V E N U S - Origin escrita por badgalkel


Capítulo 5
1.4 Bombardeio




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Campo 107º; em algum lugar de Londres, Inglaterra - RU.

A cor vermelha assumiu todo o cenário.

Dos mais diversos tons. Sangue vivo, sangue coagulado, sangue viscoso e sangue ralo.

E Harriet estava coberta por todos eles.

A movimentação no campo nunca fora tanta quanto agora. Homens carregavam uns aos outros por todos os lugares. Feridos gritavam de dor por todos os lados e corpos desfalecidos estavam espalhados por todas as partes.

Harriet mal conseguia respirar e, não sabia como, ainda tinha forças para continuar suturando ou tirando algum resíduo de bomba do membro de alguém. Sua mente mal funcionava enquanto suas mãos agiam o mais rápido possível.

"O que aconteceu?" Alex esbravejou.

"Bombardeio" confirmou outra voz. "Pegaram-vos desprevenidos"

"Onde?"

"Há uns quinze quilômetros daqui" vociferou um dos enfermos. "Muitos tiveram que ser deixados, não tinha possibilidades de salvação."

"Temos que sair daqui o mais rápido possível, a possibilidade de outro bombardeio é muito grande."

"Doutora"

"Temos que ir!"

"Doutora"

Harriet parou apenas quando uma mão segurou seus braços. Sua visão estava turva e seus ouvidos abafados. Ela tinha leve noção do tamanho do caos ao seu redor até realmente visualiza-lo.

Preferia não ter o feito.

Respirou fundo múltiplas vezes, afastou a mãos de seu braço e voltou ao ferimento exposto. Só sabia que tinha que continuar suturando e retirando resíduos de bomba. Essa era a sua função.

Quando ia passar para o próximo enfermo, braços fortes tornaram a afasta-la.

— Preciso continuar, - ela gritou a plenos pulmões – ele vai morrer!

— Ele já esta morto, doutora. – disse a voz do Sargento, engasgada. – Não há mais nada que possa fazer por ele.

— Não... – soprou sem voz.

— Temos que ir! – gritou Alex. – Richard, pegue as caixas. Não podemos perder as amostras.

— Coloquem a Harriet em um carro, - gritou outra voz que ela não pôde reconhecer no momento – precisamos tirá-la daqui agora!

— Eu a levo, sou responsável por ela. – Barnes esbravejou.

— Tudo bem, recolham os equipamentos. – Richard ordenou aos outros médicos, igualmente abalados. – Não há nada mais que possamos fazer por eles. O resgate está os transferindo.

— Eles vão morrer... – Harriet soprou, com a garganta seca.

Barnes, que já estava deveras abalado, decidia-se se devia ou não devia contata-la. Precisava de sua ajuda.

Observou-a de perto por todo este tempo e comprovou com os próprios olhos o porquê de ela estar em um cargo de chefia.

Era boa.

Muito boa.

Assim sendo só ela seria capaz de solucionar o seu problema.

Eles não eram próximos, muito menos colegas. Mas ele teria que passar por cima do orgulho ferido para salvar uma vida. E o faria sem pensar duas vezes.

— Preciso da sua ajuda, - sussurrou ele no ouvido da jovem, puxando-a pelo braço para longe da cabana de assistência e mirando diretamente em seus olhos. – Por favor.

Nunca havia presenciado tamanha suplica naqueles olhos chamativos. Deste modo ela tratou de respirar fundo e limpar os olhos, que mal tinha notado estar encharcado por lágrimas.

Fitou os olhos, também angustiados, do Sargento com mais clareza e indicou que poderia prosseguir. Este correu por entre os feridos e ela seguiu em seu encalço.

Chegando a um determinado limite do campo, Barnes se agachou em frente á um homem.

Ela o conhecia.

Este havia contado a historia de como havia conhecido a sua esposa á Harriet na noite anterior. Patrick Fitzgerald, se não se enganava. Amigo próximo do Sargento.

— Está muito ferido. – disse o Sargento com os olhos marejados, controlando a liberação das lágrimas. – Por favor...

Ela se agachou junto ao soldado e começou a analisar os ferimentos.

Não eram tão graves, comparados aos demais soldados. Contudo, era necessária uma pequena cirurgia para a reparação da costela, que havia consequentemente lesionado o seu pulmão.

— Precisa de uma rápida cirurgia. – explicou. – Acredito que deva aguardar um dos carros de transporte.

— Retirada em cinco minutos! – Gritou um soldado aos demais.

— Não, - soprou o senhor, com a voz falha. – irei morrer se me deixar ir.

