Contos da Noite escrita por adjr


Capítulo 5
A Chave




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Helena chorava em meu ombro enquanto subíamos até a sala de meu pai. Lionel foi o primeiro a sair e deixou Dimitre em cima de um dos sofás. A garota saiu logo em seguida, secando as lágrimas.

— Tudo como o planejado. – Ela disse, sentando no sofá com um sorriso.

Eu fiquei paralisado próximo a porta do elevador tentando entender o que ela queria dizer com aquilo. Lionel também sorria, sentado ao lado do corpo desfalecido de Dimitre.

— Você foi ótima.

— Ah, por favor!- Helena respondeu. – Não fui eu quem atirou três cabeças de vampiros no meio da cara daqueles idiotas. Você foi fenomenal.

— Mas de que merda vocês estão falando? – Eu explodi. – Meu melhor amigo acabou de ter a língua arrancada, meu pai virou a merda de uma pedra roxa, seu irmão vai sabe-se lá pra onde e você me diz que tudo ocorreu como o planejado?

Os dois me encararam arqueando as sobrancelhas.

— Você não falou pra ele? – Lionel perguntou a ela.

— A gente conseguiu desenterrar ele só hoje. Não deu tempo. – Ela respondeu.

Eu estava cada vez mais confuso e eles perceberam isso.

— Calma Ber, a gente vai te explicar. – Helena disse, levantando-se e se aproximando. – A gente gosta de deixar os Guardiões pensarem que mandam, mas na verdade somos nós quem realmente comandamos a cidade.

— Co... Como assim? – Meu olhar corria dela para Lionel e novamente para ela.

— Você ficou enterrado muito tempo, tempo suficiente para que eu pudesse planejar tudo para hoje. Enquanto Dimitre ficou aqui, eu procurei Lionel pra me ajudar a deixar nossa pena o mais branda possível. Foi uma amiga dele que previu pra gente o que realmente iria acontecer nesse julgamento e assim eu pude mudar tudo... Acredite, se eu não tivesse intervido estaríamos todos queimando em fogueiras nesse exato momento.

Foi nesse momento que o elevador abriu a minhas costas e Jhonatan saiu dele, carregando uma caixa de madeira. Helena sorriu ao vê-lo e se aproximou.

— Olha isso Ber, foi o que salvou nossas vidas hoje. – E então ela se virou para o rapaz e começou a acariciar a gravata dele. – Não é meu bebê. Quem é a boa gravata?

Eu cheguei a dar alguns passos para trás quando, para meu espanto, a gravata começou a se sacudir no pescoço do homem como se fosse uma cobra e docilmente se aproximou da mão de Helena para receber o carinho.

Lionel, do sofá, gargalhava e batia palmas.

— Você é incrível Helena! Duvido que qualquer uma daquelas velhas teria pensado em algo desse tipo.

Eu estava sem reação. Minha boca tentava falar mas as palavras não saiam. Helena me encarou por alguns segundos, achando graça da minha reação e então se voltou para Jhonatan.

— Pode deixar a caixa sobre a mesa que eu me encarrego do resto. – E já ia dando as costas para o rapaz, quando parou e voltou a falar. – E não tire a gravata, pode ser que eu ainda precise de você.

Jhonatan se movia roboticamente, como se estivesse em trase. Deixou a caixa sobre a mesa de centro e saiu da sala sem dizer nenhuma palavra.

Eu me aproximei do sofá e sentei-me, mantendo distância do vampiro e da bruxa.

— Como... – Nem elaborar a pergunta eu conseguia.

Helena riu.

— Ber... Tem tanta coisa que você não sabe. Aquilo ali foi a mescla de alguns feitiços. Usei um Animar na gravata pra dar a ela modos de uma cobra. Normalmente se faz isso pra enforcar as pessoas, mas eu fiz diferente. Mandei que ela fosse até o Jhonatan e se enrolasse no pescoço dele, mas sem matá-lo. Aí que entrou meu outro feitiço, a Coleira. Com esse feitiço eu consigo controlar qualquer pessoa que esteja usando a coleira que eu criei. Com isso ficou fácil controlar como seria aquele veredito.

