Let Me Know escrita por elisa wilde


Capítulo 1
Desde que eu te vi pela primeira vez




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Sextou.

Como diz aquela música, na segunda eles me destruíram, mas até a sexta eu renasci. 

Há anos, como uma tradição inquebrável, desde a minha tenra idade minha mãe e eu passamos os finais de semana na casa de uma das suas amigas mais chegadas. Mas, os anos passaram e as coisas mudaram, sendo assim, buscando evitar o contato com o filho mais velho dessa tal amiga, eu não ia mais a esses encontros semanais. 

Os Min eram asiáticos, para ser mais precisa coreanos e mais ainda, da Coreia do Sul. 

Eles decidiram vir para o Brasil quando Yoongi era só um bebê babão, sua irmã Yoona nasceu aqui e apesar da aparência era tão brasileira quanto eu. Claro, até começar a falar um monte de coisa estranha em uma língua alienígena quando ligava para os avós. A amizade das nossas mães se iniciou quase após se conhecerem. Ambas trabalhavam como professoras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), só que enquanto a Dona Min ensinava Hangul (coreano), minha mãe ensinava Letras. 

Depois de muito estudo e pode ter certeza que muita pressão, Yoona e eu entramos na mesma faculdade em que nossas mães se conheceram. Escolhemos o curso juntas e conseguimos a mesma carga horária uma da outra. Psicologia. E em mais cinco penosos semestres nos tornaríamos psicólogas com carteirinha do CRP e tudo mais. 

A última aula do dia, Neuropsicologia teve fim. Avançamos pelo corredor lotado de estudantes e adoradores de farra, pois, hoje era dia de Chopada da Engenharia e tudo já estava um caos. Quando você vai numa Chopada não pode esquecer-se de comprar o ingresso no primeiro lote, cerca de R$50/60, 00 se não o preço sobe demais para o bolso de estudantes que passam séculos na fila do RU para almoçar pagando só R$2,00. Outra coisa que você não podia esquecer é levar sua própria caneca com o logo do seu curso de preferência, para todos se identificarem mais rápido. 

Na Chopada da UFRJ só tem três tipos de bebida: Água, Refrigerante e Cerveja. Há tempos não vou a uma só para beber cerveja forçada e beijar caras que eu nem lembraria do nome no dia seguinte. Acho que estava começando a ficar velha, pois nem vontade para isso eu tinha. Sem contar que se Yoona não fosse, eu também não iria e vice-versa. 

Acabadas e atoladas até o pescoço com folhetos de locais em busca de estagiários para ganharmos uma merreca, trabalhando e sofrendo o pão que o diabo amassou em troca de carga horária, fomos em direção à entrada lateral tendo que desviar das pessoas que começavam a lotar o ambiente. E aí, eu o vi. 

Não era sempre, mas volta e meia seu irmão vinha buscá-la quando estava de folga ou no horário de almoço do Fórum. Embora nossas casas fossem tão próximas uma da outra quanto o possível, eu nunca aceitava a droga da carona. Minha amiga e eu normalmente vamos para as aulas com o carro do seu pai, minha mãe usava o nosso para dar carona a Dona Min e tudo ficava de boa, porém, hoje o Seu Min ia resolver uns assuntos lá perto de Botafogo, sendo assim, olha só quem veio ''nos'' buscar.

Yoona ainda lutava para pôr todos os panfletos que julgamos ser importantes na bolsa azul.

  — No intervalo minha mãe disse que encomendou na Dona Maria uma lasanha de frango com catupiry do jeito que a gente gosta. — Ela anunciou conseguindo fechar o zíper e ajeitar a bolsa nos ombros. — Quer almoçar lá em casa? — perguntou entrelaçando o braço no meu de lado. 

Ao contrário de mim ela ainda não tinha visto o irmão se aproximando perigosamente. 

Toda Santa Teresa, todo o Rio de Janeiro e quiçá o Brasil inteiro amava a comida da Dona Maria, ela era a melhor cozinheira do mundo, mas eu preferia esquentar o resto do macarrão com carne moída que tinha sobrado da janta e ir para casa em pé no ônibus lotado do que ter que ficar no mesmo local que Yoongi. 

