O Nascer da Primavera escrita por Saturn san


Capítulo 2
Capítulo 1 - Do frio para as flores


Notas iniciais do capítulo

Olá! Tudo bem com vocês?
Bem, eu esqueci de mencionar, ou simplesmente não havia pensando naquilo. Mas Prim (como chamo carinhosamente Primrose, um apelido que vocês podem usar também) é uma garota de quinze anos por aparência, então não a imaginem muito adulta, mas sim uma adolescente. Ah, e desde o prólogo, a histórias faz um grande pulo do tempo, como vocês mesmo notarão nesse capítulo.
Boa leitura!



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Estados Unidos, 2013.

 Após um ano desde que os guardiões derrotaram o Bicho Papão, as crianças de todo o mundo estavam seguras, já não havia monstro debaixo da cama ou atormentando seus sonhos e os transformando em pesadelos. A paz havia voltado e a infância feliz prosperava ali.

 Na última noite de inverno, quando tocava a meia noite e todos já adormeciam, uma garota chegava ao centro da cidade, voando pelo céu. Usando uma simples capa de cor creme, com pequenas flores cristalizadas como prendedor do capuz. Ela pousou seus pés sobre a estátua, a mesma que um ano atrás, Jack Frost havia feito Jamie perder um dente.  Aquele era o último lugar que faltava para ela preencher com a Primavera.

— Vejamos... – Ela murmurou abraçando seu cajado e observando ao redor com um doce sorriso. -  Por onde devemos começar?

 Ela girou em círculos sobre a estátua, apontando seu cajado para as árvores, o objeto mágico brilhou em uma cor amarela e lançou luzes em direção ao que apontava, as árvores e galhos secos e cobertor de neves, fazendo as primeiras folhas nascerem e crescerem rapidamente. Primrose logo saltou da estátua girando em torno das lojas e fazendo a neve sumir e no lugar surgirem moitas e flores coloridas. Naquela cidade em que dormiam, só podia se escutar o doce som da risada de Primrose Spring, retornando àquele lugar uma vez por ano e colorindo tudo com a primavera. Já havia estado ali tantas vezes e por tantos anos que sabia o nome de todos os habitantes e onde cada um morava, sabia o horário da escola das crianças e que horas seus pais iam trabalhar e voltavam para casa. Ninguém sabia que era ela que sempre trazia sua amada primavera, não conseguiam vê-la, tocar ela ou a enxergar. Sabia disso, desde a noite em que nasceu ela sabia. Mas não incomodava, eles acreditavam na primavera, acreditavam que após cada inverno congelante acordariam com suas as cores das flores e as árvores cheias de verde.

 Mas então por que não acreditam em mim, que trago tudo isso?

 As vezes se pegava nesse tipo de pensamento, poucas vezes seu nome havia sido citado, ou outras vezes lhe davam outro nome. As vezes até contavam que era um homem que trazia a primavera. Em certa vez, nos anos 80, ouviu um pai de família contar a seus filhos que quem trazia a primavera eras os animais da floresta. Lembra até hoje como ficou irritada, e apenas por birra, fez questão que abelhas invadissem o escritório dele, onde havia um belo vaso de azaleias, após dois dias com as abelhas ali, a família teve que chamar exterminadores de pragas, mas na mesma hora que o caminhão parou em frente a casa, Primrose fez as abelhas irem embora. Assim o casal aprenderia a não enganar seus filhos com essas histórias bobas que os animais é que traziam a primavera.                                                                                                                                                                                                    Com o tempo, ela se acostumou com essas histórias distorcidas, vendo que não a reconheceriam como a representação da primavera. Embora dissesse que não, aquilo a chateava.

Primrose parou quando chegou no telhado de um mercadinho. Toda a cidade já estava livre da neve e decorada com suas flores e árvores. Ela olhou orgulhosa para sua criação, até notar que a Lua a observava do topo, ela abriu um sorriso, subindo um pouco mais em seu voo.

— Olá. – Ela disse, sentando-se em seu cajado e olhando fixamente para a Lua. – Sabe...hoje eu faço cento e onze anos. Sei que nada muda, já que eu não envelheço, mas achei que seria legal você saber, embora acho que já é de seu conhecimento.

 Ela inclinou sua cabeça para trás, o capuz caindo e seus cabelos castanhos deslizando até as costas, sedosos e quase flutuando com sua leveza. Respirou fundo, aproveitando a brisa fresca da noite.

— A família que eu tinha anos atrás, quando nasci, já deve ter morrido há muito tempo. É triste eu não me lembrar deles, mas também é um alívio, assim não lembro de que já partiu e continuo aqui.

 Primrose nunca conseguiu lembrar-se de quem era, mas ainda carregava consigo o lenço branco com flores vermelhas bordadas, que estava com ela quando acordou, aquilo era a última coisa que ela tinha certeza de que era da sua eu passada. O único vestígio de quem um dia ela já foi.