— Mas... Meu pai... Seu irmão... – Eu não conseguia acreditar que Helena conseguia agir com tanta naturalidade sabendo que seu irmão iria ser tirado dela.

— Caio vai estar bem melhor no meio dos Lobisomens do que comigo. Logo eu não conseguiria controlá-lo nas noites de lua cheia. E seu ai Ber, ele está seguro. Eles não vão fazer nada com ele até o dia da cerimônia. Até lá a gente consegue pensar em algo pra libertar ele. – Ela falava, virada para mim, tentando me acalmar.

— Helena, daqui a pouco eles vão colocar fogo nas suas coisas. Se quiser salvar alguma coisa é melhor irmos depressa. – Lionel nos interrompeu.

— Você ta certo. Vamos ver se o Jhonatan conseguiu tudo o que pedi. – Ela respondeu e abriu a caixa de madeira.

Dentro dela haviam vários itens e Helena já tratou de ir fuçando, procurando se tudo o que ela queria estava lá.

— Aqui Ber, isso é seu. – Ela me disse, entregando-me uma carta. – Leia com atenção pra ver se a gente pode tirar algo daí.

A carta estava em um envelope amarelo, selada com cera e com uma enorme letra M nele. Do lado de fora ainda se lia “Para Bernardo Parish”.

Eu rasguei o envelope e desdobrei o papel amarelado com uma letra cursiva perfeita.

— Leia em voz alta. – Lionel insistiu e eu apenas confirmei com a cabeça.

“Sr. BERNARDO PARISH

Devido aos últimos acontecimentos o senhor irá dar inicio ao seu treinamento imediatamente. Dentro da caixa está suas ferramentas iniciais para iniciar a função de CEIFADOR DE ALMAR I. O uso de cada uma delas será explicado durante o treinamento.

Um tutor previamente selecionado foi indicado para ministrar o treinamento. Você encontrará NATALIA BRITHSIDE no endereço abaixo.

Caso necessite, um carro com motorista será disponibilizado para levá-lo até o endereço informado.

Att.

Brendon Maskate

Diretor geral da M. Enterprise.”

Após ler a carta eu os encarei meio confuso e Lionel estava visivelmente desapontado.

— Ceifador de Almas I, eu esperava mais visto que você é filho do Arthur.

Helena, que mal dára atenção a leitura, deu um grito levantando uma chave dourada de dentro da caixa.

— Achei! Eu sabia que eles iriam enviar uma dessas pra você! – Ela disse e então me estendeu a chave. – Isso é o item mais útil que você vai ganhar na vida!

Eu olhei para o objeto sem entender muita coisa, mas ela já começou a me explicar.

— É uma chave mestra, ela abre qualquer porta para qualquer lugar, tecnicamente serve para você poder entrar nos lugares para recolher as almas, mas da pra usar pra qualquer coisa.

—Tipo... Ir pra casa de um certo alguém pegar umas coisas antes que elas sejam queimadas... – Lionel complementou.

— Sim, verdade. – Helena disse, pegando minha mãe e levantando. – Temos que ir agora! Senão não conseguirei salvar nada.

Eu levantei com o puxão, mas parei e não dei mais nenhum passo.

— E o Dimi? Ele ainda ta desacordado sem a língua.

Helena revirou os olhos, mas vendo que eu não faria nada enquanto dimi estivesse daquele jeito, voltou até a caixa e revirou ela pra pegar um jarro de vidro com uma coisa prateada dentro.

— Lio, você poderia me fazer esse favor?

Lionel a encarou com uma cara de nojo, mas mergulhou a mão no líquido onde a coisa prateada estava. Assim que a tocou ela começou a se mexer como se fosse um peixe se debatendo. Com a outra mão ele segurou a boca de Dimitre e a colocou aqui dentro dela.

— Que merda é essa? – Eu perguntei, com nojo da situação.