— Não tenho mais anestesia aqui, o senhor sentiria muita dor. – revelou hesitante.

— Não mais do que sinto agora, - disse quase sem voz. – você tem que...

E, de repente, Patrick entrou em convulsão.

— Rápido, segure a cabeça dele. – ela solicitou e de imediato o Sargento a obedeceu.

Passado a convulsão, o senhor parou de respirar.

— E agora? – indagou o Sargento com as lágrimas agora escorrendo como linhas duras por seu rosto.

— Preciso fazer aqui e agora, ou então ele morre. – dito isso a jovem correu para encontrar acessórios que pudessem a ajudar.

Encontrou uma adaga entre objetos de primeiro socorros caídos pelo chão, suas pinças, linha e álcool. Não precisava de muito mais.

Retornou onde o Sargento estava segurando o colega nos braços e pediu para endireita-lo.

— Você vai ter que segurá-lo. – disse á Barnes – Se ele se mover enquanto minha mão estiver lá dentro, vai tudo por água a baixo.

Barnes respirou firme e se concentrou, enquanto Harriet abria o homem e enfiava a sua mão entre os órgãos dele.

Visto que a lesão causara uma pequena hemorragia, esta teve que afastar a costela que causou o estrago e suturar o corte. Para isto retirou um grampo do cabelo e o esterilizou.

O homem se contorceu de dor. Barnes conseguiu o segurar.

— Temos que ir agora! – esbravejou o Tenente ao longe.

A jovem se apressou em estancar o sangue, suturar e deixar as coisas de volta no lugar apropriado, improvisando em meio ao campo aberto.

Visto que o homem abrira os olhos e respirava adequadamente, Barnes respirou aliviado.

— Vá, - disse o Sargento. – eu fico para deixa-lo com o resgate.

— Não, - respondeu. – precisa de ajuda para leva-lo até o ponto. – indicou com a cabeça os carros de transporte dos feridos a mais de dez metros de distancia. – Eles não virão até aqui.

— Não, você te que ir! – vociferou. – Se algo acontecer com você...

— Quem decide por isso sou eu. – retrucou interrompendo-o.

Barnes ficou sem fala. Nunca, nos seus mais variados devaneios, imaginaria que Harriet Stark arriscaria a própria vida para salvar a de um soldado qualquer.

Por um instante, o mundo parou. Enquanto ele assimilava o que acabava de acontecer.

Neste tempo ela procurava com os olhos por algo que pudesse servir como maca e encontrou uma mesa caída.

Correu até lá e tentou ergue-la.

A perna da mesa estava presa á ferros retorcidos, do que uma vez fora uma cama. Antes que ela pudesse tentar soltá-la, Barnes chegou chutando as pernas da mesa e as separando da base da mesa.

Juntos eles carregaram a base até Patrick e o ajeitaram.

— Rápido, ou ficaremos para trás! – alertou o rapaz.

Eles ergueram a mesa com Patrick sob ela. O peso era excessivo.

— Consegue carrega-lo? – indagou o Sargento, visto o esforço da moça.

— Tranquilo. – soprou rapidamente, mentindo descaradamente.

Seus braços teriam que aguentar, pois ela levaria o senhor até que este ficasse em segurança. Nem que perdesse os membros no meio do caminho.

  Atenciosamente eles foram andando por entre os feridos até que conseguissem chegar aos socorristas nos carros. Harriet mal sentia seu corpo, o peso a comprimia por inteira.

Quando finalmente conseguiram colocar Patrick dentro do carro puderam respirar aliviados.

Uma Harriet ofegante sorriu para o Sargento antes que este conseguisse segurá-la a tempo. Suas pernas estavam bambas e doloridas.

— Vamos, você consegue! – Ele incentivou-a. Pegando-a no colo e correndo na direção que vira os militares seguirem. – Fica comigo.

— Estou bem. – insistiu, com a visão desfocada. – Foi só uma tontura.

— Adrenalina em alta e esforço excessivo, Doutora. – disse ele. - A senhorita mais do que ninguém deveria saber as consequências dele.

Harriet se permitiu sorrir antes de sua visão ser tomada pela completa escuridão.

—x-

Uma hora.

Fora preciso uma hora para ter causado todo aquele estrago.

Apesar de já terem prestado os primeiros socorros á maioria dos feridos e transferindo-os para um hospital local, muitos não aguentaram a espera e faleceram.

Os sobreviventes e sem ferimentos graves adiantaram-se por quase trinta quilômetros floresta adentro para fugir da mira do inimigo.

