O Segredo da Capital do Oeste escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 13
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo QUASE não saía, juro. Mas saiu, e espero que tenha ficado bom :v



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Depois do encontro com os membros da Corja, Jessé sabia que não conseguiria dormir. Não era só o fato de Fernanda ter dado a eles bastante sobre o qual refletir, nem porque estava preocupado com a possibilidade de Isaías Vancini chegar à Tábua de Esmeralda antes dele. Uma parte mesquinha e escondida dele estava quase satisfeita com a conversa. Woodstock era uma Usurpadora e havia dedicado anos de sua vida à pesquisa pela única coisa que poderia salvar Jessé; agora, ele teria a chance de retribuir, e ela poderia finalmente fazer alguma coisa por si mesma, ao invés de pelos outros.

Então, sim, Jessé estava incomodado com a conversa com a Corja. Mas a pior parte fora ter sua história exposta daquela forma, para uma sala cheia de estranhos e pessoas que teriam pena dele e lhe diriam palavras vagas de conforto. Assim que Woodstock começara a falar, Jessé se arrependera de tê-la seguido até o escritório. O olhar de Luiz quando ele mostrara seu braço cheio de cicatrizes o assombraria por um longo tempo.

Além disso, havia a questão da lembrança. Ele nunca conseguia esquecer Josafá, não completamente, mas falar sobre ele sempre trazia a memória para o primeiro plano de seus pensamentos, o que fazia com que ele sentisse um inferno latejando em seu coração, ameaçando escorrer pelos dedos e incendiar o mundo inteiro; Jessé não achava que seria capaz de impedi-lo, e, naquela noite, não sabia se queria. Ele pensava nisso, às vezes, em como seria deixar que as chamas o consumissem até que não restasse nada além de cinzas e escuridão. E se perguntava se algum dia Josafá já pensara naquilo, também. Se alguma parte dele, mesmo que mínima, desejara que as coisas acabassem da forma como haviam acabado.

Então, naquela noite, Jessé não dormiu. Seu quarto parecia claustrofóbico, e, como de costume, ele acabou sentado no quintal, onde havia menos coisas inflamáveis e o céu aberto para distrai-lo. A noite estava ridiculamente abafada, mesmo para os padrões de Mossoró. O verão costumava ser a estação preferida de Jessé, e mesmo agora ele ainda gostava de passar longas horas ao sol – parecia mais fácil se acalmar quando o calor vinha de fora dele tanto quanto de dentro –, mas as noites podiam ser difíceis e sufocantes.

Nenhuma brisa chegava até ali, e o pavor irracional começou a se espalhar pelo peito de Jessé junto com as chamas. Seu coração batia acelerado, e ele começou a suar profusamente. Por um instante, teve certeza de que morreria. Certa vez, sua mãe lhe dissera que aquilo era um ataque de pânico. Jessé nunca sabia identificar quanto de seu desespero era só estresse pós-traumático e quanto era sua magia, devorando-o de dentro para fora.

Uma chama fraca se acendeu na mão de Jessé. Era uma coisinha tênue, fraca, mas ele sabia quão rápido o fogo podia se espalhar quando gasolina corria em suas veias. Ele correu para a cozinha e enfiou a mão sob a pia até a chama se apagar, então correu para a garagem, pegou sua bicicleta e correu para fora de casa. Não dava para saber se chegaria ao posto da Polícia Rodoviária Federal a tempo, mas precisava tentar. Era o único lugar em que ele podia tentar extravasar sem correr o risco de machucar ninguém.

Àquela hora, as ruas estavam completamente vazias; Jessé não cruzou com nenhum outro veículo até alcançar a saída da cidade. De vez em quando, ele passava por algum barzinho ainda movimentado, e desejava brevemente poder se juntar aos grupos que se aglomeravam em volta de mesas de plástico e garrafas na calçada. Uma vez, aos quinze anos, ele tivera a brilhante ideia de beber até desmaiar, e acordara cercado pelos cacos de uma garrafa quebrada e uma trilha luminosa de chamas onde o álcool havia facilitado o surgimento do fogo. Ele se mantivera longe de bebidas alcoólicas desde então, com algumas raras exceções.

