Solta o som escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 9
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Cheguei! No dia certo, embora não o prometido. Acabou que o pré-bienal foi mais difícil e corrido do que está sendo aqui no Rio, então só deu tempo de postar hoje mesmo.

Para todo mundo do Rio de Janeiro, eu estou por aqui até dia 8 de setembro, no estande da Rico no Riocentro, pavilhão verde! Venham me dar um oi e pegar uns marca-páginas, amores.

Até dia 15!



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Não fugiria dele, Caíque havia prometido à avó antes de descer do carro na rodoviária e embarcar em um ônibus, junto a outra promessa de que não gastaria suas economias com passagens para casa a cada final de semana que sentisse vontade de se afastar. Não havia do que se afastar, ele percebia enquanto escutava uma seleção de músicas antigas a caminho da capital do estado. Aquela faculdade e o momento que estava vivendo eram tudo com que havia sonhado durante os últimos anos. Não era mesmo sua cara esquecer isso só porque tinha trombado com mais uma história complicada com mais um garoto. Podia ser que fosse mesmo só mais um e, embora seu coração dissesse que não, era apenas nisso que conseguia acreditar.

O céu do fim da tarde escurecia com algumas nuvens escuras quando chegou ao campus. As luzes dos postes acendendo o pegaram ainda em sua caminhada para o alojamento, com uma mochila cheia de roupas limpas nas costas. A maior parte das janelas exibia quartos iluminados no prédio dos garotos, e Caíque não sabia em qual deles Danilo estava morando, mas poderia jurar que a silhueta sentada à janela do segundo andar era dele. Avançou pelo corredor e, ao contrário do que imaginou que encontraria, Philipe estava sentado na cama com um livro na mão, sozinho. Nada do irmão.

— Voltei — anunciou ao fechar a porta e seguir diretamente para o armário, ou suas roupas ficariam dentro da mochila até precisar jogá-las na cama e substituir às pressas pelo material, na manhã seguinte.

— Finalmente. Felipe não deu as caras o fim de semana todo.

Mau humor, reconheceu de imediato. Ciúmes, ponderou em seguida. Achou melhor não indicar que suspeitava de nada disso e continuou a ajeitar as roupas amassadas nas gavetas.

— Cauê?

— Ai, sei lá. Cauê, essa faculdade, tudo. Ele tá um chatão com aquela câmera dele, andando pra lá e pra cá.

A surpresa trazida pelo xingamento infantil o fez rir um pouco alto demais. Tentou elaborar uma resposta tranquila, que talvez o fizesse também ter vontade de sair um pouco do quarto e conhecer o campus. Era mesmo um lugar bonito para algumas fotos, embora o interessado nisso fosse apenas o irmão dele. Isso também não significava que Philipe não pudesse aproveitar os arredores e as pessoas novas. Não conseguiu nada quando percebeu que não tinha muito direito de falar sobre isso.

— Ítalo veio te procurar na sexta. E hoje mais cedo.

— Ah — Caíque resmungou apenas. Metade pego de surpresa, metade apertando demais as roupas que tirava da mochila.

— Eu perdi alguma coisa?

— Não.

— Não o caramba.

Ainda não havia decidido se era hora de dar risada e admitir ou apenas tocar a conversa para outra direção ao se fazer de desentendido, quando uma batida à porta o livrou do assunto. Escutou uma risadinha às suas costas. Não era possível que Ítalo estivesse assim tão desesperado para vê-lo de novo, muito menos que houvesse aquela sincronia que nunca havia reparado entre eles, do tipo que o faria aparecer bem quando havia sido invocado. E, se houvesse, talvez isso fosse algum sinal.

Deixou de tentar enxergar coisas onde não havia quando um Danilo sorridente apareceu do outro lado, erguendo duas sacolas de mercado. Os olhos imediatamente escapando por cima de seu ombro e parando em um ponto bem atrás, dentro do quarto, antes de voltar para os seus.

— Comida chinesa? — ofereceu.

Caíque ficou um segundo parado na passagem. Com a mão na maçaneta, tinha apenas uma alternativa para demonstrar ao colega de infância que sabia bem o que ele estava fazendo. Envesgou os olhos para a ponta do nariz e, sem qualquer outra palavra que dedurasse a Philipe as intenções que havia farejado, deixou que Danilo entrasse. Se não deixasse, carregaria a culpa disso pelo resto das próximas semanas. O remorso de ter barrado a chance que o colega de quarto tinha de se divertir um pouco quando ela bateu à porta.

— Claro. Obrigado.

Acabou ficando com as sacolas quando Danilo passou por ele e foi esticar a mão para Philipe apertar. Com uma respiração profunda, fechou o quarto e foi se sentar à escrivaninha para abrir as caixas. Havia três delas e também três refrigerantes. Com muita hesitação, checou uma por uma para descobrir dois macarrões cheios de coisas que nunca colocaria na boca e, na terceira, bolinhas de frango empanadas. Eram uma versão aceitável dos seus nuggets de segurança e, quando reconheceu a preocupação do antigo melhor amigo, acabou por tomá-las para si e ir sentar na própria cama com os hashis que não sabia bem como manusear.

