Solta o som escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 10
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

FELIZ ANO NOVO, GATTINHOS QUE AINDA ESTÃO POR AQUI COMIGO!

Demorei algumas semanas pra conseguir retomar a escrita de SOS depois que o projeto em que tive que pular de cabeça terminou, no meio de novembro. A verdade é que às vezes é muito difícil transitar de uma história pra outra, então eu agradeço por vocês terem me dado esse tempo e por todas as cobranças terem vindo bem sutis e com carinho hahahah.

Mas eu tô de volta, com alguns capítulos adiantados pra tentar não ser surpreendida por mais alguma masmorra de escrita, o que espero que não aconteça por alguns meses. Planejei postar este aqui logo no começo do ano, pra quem saber ser um tipo de mandinga pra fazer vocês ficarem comigo nas duas histórias que tenho pra postar aqui no Nyah em 2020. "Tá brincando" é outra que logo vai ser postada, com prólogo e capítulo 1 de uma só vez.

Beijos e a gente se vê, sem falta, no dia 15.



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Caíque nunca havia sido o tipo de pessoa que tinha vontade de se entupir de doces ou comida gordurosa quando alguma coisa saía dos planos. Para o desespero de vó Dirce e qualquer outra pessoa que olhasse com um pouco mais de cuidado para ele durante a adolescência, a primeira coisa que costumava fazer quando algo estava fora do lugar era parar de comer. O caso era diferente naquela terça-feira, quando saiu de uma das aulas da professora mais maluca do mundo e não estava mancando desta vez, mas tinha certeza de que teria que amputar os dedos dos pés ou, no mínimo, perderia a unha que já vinha ficando roxa nas últimas semanas. Sentou na lanchonete onde os outros estudantes gostavam de se reunir e, escondido em um canto, longe do chapeiro e qualquer outra pessoa que pudesse decidir ser simpática e puxar assunto, afundou o nariz em todos os sabores de sorvete de casquinha que encontrou nos freezers de duas marcas diferentes. Três ou quatro, havia perdido a conta muito antes de ir pagar por eles.

A cada dia que precisava entrar naquelas aulas de balé, repensava em seu amor pela dança, na certeza de que era aquele o caminho que gostaria de seguir e na decisão de se enfiar em uma cidade onde tudo era caro e vinha comendo suas economias com uma velocidade assustadora, ainda que parecesse não ter tido qualquer despesa relevante até então. Não era o que os números na poupança insinuavam. E todas as vezes, depois de sair com o corpo moído, arrastando pelo chão o orgulho que havia conquistado com tanto esforço no interior, tentava descobrir como provar a si mesmo que era bom; não só para o interior, onde costumava receber aplausos de todos os pais que não eram os seus durante as apresentações da escola de artes, mas também para a cidade grande. Só que a senhora Silveira não era como tia Olívia. Precisaria se esforçar um bocado mais para conquistá-la.

Deixou algumas notas para trás na lanchonete e decidiu voltar para o campus. Estava na hora da última aula do dia, que quase chegava a ser à noite: uma eletiva de dublagem que havia descoberto que poderia fazer, ainda na tarde anterior, e que contava com algumas vagas a serem preenchidas mesmo após o ano letivo começar. Era outra matéria em que estava atrasado, após perder as primeiras semanas sem nunca ter conhecido sequer as diferenças entre tipos de microfone. E a verdade era que se recusava a ir pedir ajuda a Danilo, que provavelmente conhecia toda aquela tecnologia um pouco melhor que ele. Precisaria se virar sozinho.

— Oi, você já conhece a casa? — um homem que aparentava ser um pouco mais velho esticou um panfleto em sua direção. Caíque normalmente ergueria a mão para recusar a propaganda, mas, visto que a oferta vinha acompanhada de uma pergunta em tom exageradamente animado, envergonhou-se por passar direto.

— Não, ainda não. Sou novo por aqui — admitiu enquanto olhava para o flyer que agora segurava, depois para a porta do lugar. O letreiro apagado dizia “Jukes” na parede preta.

— Que coincidência, nós também!

Caíque voltou os olhos ao homem que tentava com muito esforço ganhar sua atenção. Acabou por rir da tal coincidência, que não era ao menos engraçada, e virou o papel na mão para ver algumas fotos de pistas de dança, bares e drinques.

— Que legal, é um bar?

— Uma balada, mas a gente tem uns espaços mais tranquilos também. Um terraço. — Apontou para cima, mas dali não dava para ver qualquer coisa além de uma grade de segurança. — Meu nome é Vinícius, você é...

— Caíque. — Apertou a mão dele e deu mais uma olhada para a porta. Tinha muitas perguntas a fazer: se era Jukes porque tocavam músicas antigas, se havia alguma jukebox ou um esquema de pedidos de música, mas, no fundo, sabia que era só um nome e estava se animando demais ao tirar as conclusões que queria.

— Caíque. — Vinícius tirou um cartão do bolso da camisa assim que soltou sua mão. — Por que você não traz uns amigos essa semana? A gente te consegue umas bebidas de graça.