  — Acho que não vai dar não amiga, eu tenho que responder o e-mail do Silvestre sobre a entrevista, você sabe como o povo de lá é rigoroso.  — Abanei os braços tentando disfarçar. A coitada confirmou, até porque não era uma mentira. Fiquei na dúvida se Yoongi já tinha nos visto ou não, mas independente disso eu tinha que ir embora.  — Ih, caramba!  — Exclamei falsamente.  — Eu esqueci minha pasta lá na sala, vou pegar antes que a Suzana vá embora.

Senti o peso do seu olhar desconfiado me analisando sem entender bulhufas. 

  — A lilás?  — enrugou o cenho.  — Eu vi você colocando ela na bolsa antes da gente sair. 

Eu me segurei para não gaguejar e deixar na cara minha mentira ao dizer que não era essa, e sim outra pasta. Logo dei as costas para a sua falação com medo de cometer outro deslize. 

  — Quer que eu espere? — Yoona gritou parada no meio do corredor. 

Apressei os passos e sem olhar para trás respondi: 

  — NÃO! — Berrei.

Um pouco mais afastada respirei fundo sabendo que isso era exatamente o que eu não queria, que ela cismasse em me esperar ao invés de se mandar. 

A conhecendo como eu conheço, decidi não voltar mais para a sala, pois era capaz dela ir atrás de mim e aí ferrou. Como uma das Três Espiãs Demais ou a Kim Possible, me espreitei pela saída leste sabendo que o caminho óbvio que os dois usariam seria o oeste. Assim que tive a chance entrei no primeiro ônibus que avistei mesmo que tivesse que subir a ladeira interminável depois e fui para casa às escondidas. 

***

Protegida pelas paredes grossas que cercavam minha casinha troquei fervorosamente e-mails com o RH do hospital onde queria fazer estágio. Responder e-mails era um saco e tentar parecer profissional através deles pior ainda, porém, talvez mais agradável do que cara a cara. 

Com tudo mais ou menos encaminhado me joguei no sofá e pus as pernas para o alto ao dar play na minha série “Viking”. Mal o Ivar Lothbrok esquartejou três pessoas e meus olhos já estavam revirando para as mensagens infindáveis de Yoona no Whatsapp.

Pensei em ignorá-la e continuar com a minha programação, mas ela era tão insistente.

Yoona Ono:  "Você viu o Yoongi lá no corredor?"

Eu: "Não." 

Eu me perguntei se deveria adicionar algo mais depois do "não" ou se ficaria muito na cara o meu esforço em querer negar que não só o vi como fugi dele como o diabo foge da cruz. Na hora não tive como ter certeza, porém, agora com a pergunta da irmã ficou óbvio que ele também tinha me visto, e não só visto como praticamente presenciado minha escapada. 

Yoona Ono: "Certeza? Não é engraçado como toda vez que meu irmão aparece você some?"

Voltei a me jogar no sofá fechando os olhos em frustração e logo mudando de assunto para outro qualquer que não o envolvesse, afinal, qual alternativa eu teria a não ser me esconder e evitá-lo em toda a oportunidade possível? 

À noite enquanto arrumava a mesa com o jantar que minha mãe trouxe da rua fiquei sabendo da notícia de que todo o pessoal de línguas conseguiu um aumento no salário por conta das aulas extras que tiveram que dar devido às greves no meio do ano. Só de olhar seu sorriso aberto demais e o entusiasmo com que ela me olhava eu sabia que lá vinha bomba.

E pior que veio.

— Ainda vamos receber no final do mês, mas a Minnie já arrumou um churrasco para amanhã. — Ela soltou uma risada ao sentar em uma das cadeiras da mesa de jantar. Por questão de curiosidade, Minnie era como minha mãe tratava a Dona Min. Quando percebeu que eu não retribuía sua animação ou ao menos me esforçava a isso, ela disse — Não me faça essa cara, estou cansada das suas desfeitas e de ter de mentir por sua causa. E outra, a Duda também vai dessa vez, então você nem tem onde se esconder. 

Ai saco.