— Phil, lembra do Danilo, meu colega de escola? — perguntou enquanto olhava para os dois. Danilo já seguia para a escrivaninha após cumprimentá-lo com uma formalidade desconexa.

— Lembro. Lembro, sim.

— Você quer? — Danilo ergueu as caixinhas nas mãos, e houve apenas dois segundos de silêncio enquanto Philipe abria e fechava a boca para ensaiar a resposta.

— Tem certeza?

Danilo assentiu e foi lhe entregar uma delas.

— Claro, tem pra todo mundo. — E aproveitou para se sentar no chão, com as costas encostadas na cama dele. Agora era Danilo quem estava de costas para Philipe, com um sorriso querendo despontar nos lábios e transmitindo para Caíque uma vontade imensa de ir chutá-lo. Mas agora Caíque estava olhando para os dois, e qualquer reação que tivesse afugentaria Philipe.

— Você não voltou pra casa? — puxou assunto para se distrair do pensamento.

Com uma primeira porção de macarrão, legumes e carne duvidosa dentro da boca, Danilo negou com a cabeça. Uma das bandas formadas pelos alunos veteranos havia entrado em estúdio para gravar seu primeiro EP e, aparentemente, ele havia conseguido um convite para acompanhar o processo de mixagem.

— Cauê tava por lá.

Um comentário desnecessário.

Caíque ergueu os olhos de sua caixinha de comida no mesmo instante em que Philipe fazia o mesmo. Cruzaram-se no meio do caminho entre as camas lado a lado. Baixaram-se para os movimentos dos hashis. Mais uma porção grande enfiada na boca de cada um.

Danilo acabou em silêncio também, fazendo o mesmo. A bochecha de Philipe adquirindo um tom corado, que em nada combinava com a paleta verde-amarela que dominava seu rosto, dos olhos ao cabelo.

— E eu ainda quero conhecer a cidade — emendou para quebrar o silêncio que havia criado. — Era pra ter feito isso também, mas ir sozinho ia ser um saco.

— Nem me diga — Philipe puxou um comentário sob o fôlego, enchendo mais a boca.

Era a chance que Danilo parecia esperar. Caíque olhou de um para outro enquanto o observava girar o rosto por cima do ombro e encarar o menino sobre a cama.

— Você também tá querendo ir? A gente pode combinar, qualquer dia.

— Ah. — Philipe ergueu o rosto para ele, depois baixou para cavar um pouco do macarrão, em busca de algo que Caíque nunca conseguiria entender por que ele queria tanto encontrar, fosse o que fosse. — Eu meio que já tenho planos.

Capoft, teve certeza de que escutou a esperança de Danilo cair de cara ao tropeçar no meio do caminho para agarrar a vitória.

— Ah, tudo bem — ele concluiu apenas, mas o tombo lhe pareceu forte demais para o que realmente havia sido.

Dali a dez minutos, depois de um ou outro assunto que ninguém conseguiu manter, Danilo fechou sua caixinha ainda pela metade e foi se levantando. Pegou uma das latas de refrigerante e agradeceu pela companhia. A desculpa de que estava ficando tarde era descabida, deixou tanto Caíque quanto Philipe olhando para a porta, pela qual ele saiu não muito às pressas, mas parecendo se enrolar em si mesmo e em tudo que havia ensaiado e embolado pelo caminho.

Escutaram os passos se afastarem, com os hashis ainda dentro das caixas.

— Ele gosta de você, sabe? — comentou quando sentiu ser a única coisa adequada a fazer.

— Ele não me conhece. — Philipe fechou a própria caixinha e se levantou para buscar o refrigerante.

— Pode ser que ele saiba que vai gostar se conhecer.

— Eu vou embora!

A ameaça veio com um dedo apontado para fora, e Caíque ergueu uma das mãos para prometer que não insistiria no assunto. Era algo péssimo a se pensar, mas também um pouco reconfortante saber que, pela primeira vez, não se sentia a pior pessoa no ambiente quando se tratava de relacionamentos.

Foi muito mais tarde, quando as luzes já estavam apagadas e ele olhava para o teto, que encontrou um bom momento para dizer a última coisa que gostaria sobre aquele assunto. O campus estava silencioso às vésperas de mais uma semana de aulas, então acreditou que não precisaria de mais do que um sussurro para se fazer ouvir.

— Ele é uma pessoa boa, sabe? — Não tinha muita certeza de por que estava jogando no time do Danilo, mas estava. — Ele se atrapalha fácil e se esforça demais às vezes, estraga tudo, mas não é por mal. Ele não vai te magoar por diversão.

E por um momento não soube se Philipe estava acordado, mas descobriu que sim quando escutou o som das cobertas. Olhou para o lado a tempo de ver a silhueta dele virar de costas na cama. Estava fugindo como podia, mas ao menos havia escutado.


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