Barnes, com a caçula Stark em seus braços, conseguiu alcança-los duas horas depois.

Quando Harriet finalmente acordara notou que estava deitada sob um colchonete ao chão, dentro de uma barraca que não cabia nada mais que ela mesma. Levantou-se rapidamente, porém a tontura não permitiu que continuasse.

Teve de respirar fundo com os olhos fechados cinco vezes consecutivas, até que sua visão voltasse ao normal.

Finalmente levantou-se, agora devagar, e saiu para o lado de fora da tenda.

Ali, varias outras tendas foram reerguidas. Soldados sentados ao chão por todos os lados, todos sensibilizados com o ataque que ocorrera há poucas horas.

Harriet continuou, procurando um rosto conhecido.

Encontrou Alex sentado ao lado da maior tenda do campo, com um prato de comida sob as mãos. Ele havia tirado o excesso de sangue de seu rosto e mãos, mas os vestígios ainda os denunciavam. Quando a avistou, deixou o prato de lado e levantou-se para abraça-la rapidamente.

— Graças a Deus, você está bem. – o rapaz disse.

— Digo o mesmo sobre você. – sorriu ao se afastar. – Richard...

— Esta na fila da comida, - indicou com a cabeça um ponto mais a frente onde homens se organizavam em filas indianas para a refeição. – pela terceira vez.

— Deixe-o comer, - falou ela rindo antes de adquirir uma postura séria – precisa se recuperar e se preparar pelo o que ainda esta por vir.

— O que quer dizer? – questionou preocupado.

Harriet respirou fundo antes de enunciar:

— Não vamos embora. Ao menos, eu não vou.

— Está louca?

— Estes homens precisam mais de nós do que imaginei. – sorriu fraco – O resultado disso seria deveras diferente caso já estivessem com o soro em suas veias.

Alex umedeceu os lábios, refletindo.

— Vou permitir que vá, aqueles que queiram ir. – ela suspirou – Afinal, não sobraram muitos homens para que possamos coletar amostras.

Richard se aproximava dos dois, já estava com o prato em mãos.

— Qual o plano, chefe? – questionou o mesmo.

— Terminar com isso o quanto antes possível para que estes consigam vingar seus companheiros. – soprou entre dentes.

—x-

No dia seguinte Harriet anunciou sua decisão aos demais médicos e apenas um optou por ficar. O Tenente agradeceu o auxilio que a equipe prestou aos feridos e cuidou da volta para a casa deles pessoalmente.

Harriet solicitou á Malcon que reunisse os soldados para que ela pronunciasse um comunicado. E de bom grado ele o fez.

Ele havia presenciado bravura e tamanha coragem da jovem desde o inicio do bombardeio. Concluiu que não poderia estar mais errado em relação à ela e suas intenções perante os homens de sua divisão.

— Caros companheiros, eu, mais do que ninguém, lamento a perda de todos vocês.

"A morte de companheiros tão honrosos e leais não será esquecida. A minha missão aqui não se difere muito da de vocês. Estou aqui para matar nazistas e é isso que eu vou fazer. – limpou a garganta. – O governo dos Estados Unidos não quer que eu revele isso á vocês, - Harriet mirou Alex, que assentiu, incentivando-a. – mas eu não acho justo assisti-los saírem por aí desnorteados sem um pingo de esperança no bolso."

"Estou trabalhando em um projeto secreto, o qual tornará muitos de vocês mais fortes e intelectualmente desenvolvidos. Esta é a nossa arma contra os alemães. Por isso vim para recolher estas amostras que venho coletando de cada um de vocês."

"Peço que, por favor, cooperem. Os soldados que ainda não tiverem seus fluidos coletados apresentem-se á tenda de pronto atendimento para que os testes sejam iniciados. E, assim, para que possamos nós mesmos estourar os miolos de Hitler e envia-lo aos portões do inferno."

O discurso foi encerrado com uma avalanche de salva de palmas e assobios.

— Mandou bem - disse Richard sorrindo assim que a mulher se aproximou.

Nos três dias seguintes Harriet brigou com seu irmão para que continuasse no lugar e finalizasse seu trabalho. Howard, contrariado, ameaçou retirar os recursos fornecidos á mulher se esta não retornasse á América imediatamente.

Depois do bombardeio e o seu resultado, Harriet se tornou ainda mais dura e exigente, não permitindo fracassos ou falhas.

Daria sua vida para aquele projeto, se preciso.

Mas Howard não concordava.

Por isto, em uma manhã de terça-feira, ele apareceu na base móvel para levar a irmã para casa.


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Notas finais do capítulo

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