Jessé estava quase alcançando o posto abandonado quando ouviu o motor de uma moto vindo de algum lugar à sua esquerda. Seu coração acelerou um pouco mais, algo que ele julgara impossível; as palmas de suas mãos pareciam quentes o suficiente para derreter a borracha do guidão, e o ar que ele respirava parecia queimar como fumaça ao entrar por suas narinas. Ele tentou pedalar mais rápido, mas a moto logo o alcançou, e ele viu que uma das duas figuras sobre ela apontava algo suspeitamente parecido com um revólver em sua direção.

Com o maior cuidado que conseguiu, Jessé parou a bicicleta no acostamento e desmontou, com as mãos levantadas. Uma pequena chama surgira em uma delas, dolorosamente óbvia na estrada mal iluminada, mas ele não tinha energia para cuidar daquilo agora. Ele não tinha levado celular ou carteira, e estava abrindo a boca para dizer isso quando o desconhecido com a arma falou:

— É, definitivamente é esse aí. Segura ele.

Antes que Jessé tivesse tempo de processar o que estava acontecendo, a outra figura de capacete se adiantou e agarrou seu braço esquerdo. Por puro instinto, Jessé tentou se desvencilhar, e, por um instante, achou que fosse conseguir, até o homem lhe dar um soco no rosto. Sua cabeça zuniu, e ele sentiu gosto de sangue; antes que pudesse se recuperar do impacto, o homem já estava atrás dele, segurando suas mãos atrás das costas com força. De toda forma, não era como se ele fosse conseguir escapar. Tudo o que tinha era uma bicicleta, e os homens tinha uma moto e uma arma apontada direto para sua cabeça.

Claro, talvez Jessé tivesse uma chance se usasse sua magia contra eles, mas talvez o efeito fosse o mesmo que o de deixar que eles lhe dessem um tiro. Ele fez o possível para conter o fogo em seu corpo, embora a tarefa parecesse impossível com o pânico que estava sentido e o latejar em sua cabeça. A pequena chama em sua mão ainda estava acesa dentro de seu punho fechado, queimando seus dedos e minando sua concentração.

— Onde você fez essa tatuagem? – O cara com a arma sacudiu a cabeça. – Preciso do nome do tatuador pra passar longe. Ficou bem ruim.

— Duvido que o nome do meu tatuador seja o motivo disso – murmurou Jessé.

O homem riu. Ele estava de costas para o farol da moto, estacionada a alguns metros dali, e, como aquela era a única fonte de luz além da lua e das estrelas, tudo o que Jessé conseguia ver dele era sua silhueta alta e robusta. Ainda usava o capacete, de forma que suas palavras saíam ligeiramente abafadas.

— Claro que duvida. Você deve ser um moleque inteligente, se conseguiu chegar tão perto da Tábua – Ele assentiu ao ver os olhos de Jessé se arregalarem. – Pois é, pois é. Nós sabemos. Acho que todo mundo relevante nessa cidade de merda sabe.

— Não está comigo – disse Jessé, porque foi a única coisa em que conseguiu pensar. – Eu não a encontrei.

— Não disse que encontrou. – O homem deu um passo à frente. Seu rosto ainda estava escondido; tudo o que Jessé conseguia ver dele era o cabelo, que era longo o suficiente para escapar por sob o capacete. – Disse que está perto. E é verdade, não adianta tentar me enganar. Eu vi as pesquisas de vocês.

Jessé pensou no Ilusionista que invadira a casa de Woodstock.

— Então, você já sabe tudo que tem pra saber.

— Como eu disse, você deve ser um garoto esperto. – O homem continuou se aproximando, até estar invadindo o espaço pessoal de Jessé. Ele era alto; o garoto precisava inclinar a cabeça para trás para encará-lo. – Então, sabe que isso não é verdade.