Caíque pegou o cartão e deu uma olhada. Dizia que Vinícius era o gerente da casa e também trazia o número do celular dele. Pensou se deveria contar que não tinha muitos amigos, talvez nenhum que fosse segui-lo para onde quisesse ir. Se não fosse um lugar como aquele, talvez Philipe pulasse no barco, mas o colega mais próximo que teria para uma balada seria o irmão dele. Isso, imaginava, se Cauê se animasse a conhecer também. Caso contrário, Felipe provavelmente escolheria passar a noite com o novo namorado, ou fosse lá o que eles eram agora.

— Ah, tudo bem. Eu vou ver se chamo alguém. — Ergueu os papéis e ameaçou um passo para longe. — Obrigado. E boa sorte com a casa, parece muito legal.

— Até mais — ele retrocedeu em sua despedida, que soava como um adeus para nunca mais voltar. — Vamos te esperar.

E foi com esse recado na cabeça que passou o resto da noite e a manhã seguinte. Lá pelo meio desse tempo, entre uma aula e outra, acabou por ganhar um sorriso no rosto. Quem diria que não seriam todos aqueles sorvetes que o confortariam? Quem diria que um pouco de insistência para voltar a um lugar abarrotado de outros garotos faria as vezes? Que isso o lembraria de que era diferente dos outros, embora não soubesse por quê? Que mesmo ali, entre outras centenas de jovens lutando exatamente pelas mesmas coisas que ele – alguns palcos, umas câmeras talvez –, ainda haveria alguém que o pinçaria no meio da multidão?

Rômulo estava junto ao usual grupo de amigos quando o viu após o almoço de quarta-feira. E ali, sim, teve o impulso de passar direto, mas um rosto conhecido despontou no meio da roda. Felipe o reconheceu também, ao longe, e acenou para que se aproximasse. Enquanto o fazia, um pouco contrariado, percebeu que o amigo estava sentado em uma perna de Cauê. Algo que não parecia muito íntimo, mas também não indicava que eram apenas amigos. A pose fazia soar que tinha o garoto na palma da mão, que havia se sentado ali apenas para soar despreocupado; uma brincadeira que não dava muito espaço para que ele avançasse o sinal e, em paralelo, marcava o território; um barbante invisível enrolado em seu dedinho, que, quando se afastasse, carregaria Cauê consigo para qualquer lugar.

Caíque se pegou contendo um sorriso.

— E aí? — Felipe perguntou apenas, e Rômulo e outro garoto abriram espaço para que se encaixasse entre eles na roda. Caíque sentiu as costas enrijecerem quando recebeu um toque no fim das costas. O calor da mão era conhecido, mas não se virou para cumprimentar o veterano que roubava seus pensamentos a todo minuto. Queria, na verdade, que Felipe houvesse dado mais segurança ao cumprimento, um motivo real para tê-lo chamado para perto. Um “e aí?” dava margem para muita falta de assunto, e isso o prenderia ali no meio deles por mais tempo do que gostaria de ficar.

— Tava só voltando pro quarto. Meio cansado. — Forçou um sorriso de canto, mas nem de perto era o cansaço que o fazia perder a vontade de sorrir. Logo ele, que achava que lidava tão bem com a rejeição, era tomado por todo aquele bolo azedo na garganta quando o assunto era Rômulo.

— A gente tá combinando de sair amanhã. Você vem?

Caíque havia decorado o panfleto da Jukes e, sem pensar melhor, se viu erguendo os ombros. Olhou para alguns outros meninos, que conhecia de vista e talvez de nome, mas já não se lembrava com precisão, e comentou antes de ter decidido se realmente queria fazer isso:

— É que eu tô pensando em ir na Jukes. — Apontou para trás. O fato de aquela não ser a direção certa da balada lhe escapava. — Eles abrem a partir de hoje e eu não sei se fico aqui no fim de semana, então queria experimentar amanhã.

A primeira reação decepcionada que viu foi a de Felipe. Nenhum dos outros garotos pareceu se importar, mas o amigo continuou:

— Não, vem com a gente. Tem um bar na Augusta, eles tavam falando de lá.

Caíque estalou a língua no céu da boca e fechou um dos olhos com sua melhor expressão preguiçosa.

— Não, eu acho que não. Se vocês quiserem me acompanhar... — sugeriu com descaso. No fundo, não queria que ninguém o acompanhasse. Não queria ao menos ir para a balada numa quinta-feira. Ou talvez, se fosse, pudesse aproveitar a noite para conhecer gente diferente. Era esquisito pensar que já estava pensando nos novos amigos como gente igual, mas todos eles o lembravam do fracasso de sua paixonite platônica. Mais uma para a conta.

— Você tá em minoria — Rômulo comentou em uma tentativa de argumento. Soava reticente, como se tentasse fazê-lo pensar melhor, mas não estivesse disposto a gastar muita energia. Houve alguma confirmação dos outros garotos, risinhos e expressões que o incentivavam a mudar de ideia.

Caíque lutou para não fazer uma careta incomodada, não alterar a voz de modo que de repente soasse agressivo, não descontar em Rômulo aquele azedume que o tomava. Sorriu com calma e encolheu os ombros.

— É... — concordou apenas para não soar chato, porque era minoria, sim, mas sempre havia sido. — Mas eu não vou, não. Vou pra Jukes. — Esticou a mão para Felipe, como num tchau, e apontou para trás. — Preciso passar no quarto. A gente se vê.


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