Praticamente todos os finais de semana quando não ficava em casa eu ia para a da minha prima, mas agora minha única salvação se foi. Tentei argumentar dizendo que tinha um seminário para finalizar, e-mails para responder e o mais importante, séries para assistir, porém, quando minha mãe cismava com uma coisa, só Jesus. Eu sabia que ela me perturbaria a noite de hoje e a manhã toda do dia seguinte com as típicas chantagens usadas pelas mães, e se eu não fosse por ela, iria por dó dos meus ouvidos que teriam que aturar as ligações, mensagens e sinais de fumaça de Yoona me perturbando até que levantasse minha bunda e fosse de uma vez para a droga do churrasco na casa dela. 

Após a refeição eu enchi a esponja de detergente e liguei a torneira para começar a torturante lavagem das louças, pensando que se Duda estivesse do meu lado nada disso precisaria acontecer. 

***

Meus suspiros atravessavam as paredes e foram minha companhia até chegar a casa dos Min. 

Antes de sair do carro cogitei a possibilidade de roubar as chaves e voltar em disparada para a minha preciosa moradia onde passaria o maravilhoso dia de sábado sozinha e rodeada de sorvete sabor leite condensado com chocolate. 

Sem a menor vontade de continuar deixei minha mãe e minha prima avançarem na frente e fui seguindo seus passos quase letargicamente. Como de costume a grande casa estava nada mais nada menos que lotada, meia dúzia de corpos se amontoavam a cada centímetro quadrado. Vi os amigos dele, as amigas de Yoona do Ballet ou do bairro, os amigos do Seu Min, o pessoal do trabalho das nossas mães, incluindo a minha própria, ou seja, LOTADA, LOTADA. 

Mal deu tempo de adentrar aquela muvuca e tive rapidamente os olhos presos pelos dele. 

Yoongi. 

Estamos juntas praticamente todos os dias, mas ele eu via realmente depois de cinco meses inteirinhos. Frente a frente, diretamente e não à distância, ou escondida por detrás de uma pilastra qualquer. 

Olhos presos.

Era isso o que eu queria evitar todo esse tempo, esse climão, essa bandeira que eu balançava sempre que o avistava como a mais perfeita idiota na face da Terra. Não podíamos mais estar no mesmo cômodo, mesmo em pontas opostas e cercados de pessoas meus olhos iam direto para ele. 

O formato do rosto, o sorriso tímido e gengival, os olhos pequenos e puxados, o cabelo escuro e liso. Era exatamente por isso que eu queria e deveria ter ficado em casa.

Antes eu tinha seu contato, nos seguíamos nas redes sociais e compartilhávamos olhadas que amigos de infância não deveriam. Depois das festinhas na sua casa o papo continuava pelo celular, mas aí ou o assunto esfriava ou eu ficava sem graça de incomodá-lo o tempo todo. Às vezes Yoongi demorava a responder e minha ansiedade me fazia perder tempo verificando se ele estava online de cinco em cinco minutos.

Na última festa, aquela bendita festa que fez eu decidir parar de vir, lembrava que a noite tinha sido uma grande bagunça.

A social de verdade rolava lá embaixo cheia de garrafas de vinho caras e petiscos envolvendo antepastos e geleia de damasco, mas na parte do terraço a nossa festinha minúscula dava as caras. Algumas das amigas de Yoona, os amigos dele e eu nos amontoávamos no pequeno espaço.  

O ar cheirava a álcool, cigarro e perfume amadeirado. 

De tão alto o som da caixa de música zumbia nos meus ouvidos, as risadas tremiam meus ombros e as latas geladas congelavam meus dedos. Eu me divertia sim com Yoona e as outras, mas não conseguia parar de olhar o irmão. 

Por mais que eu tentasse algo nele me puxava de uma forma indescritível. Como se Yoongi fosse um imã e eu uma moeda de prata pronta para ser domada pela sua atração magnética. 

Tudo nele era simples. 

As roupas e o boné preto, o sorriso limpo e sincero, o jeito manhoso e tímido. Desde sempre com ele só tinham duas opções, ou algo era certo, ou era errado e ponto. Ele odiava mal entendidos, meias palavras e falta de caráter. 

Olhando de primeira Min Yoongi não tinha nada demais, ele era só mais um cara entre tantos outros, só que para mim, aos meus olhos tudo nele era demais.   

Sempre foi. 

  — Experimenta essa batida de morango. — Yoona gritou no meu ouvido, já na sua terceira ou quarta dose. 