Sim, ele sabia. Tudo o que o invasor havia conseguido foram algumas anotações rasgadas no meio, como Woodstock havia lhe mostrado. Mesmo assim, ele não estivera blefando quando dissera que não tinha nada. Geralmente, era Woodstock quem sabia dos detalhes sobre a Tábua; tudo o que Jessé sabia era que ela estava em algum lugar do Rio Grande do Norte, possivelmente Mossoró.

Porém, estava claro que insistir naquilo não levaria a lugar nenhum. Então, ele optou pela segunda opção: enrolar e tentar ganhar tempo para pensar em uma saída.

— Tudo bem – começou ele. Seu cérebro trabalhava furiosamente. – Sabemos que a Tábua está escondida em algum lugar de Mossoró...

O homem agitou a arma de forma ameaçadora.

— Bem, essa é a parte óbvia, não é?

— Ou não – continuou Jessé, como se ele não tivesse falado. – Na verdade, o lance de Mossoró é um palpite. Tem uma margem de erro nos cálculos. Pode ser que esteja em Angicos, ou em Assu. Segundo, hm... – Ele demorou um instante para lembrar de algum nome relevante o suficiente para ter crédito. – Segundo Câmara Cascudo, há registros...

Sua hesitação o denunciou. Outro soco o atingiu no rosto sem aviso prévio, mais doloroso do que o primeiro; o homem usava um anel, e Jessé sentiu o metal cortando seu supercílio. Ele se viu sendo erguido do chão; o homem o agarrara pelo colarinho com a mão que não segurava a arma, e agora seu rosto estava a poucos centímetros do dele. Aparentemente, ele perdera a paciência e decidira largar a atitude cordial adotada até então.

— Não brinque comigo – avisou ele, em tom baixo. – Ao contrário de você, eu sei exatamente o que estou fazendo.

Jessé reprimiu um ruído nada digno e fez o possível para conter a pequena chama em seu punho. Seu nariz latejava, e ele sentiu gosto de sangue.

— Quando foi que todo mundo decidiu acreditar na Tábua?

Provavelmente não foi a coisa mais inteligente para se dizer, mas, entre o medo de levar um tiro, a dor excruciante em seu rosto e o esforço para não entrar em combustão, ele estava um pouco distraído.

Para sua surpresa, o homem que o segurava soltou uma risada.

— Quando descobrimos que muita gente pagaria caro por ela – disse. A resposta deixou Jessé confuso, especialmente porque ele não esperava por uma.

— Pagar?

O homem com a arma soltou Jessé, que quase perdeu o equilíbrio. Ele não percebera quão tonto o segundo soco o deixara.

— Isso é inútil – declarou ele. – Acho que ele não é tão inteligente quanto pensávamos. Precisamos da menina.

O estômago de Jessé deu um nó tão apertado que ele achou que fosse vomitar.

— Ela sabe tanto quanto eu – apressou-se em dizer, embora não fosse verdade. – De verdade. Vocês não vão conseguir tirar nada dela.

Ambos os desconhecidos o ignoraram. Ele teve a impressão de que o homem com a arma o estava analisando atentamente, embora fosse difícil dizer, por causa do capacete. Quando ele quebrou o silêncio, porém, foi para se dirigir ao outro homem:

— Você acha que ela viria atrás dele? Se nós o levássemos, quer dizer.

— Se ela trocaria informações em troca de libertar esse aí? – Jessé sentiu o homem que o segurava dar de ombros. – É possível. Acho que vale a pena tentar.

Se Jessé já estava assustado, aquela ideia o deixou completamente apavorado. Não era apenas a ideia de ser sequestrado por dois desconhecidos que provavelmente já haviam quebrado alguns de seus dentes. Era o fato de que ele sabia que sim, Woodstock viria procurá-lo, e sim, ela trocaria informações sobre a Tábua para salvar Jessé, o que não só a colocaria em perigo, como provavelmente colocaria um objeto mágico poderoso nas mãos erradas. Jessé não gostara daquela conversa sobre pagamentos. Ele tinha a impressão de que Isaías Vancini tinha bastante dinheiro.