— É uma língua de prata, normalmente elas demoram alguns dias pra serem fabricadas, mas eu pedi pro Jhonatan adiantar isso. Ela vai substituir a língua do Dimi, com a diferença de que ele se ele ver alguma coisa sobrenatural não vai conseguir dizer nada a ninguém. – Helena explicou.

Poucos segundos após a língua de prata ser colocada na boca do meu amigo, ele acordou tomando fôlego, como quem saísse de um afogamento.

— Não! Minha língua! – Ele gritou e então, tentando entender o que estava acontecendo, começou a olhar em volta. – O... O que houve? Eu... Que gosto horrível é esse na minha boa?

Helena o encarou rindo.

— Depois a gente explica Dimi. – E então se voltou para mim. – Agora Ber, se você puder abrir a porta da minha casa? Senão logo não haverá mais nada pra eu pegar lá além de cinzas.

Ela então me levou até uma das portas da sala e me explicou o que eu devia fazer. Na teoria era só colocar a chave na porta, pensar no lugar onde eu queria ir e girar a chave. Claro que na pratica a coisa era um pouco mais difícil e, como meus pensamentos estavam bem confusos, foram necessárias algumas tentativas até que eu conseguisse focar na sala com o sofá rasgado.

Tamanha foi minha surpresa quando eu consegui abrir a porta e lá estava a sala dela, a TV e o vídeo game desligados. Uma luz roxa entrava pelas janelas, e as luzes internas da casa estavam desligadas.

Eu dei alguns passos e entrei no lugar, era estranho ver de um lado a sala da casa da Helena e do outro a sala do apartamento de meu pai, com ela, Lionel e Dimitre.

— Esperem aqui, nós logo voltamos. – Helena disse e passou pela porta, retirando a chave e a fechando.

— Que luz roxa é essa?- eu perguntei.

— Deve ser o escudo mágico que colocaram em volta da casa pra que eu não entrasse. – Ela disse, revirando os olhos. – Amadores... Eu consigo pensar em pelo menos uma dúzia de maneiras de furar ele. Agora, chega de perder tempo. – Ela disse balançando os braços e um ser saiu pulando das sombras. – Vassoura, reúna tudo o que puder e coloque no baú no pé da cama, eu e o Ber vamos cuidar do grimório.

Eu cheguei a abrir a boca para questionar o porque de uma vassoura estar pulando pela sala e agindo como um serviçal, mas a aquela altura o melhor que eu podia fazer era apenas aceitar e seguir em frente.

Helena então foi ao seu quarto, abriu o guarda-roupas e, depois de revirar um pouco as roupas, tirou um caixinha com chave. Depois de abri-la, com uma chave que estava presa a seu pescoço, retirou dela um livro antigo com uma capa em couro marrom, uma pedra vermelha cravada. e amarrado com algumas tiras. As folhas cheirava a bolor.

— Olá amigo... É uma pena perder você, mas seu substituto será ainda melhor. – Ela disse removendo a pedra com cuidado e em seguida começando a folhá-lo.

Eu me sentei na cama, segurando a chave que ela me entregara enquanto a vassoura atirava vários frascos e objetos dentro de um baú no pé da cama. Depois de alguns segundos de silêncio resolvi falar.

— Como funciona isso? Quero dizer, desde quando você é uma bruxa?

Helena parecia entretida, revirando as páginas.

— Eu... Nossa, nem sei dizer. Só sei que faz muito tempo. Minha avó era uma bruxa antes de mim e me ensinou tudo o que eu sei, só que só isso não basta. Para ser uma bruxa de verdade você precisa herdar o grimório de alguém... Minha avó me deu o dela, que serviu de base para que eu criasse o meu, continuando meus estudos e o legado dela. – Seu rosto então virou-se para mim e, pela primeira vez eu notei que ela parecia sinceramente triste. – Infelizmente eu terei que entregá-lo para ser queimado... Anos de estudos virarão pó.

—Eu... Eu sinto muito. – Tentei consolá-la.

— Obrigado... – Ela fez uma pausa de alguns segundos e então voltou a sorrir como se nada tivesse acontecido. – Felizmente eu tenho isso. – Ela disse, retirando o celular do bolso e balançando. – Só preciso fotografar algumas páginas mais importantes e o resto eu transcrevo como eu lembrar.