Misturar bebidas nunca era uma boa opção, por isso eu elegia a bebida da vez e ficava nela até não aguentar mais. 

Aprovei a batida sendo arrastada para a pista de dança que era somente o meio do terraço ao som de algum hip hop não identificado, talvez, Jay-Z? Eminem? Drake? Post Malone? Ah, sei lá. Porém, como a boa descompensada que era com relação à dança no geral, resolvi pular essa e empurrá-la para alguém com mais reflexos e que não tropeçasse nos próprios pés tipo a Marcelly ou a Cynthia. 

Acabada minha bebida observei a arruaça delas encostada no muro, gravando vídeos curtos para rir em dias tristes. 

— Quer uma cerveja?  — ele perguntou me estendendo um latão geladíssimo já encostado no muro ao meu lado. 

Quase levei um susto sem fazer ideia de como Yoongi chegou ali sem ser notado por mim que acompanhava atenta a cada um dos seus passos.

— Você sabe que eu não gosto de cerveja. — Estreitei os olhos depois de negar também com uma balançada de cabeça. 

Recebi uma risadinha em concordância, ele sabia.

— E você não vai dançar? — apontou as outras com um gesto de queixo. 

Logo ele terminou sua lata de cerveja, já abrindo a que era para ser minha, mas de qualquer forma virou a dele.

Tombando a cabeça em sua direção, analisei seus olhos pequenos por tempo demais antes de responder. 

— Por que tá me fazendo essas perguntas se sabe que eu não gosto desse tipo de música e também que eu não sei dançar Min Yoongi? — perguntei a ponto de jogá-lo lá de cima. 

Talvez, meu maior pesar nesse mundo seja não saber dançar. 

E ele me banhou com mais uma risadinha. Yoongi parecia tão contente, os sorrisos tão fáceis e contagiantes como uma dessas canções que não saem da nossa cabeça. 

— Por nada. — Deu de ombros. — E apesar de você só gostar de artistas estranhos, com relação à dança a gente combina. — Ele zombou de mim levantando as mãos em sinal de rendição como se não tivesse acabado de ofender meus cantores preferidos.

RIP Michael Shuman.

RIP Ryan Ross.

Na verdade, a gente não combinava em nada, mas sempre se deu bem, ou quase isso. 

Virei meu corpo de alma indie em sua direção indignada ao mesmo tempo em que ria a plenos pulmões, porém, pelo som alto da música presente minha risada quase não teve efeito. 

— Garoto — Apontei meu dedo em seu peito com força. —, que coragem você tem pra falar da minha Z-Berg. Se repetir esses insultos eu juro que faço você engolir essa lata. — Ameacei sem muito afinco. — E outra Yoongi, a gente nunca combinou em nada, mas de uma coisa tenho certeza, sua dança é 3x pior que a minha. 

Quis parecer brava, ou menos besta do que com certeza aparentava com aquele sorriso patético nos lábios, mas como o inferno não consegui. 

Notei o ultraje em suas feições, sua boca caiu aberta e só teve o efeito de fazer com que eu risse mais um pouco. 

  — Você não disse isso! — Exclamou pondo a mão no peito fingindo ofensa. 

Não era como se nunca tivéssemos feito isso, mas aquela noite foi diferente. De alguma forma, de um jeito que não fazíamos há tempos, entre nossa costumeira implicância e deboche, nós também conversamos. 

Yoongi tinha acabado de colar grau em Direito, também pela UFRJ. Desde criança ele queria salvar o mundo, pôr fim na marginalidade explanada principalmente aqui no Rio de Janeiro. Ele queria que a justiça fosse justa. Antes isso era só um sonho de criança, mas descobrir que super heróis vestidos com capas voadoras não existem o fez perceber que heróis verdadeiros são unicamente pessoas que se importam. Se importar com o próximo é a chave e Yoongi sempre se importou mesmo quando não deveria. 

Ele queria ser Delegado e depois prestar prova para Promotor. Apesar dos pesares de uma coisa eu não podia rir ou tripudiar, ele era muito esforçado. 

Acabada a segunda cerveja, ele foi buscar a terceira sendo que na volta trouxe junto uma latinha de coca cola.

— Por que os seus amigos são tão esquisitos? — suspirei dando um longo gole no refri.