Deixar aqueles caras levarem-no estava fora de cogitação, o que o deixava com duas opções: lutar contra eles e tentar fugir ou dizer tudo o que ele sabia sobre a localização da Tábua. Não era realmente uma escolha.

Lentamente, Jessé abriu a mão que continha a chama e se concentrou. Toda a magia que se acumulava em seu peito se precipitou em direção a ela, ansiosa para escapar; ele rangeu os dentes e forçou-a a recuar, mas isso não ajudou a diminuir a pressão e o calor em seu peito, e a chama aumentou muito mais do que ele pretendia. A qualquer momento, os dois homens perceberiam o que ele estava fazendo e dariam um jeito de impedi-lo. Talvez eles decidissem tirar seu pantáculo, imaginando que ele não se atreveria a usar magia sem ele. Eles não tinham como saber que Jessé não seria capaz de parar, e que os três morreriam ali mesmo por causa disso.

O pensamento não o ajudou a se concentrar, e Jessé se resignou. Talvez ele não fosse capaz de se controlar, mas pelo menos aqueles caras não encontrariam a Tábua, e Woodstock poderia seguir em sua missão de salvar o mundo. A chama continuou a crescer, e ele se preparou para a explosão.

Foi então que ele ouviu o ruído de metal sendo amassado, e algo saiu voando da escuridão e acertou o homem com a arma bem entre as omoplatas.

A pancada foi forte o suficiente para fazê-lo se inclinar para a frente, xingando em voz alta. Surpreso, o homem segurando Jessé afrouxou o aperto o suficiente para o garoto conseguir girar o pulso e pressionar a chama na palma de sua mão contra a camisa dele, ateando fogo ao tecido. Instintivamente, o homem o soltou para tentar apagar o fogo, e Jessé recuou o mais rápido que pôde, procurando freneticamente pela bicicleta, mas não achava que conseguiria chegar muito longe, com a queimação em seus pulmões e a forma como suas pernas estavam tremendo.

Além disso, havia a questão da arma. O homem que estivera segurando Jessé ainda estava lutando contra a camisa em chamas, mas o homem com a pistola se recuperara rapidamente, e agora ela estava apontada novamente para Jessé.

— Eu avisei pra não brincar comigo – disse ele.

Então, duas coisas aconteceram ao mesmo tempo: Jessé se abaixou, na esperança de evitar o tiro que sabia que viria, e o revólver saiu voando da mão do homem.

O desconhecido pareceu tão atordoado quanto Jessé, e isso o deixou imóvel e distraído por tempo suficiente para que a coisa que o acertara antes o fizesse de novo. Dessa vez, Jessé conseguiu ver que se tratava de uma barra de ferro dobrada, que atingiu o homem no pescoço, sob o capacete, fez um desvio para acertar a virilha do outro desconhecido, que havia finalmente conseguido se livrar da camisa, e voltou para a mão de quem a arremessara como um bumerangue.

Por um instante, Jessé achou que as pancadas na cabeça estavam fazendo com que ele imaginasse coisas. A poucos metros dele, estava Woodstock, segurando a barra de ferro com uma mão, enquanto a outra apontava a pistola para os desconhecidos com a maior naturalidade do mundo, como se ela manuseasse armas de fogo diariamente.

— Mãos na cabeça – ordenou ela, soando completamente no controle da situação.

Os dois homens ergueram as mãos. Um anel brilhou na mão do que estivera com a arma, e um alerta soou na cabeça de Jessé; aquele homem era um mago, ele lembrou, tarde demais. Antes que ele tivesse tempo de alertar Woodstock, ele virou a palma na direção dela e uma rajada de ar a atingiu. Ela foi arremessada para trás e caiu sobre um dos muitos carros abandonados ali perto com um baque metálico nauseante. Jessé soltou uma exclamação e correu na direção dela. Ele sabia que os desconhecidos estavam fugindo na direção da moto, mas não foi uma decisão difícil de tomar.

