela! Eu iria simplesmente matá-la, mas só pelo seu atrevimento, ela será a nova peça do meu harém!

 

O vampiro, cobrindo a boca de Helena e segurando-a pelo tórax, pulou da sacada dos quartos superiores até o pátio principal. A garota grita por todo o trajeto, apesar da queda bem aparada do adversário. Logo fica aliviada ao ver rostos aliados cercando o inimigo: seu tio, líder dos Lee Rush, sua prima Angela e o noivo dela, Vincent. Ciente de que estava cercado, o vampiro a coloca à sua frente, numa intenção de torná-la sua refém.

 

— Acabou o espetáculo, sanguessuga das trevas! Hora de nos devolver a nossa aliada! - disse, da forma impessoal de sempre, o tio da pobre Helena. Ele parecia incapaz de chamá-la de sobrinha.

— Aliada, que, aliás, só serve para dar trabalho - resmungou Angela, com a sua besta benzida apontando para o inimigo.

— Angela! - censurou Vincent, seu prometido.

 

— Parece que você está cercado - Richard anunciou o óbvio - Devolva-nos Helena e tentaremos esquecer o que houve aqui hoje!

— É isso mesmo! - intrometeu-se Bernard, irmão de Angela e primo de Helena - Deixaremos você viver por mais alguns dias!

— Bernard... - Angela, temerosa de ter a atenção do monstro voltada para o seu irmão, posicionou-se atrás dele.

— Parecem convictos de que conseguirão resgatar a jovem. Ora, as coisas não se darão assim com tanta facilidade! Acho que se esqueceram que eu não demonstrei todos meus poderes, e há aliados meus em cada canto deste castelo.

— Desista! - Richard correu até o tio de Helena e sacou do coldre em sua cintura um enorme revólver com balas de prata.

— A virgem parece valer tanto assim para vocês?

— Para mim, principalmente - declarou Richard, atirando na direção da cabeça do vampiro com precisão.

O vampiro rapidamente se transformou em pó, e Helena, livre e muito aliviada, correu para os braços de Richard.

— Espere aí - a moça passou a vista em volta, desconfiada - Ele pode se desfazer no ar, eu vi isso na batalha passada.

— É verdade - assentiu Richard, com a lembrança avivada pelo conhecimento da noiva.

Os dois se afastaram, e Helena teve o ímpeto de olhar por trás de si mesma. Robert, em contrapartida, sentiu um queixo se apoiar em seu ombro direito.

— Vejo que me conhece um pouco - sussurrou o vampiro-chefe.

— Sei o suficiente para mirar certo da próxima vez que atirar numa carcaça velha como você! - disse o rapaz, vitorioso, ao constatar que acertou certeiramente uma estaca de madeira que ninguém sabia que ele ainda tinha no coração do vilão.

— Vejo você no inferno, caçador - rebateu o chupa-sangue, antes de se desfazer numa substância parecida com areia fina e cinzenta.

— O que ele quis dizer com isso? - perguntou Helena.

— Não faço a menor ideia, mas não importa! Vamos comunicar aos demais que tudo ficou bem! - solicitou o rapaz, a todos os outros, que ainda tinham muito mais aliados lá fora.

Helena tomou a mão do noivo alegremente, mas ele rapidamente recuou, tocando no pescoço.

— Robert, o que...

— Meu pescoço! Aquele desgraçado me mordeu!

— Angela! O antídoto! - a noiva de Robert pediu, desesperadamente.

— O Vincent! Está com ele!

— Verdade! Está aqui na minha bol...

Todos o encararam com muita expectativa, até que ele se deu conta de que havia eliminado dela alguns frascos mais cedo para evitar andar com muito peso, e entre eles estava a substância essencial. Helena, que já tinha os olhos molhados, aguardava o encerramento da busca.

— Sim...e?

— Não está comigo.

— Precisamos ir para casa! - Helena tentou puxar Richard, que já sentia no corpo os efeitos da transformação.

— Helena, solte-o! Daqui a pouco, ele não será mais um de nós! - o tio da moça tentou chamá-la à razão. Ela se desvencilhou de seus braços e correu novamente na direção de Richard.

— Não! Ele vai se lembrar de mim!

— Helena - chamou Richard - Ouça...atire para o alto, acerte a abóbada. Daqui a pouco, o dia amanhecerá, e então eu morrerei antes de me transformar completamente!

— Richard, resista!

— Eu não posso mais fazer nada...andem, enquanto eu ainda tenho juízo!

— Helena, não poderemos levá-lo! Ele vai se transformar antes de chegarmos em casa!