Eu tentava de alguma forma parecer tranquila com o fato dele ter diminuído a distância que nos separava, dos meus ombros estarem o tocando na altura dos braços e só esse simples toque casual ser o suficiente para que todo o meu corpo se arrepiasse.

— Depois de um tempo você se acostuma e percebe que eles não são tão ruins quanto aparentam ser — disse simplista. 

Eu imaginei que fosse verdade, afinal, todos eles estavam juntos desde a escola primária, e além do mais, qual o mal em se ter um pouco de esquisitice em si? 

Achei graça da sua fala besta, me virei de volta para o muro ficando de costas novamente para todos.

A vista lá do alto era incrível. 

Eu sempre gostei mais de lugares altos do que baixos, arranha-céus ao invés de casinhas com jardim. Sempre preferi à noite e não o dia. Apesar de não acreditar em magia, eu me perguntava do que mais poderia chamar o imenso céu que abrigava uma noite tão escura e com tantas estrelas brilhando em sua imensidão. Com ele eu sentia como se estivesse na presença de mais uma delas, como se a estrela mais iridescente, luminosa e rara tivesse se desprendido lá de cima só para ficar ao meu lado. 

Ele brilhava tanto, brilhava e brilhava.

Repetindo os meus atos ao também virar de costas, ele pôs a lata vazia no chão e quando subiu de volta foi roçando as pontas dos dedos gelados pelo lado do meu corpo até encontrar minhas mãos em cima do muro. Naquele momento agradeci pelas batidas da música estarem tão altas, se não ele com certeza ouviria as batidas do meu coração.

Tum tum. Tum tum. Tum tum.

— Você tá tão linda, na verdade eu sempre te achei linda. — Confessou buscando meu olhar até que tive coragem o suficiente para fazê-lo. 

Seus olhos são penetrantes, pequenos e escuros, e nesse momento tão transparentes quanto à água da nascente mais pura que já existiu. Diante dele, sob o calor dos seus olhos e entre a quentura de sua mão grande eu mal sabia o que fazer com meu rosto e corpo totalmente entregues.

Antes de continuar uma voz se infiltrou no nosso meio. A irmã chegou aos berros e rindo como uma descontrolada ao meu lado, assustando ambos por termos sido tirados da nossa bolha particular. O sobressalto fez sua mão se recolher, ele me olhou de forma cúmplice encostando mais uma vez no muro, enquanto a irmã gritava. 

— AMIGA! — Ela começou. — Preciso falar com você urgente sobre aquele assunto. — Sua piscadinha foi patética.

Yoona saiu me puxando e tropicando pelo terraço, mas outra mão do lado oposto também me segurou. 

Olhei para os lados estática entre os dois, meu olhar perdido ao mesmo tempo  que envergonhado deixou clara nossa situação, qualquer um que tivesse olhos entenderia o que estava acontecendo ali. 

Ela arfou. 

— Ok! Eu já tava sacando vocês não é de hoje. — Apontou os dedos da mão livre para o irmão e depois para mim de maneira acusatória. — Então era por isso aquele monte de pergunta e o motivo de você ter brigado com o Gustavo quando ele pediu pra apresentar ela pra ele? 

Arregalei os olhos o encarando da mesma forma que fui encarada. 

— Yoona!?? — Yoongi mandou a irmã ficar calada com o peso da culpa nos olhos, mas era tarde demais para isso. 

Analisei aquela descoberta entendendo por fim, o motivo do Gustavo não estar aqui hoje e de mesmo assim ter me mandando uma solicitação de amizade no Facebook. 

—  Eu sabia que ia dar nisso. Sabia que você queria roubar ela de mim. — Acusou. 

A situação seria hilária se não fosse trágica.

Muitos dos que não trocavam saliva ou outras coisas com outra pessoa mantinham a atenção na nossa pequena discussão infantil. 

Com força ele me puxou dos braços da irmã, tanta que bati com as costas em seu peito e senti suas mãos me circulando na cintura com possessão antes de encará-la. 

— Rala daqui Yoona, ela já vai descer, beleza?! — Afirmou a dispensando com um bico fofo nos lábios. 

Ele nem percebia, mas quando contrariado volta e meia um biquinho surgia, eu claro ficava toda derretida. 

