Em casa Samuel fazia as coisas para o pequeno Emir que tagarelava sem parar sobre a aula daquele dia.

— A professora mandou escrever um texto sobre a pessoa que mais admiramos.

Samuel virou para o filho e colocou a refeição na mesa e sentou de frente para ele.

— E você já sabe o que vai fazer?

Emir colocou a mão no queixo e ficou pensativo. Aquela cena causou riso em Samuel, que tocou no nariz do filho.

— Tenho certeza que você saberá o que fazer?

— Sim!

— Agora vamos, deixe isso e vamos comer.

Após a refeição, Emir ficou revirando no pequeno espaço, mas logo depois se rendeu ao cansaço e dormiu no sofá. Samuel carregou o filho e o colocou na cama. Por alguns segundos ficou olhando para ele.

Sentia falta de Kenya. Ela sem dúvida teria orgulho do filho. Emir tinha muitos traços da mãe, mas sem dúvida sua inteligência e amabilidade eram as marcas dela. Isso tinha sido o motivo pelo qual se apaixonou. Ele beijou o filho e quando estava saindo viu que no calendário estava marcado com a data do aniversário do pequeno.

Que tipo de pai ele era? Indagou-se Samuel sentindo culpa por esquecer aquela data. Faria algo para comemorar aquele dia.

Quando ele deitou lembrou-se daquele dia anormal. Fernanda era uma mulher diferente do que pensava. Em nada parecia com aquelas madames. Isso o surpreendia a cada dia! Não imaginava que ela se importasse com coisas de seus empregados. Isso o intrigava ainda mais.

Ao longo daquelas semanas o relacionamento entre Samuel e Fernanda tornou-se mais amistoso. Ele nunca esquecia que ela era sua patroa, mas sempre que podiam eles ficavam conversando sobre temas triviais.

Ela era uma boa ouvinte. Antes que eles pudessem perceber, tinham se tornado mais próximo.

Fernanda estava na piscina e conversava com Milena, uma amiga de tempo de faculdade. Depois do casamento, ela praticamente se afastou dos amigos. Lorenzo não gostava que ela trouxesse pessoas em sua casa. Ele sempre fez questão de salientar muito bem isso!

—Quem é aquele Adônis que está nos olhando com tanta atenção?

Fernanda não precisava olhar para traz, pois ela sabia que se tratava de Samuel.

— Eu falei para você sobre o Samuel.

— Nossa, mas é lindo!

Fernanda conhecia muito bem o estilo namorador da amiga e de certa forma sentiu-se inquieta ao ouvi-la falar sobre ele.

— Milena eu conheço você! — Não foi preciso falar de modo mais incisivo, pois a amiga tinha compreendido sua relutância.

Milena riu.

— O que foi? — indagou Fernanda sentindo-se contrariada. Ela conhecia muito bem o jeito brincalhão da amiga.

— Ciúme?

Fernanda riu não acreditando no que estava ouvindo. Milena só podia ter ficado louca!

— Já chega de brincadeiras! — Fernanda levantou da espreguiçadeira. Ela atendeu ao celular que estava soando. Ao ver que se tratava de Lorenzo, ela sentiu o corpo gelar.

Com a voz ríspida ele tratou de avisá-la que chegaria tarde naquela noite. Que ela não o aguardasse para o jantar. Ao ouvir aquelas palavras Fernanda sorriu cínica. Milena notou aquela reação e comentou:

— O que houve?

— O Lorenzo... Não vira jantar em casa hoje.

— O que é essa cara Fernanda? — Milena sabia que algo não estava bem. — O Lorenzo está aprontando alguma?

— Se fosse apenas isso eu ficaria tranquila... — Com isto ela terminou o assunto.

Fernanda passou o dia muito agradável na companhia da amiga. Sentiu-se bastante relaxada e se divertiu muito.

— Quando aquele teu marido chato não estiver, nos marcamos para sair. Quem sabe ver um filme. Se é que você ainda lembra o que é isso.

Ela tinha que concordar com Milena. Depois do casamento com Lorenzo ela tinha se tornado outra pessoa. Por vezes ela sentia-se presa com a atitude possessiva do marido.

Lorenzo chegou em casa já era bem tarde da noite. O semblante dele era de visível irritação. Fernanda não comentar nada, mas foi difícil para ela esconder seu descontentamento com aquela atitude.

— O que houve? — perguntou ela ajeitando a roupa de dormir. Fernanda conhecia o marido e era difícil ocultar certas coisas.

— Você sabe quando não estou bem, não é?

— Quando nós ainda tínhamos um casamento normal, eu sabia tudo de você. Hoje tenho que adivinhar... — ela comentou com sarcasmo indo em direção ao banheiro. Ela parou no boxe e começou a passar hidratante no rosto. Lorenzo foi atrás dela seguindo-a. Ele parou atrás de Fernanda e beijou-a na nuca. O gesto ao invés de causar afeto, gerou uma repulsa, pois sentiu o perfume que já sabia de quem era.

— Nunca mais faça isso!

Ela se afastou, mas Lorenzo a seguiu. Como ela não parou, ele pegou em seu braço detendo-a.

— Eu sou seu marido!

— Muito conveniente lembrar apenas agora.

Lorenzo dessa vez foi mais agressivo. Ele pressionou o corpo dela e a abraçou forçadamente.

— Me solta. — ela pediu com firmeza, mas tentava se soltar dos braços que lhe prendiam. — Me solta!

Mas ele não o fez. Lorenzo buscou os lábios da esposa e a beijou a força, enquanto que com as mãos tentava remover sua roupa de dormir.

Fernanda ficou apavorada diante da investida agressiva do marido. Ele nunca tinha sido assim!

Ela o empurrou e se afastou dele.