— Hãm? – Olhou para cima com uma sobrancelha levantada, escutando o cochicho do homem da Lua. – Como assim não terminei meu trabalho? Olhe para toda a cidade, eu trouxe a Primavera.

 Ficou calada, escutando os cochichos ainda mais baixos dele. Por fim, desceu de seu cajado e o agarrou na mão.

— Está bem, eu esqueci uma casa, mas não foi de propósito.

 Um tom de indignação tomou conta de seu rosto, enquanto voava a caminho do local esquecido. Ela nunca se esquecia de nenhum lugar, pensou por alguns segundos que talvez ela envelhecesse e a idade estivesse chegando, afinal até as mais belas flores murcham e morrem. Ficou preocupada, mas balançou a cabeça e espantando aquilo, ela ainda tinha trabalho a fazer.

 Parou em frente a uma casa vermelha e com cerca de madeira, onde havia uma enorme árvore já cheia de folhas verdes. Ela observou aquilo com curiosidade, que depois passou para surpresa e então irritação.

— Eu passei por este lugar! – Olhou para a Lua no céu, em seguida apontado em direção a árvore. – Veja, ali está a prova.

 O homem da Lua nada respondeu, mas ela sabia que ele estava sério quanto a haver algo ali que ela deveria fazer. Suspirou e então voou ao redor da casa, de janela em janela, verificando se algo faltava. Então parou em uma janela no segundo andar, encostando na parede de madeira da casa.

— Então era você, danadinha. – Sorriu aliviada.

 Um grande vaso de barro, com crisântemos amarelos dentro, mas murchos e com uma leve camada de neve por cima. Ela deixou seu cajado no ar, levanto as duas mãos até os lábios e dando um leve sopro, como alguém que manda um beijo no ar. Em segundos, a neve se desfez e as flores voltaram ao normal, ficando belas e enfeitando o vaso.

— Viu? Nada mal hein.

 Quando estava prestes a ir embora, o Homem da Lua a advertiu novamente, a voz dele ecoando em seus ouvidos. Sem entender, ela virou-se e se deparou com as flores que havia acabado de fazer desabrochar, novamente murchas e com neve em cima. Franziu as sobrancelhas, não entendo. Mais uma vez, levou as mãos a boca fez o mesmo truque, as flores voltaram ao normal.

 Riu vitoriosa quando novamente a neve voltou com a flores morrendo.

— Mas, eu não entendo!

 Tocou o vaso admirada, em cento e onze anos, nada assim havia acontecido. Com medo e respirando fundo, ela decidiu que teria de olhar pela janela e ver o que naquele quarto atrapalhava seu objetivo de trazer a primavera. Engoliu em seco, sentindo seu estômago dar voltas e voltar.

  Um.

 Começou a contar mentalmente.

Dois.

 Sentiu-se determinada e nervosa ao mesmo tempo. Poderia ser algo assustador?

 Três!

 Virou-se de rapidamente, mordendo o lábio inferior. Então arregalou e piscou os olhos.

 Tudo o que via ali era um garoto que deveria ter entre oito e dez anos, sentado em sua cama, rindo e conversando com alguém que ela não conseguia ver quem era, devido a escuridão do quarto. Não poderia ser um simples menino que estaria atrapalhando a primavera. Talvez ela só não tivesse assoprado com força suficiente.

 Pela terceira vez, enviou um sopro gentil as flores, que se encantaram com seu brilho e calor, a neve derreteu-se e os belos crisântemos floresceram. Sorriu gentilmente, tocando as flores e beijando suas pétalas.

 Sentiu o gosto frio e molhado, os lábios sendo congelados em segundos. Em um susto e movimento brusco, voou para trás com força e esfregando a boca com o capuz. O frio lhe fez arrepiar e abraçar seu próprio corpo, ela não entendia o que estava acontecendo, pensou em desistir e deixar o vaso como estava, mas sabia que o Homem da Lua não a deixaria em paz até encerrar sua tarefa.

 Ainda assustada, levou a ponta dos dedos até seus lábios, ainda frios e trêmulos. Nunca havia beijado a neve antes, somente flores, folhas, frutas e até alguns animais. A sensação era totalmente diferente, ao invés de um calor que chegava aos poucos e a consumia, como o sol que esquenta nossos corpos em um dia de praia, o frio vinha súbito e a tomava por vontade própria e antes que pudesse perceber, ele ia embora, deixando somente uma leve dor aguda e nenhum outro traço, como se nunca estivesse ali e fosse mais insignificante que um sonho ou fruto de imaginação. Nunca havia sentido isso antes, nem quando teve seus lábios beijados por um peixe koi em uma primavera no Japão cinco anos atrás, os lábios pegajosos e molhados daquele peixe faziam ela se arrepiar de nojo, a sensação ficou por semanas. A única diferença para o beijo do peixe e o beijo na neve, era que a neve quase não tinha gosto, exceto por lá no fundo sentir um fio de algo salgado com doce. Enquanto do peixe era algo gosmento e repulsivo. Além do beijo na neve ser muito mais delicado e leve, muito diferente do que ela pensava que era.