— Vai ficar tudo bem! Eu não irei deixá-lo aqui! Richard, você não pode morrer, você sabe que eu te amo, nós íamos nos casar, lembra-se?

— Você...disse que me ama...que bom! Eu nunca esperei escutar isso de você...

 

Enquanto estava distraída pelo caloroso abraço que recebia de Richard, Helena não percebeu que ele pegou a arma de balas de prata.

 

— Escute...eu irei morrer. Logo perderei a consciência e me tornarei um monstro que vive à base de sangue. Não há nada que você ou eu possamos fazer, eu me tornarei um deles. Mas eu não vou permitir que eles me usem para prejudicar vocês. Eu prefiro morrer aqui.

 

Dito isto, ele atira no próprio peito. Sendo humano ou sendo um vampiro, uma bala de prata no coração o mataria. Helena cai por cima dele desesperada, precisando ser removida de lá com a ajuda dos parentes.

 

— Não há nada que se possa fazer, Richard se sacrificou para que pudéssemos escapar! Outros deles ainda podem aparecer e pôr a perder tudo o que fizemos! Vamos!

— Não, Richard! Não - lamentava a moça.

 

Por fim, usaram a força e a levaram. Helena ficou pensando naquilo que Richard disse, sobre ela nunca ter dito que o amava. Considerando que eles se conheceram no campo de batalha e que o inesperado pedido de noivado havia acontecido apenas um mês antes, é verdade que ela teve bem pouco espaço para expressar seus sentimentos em palavras. Mas a frieza que demandava sua atividade também foi determinante para que aquela menina, então com quinze anos, fosse assustadoramente gélida com as pessoas ao redor. Era conhecido por todos também que Helena já era mulher. Nunca se soube ao certo quem a havia desonrado, mas era antigo e conhecido seu apego a homens mais velhos. Acredita-se que tal influência tenha partido de sua mãe, uma perdida que fugiu de casa com um aventureiro apenas para ficar pelo caminho com uma filha. Precisando usar o corpo para sobreviver, não demorou muito a trazer Helena para o leito dos fregueses. Logo, Richard já a conheceu nessas condições. Uma isca, em suma uma atividade que não poderia ser realizada por uma moça séria. Naquele tempo, ele insistia em amar e não ser correspondido pela prima de Helena, Angela. Quando Helena chegou, ele não prestou muita atenção nela, situação que mudou quando a menina torceu o pé durante uma fuga e teve que ser carregada por alguém. O alguém foi ele.

 

O olhar triste e os modos suaves da moça de rosto inexpressivo o encantaram prontamente. A pele pálida, os olhos claros e os cabelos muito negros não saíam de sua cabeça um instante, e após muito devanear sobre o que fazer, Richard tomou coragem para se manifestar sobre os sorrisos e olhares furtivos que não conseguia evitar em presença da menina desde então. Foi até o tio da garota e declarou seu interesse em tomá-la por esposa. Após aguentar a crise de risos do velho, tinha agora o compromisso de trabalhar bastante para pagar um tributo à família, que só a entregaria quando o valor determinado fosse atingido. Enquanto isso não acontecesse, Helena continuaria "trabalhando" normalmente. Aliás, ter o noivo morto significava que a vida dela voltaria a ser essa. Ela logo seria retirada do colégio interno para regressar às missões. Ferida de morte com a viuvez antecipada ao casório, já não se importava com o que era feito de seu corpo sem vida. Garotos do internato masculino de frente para o colégio de moças onde ela estudava vinham ter com ela, e ela não os afugentava. Foi, aliás, numa dessas orgias que ela conheceu Nanette e Marton, que a viram e prometeram guardar o seu segredo.

 

(...)

 

— Leia mais alto - Marton sugeriu.

— Não posso ser apanhada nesse tipo de leitura! - Nanette reclamou.

— Traga mais para cá, não consigo ver nada!

 

As meninas centralizaram o livro proibido de modo que a posição ficasse tolerável para as duas. Helena, com a garrafa de bebida nas mãos, não parecia dar muita atenção a elas.

 

— Olá, eu sou a Nanette certinha!

— Isso não está escrito no livro, sua mentirosa!

— Claro que não, está bem aqui a meu lado!

 

Após cinco páginas ansiosamente devoradas, as duas infratoras se acabavam em pequenos risos de contentamento. Helena, indiferente, talvez por conhecimento de causa, achava a leitura por demais entediante. de repente, a porta se abre, e as meninas não têm a menor chance de esconder seu livro, nem Helena, sua garrafa.

 

— Helena, precisamos de você! - anunciou uma de suas colegas de classe, trajada em roupas de dormir.

— Ora, se não é aquela que declarou mais cedo que jamais precisaria de nós - Helena tripudiou, recordando a colega de uma desfeita de mais cedo, quando foi acusada de ser uma desfrutável durante o intervalo.