Ela disse e então passou a fotografar as fotos do livro.

— Helena, posso te perguntar mais uma coisa?

— Todas as que quiser Ber, acho que te devo isso.- Ela respondeu.

— Como e tudo isso? Digo, de nunca sair da cidade?

Ela parou por um instante e me encarou.

— É a nossa maldição Ber... Podemos ser os seres mais poderosos do planeta, mas fomos trancafiados nessa cidade por um Deus que achava que a humanidade era a única raça digna de andar por toda a Terra. Tem uma lenda, mas eu não sei contar ela ao certo. Pergunte ao Lionel, ele deve saber dela melhor que eu.

Eu confirmei com a cabeça.

— Mas não se preocupe... As coisas vão... Cuidado! – Helena cortou sua frase ao meio, me empurrando para o chão.

No mesmo momento eu vi um clarão quebrar a janela do quarto e atingir uma das paredes explodindo em chamas.

— O que foi isso?

— Eles devem ter começado o incêndio. – Ela respondeu. – Precisamos ir imediatamente. Vassoura, para o baú.

Assim que Helena falou a vassoura mergulhou dentro do baú e a garota se aproximou, fechando-o e girando a figura da lua que adornava sua tampa. Neste instante o baú reduziu rapidamente de tamanho até se tornar uma caixa de fósforos, que foi guardado no bolso.

—Rápido Ber, use a chave pra gente voltar para sala de seu pai. – Ela ordenou enquanto outra bola de fogo atingia o guarda-roupas.

— Que porta? – Eu disse, apontando para o lugar onde existia a porta e agora havia um grande buraco causado pela primeira explosão.

— Droga. – Ela olhou em volta procurando alguma solução, até que achou a caixa onde estava seu grimório. – Vai ter que servir.

Ela me entregou a caixa fechada. Eu olhei para ela por alguns segundos, mas logo entendi o que devia fazer. Coloquei a chave na fechadura e a girei, a sala de meu pai surgiu dentro da caixinha.

— Nós não vamos entrar nisso aí – Eu gritei, em meio as chamas e a fumaça.

— Confia em mim, vamos sim. – Ela respondeu colocando a caixinha no chão e pegando minha mão. – No três a gente pula.

Eu apenas tentei agir como ela mandou.

— Um... Dois... Três...

Assim que pulamos, caímos sentados no chão da sala, com a fumaça entrando pela porta.

— Fecha isso daí, vai empestear toda a sala. – Lionel falava, ainda sentado no sofá.

Eu estendi a mão para puxar a porta.

— Não esqueça da chave. – Helena me lembrou.

Peguei a chave e então fechei a porta. Estávamos novamente no apartamento de meu pai. Dimitre tocava a língua nova que, provavelmente Lionel havia lhe explicado o que era. Eu me aproximei dele.

— Ta tudo bem Dimi?

— Uhum. – Ele respondeu. – Só essa coisa na minha boca que tem um gosto muito ruim.

Eu ri, pela primeira vez desde o julgamento, ele me acompanhou.

— E agora? O que a gente faz? – Perguntei.

— Eu não sei vocês, mas eu vou pra Perdição aproveitar o resto da noite. – Lionel respondeu já se levantando. – Se quiserem carona, essa é a hora.

— Eu acho que a gente merece. – Helena complementou. – Eu perdi minha casa e meu irmão foi morar com lobisomens, Dimitre perdeu a língua e o pai do Ber ta preso numa pedra. É no mínimo justo que terminemos a noite nos divertimos.

Eu encarei Dimitre que já estava com um sorriso no rosto, visivelmente concordando com a ideia. Eu realmente não queria me divertir, mas entre a balada com meus amigos e ficar sozinho naquele lugar que eu mal conhecia, não havia dúvidas da escolha.

Seguimos para lá e, ao contrário da última noite, eu lembro de tudo como se tivesse acontecido ainda hoje. Foi uma ótima noite, a mais divertida. Infelizmente também foi a ultima de calmaria.


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