Emir e o pai saboreavam a refeição. O garoto estava pensativo. Samuel sabia que isso seria um problema! Ele conhecia o filho e já se preparava para as perguntas.

— Papai, a Fernanda vai morar conosco?

Ele riu e gesticulou em negativa.

— A Fernanda precisa descansar um pouco, filho.

— Por quê? Ela está dodói?

— Não querido. A mãe dela foi para o céu.

— Igual a minha mãe?

Samuel assentiu enquanto respondia.

— Sim querido. Ela está muito triste, por isso precisamos ajudá-la. Você entende?

— Sim!

— Para iniciar, precisamos deixá-la descansar.

— Sim!

Samuel agradeceu. Em seguida, ele levantou e beijou no alto da cabeça de Emir.

Fernanda dormiu profundamente. Ao acordar notou que eram quase duas da madrugada. Ela sentia fome, pois havia dormido sem comer nada. Por algum tempo, ela ficou indagando se deveria buscar de algo, ou se deveria esperar até amanhecer? Mas a fome foi maior!

Ela foi até a cozinha e viu que havia uma refeição posta para ela. Ela sorriu sentindo o carinho de Samuel. Nunca tinha sido tratada daquele jeito. Sentiu-se feliz, apesar da tristeza. Ela bebeu o leite e comeu o sanduíche. Quando ela virou o rosto, deparou com Samuel olhando-a. No rosto dele havia um misto de paz e tranquilidade.

— Acordei você? Desculpe. — ela envergonhou-se, por ter sido pega comendo àquela hora.

— Não, eu estava acordado. Fiquei preocupado porque seu telefone não parava de soar. Imaginei que fosse a Sandra ou seu marido... Por isso eu atendi.

Ele se aproximou e sentou em frente à Fernanda. O olhar dela parecia sereno, e ele perguntou:

— Você está bem?

Fernanda fitou os olhos em Samuel e assentiu com a cabeça.

— A roupa ficou boa em você — disse ele em tom de gracejo ao olhá-la de cima a baixo. — Avisei a Sandra que você estava aqui. Ela perguntou se você queria alguma coisa.

— A Sandra é um amor... Se não fosse ela nem sei como aguentaria tudo isso.

Pelo tom dela, era possível deduzir que algo mais a incomodava, além da morte de sua mãe.

— O que houve Fernanda?

Por um segundo ela titubeou em falar sobre aquelas coisas. Mas ao mesmo tempo, sentia-se relaxada de estar junto à Samuel. Ela contou sobre o casamento. Sobre tudo o que havia acontecido e as decisões que havia tomado.

— Eu nunca imaginei que chegaria a isso... Não posso continuar ao lado do Lorenzo.

Samuel não respondeu nada, apenas emprestou os ouvidos para que ela desabafasse. Fernanda realmente estava cansada e talvez aquele não fosse o melhor momento para eles conversarem.

— Acho melhor eu ir deitar... — disse ela após uma pausa. Ela lavou a louça e a organizou no escorredor.

Samuel se despediu de Fernanda e seguiu em direção ao quarto. Mas ele parou na metade do caminho quando ela começou a falar:

— Aquele dia... Aquele dia eu queria ficar com você... Por isso eu vim.

Samuel encarou Fernanda. Ela estava parada no meio da sala e pressionava as duas mãos em sinal de nervosismo. Ele ficou surpreso ao ouvi-la, pois não esperava por aquela confissão.

— Quando eu vi você junto daquela mulher, eu fiquei me sentindo como se estivesse atrapalhando.

— Você nunca faria isso! — Ele tratou de assegurar isso a ela. Fernanda estava insegura e não queria que ela permanecesse assim.

— Eu me sinto muito bem com você, Samuel. Você faz com que eu me sinta em paz.

Samuel rompeu a distância entre eles e a abraçou.

No primeiro momento aquele ato os surpreendeu, mas eles se mantiveram abraçados por algum tempo. Apesar de não falarem nada, era como se tudo fosse dito apenas naquele abraço.

Samuel quebrou o silêncio e disse:

— Eu e a Cláudia somos apenas amigos.

Fernanda se afastou e olhou para ele.

— Vocês estavam se beijando...

— Não. Aquilo não foi um beijo correspondido. Foi apenas uma tentativa por parte dela, mas eu não poderia... Você sabe como eu me sinto.

