Ascensão escrita por Alpheratz


Capítulo 2
Latentes e estranhamento




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Fazia séculos que não ia à Espanha. Na verdade, fazia séculos que não deixava o castelo. A brisa cálida do verão tocava sua face, os fios loiros eram erguidos suavemente pelo vento e os mortais encaravam cada passo seu com pleno deslumbre. A loira manteve a postura de total descaso, como se não se importasse com o que acontecia ao seu redor, entretanto, era totalmente o oposto.

Encarava cada mínimo movimento com máxima atenção, tentando aprender o modo de se portar e falar dos humanos dessa época. Sentia-se plena ao caminhar pelas ruas movimentadas da cidade sem que ninguém soubesse quem era ela e, principalmente, por não ter ninguém em seu encalço como uma sombra.

A tranquilidade foi-se num instante, logo a ira tomou seu lugar, junto do que parecia ser um coração partido. Como ousaram lhe deixar trancafiada? Como sua alma permitira aquilo? As íris vermelhas escureceram um tom, denunciando seu estado de espírito. Avistou um beco a duas esquinas e rumou para lá. Não seria nada bom que lhe vissem em um momento de descontrole.

Suas unhas se cravaram na parede do beco, o cimento se estraçalhou sob os seus dedos. Sentia-se como uma recém criada novamente, com apenas poucos meses de imortalidade e uma enxurrada de emoções mal controladas.

— Moça, você está bem?

Ela sentira a aproximação do homem antes mesmo de vê-lo, na realidade, todos os seus sentidos estavam aflorados em níveis altíssimos. Até mesmo em padrões vampíricos.

— Deveria ter ficado longe desse beco, criança. — a mulher piscou aqueles olhos estranhos e no instante seguinte acariciava a face do rapaz. John era um ótimo aluno, fã inegável da ciência e dos fatos, mas agora ali parado no beco junto da criatura platinada sua mente fazia o possível para compreender o que estava acontecendo. Seus pelos estavam eriçados e um instinto antigo gritava em sua mente: predador.

Athenodora não hesitou quando cravou seus dentes no pescoço do jovem. Não assumira postura defensiva, mas estava ciente de tudo o que acontecia ao seu redor. O sangue limpo, quente e que cheirava a medo e adrenalina escorria por seus lábios. Não iria satisfazer a sua fome, mas era o suficiente por hora. Quando o corpo seco caiu aos seus pés com um baque surdo, mas estranhamente alto para si, seu corpo inteiro latejou.

Havia algo estranho com o seu corpo. Sabia disso do mesmo jeito que sentia que estava sendo caçada. Passara, pelo menos, os últimos dois séculos trancafiada naquela torre e os dias eram uns iguais aos outros. Apenas alguns momentos tinham mais destaque, como a transformação da humanidade, as guerras mundiais, a caçada as crianças imortais, as peles de lobisomens sendo jogadas aos seus pés e a revolta dos Cullen. Esta última em especial lhe rendera uma saída de Volterra.

Estimava que sete anos haviam se passado. Os sintomas em seu corpo vinham surgindo ao que parecia serem os últimos meses, tendo se intensificado nos últimos dias. A sede como a de uma recém criada, sua pele mais alva que o normal, as sensações amplificadas. Até mesmo quando estava nua e sua pele roçava na de Caius sentia algo diferente. Como se o vampiro fosse estranho sob o toque.

Então aconteceu. Num instante estava ao lado de Sulpicia, observando-a pintar um de seus quadros — os olhos de Aro, ela dizia — e Corin disposta no canto da sala. Ela sentia as vibrações que emanavam da pequena vampira, o cheiro adocicado e irritante de seu controle, nunca tão aparente como agora. Athenodora deve ter feito algo, pois, a guarda avançou para lhe tocar no momento em que prendeu um grito na garganta. Fazia séculos que não sentia dor, aquela então só lhe remetia a sua transformação. Seu corpo estremeceu e Corin lhe transmitiu uma grande dose de tranquilidade, ou melhor, de calmaria, de satisfação.

Infelizmente o inferno havia sido libertado naquele momento.

— Traga-me sangue! — exigiu num rosnar animal. — Agora!

Sulpicia largara o pincel e Corin parecia agitada. A loira rosnou mostrando os dentes. Seu corpo ainda estremecia sob um acontecimento desconhecido, parecia que centenas de toneladas eram largadas sob seus músculos, que a respiração dos humanos do lado de fora eram gritos e que a luz se assemelhava ao Astro Rei. Algo estava errado. Algo sobrenatural acontecia.

— Vou chamar seu parceiro.

A rainha fugiu e Athenodora caiu. Seu corpo estremecia, contorcia-se em posições estranhas, fogo vivo corria por suas veias e seus dentes doíam tanto que pareciam estar sendo arrancados. Não levou muito tempo e o silêncio reinou. Athenodora rosnou, ainda no chão, levantou lentamente seu braço. Veias e artérias que ela jurou estarem secas latejavam com sangue, mas era escuro. Negro.

— Minha senhora? — Corin hesitou um momento então se aproximou, as ondas de seu controle vindo cada vez mais fortes — Irei ajuda-la.

Não. Não queria ajuda. Essa criatura lhe prendera durante anos. Aro aquele maldito. Caius. Corin devia morrer. Ela sorriu, as presas brancas assustaram a outra, mas infelizmente para a pequena vampira Athenodora moveu-se mais rápido do que podia acompanhar. Num movimento tão simples como respirar a loira arrancou a cabeça da outra, um barulho de gesso quebrado foi ouvido. Ela não esperou e com a mesma tranquilidade arrancou os membros superiores e depois os inferiores, três dedos se esfarelaram quando pisou sobre eles. Seus ouvidos zuniam e ela quase cambaleou.

Os olhos cor de rubi de Corin lhe encaram, arregalados e incrédulos, a vampiresca sabia que a outra ainda era capaz de vê-la e entender perfeitamente o que estava acontecendo. Athenodora se abaixou lentamente, sua face bela retorcida numa careta de ódio, os fios loiros quase brancos lhe emolduravam o rosto e quem a visse agora diria que ela era uma valquíria. Nascida da guerra e aquela que escolhia quem iria morrer.

— Vá abrindo o caminho no inferno, Corin. Logo Aro e o restante da corte irão lhe fazer companhia. — A ancestral sorriu e piscou um olho muito vermelho — O diabo me concedeu mais uma dança nesse mundo.

Com a espada pendurada na parede e um pedaço de rocha fez fagulhas surgirem e como gasolina pura o corpo da pequena vampira queimou com labaredas coloridas. Dezenas de tons de vermelho, laranja e amarelo cresciam e dançavam. Os primeiros passos da dança tinham começado.


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Notas finais do capítulo

Fiquei muito feliz com os comentários que recebi e espero que estejam gostando da história ♥ O início pode parecer um tanto confuso, mas logo vocês vão entender tudinho



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