De pedra e vidro escrita por Beatrice Vitanuova


Capítulo 1
A perda




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777903/chapter/1

I.

Sansa sentia os olhos pesados, estava naquele momento de torpor que antecede o sono. Custara a encontrar uma posição confortável. Desde a chegada de Jon que não conseguia relaxar. O pescoço e os ombros lhe doíam. Sentia-se rígida, como se tivesse uma pedra sobre o peito. Agora que eles haviam partido estava menos tensa. Parecia que seu corpo aos poucos voltava ao normal. Mas sua mente não se acalmava e parte dela havia ido com eles. Estava preocupada com Jon. Ultimamente dera para ter pesadelos. Tinha sonhos aflitivos onde ele e Robb se confundiam. Muitas vezes acordava com a sensação de não ter repousado.

Sentiu que alguém abriu a porta sem bater e entrou no quarto. Enfiou a mão por debaixo do  travesseiro e pegou a adaga de obsidiana que Arya lhe entregara no dia da batalha com os mortos. Não se separava dela desde então. Ergueu a cabeça  e ficou aliviada. Largou a arma.

—O que houve, Maeve?

A criadinha parecia aflita. Segurava uma lanterna de ferro.

—É Lady Brienne, minha senhora...

Um mau pressentimento invadiu Sansa. Ela percebera que muita coisa estava acontecendo em Winterfell e que Jon, cada vez mais distante, nada percebia. Sabia que Arya andara se deitando com o jovem Gendry. Tinha um ótimo ouvido e alguns criados discretos e fiéis. Nada dissera a Jon, porque ele não parecia interessado em nada que não fosse suavizar o caminho de Daenerys Targaryen rumo ao trono. Jon era outro, agora.

Arya era esperta, Sansa não sabia se era a primeira vez da irmã, mas apostava que ela não teria problemas. Porém,  Lady Brienne, apesar de mais velha, era quem realmente a preocupava. Teria sido tão mais fácil e melhor se ela aceitasse Tormund. Ele a quisera para ele assim que a conhecera. Tormund era rude, mas tinha bom coração. Mas Lady Brienne provavelmente não queria homem nenhum em sua vida, e se aceitava Jaime Lannister era porque o amava. Sansa não confiava em Jaime. Mas confiara no critério de Brienne. Ele havia ficado e lutado com bravura. Depois acontecera algo. Ele estava acintosamente rodeando aquela mulher tímida. Parecia estar sempre perto dela. Tanto ele quanto Tormund estavam como que demarcando território, do jeito que fazem certos animais. Sansa esperava que ele gostasse mesmo dela. Contudo ele era um Lannister, e seu instinto sempre gritaria para que não se fiasse neles. Só abria uma exceção para Tyrion.

Sansa saiu da cama e rapidamente jogou o abrigo de peles sobre a camisola de lã fina. Foi seguindo Maeve, tentando não fazer barulho. Fosse o que fosse, era bom ser discreta e não comprometer Lady Brienne ainda mais. Algumas pessoas certamente haviam notado que os dois agora estavam juntos.

A criada se deteve diante dos degraus que desciam para o grande pátio interno. Sansa olhou para baixo. Estava escuro. A primeira coisa que viu foi o cabelo curto e claro da amiga. Desceu alguns degraus e antes mesmo de sentar, percebeu que ela estava  soluçando. Sansa envolveu seus ombros com o braço. Brienne de Tarth continuava de cabeça baixa, com os braços sobre os joelhos e o rosto oculto.

A neve caía em flocos miúdos. Maeve ficou sentada esperando, no primeiro degrau da escada de madeira. Aquele desespero durou algum tempo. Quando Brienne se acalmou, Sansa e Maeve  levaram-na para o próprio quarto. Nele havia só desordem, mas não restava nem a sombra de Jaime Lannister. Naquele momento Sansa comprovou a certeza de seus instintos. O regicida era um canalha.

II.

Sansa dormiu ao lado de Brienne. A pequena Maeve arrumou uma cama improvisada sobre um baú, aos pés da cama. Brienne não dissera nada. Despira o abrigo e se deitara, com as feições descompostas e os olhos muito vermelhos. Assim que elas a cobriram, caiu num sono profundo. Pela manhã, Sansa foi para o próprio quarto se aprontar para o dia. Depois do desjejum, mandou chamar Podrick Payne.