Woodstock fez uma careta ao vê-lo. Ela tinha um corte feio no braço direito, onde um pedaço retorcido do capô a arranhara, mas recusou a ajuda de Jessé para se levantar. Havia uma ferocidade nela que ele nunca havia visto antes; Jessé conteve o impulso de recuar.

— O que você tá fazendo? – sibilou ela. De alguma forma, ainda segurava a arma. – Eles vão fugir!

Jessé sacudiu a cabeça.

— Woodstock, você não tá em condições de fazer uma perseguição.

— Fica olhando – murmurou ela.

Então, Woodstock o empurrou para fora do caminho e começou a correr.

Com as pernas trêmulas e o coração ainda queimando, Jessé conteve um suspiro e correu atrás dela.

Os dois homens já estavam subindo na moto quando eles se aproximaram Woodstock levantou a arma, e Jessé teve um momento de pânico – ela pelo menos sabe usar essa coisa? –, mas ela não teve tempo de atirar. Outra rajada de ar foi lançada na direção deles, forte o suficiente para impedi-los de continuar a andar, e tanto Jessé quanto Woodstock levantaram os braços para proteger o rosto da areia e da poeira que se ergueram com ela. Jessé sabia que magos Aéreos eram poderosos, mas nunca imaginara que teria que lutar contra um e testar essa teoria. A força do vento foi o suficiente para fazê-lo perder o equilíbrio e cair de joelhos.

Em meio ao rugido do vento, ele ouviu o motor da moto sendo ligado. Alguns instantes depois, a força da barreira de ar começou a diminuir gradualmente, até desaparecer por completo. Não havia nenhum sinal dos dois desconhecidos, exceto pelo ruído distante do motor. Woodstock apontou a arma na direção do som.

— Você não vai fazer isso – disse Jessé. Ela abaixou a arma.

— A moto é feita principalmente de metal – começou ela. – Eu posso...

— Woodstock.

Com um suspiro, ela deixou os ombros caírem.

— Merda.

Houve um longo momento de silêncio. Jessé olhou para as próprias mãos, que tremiam e emitiam uma luz alaranjada que se tornara a única fonte de iluminação ali. Ele se perguntou se o homem havia conseguido tirar a camisa antes de se queimar. Ele se perguntou se poderia tê-lo matado, caso Woodstock não tivesse aparecido. E se ele mesmo teria sobrevivido a usar mais de sua magia. A resposta para exatamente uma dessas perguntas era “não”, e, no fundo, ele sabia qual.

Ele sentiu uma mão hesitante em seu ombro, e se virou para ver Woodstock ajoelhada ao seu lado, parecendo preocupada.

— Ei. – murmurou ela, suavemente. – Tudo bem?

Jessé sacudiu a cabeça. Ele não havia percebido quão rápida e irregular estava sua respiração, mas parecia adequado. Ele se sentia como se estivesse se afogando, tendo um ataque de asma e tentando correr uma maratona, tudo ao mesmo tempo.

— Não sou eu quem tá sangrando.

Woodstock tocou o nariz dele, depois a pele acima de seu olho esquerdo, com delicadeza. As mãos dela eram calejadas por horas passadas na oficina, e Jessé ainda se sentia como se fosse pular para fora da própria pele, mas o toque era, de alguma forma, reconfortante.

— É, sim – A expressão dela endureceu. – O que aconteceu, Jessé?

Ele contou uma versão resumida, deixando de fora a conversa sobre sequestrá-lo e pedir informações como resgate; não queria ter a confirmação de que Woodstock sacrificaria a Tábua para salvá-lo. Foi uma boa oportunidade para processar os acontecimentos e avaliar o dano em seu rosto. Ele achava que talvez ficasse com um olho roxo ou um hematoma no maxilar, e havia um corte na parte interna de sua bochecha de quando ele acidentalmente a mordera ao levar o segundo soco, mas esses pareciam ter sido os danos mais graves. Seu nariz sangrava, mas não estava quebrado. Provavelmente. Pelo menos, era o que ele esperava.

Conversar com Woodstock também lhe deu algo em que focar além da queimação em seu peito, o que o ajudou a se acalmar, embora ela parecesse mais preocupada do que nunca.