Vi o fogo nos olhos dela ao se afastar, afirmando que logo voltaria e sem conseguir me conter eu ria sem parar. 

Voltamos a ficar sozinhos, na verdade voltamos para a nossa bolha, pois mesmo no meio de toda aquela gente que evidentemente não parava de nos encarar, eu parei de lutar e de tentar disfarçar minhas vontades.

Virei seu boné preto para trás lentamente sem deixar de notar o quanto seu sorriso gengival me iluminava mais do que a luz opaca da lua brilhando lá no céu.

— Quando você não é um idiota implicante, até que não é de se jogar fora também. — O olhei de cima a baixo como se estivesse medindo o material.

Na verdade eu estava. 

Todo manhoso ele tombou a cabeça de lado ainda com o biquinho lindo formado, achando graça do meu joguinho, aproveitando para tirar meu fôlego somente com as mãos se apertando mais e mais em volta da minha cintura. 

O som da sua risada gostosa me pegou em cheio, ele era lindo para mim, ainda mais quando sorria. Yoongi não acreditava que até naquele momento praticamente rendida aos seus toques eu ainda implicava. 

Com toda a certeza aquele muro não era o mais macio dos lugares para as minhas costas estarem amassadas, mas não me importei. Seu corpo veio e tapou praticamente toda a minha visão do terraço e das pessoas, mas eu não estava nem aí. A única visão ou miragem que eu queria ter aquela noite era a do seu corpo pressionado ao meu, tudo o que eu buscava estava bem na minha frente.

Sem perder tempo um carinho lento foi distribuído pela minha face com os olhos percorrendo o mesmo caminho que a ponta dos seus dedos. Tão íntimo. Tão perto. O segurei pelos lados prendendo o lábio inferior com os dentes, antecipando a sensação que logo viria com meus cabelos se rebelando por conta do vento gélido que nos atingia. 

Ele brincou com o colar de coração que eu usava há anos e sorriu antes de perguntar: 

  — Quando você vai parar de brigar comigo? — mesmo falando baixo e sendo quase impossível de ser ouvido, eu já não escutava absolutamente nada além do doce som da sua voz. 

Dos meus olhos seu olhar se direcionou dolorosamente para a boca que eu ainda maltratava, porém, somente sua olhada me fez abri-la e quase implorar por ele. Ofereci passagem sem resistência e pedi que Yoongi entrasse e me explorasse da mesma forma que eu gostaria de fazer com ele. 

  — Nunca. — Admiti. 

Com isso sua boca se encaixou na minha com um ofego baixinho antes deu enrolar os dedos na ponta da sua camisa preta e larga o puxando para perto até que nossos corpos para quem olhasse de fora parecesse somente um. 

Aquela noite no terraço de mais uma festa lotada, cheia de bêbados e uma música alta demais nos cercando eu tive o prazer de sentir o melhor, mais envolvente, quente e sensual beijo da minha vida. 

Quando ele sorriu enquanto me beijava eu percebi o óbvio, estava acabada.

***

Os lábios quase cheios, a boca desenhada vermelhinha por causa dos meus beijos. Conseguia sentir o gosto da cerveja, mas de alguma forma ali no fundinho eu sentia um gosto doce que só podia vir dele. 

Como todos sabem, alegria de pobre dura pouco, sendo assim quando Yoona veio a minha procura pela terceira vez seguida, sua expressão mortal deixou clara que eu não teria escolha. 

  — Por que você me odeia? — Yoongi fuzilou a irmã com o olhar, ainda me mantendo nos braços.

—  Solta ela, eu só quero cinco minutinhos com a MINHA AMIGA Yoongi.  — Respondeu.

E assim começou o puxa-puxa comigo tombando de um lado e depois do outro, seguidamente, tipo o João Teimoso. 

—  Larga, larga ela. — Ela dizia. 

— Larga ela você. — O outro berrava. 

Ambos se encaravam com aquele olhar de ódio que só irmãos se encaravam e que de ódio não tinha nada, pelo menos era o que eu imaginava já que nesse quesito ser filha única não ajudava em nada. 

Sem escapatória eu me contorcia nas mãos daqueles loucos de olhos puxados como se fosse uma boneca de pano. 