—Milady...

—Sente-se, Podrick, por favor...

—Aconteceu alguma coisa?

Sansa estava sem jeito.

—Sor Jaime Lannister partiu.

Podrick ficou surpreso. Aquilo era inesperado. Jaime Lannister parecia bem contente consigo mesmo, sempre perto de sua senhora.

—Mas ele tinha resolvido ficar. O que houve?

—Parece que mudou de ideia.

—E Lady Brienne, digo, Sor  Brienne? Ela foi com ele?

Sansa involuntariamente baixou a voz.

—Não, ela ficou. Está deitada. Não está muito bem. Foi  por isso mesmo que eu o chamei. Precisamos ser discretos. Com alguma sorte, o assunto morrerá por aqui.

Podrick não estava entendendo. Contudo, percebeu que a Lady de Winterfell estava sendo econômica em suas informações. Sentiu-se na obrigação de explicar.

—Não pergunto por mal, é que me preocupo com minha senhora.

—Eu sei Podrick. É que ela realmente não disse nada. Só sei que Sor Jaime partiu e que Brienne está abalada. Vamos tratá-la com cuidado.

—Sim, milady. Pode contar comigo.

—Obrigada.

Maeve informou que Brienne só tomara um pouco de água. Virara para o lado e voltara a dormir. Pouco depois trouxeram Zara, a curandeira que viera com os homens livres e permanecera em Winterfell para ajudar com os feridos. Ela era  morena, de meia idade, muito calma. Sansa preferira acioná-la em vez de chamar um Meistre ou Sam Tarly.

—Eu chamei você, Zara, porque Lady Brienne é especial. Você a conhece, não?

—Sim. A mulher grande. Ela é bela como uma torre ao sol, minha senhora.

Sansa sorriu. Zara dissera algo bonito, sem perceber.

—Por fora ela é uma torre ao sol, mas por dentro é totalmente diferente. É muito sensível. Devemos ter muito cuidado para que ela não sofra mais.

—Farei o que puder para ajudá-la, Lady Sansa.

III.

—Vim ver como está. Trouxe Zara comigo. Ela entende muito de doenças.

Brienne respirou fundo, sentia-se péssima. Mas demonstrar seu mal-estar publicamente, estava fora de cogitação. Soergueu-se  e tentou parecer natural.

—Não estou doente.

Os olhos inchados e o rosto pálido contradiziam suas palavras. Sansa sentou-se na borda do leito. Falou com extrema suavidade.

—Na verdade, deve deixar que ela a examine. É o certo a se fazer. Quer que eu fique aqui com você?

Brienne sentiu o tom inflexível daquelas palavras. Não queria dar trabalho. Ela deveria cuidar de Sansa e não o contrário.

—Não é necessário.

Sansa assentiu.

—Volto depois.

IV.

Zara  parecia tranquila.

—Ela sofreu um grande abalo. Está sonolenta, sem disposição ou apetite. Mesmo assim eu a examinei, fiz algumas perguntas. Parece normal. Agora, só nos resta dar tempo ao tempo. Eu recomendei que ela tomasse alguma infusão específica para evitar algum tipo de surpresa desagradável.

Sansa sentiu o rosto corar de vergonha. Brienne vinha de uma família notável. Era certo que ela teria muitos problemas se algo assim acontecesse.

—Compreendo. Mas espero que não seja o caso.

—Sempre é prudente prevenir. Fale também com ela, depois me avise do que ficar resolvido.

V.

—E então?

—Já estou bem, Sansa.

—Não, não está. Mas não precisa falar disso, se não quiser.

Brienne falou num fio de voz:

—Eu não quero.

Sansa sentia a tristeza de Brienne como que flutuando no ambiente.

—Zara disse que você parece bem. Mas há cuidados a tomar...

Brienne deu um sorriso cansado. Queria aliviar Sansa.

—Eu vou ficar bem. Só preciso de tempo.

—Entendo. Se quiser conversar...

—Não, Sansa. Nunca mais quero falar sobre esse assunto. Pelo menos, não se eu puder evitar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "De pedra e vidro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.