 Ainda com descrença e quase não entendo a situação, voltou até a janela, cerrando os seus olhos para enxergar melhor o que havia ali. Agora, o menino de antes dormia em sua cama com um cobertor grosso sobre seu corpo. Além disso, as flores agora estavam vivas, sem a neve por cima ou qualquer outro rastro do inverno. Primrose tocou ainda sem acreditar e certificando cada parte, para ter certeza de que não estava louca e haver ainda um restinho de neve ali.

 Mas não havia nada, a Primavera vinha e o Inverno ia embora, tudo que lembraria o frio se foi. Sentiu-se desapontada com aquilo, dentre todas suas primaveras de décadas que vivia, aquela era a primeira vez que algo tão impressionante acontecia com ela e agora desapareceu. Suspirou tristemente, olhando aquele menino de antes.

— Com quem ele conversava? – Perguntou mais para si mesma do que para O homem da Lua, encarando a criança com curiosidade. 

 Dentro de um mês, aconteceria a Páscoa. Primrose nunca interagia com nenhuma pessoa ou com sequer o famoso Coelho da Páscoa, mesmo que o visse e ele – talvez – a visse também.  Preferia ficar escondida entre as árvores e observar aquelas alegres crianças brincarem. Ela não via motivos para se apresentar a alguém de cargo tão elevado quanto o Coelho, ela somente trazia a primavera, uma estação que os humanos acreditavam que era em relação a inclinação da Terra ao Sol, as poucas crianças que acreditavam nela ou no mínimo conheciam seu nome, eram corrigidas por outro alguém, alegando que a menina bela e de cabelos castanhos que trazia a Primavera não existia, mas sim era tudo obra da natureza. O coelho sabia que alguém trazia as flores consigo, assim como Jack Frost trazia a neve e nevascas, mas nunca havia a visto antes. Talvez fosse tímida demais.

 De fato, Primrose tinha uma certa timidez com quem não conhecia, mas não era por isso, se ninguém conhecia sua existência, nem os próprios guardiões a haviam visto uma vez sequer, então porque ela se daria o trabalho de se apresentar. Era insignificante. Mas não se importava, sempre reprimia com o pensamento: Eles acreditam na primavera, veem ela. Desde que continuasse vendo a primavera e ela existindo, estava tudo bem. Mesmo que não vissem sua criadora.

— Talvez ele tenha um amigo imaginário. – Ela murmurou, ainda observando o garoto.

 Uma trilha de areia dourada surgiu ao lado dela. Não se espantou, sabia que era obra de Sandman, o homem da areia que trazia os sonhos das crianças. Acima da cabeça castanha do garoto, surgiram figuras de globos de neve, ovos de páscoa e dentes. Ela riu, pensando que era alguém com muita imaginação, ou com sonhos muito bagunçados. Se distanciou da casa, observando os caminhos de areia ao redor das residências com crianças, tendo belos e maravilhosos sonhos. Se escondeu em algumas árvores quando notou a presença de pequenas fadinhas dos dentes voando de um lado para o outro, trazendo e levando os dentes que as crianças deixavam de baixo de seus travesseiros, a espera de acordar com uma moeda deixada pela fada do dente.

 Um dia, Primrose também havia sido uma criança? Teria tido seus sonhos exibidos na areia dourada de Sandman? Teria seus dentes caídos levados pelas fadinhas e na manhã seguinte contente ao acordar e se deparar com uma moeda deixada sob o travesseiro? Teria ido caçar os ovos escondidos nas moitas pelo Coelho? E teria ficado acordada até tarde da noite, escondida esperando pelo Papai Noel descer pela chaminé e na manhã de Natal encontrar seus presentes debaixo da árvore?

 Tudo que envolvesse sua outra vida era um mistérios e mil perguntas surgiam em sua cabeça, quanto mais anos passavam e mais crianças via, mais curiosidade sentia. Mais determinação e emoção de descobrir seu passado a enchiam cada ano que passava. Mas no final, todo seu ego era murcho pelo fato de que em 7 bilhões de pessoas no mundo, seria impossível encontrar sua família, e também deveriam estar mortos, somente seus descentes deveriam estar vivos.

 Distraída com seus pensamentos, não percebeu uma arraia de areia dourada rodear seu corpo. Primrose acariciou seu corpo com delicadeza, como alguém que acaricia um cachorrinho. Por um curto período de tempo, ela sentiu um vento frio assoprar sua capa e fazer um arrepio percorrer a espinha. Olhou para trás, assustada. Mas nada havia de folhas e galhos.

 Era um vento diferente do frio do inverno, diferente do garoto que vinha antes de si e preenchia tudo com a neve. Ela não reconhecia o frio de agora, ela algo mais sombrio, assustador. Uma sensação desconhecida. Isso a fez sentir-se insegura

 Voltou a acariciar a arraia, de vez em quando olhando para os lados ou atrás de si, tendo sempre certeza de que não havia ninguém mais ali espreitando, com um olhar atento e desconfiado.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!



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