— Vocês estão me machucando, sua família de desequilibrados. Ainda não cresceram né?! — dei uma bronca nos dois ao completar. — Só que agora o saco de jujuba sou eu. 

A compostura que tanto tentei manter foi por água a baixo, pois, acabei rindo de toda a situação. 

Quando crianças, um dos, se não o maior motivo das tretas dos dois era por jujuba. Não importavam em nada quantos saquinhos de jujuba eles tivessem, um sempre queria e arrumava briga para pegar o do outro. Muitos gritos, empurrões e chororô fizeram parte da nossa infância, sem contar os grânulos de açúcar que me acertavam bem no meio da cara por estar no fogo cruzado. 

Ah, as maravilhosas lembranças da infância. 

Só após meu chilique o garoto da jujuba, ou como costumávamos chamá-lo quando criança, Suga, afrouxou seu aperto. Aproveitando que a irmã tinha me soltado, sem um pingo de vergonha na cara ele me tascou um beijão bem na frente de Yoona.

Quando aquilo começava a ficar bom fui arrastada para longe aos trôpegos, ouvindo os resmungos da minha amiga e sorrindo mais do que deveria, ao praticamente flutuar em direção as escadas. 

  — Você é a minha jujuba preferida. — Ele gritou ainda no meu campo de visão com o mesmo sorriso, os olhos ainda tão meus. 

O motivo do desespero de Yoona tinha nome e sobrenome, Thiago. Na verdade, o sobrenome eu não sabia e nem fazia questão disso.

A palavra crush servia muito para o que ela sentia por esse cara. Ele tinha sido o último integrante a se juntar no grupo de amigos do irmão, e desde então, Yoona além de não desgrudar os olhos dele, perdia a linha sem parar. 

Confesso que Thiago era alto, bonito e ganhava pontos por ter todos os dentes, então, enquanto era soterrada com os últimos acontecimentos entre os dois tentei focar no que minha amiga dizia e não deixar minha mente voltar a pensar em Yoongi e nos nossos beijos no terraço. 

— Segura meu celular rapidinho. — Pediu a caminho de um dos banheiros perto das escadas para lavar o rosto e fazer xixi.

De longe dava para ver que estava cheio demais, a acompanhei até lá, mas não entrei. Sem permissão ou com consentimento meus pensamentos foram direto para ele. Mal podia acreditar que aquilo tinha acontecido que o que eu desejava há tempos estava rolando ao vivo. Meus pés mal sentiam o chão sob eles, agradeci pela existência da gravidade.

Do nada ouvi meu nome lá de fora, eu me aproximei mais da porta do banheiro e sem deixar meu corpo à vista me esgueirei para ouvir. 

  — Não começa Carla, fica na sua que o Yoongi tá com ela desde cedo. — Uma das amigas do Ballet de Yoona, Rebeca eu acho disse ao retocar o batom forte e ajeitar o cabelo. 

A declaração teve o poder de fazer minha atenção na conversa das duas aumentar em 638254%.

  — Rebeca dá um tempo. — Era ela mesma. A tal da Carla apalpou os seios e mudou o lado do cabelo oxigenado com um olhar de superioridade. — Ele só tá com ela por culpa do meu orientador que me prendeu na faculdade e eu cheguei aqui atrasada, mas assim que essa garota for embora todo mundo sabe que ele vai vir pra cima de mim como sempre faz. — Declarou com um sorriso vitorioso. — Tô até de lingerie nova porque sei que a gente vai acabar a noite outra vez na minha cama.

Meu coração apertou na hora como se um martelo o tivesse atingido. Senti a dor nada agradável de quando você percebe que cometeu um erro e não tem como voltar atrás.

A fala dela serviu como um divisor de águas para que eu notasse o quão estúpida estava sendo por pensar que aquilo significava para ele a mesma coisa que significava para mim, porém, para Yoongi, eu só servia aquela noite como um estepe, até a pessoa que ele realmente desejava chegar.

Como fui tonta. 

Minhas têmporas pulsaram assim que fechei os olhos com força o suficiente para ter um treco. 

Ri sem humor algum por ter me permitido ser enganada assim tão facilmente, ainda mais por ele.

Que otária. 