Samuel tocou a face de Fernanda e lentamente se aproximou dos lábios dela beijando-a. O toque do beijo foi delicado e carinhoso. Eles esqueceram tudo que o rodeava e apenas se entregaram ao devaneio daquele momento.

Ao se afastarem, eles ficaram se encarando em silêncio. Na mente de Samuel passava muitas coisas, mas não tinha coragem de expô-las naquele momento. Por isso, ele a abraçou e a manteve em seus braços.

Samuel queria permanecer mais tempo ali com ela. Se pudesse, não a afastaria jamais. Mas naquele momento Fernanda estava muito frágil, e sentia-se confusa em seus sentimentos.

Ele se afastou, mas seus olhares mantinham-se fixos um ao outro. Apesar do silêncio, aquele gesto tinha o poder de transmitir uma mensagem.

Samuel aproximou-se de Fernanda e beijo-a na fronte e em seguida disse:

— Acho que muitas coisas aconteceram... Você precisa dormir e descansar.

Samuel beijou-a na face e virou de costa afastando-se, mas Fernanda segurou o seu braço impedindo-o de se afastar. Ele parou e virou de frente para ela.

— Fique comigo... — Fernanda estava nervosa. Ela sabia o que aquele pedido poderia significar, mas a companhia dele era tudo o que ela queria naquele momento.

O pedido dela o surpreendeu. Samuel não soube o que responder.

— Fique comigo... — ela repetiu o pedido. Queria demonstrar a ele que não tinha dúvidas sobre sua decisão.

— Você tem certeza?

— Eu não quero ficar sozinha... Fique apenas ao meu lado nessa noite.

Fernanda estendeu a mão para Samuel. Por alguns segundos ele ficou apenas olhando-a e finalmente segurou a mão que estava estendida na sua direção. Ele a seguiu quando ela entrou no quarto.

Fernanda deitou e ele sentou na beira da cama olhando-a enquanto ela se acomodava entre os lençóis. Mas ela não queria que Samuel estivesse tão longe. Ela estendeu a mão indicando que o queria ao seu lado.

Samuel obedeceu ao pedido e deitou junto dela. Eles permaneceram deitados lado a lado. Ele estendeu as mãos e tocou-a na face acariciando-a suavemente. Fernanda sorriu e se aconchegou mais próximo a ele.

— Obrigada por você estar aqui... — Ela sussurrou, enquanto sentia os braços de Samuel ao entorno de seu corpo. Fernanda procurou os lábios ao dele e o beijou demonstrando todo seu carinho.

— Você é muito especial... — Samuel sussurrou próximo ao ouvido dela. Em seguida ele a beijou na nuca e a abraçou mais forte. Aquele afago era um gesto muito bonito dele. Fernanda depositou o rosto entre o peito dele e assim permaneceu até pela manhã.

Samuel foi o primeiro a levantar pela manhã. Ele sentou na beira da cama e olhou para Fernanda, que dormia profundamente. Ele não sabia o que havia sido aquela aproximação entre eles, mas tinha apreciado aquele momento.

Samuel tocou nas mechas castanhas que estavam espalhadas no travesseiro. Fernanda era muito linda! Desde o primeiro momento em que a viu, tinha ficado encantado por aquela mulher. Mas sabia da enorme diferença entre eles! Jamais poderia sonhar tão alto. Pedia aos céus a oportunidade de poder amá-la!

Samuel levou o filho ao colégio e retornou para casa. Ao entrar na residência, encontrou Fernanda sentada à mesa comendo sua refeição matinal. Ela não percebeu sua entrada e ele ficou alguns minutos parado apenas olhando-a. Ela parecia tranquila e inerte a todas as dores que tinham lhe atingido.

Depois de um tempo ela pareceu notá-lo e virou o rosto. Ao vê-lo, um sorriso meigo formou-se em seus lábios.

— Só em vê-la com um sorriso, eu já fico imensamente satisfeito... — disse ele após sentar-se em frente à ela. Fernanda tocou a mão dele por sobre a mesa. Samuel notou que ela não estava mais com a aliança de casamento.

— O Emir foi para a aula?

Ele assentiu e se serviu de café.

— Estava eufórico sobre você está aqui.

— Eu gosto muito do seu filho, mas nós sabemos que não poderei ficar.

Ele sabia.