— Porque as pessoas estão dispostas a pagar – repetiu ela. – O que você acha que ele quis dizer? Que eles são, sei lá, algum tipo de mercenários ou comerciantes?

Jessé deu de ombros.

— Foi o que eu entendi. Eles não querem a Tábua, eles querem vender a Tábua pra alguém que queira. E, bem, a gente sabe quem pode pagar.

O semblante de Woodstock era sombrio.

— Esse não o único problema – observou ela. – Eles sabem quem nós somos. Eles sabem onde eu moro, e, se seguiram você até aqui, devem ter percebido que somos vizinhos.

Isso fez com que outra questão ocorresse a Jessé.

— Como você sabia que eu estaria aqui, aliás?

— Eu não consegui dormir, e te mandei uma mensagem. Você não respondeu, e Joana estava online, então... – Ela deu de ombros. – Ela disse que você tinha saído. E eu, naturalmente, vim atrás de você.

— Você veio me salvar – murmurou Jessé. Ele ainda estava tentando processar a forma como Woodstock aparecera pronta para o resgate, enquanto ele ficara parado, em pânico e tremendo como um idiota. Quantas vezes mais ela teria que salvá-lo? – De novo.

Woodstock balançou a cabeça, mas, ao invés de discutir, ela se levantou e estendeu a mão para Jessé. O corte em seu antebraço se estendia a partir do cotovelo e terminava poucos centímetros do pulso, onde sua marca de Usurpadora era visível; ela não colocara seu bracelete antes de sair. Jessé se perguntou se ela ficaria com uma cicatriz no braço esquerdo, combinando com a dele. A ideia o deixou nauseado. Ele aceitou a ajuda para se levantar.

— Pega sua bicicleta – disse Woodstock. – Eu parei o carro um pouco longe. Não queria que eles me notassem.

— Você veio de carro? – Apesar de tudo, Jessé não pôde conter um sorrisinho. – Jogada arriscada. Sua mãe te mataria se você arranhasse a lataria enquanto lutava contra as forças do mal.

— Ah, eu acho que ela entenderia. Mas ela não ia ficar contente. – Ela olhou para o próprio braço e fez uma careta. – Ela vai querer me levar no pronto-socorro.

Jessé esperou que a jornada para casa fosse silenciosa, e até foi, por algum tempo. Ambos estavam cansados e pensativos demais para conversa fiada. Porém, quando eles estavam quase chegando, Woodstock disse:

— Nós vamos ter que aceitar a proposta deles, não vamos? Da Corja, quer dizer.

Jessé se virou para lhe lançar um olhar curioso.

— Por que você acha isso?

— Jessé, nós não somos ninguém. Não podemos lutar contra isso sozinhos – Ela soava exausta e relutante, como se as palavras doessem. E, conhecendo Woodstock, provavelmente doíam. Ela nunca fora fã de admitir que não conseguia fazer alguma coisa. – Esses caras, esses mercenários, seja lá quem forem, sabem quem nós somos e onde moramos. E nós não moramos sozinhos, né?

Jessé pensou nos dois desconhecidos ameaçando levá-lo como refém para atrair Woodstock. Então, pensou em Joana, que passava o dia todo sozinha em casa, e em seus pais, que já tinha sofrido tanto por causa dos filhos.

— Você acha que eles podem nos proteger de alguma forma?

Woodstock endireitou os ombros, assumindo a postura obstinada que Jessé conhecia tão bem.

— Se eles quiserem nossa ajuda, vão ter que dar um jeito, não vão?

Jessé passou o resto da noite encolhido no chão em frente ao sofá da sala com uma bolsa de gelo pressionada contra o rosto, alternando entre encarar as fotografias na parede e a porta de entrada. O fogo em seu interior parecia ter abrandado por enquanto, mas ele não se sentia nenhum pouco melhor.


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Notas finais do capítulo

Se o Jessé e a Woodstock estão juntos na cena, provavelmente foi uma das minhas cenas preferidas pra escrever. Eu amo escrever sobre a amizade deles.



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