Há não muito tempo atrás me lembro de Yoona ter contado que foi a uma noitada ali na Lapa com o Thiago e a prima dele, Carla. Eu recusei o convite por estar atolada com um projeto de iniciação científica na faculdade e cheia de preguiça de me fazer de simpática para outras pessoas.

Acordei forçada no outro dia com Yoona pulando na minha cama bem cedinho, ainda com a roupa e a maquiagem de balada. Ela passou na padaria e veio direto para minha casa contar as fofocas. Tomamos café juntas enquanto contava tim tim por tim tim de como tinha sido dar uns pegas finalmente no cara que tanto queria. Completando seu monólogo, ela disse que tinha encontrado o irmão e alguns dos seus amigos lá. Na época não dei importância ou me liguei que algo poderia ter rolado entre os dois, mas agora juntando os fatos ao que parece eles veem se pegando desde então.

Procurei pela memória alguma lembrança de tê-la visto anteriormente, mas essazinha tinha mesmo chegado agora pouco tempo. Não que eu prestasse a devida atenção em algo além dele. 

Yoongi.

Balancei a cabeça e quase todo o corpo em negação imaginando que na cabeça dele como não tinha nada melhor para caçar por ali, achou que seria fácil e divertido gastar seu precioso tempo com a amiga da irmã, aquela garota que conhecia desde criança. 

Não vou pagar uma de ridícula e dizer que a garota era feia, não era. Mas essa coisa artificial também não é o tipo de beleza a qual me agrada os olhos. Óbvio que não gostei dela. Não gostei pelo fato evidente e também pelo seu jeito dissimulado de falar e se mover, nossa vibe de longe não bateu e duvido muito que de algum jeito bateria. 

— Fala baixo. — Rebeca pediu olhando para os lados. Eu me afastei na hora com medo que alguma delas me visse ainda com tempo de ouvi-la completar. — Lá vem a sua cunhadinha. 

Encostei-me à parede oposta e fingi mexer no meu próprio celular, assim ninguém acharia que ouvi tudo.

Na boa?

Odiava competições.

Em minha opinião não existia e nem devia existir uma disputa para receber a atenção de outro alguém, quanto mais a de um cara. Principalmente de um que eu sempre senti algo a mais que amizade. 

Meu orgulho e a dignidade que carregava me impediam de aceitar ser a segunda opção na vida dele e de qualquer pessoa. Eu não nasci para ser o plano B.

Quase pude imaginar a cena, meu estômago se embrulhou somente por saber que dividiria ele com essazinha mesmo a contragosto, afinal, uma hora teria que ir para casa o deixando assim, nas garras daquela mocreia. Porém, se isso ia acontecer quer eu queira, quer não, que ele ficasse com essa sem vergonha de agora, porque eu não iria mais participar desse seu joguinho.

As músicas do terraço e do térreo se misturavam entre si, as latas de cerveja se acumulavam da mesma forma que eu quase podia ouvir as taças de vinho tilintando. Meus ouvidos zumbiam. 

As três saíram juntas do banheiro em uma conversa a toa, mantive uma expressão desinteressada na face para não levantar suspeitas e recebi Yoona assim que as largou e veio de volta para mim. 

Carla e Rebeca subiam as escadas meio desconfiadas, esperei que ela aproveitasse bastante minha ausência para servi-lo como ele bem quisesse o restante da noite, pois eu não me prestaria a esse papel. 

— Desculpa a demora amiga, mas eu já tô meio tonta. — Sua voz saiu meio embolada e engraçada.

Já decidida entreguei seu celular e pus o meu no bolso. 

  — Acho melhor você parar de beber — disse preocupada antes de pigarrear.  — Olha amiga, aconteceu uma coisa e eu vou ter que ir embora.  — Anunciei rápido demais sem dar as devidas explicações. 

— O que? — perguntou confusa.

— Depois eu explico. Tô descendo. — Menti dando um beijinho estalado em seu rosto e comecei a andar.

Todo o álcool evaporou do seu corpo ao me encarar com a boca aberta e o cenho franzido mudando os olhos de mim para o terraço

— Mas e o Yoongi? — Yoona quase sussurrou. 

Yoongi?

Continuei minha caminhada às pressas fazendo questão de ignorá-la, sabendo que a Carla poderia cuidar do Yoongi.

 


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