— O que o Lorenzo disse sobre sua decisão? — ele se referia ao pedido de divórcio.

— Não tivemos tempo para conversar.

— Durante a manhã ele ligou muitas vezes para você.

— Eu sei... Eu vi as chamadas. Terei que enfrentar essa situação.

— Se você precisa de minha ajuda, eu estarei aqui.

Ela levou as mãos dele até os lábios e beijou-as. Era um sinal de agradecimento. Fernanda sabia que a noite anterior teve um significado para eles, mas não sabia exatamente como explicá-lo.

— Eu fiquei muito feliz de você estar comigo.

— Você sabe o que eu sinto Fernanda... Eu não sei o que você sente, mas não vou pressioná-la quanto a isso.

Fernanda sentia-se feliz ao estar ao lado dele. A amizade, o carinho e a companhia eram coisas que ela mais apreciava. Ela tinha noção dos sentimentos de Samuel, e tudo o que menos queria era machucá-lo!

Naquele momento o celular dela soou. Ela pegou o aparelho e se afastou para atendê-lo. Minutos depois ela voltou e avisou que iria para casa.

— Você precisa de ajuda com o carro?

— O motorista veio para me levar. — Ela se aproximou de Samuel e segurou suas mãos entre as suas — Eu vou resolver as coisas com o Lorenzo e depois volto... Quer dizer, se você permitir que eu volte.

— Minha casa sempre estará disponível para você.

Samuel sorriu sentindo certa alegria e beijou-a na face. Em seguida, ela saiu ao ouvir o som do toque na porta. Era o motorista que tinha chegado.

Fernanda organizou algumas poucas coisas que tinha naquela casa. Enquanto fazia isso, Sandra a acompanhava. Apesar de manter-se em silêncio era a visível sua preocupação. Em certo momento, ela parou o que fazia e olhou para a amiga querida.

— Sandra, não tenha precisa ficar assim.

— O que você está fazendo Fernanda?

— Não sei, mas já decidi. Falei com o advogado e tudo ficará decidido.

— O que você disse? — Era Lorenzo que entrava no quarto. Fernanda olhou para o marido. Era nítido o quanto aquela notícia lhe deixou contrariado. Porém ela o ignorou e respondeu:

— Isso que você ouviu!

Sandra percebeu que deveria sair e deixar o casal resolver seus problemas. Quando eles ficaram sozinhos no quarto, Lorenzo partiu para cima da esposa atirando longe a mala que ela organizava.

— O que houve com você?

Fernanda fez força para se afastar, mas ele a prendia. Essa agressividade causava temor nela.

— Me larga! — Ela pediu enquanto fazia força para se afastar.

Mas Lorenzo não a largou. Diante dessa situação, Fernanda percebeu que sua única alternativa era lutar. Ela o empurrou com força e rapidamente se afastou dele.

— Eu vou sair de casa e você não pode me impedir!

—Você vai se arrepender!

A ameaça dele causou temor. Fernanda conhecia a influência do marido e os danos que aquilo poderia significar. Mas após a morte de sua mãe, Fernanda sentia mais coragem para lutar.

— Não tenho medo de suas ameaças. Eu já repassei para o advogado e logo ele entrará em contato com você.

— Você parece muito corajosa... Espero que você esteja preparada para as consequências! Quero ver até onde vai sua coragem.

Lorenzo se afastou e saiu do quarto batendo a porta com força.

Fernanda caiu sentada na cama sentindo o corpo trêmulo. Ela sabia que iria enfrentar alguém muito forte. Lorenzo estava muito seguro ao sair. Certamente tinha algo para ameaçá-la e isso a amedrontava.

Minutos depois Sandra entrou no quarto e veio a seu encontro.

— Sandra! — Fernanda abraçou a senhora e deixou suas emoções aflorarem. Ela estava muito nervosa e temia pelas consequências de enfrentar Lorenzo. Ela começou a chorar nervosa, mas logo foi amparada.

— O que aconteceu querida?

— Ele me ameaçou... Eu não sei o que ele pode fazer.

— Você tem certeza de sua decisão?

Fernanda não tinha dúvidas. Não existiam motivos para permanecer naquele casamento. Não existia mais amor. Não existia mais companhia. Não existia mais nada!

— Eu não sei o que acontecera, mas estou disposta a ir até o fim!