— Não é momento para discutirmos velhos dissabores - o dissabor era daquela tarde mesmo - Ajude-nos!

— "Ajude-nos" quem? E o que eu ganho com isso?

— Na verdade, estou muito curiosa sobre o que ela está falando. Ela não está sendo nem um pouco clara - Marton cochichou no ouvido de Nanette.

— Isto é bem verdade. Vamos ouvir o que elas têm a dizer, Helena. Nem que seja apenas para saciar nossa curiosidade!

— Pois diga - a jovem caçadora de vampiros cruzou os braços e as pernas.

— Amanda e Joanna saíram para a lagoa, para nadarem escondidas. O caso é que ambas foram abordadas pelos rapazes do colégio vizinho!

— E então? Elas estão bem? - Nanette inquiriu, preocupada.

— Até o momento, conseguimos fazer com que eles sossegassem, sob a condição de que levássemos até eles uma aluna muito mais bonita que elas!

— E essa pessoa é...? - Marton apontou para a amiga.

 

A outra, sem coragem de completar a frase, apenas assentiu com a cabeça.

 

— De jeito nenhum - Helena, nem um pouco solidária, virou o rosto - É provável que numa hora dessas o pior já tenha acontecido. Não faria sentido eles esperarem por ninguém com duas mulheres a postos diante deles!

— Não diga uma desgraça dessas! - lamentou a visitante.

— Isso é tudo? - perguntou a caçadora, muito séria.

— Eu acho que deveríamos ver se está tudo bem - Nanette opinou - Mesmo que elas tenham falado mal de nós mais cedo, ser desonrada é lastimável para uma mulher.

— Há aspectos nos quais devemos nos solidarizar umas com as outras - Marton concordou.

 

Diante da resistência de Helena, a invasora viu que não tinha alternativas:

 

— Isso com vocês é uma das bebidas da adega do reverendo, certo?

 

(...)

 

— Vamos, é por aqui - ela indicou a trilha que dava para a lagoa.

— Não acredito! - resmungou Helena - Agora, seremos chantageadas nesta vida e na próxima!

— É por uma boa causa - disse a chantagista.

— Não tenha o atrevimento de me dirigir a palavra - Helena rebateu, ranzinza.

— Ignore a Helena. Ela está apenas um pouco nervosa - Nanette tentou minimizar.

 

 

 

— Muito bem, o que está acontecendo aqui? - Helena fez questão de falar bem alto, atraindo a atenção dos rapazes e moças, em trajes sumários, à beira da lagoa.

— Eles querem obrigá-las a nadar em companhia deles...sem nada - explicou a mesma moça que invadiu os aposentos de Helena e suas amigas.

— Ajude-nos com sua experiência, Helena! - solicitaram as vítimas, acuadas.

— "Experiência"? É verdade que está disposta a cumprir o combinado no lugar dessas duas?

— Vejo que a moça não faz má figura - disse um dos homens, com os olhos afiados em luxúria.

— Helena, este nome não me é desconhecido. Creio saber de quem se trata. Phillipe me falou largamente acerca de uma estudante com este nome. Se for quem eu estou pensando, não é apenas capaz de ficar desnuda diante de todos, como fazer coisas bem mais audaciosas e interessantes...

— Saiam da água - Helena ordenou, a Amanda e Joanna - Podem ir embora.

— Não! - um dos rapazes agarrou o braço de Joanna - Elas saem e você correrá com elas! Não seremos enganados; venhas tu primeiro, e entres na água.

 

Helena obedeceu, contrariada. As outras, imediatamente, arrastaram-se para a margem.

 

— Nanette, Marton...saiam daqui e levem embora essas duas.

— Mas...e você, Helena? - perguntou Marton, sem acreditar no que estava presenciando.

— Não podemos deixá-la sozinha! - Nanette soluçou - Eles lhe farão mal!

— Pelo que eu saiba, o mal já está feito a essa daí há muito tempo! - a garota chamada Joanna deu de ombros - Não será um homem a mais que a fará debruçar-se a chorar pela própria honra!

— Helena, volte...é perigoso - insistiam suas amigas.

— Charles di Nicoletti, não se esqueça dos proventos que nos prometeste! - Amanda piscou para um dos garotos na lagoa.

— Do que está falando? - Marton a sacudiu.

— Do quanto combinamos com eles para trazer sua estimada e preciosa amiga para acompanhá-los! Acaso haveria outra ocasião em que eu cometeria a imprudência de me enfiar em uma lagoa na calada da noite, com homens rondando à espreita?