— O que foi Lorenzo, tua amante te abandonou hoje?

Ele riu cínico. Aquilo era um sinal que a indagação de Fernanda era verdadeira.

— Odeio isso!

— Você está diferente Fernanda, o que houve?

Nem ela sabia, mas ainda assim respondeu sem esconder sua indignação:

— Talvez eu tenha despertado!

Ela caminhou e pegou o robe e vestiu.

— Vai para onde?

— Não quero ficar aqui do seu lado!

Fernanda pegou o travesseiro e o lençol e saiu do quarto. Lorenzo protestou , mas ela o ignorou. Ela caminhou e foi em direção ao quarto que ficava de frente para a piscina.

Ela se jogou na cama e ficou por algum tempo acordada pensando no que tinha feito. Ela riu sentindo-se nervosa. Não agia daquele jeito há muito tempo! Desde seu casamento com Lorenzo, ela havia se tornado uma mulher diferente. Já não era a garota cheia de planos e idealizações.

Quando ela conheceu o marido, pensou que estivesse diante do “príncipe encantado”, mas não sabia que por traz daquilo existia uma família que complicaria tudo. Principalmente a bruxa da mãe dele.

Donatela fez questão de declarar que era contrária ao casamento deles. Pois, segundo ela, Fernanda não era a altura de seu filho. Mas como Lorenzo era impulsivo, acabou convencendo os pais e houve casamento. Foi o acontecimento do ano.

Agora o que havia sobrado daquele belo momento, eram as lembranças nas fotografias do álbum de casamento.

Fernanda se jogou na cama e suspirou. Sentia falta de sua família. Sentia falta de sua casa. Os momentos ali ficariam marcados para sempre. Recordou do cheiro da comida e sorriu.

Ela se lembrou das breves horas em que esteve conversando com Samuel. Nunca tinha imaginado que ele fosse um homem tão culto. Ela o tinha julgado errado. Pensava nele apenas como um imigrante como os outros. Não poderia imaginar a história triste que o cercava. Ela parou para imaginar nos milhares de pessoas que chegavam todos os dias ao Brasil. Muitas vinham em busca de um novo sonho ou talvez fugindo de algo ruim.

Fernanda despertou com a voz de Sandra entrando no quarto. Ela afastou as cobertas para o lado e levantou da cama.

— Bom dia Sandra.

— Ola menina, brigou com o senhor novamente?

Ela esfregou o rosto e prendeu os fios castanhos num rabo de cavalo.

— Acho que acordei Sandra!

O olhar dela era confuso.

— Não entendi.

— Nem eu, mas sinto vontade de ser diferente! Fazer algo novo. Você entende?

— E o que seu marido disse sobre isso?

— Bom, eu não conversei com ele. Na verdade ontem brigamos, como sempre... Ele chegou em casa e queria dormir comigo!

— Ele é seu marido...

— Não Sandra! Ele estava apenas querendo sexo, mas não é isso que eu quero. Quero aquele sentimento do início. Você entende?

A empregada se aproximou da patroa e segurou em suas mãos, na esperança que aquilo a animasse.

— Vocês eram felizes no início.

— Sim. Mas, acho que não tem mais jeito. Não existe mais aquele sentimento do início. Não existe!

— Mas vocês podem tentar.

Fernanda gesticulou em negativa. Para ela, aquele sentimento estava morto há muito tempo. O que existia entre ela e Lorenzo eram apenas acusações e mágoas.

— É melhor você levantar... O seu irmão pediu para avisá-la que você precisa ir à empresa hoje.

Ela sorriu. Tinha até esquecido desse detalhe. Com todos os pormenores tinha esquecido aquela reunião. Eles estavam tentando um novo financiamento para o marketing da nova marca de vinho.

— De volta a vida real!

— De volta a vida real — concordou Sandra.

Samuel estava encostado ao carro e lia o jornal daquele dia. No título trazia uma nota sobre o marido de Fernanda. Lorenzo fecharia uma grande parceria e traria grandes benefícios ao estado. Ele fechou o jornal quando viu que Fernanda caminhava em direção ao carro. Ela estava muito linda naquela manhã. Sentiu vontade de elogiá-la, mas sabia que não seria apropriado.

Quando ela parou em sua frente e sorriu desejando-lhe bom dia, foi impossível não ficar fascinado pelo modo gentil como ela sorria para ele.

Por um momento ele ficou perdido no espaço, mas a voz dela lhe chamando o trouxe novamente para a realidade. Sentindo-se um bobo, ele pediu desculpas e abriu a porta do veículo para que ela entrasse.

Samuel estava intrigado com algumas coisas. A conversa das empregadas naquela manhã havia feito com que ele passasse a ver as coisas de outra maneira. Não sabia que Fernanda e o marido tinham brigas, ainda mais que ele encontrava-se com outras mulheres. Seria por isso aquele olhar triste? Indagou-se.

Fernanda percebeu o modo como Samuel a fitava pelo retrovisor e então perguntou:

— Tudo bem Samuel?

Ele assentiu concordando. Era sinal que ele não queria falar, mas Fernanda poderia imaginar o motivo dele estar daquele jeito.

— Você ouviu alguma coisa sobre mim e meu esposo?

Ela era uma mulher inteligente, pensou ele enquanto organizava os pensamentos.

— Senhora, talvez não seja bom falar sobre essas coisas... Às vezes as pessoas são malvadas.

Ele era gentil. Há tempos não tinha pessoas que se importasse com ela com sinceridade. Seus amigos, ou melhor, de seu marido, apenas se importavam com negócios, dinheiro e como suas imagens era apresentada na sociedade. Sentia falta do contato de algum amigo de verdade. Aquele gesto de amabilidade causou nela um bom sentimento. Ela concordou com ele mudou de assunto.