— Pelas suas reputações, é melhor que saiam daqui, antes que sejam vistas em companhia da perdida - riu-se Joanna.

— Então, era tudo uma armação!

— Estamos contentes com o presente - afirmou um dos estudantes - Garanto que, por tudo o que o dinheiro puder comprar, pagaremos ricamente sua recompensa!

— Vejam só - observou um dos garotos, abrindo a frente da roupa de dormir de Helena - Ela sequer resiste! Já perdeu todos os vestígios de dignidade, como afirmaram! Teremos boa diversão esta noite.

— Se não deixarem Helena em paz, comunicarei a todos o que estão fazendo! - Nanette ameaçou.

— E como vai explicar tua presença aqui, mulher? Ora, volte a seu dormitório e acorde amanhã, ao tocar dos sinos; fingiremos que nunca a vimos por aqui.

— Qualquer punição que tiveres em mente será muito pior a ti, que é mulher; não se esqueça disso - disse um deles, beijando a nuca de Helena.

— Vocês já foram longe demais. Eles estão certos. Vocês podem ser apanhadas e punidas por minha culpa. Voltem para a cama. Eu ficarei aqui - Helena determinou.

— Cuide-se, Helena - Nanette puxou Marton pelo braço e principiou a correr.

 

O medo da punição a fez deixar a amizade de lado.

 

Enquanto era desnuda e apreciada pelos três jovens que a cercavam, Helena tentava desesperadamente não se afligir com uma ideia que a perturbava desde que Richard a havia pedido em noivado: a de que seu corpo já não era mais público como antes. Ela, de corpo e alma, queria pertencer somente a ele, ainda que as circunstâncias a desviassem do seu propósito. Com Richard morto, ela buscava não alimentar em si mesma promessas de fidelidade, e seus encontros casuais com os mais variados rapazes era a forma de mostrar a si mesma que, assim que caísse nas mãos de sua família de novo, a hipótese de ser colocada no papel de sedutora era uma realidade. Por ora, ela desfrutava da clausura em um colégio de meninas recatadas, pedido último do próprio Richard, que a queria sábia, à altura de Angela. Mas Helena sabia que, sendo sozinha e sendo mulher, estaria a mercê de qualquer decisão que sua família tomasse para ela, fosse esta boa ou ruim. Sendo ela uma parente indesejada, não via bons caminhos em seu futuro. E não estava enganada: antes que o dia amanhecesse e o apetite de seus algozes fosse satisfeito, ela era apanhada em flagrante delito. Seu prazo naquela instituição de ensino havia se encerrado prematura e definitivamente.

 

— Peço desculpas. Não estou em condições de responder questionamentos - foi tudo o que ela disse assim que se encontrou com a maior autoridade da escola.

— Seu mau comportamento é citado por toda parte, Srta. Lee Rush. E, não bastasse ser uma maçã podre, ainda tem sido apanhada em companhia de moças de bem, visando corrompê-las! Sou um velho amigo de seu tio, mas já não a posso mais tolerar! - bronqueava o reverendo.

— Reverendo, temos um comunicado, e parece ser para esta jovem - uma criada pequenina invadiu a reunião.

— É uma carta de Karl Lee Rush?

— Parece-me que sim, se não estiver enganada a respeito do sinete da família.

— Tens sorte, menina - disse o reverendo, após ler o conteúdo da carta - Seu tio diz que já se estabeleceram em nova residência, e que virão buscá-la ao cair da noite. Glória ao Senhor! A reputação desta escola ainda tem salvação!

 

(...)

 

Após fazer suas malas, Helena se sentou à escadaria da escola, à espera de que seu tio, ou pelo menos um cocheiro enviado por ele, aparecesse.

 

— Helena! - chamaram Nanette e Marton.

— Lamentamos por ontem - Nanette disse, de olhos baixos e molhados.

— Não sei como me desculpar pelo que aconteceu.

— Vocês agiram corretamente ao se protegerem. Ademais, era questão de tempo até aquelas duas procurarem um motivo para me tirar daqui...pior é que achariam.

— Helena, para onde você vai agora?

— Eu tenho uma carta do meu tio. Vou voltar para casa, para exercer o ofício da família.

— Não se atreva a conhecer o outro mundo sem nós!

— Sabiam?...

— Hã?

— O conde vampiro que assassinou meu noivo tinha filhos...aqui está escrito que alguns deles estão vivos e querendo vingança. Eu tenho...motivos para viver agora.

— Helena...

— Não é o momento ideal para lágrimas. Finalmente, é chegada a hora de eu provar para a minha família que eu não sou apenas uma caça...É a hora de eu mostrar a eles que eu posso perfeitamente vingar a morte de Richard!


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