Minguante escrita por JennyMNZ


Capítulo 1
Never Wanted You To Lose Your Heart


Notas iniciais do capítulo

AÊÊÊÊÊÊÊ
FINALMENTE CHEGOU AQUI SSABAGAÇA

Eis a principal causa da maioria dos meus últimos hiatos. Eis aqui o produto de anos de trabalho depois do sofrimento que Moon Lovers me fez passar. Eis aqui o fruto de uma ideia que me surgiu na mente antes de dormir e que gerou 22 capítulos de uma fanfic que parecia que não ia ficar pronta era nunca.
ES.TÁ.PRON.TÍ.SSI.MA

Você que não assistiu Moon Lovers, cuidado com os spoilers. Você que não assistiu, mas não liga para essas coisas, não vai entender muita coisa, mas dá um grito que eu estou sempre disposta a conversar sobre esse dorama. Você que assistiu, permita-me explicar que essa história tem início no episódio 19. Sim, todas as misérias e tragédias dos episódios anteriores aconteceram, exceto por algumas coisinhas.

SPOILERS À PARTIR DAQUI:
Minha história é louca, e é basicamente um final alternativo pra série.
Nela Hae Soo nunca pediu para o 14º Príncipe ajudá-la a deixar o palácio. Hae Soo não está grávida. E Baek Ah ainda vive no palácio, embora não se associe diretamente ao irmão.

ENTÃO SEM MAIS DELONGAS, SENHORAS E SENHORES, EU VOS APRESENTO O PRIMEIRO CAPÍTULO DE UMA HIST?“RIA QUE NÃO É ONE-SHOT!!!!!
COM VOCÊS....

Minguante
:D



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Quando Hae Soo acorda, seus olhos estão inchados e sua cabeça dói. O peso é como um martelo nas suas têmporas, e demora um tempo para sua visão se ajustar aos seus arredores. Ela se sente desorientada por um tempo, sem saber que horas são ou quanto tempo ela dormiu, mas depois de alguns segundos olhando para o teto do seu quarto todas as memórias recentes voltam. 

Ela se senta abruptamente, olhando em volta dos aposentos que agora a fazem lembrar de Chae Ryung mais do que tudo. Ela se lembra de ter saído do quarto naquela noite, preferindo os ares do Damiwon – o lugar onde o falecido Rei fora envenenado – ao conforto de sua cama. Ela se lembra de Baek Ah ter vindo conversar com ela, mas logo desistido de fazê-la voltar para seu quarto. Ela se lembra de ficar observando a água escura e plácida do banho, contemplando sua vida, contemplando suas escolhas. Ela se lembra de se perguntar se conseguiria aguentar viver mais um dia assim, se ela conseguiria continuar daquele jeito – se é que ela conseguiria continuar. Depois disso, a mente dela era um branco. 

Ela deve ter desmaiado de cansaço, ela imagina. Seus olhos pesados devem ter sido induzidos a se fechar e dormir depois de horas de choro e de observar a superfície imperturbável da água. Mas o breve cochilo não tinha aliviado em nada o martelar na sua cabeça ou a dor no seu coração. Nada havia mudado. Chae Ryung a traíra, o Rei a executara. (A executara brutalmente, ela se lembra, embora ela tente não lembrar. A visão do corpo surrado estava gravada em sua mente.)

Ela fecha os olhos, impedindo as lágrimas de caírem. Seria uma torrente sem fim se elas começassem, e ela só acabaria dormindo de novo. Então ela fecha os olhos e engole as lágrimas, se sentindo indignada e patética ao mesmo tempo. Chae Ryung havia dito que não tinha arrependimentos nem ressentimentos, mas Soo tinha. Uma lista sem fim de coisas que ela deveria ou poderia ter feito que só a faz se sentir pior. 

Eu deveria ter sido mais cuidadosa com o banho do falecido Rei, eu deveria ter percebido antes que ela era a culpada, eu deveria ter deixado o Rei libertá-la quando ele quis, eu deveria saber o que ela estava fazendo, então eu poderia encontrar um jeito de mandá-la embora do palácio. Assim, minha irmãzinha estaria viva. Ela seria uma traidora e uma regicida, mas ainda estaria viva. 

Então não haveria sangue entre ela e o Rei. Então não haveria uma sombra  impregnada no seu coração, e ela poderia olhar para ele sem sentir tanta dor.

Mas enfim.

Sua irmãzinha a traiu. 

O homem que ela amava a executou. 

A vida no palácio era um veneno, e ela se repreende por ter sido tão ingênua ao chegar e ter acreditado que ela ficaria bem naquele lugar. Que, desde que ela trabalhasse duro, tudo daria certo. Que todo mundo que vivia no palácio era só uma pessoa, como ela.

Agora ela vive entre fantasmas. Todos os lugares e todas as coisas são parte de uma memória dolorosa que ela tenta esquecer.

Ela não aguenta mais isso.

Todas as sombras no seu coração, toda a escuridão em sua volta ameaça invadir, e ela sabe que é uma questão de tempo até que ela tome sua vida.

Ela precisa sair daquele quarto. Ela precisa sair do palácio.

Jung disse que ele tinha como tirá-la de lá, mas agora que ele está banido é difícil mandar uma mensagem para ele. Baek Ah poderia ajudá-la com isso, ela sabe, mas depois da morte de Woo Hee, ela também sabe que ele precisa ficar sozinho por um tempo. Ela precisa respeitar isso. 

Ela se move debaixo das cobertas, prestes a se levantar e escrever uma mensagem, imaginando se Choi Ji Mong seria destemido o bastante para ir contra os desejos do Rei mais uma vez, mesmo que esse seja o seu destino, mesmo que isso seja o que ela merece. Mas antes mesmo de ela se pôr de joelhos, seu coração afunda e congela mais uma vez.

Ao lado de sua cama, ela encontra o grampo de cabelo, o mesmo que ele dera a ela quando a pedira em casamento pela primeira vez.

Ela devia ter aceitado naquele dia, ela pensa e se deita novamente, agora notando que está cansada demais para sair do quarto, cansada demais para caminhar até a Torre do Astrônomo, cansada demais até para voltar para a piscina de banhos do Damiwon – o lugar onde Go Hajin conheceu Chae Ryung, o lugar onde Hae Soo foi traída e enganada por Chae Ryung – então ela só fica olhando para o teto novamente, relembrando seus maiores arrependimentos. 

A mente dela vai para outro momento do passado, quando seu Rei ainda era só um príncipe, oferecendo abrir mão de tudo por ela. E ainda assim, ela estava intimidada demais pelas palavras do falecido Rei Taejo para ousar desafiar e alterar o seu destino. Agora ela se odeia por ter sido tão insegura, tão receosa em oferecer seu coração; por ter recusado quando ele ofereceu tirá-la do palácio.

Ele nunca a deixaria ir agora. 

Ele iria sempre mantê-la por perto, desesperado demais e ansioso demais. Ele disse que nunca poderia ficar sem ela, então ele tentaria convencê-la a ficar. Mesmo que ela o afastasse, mesmo que ela dissesse que o odiava, ele ainda a teria ao seu lado. Ela sabe o quão teimoso ele pode ser, especialmente quando ela está envolvida. 

Ela tem que partir, mesmo que isso parta seu coração. 

Pelo menos eu não vou sofrer por muito tempo, ela pensa. O tempo de 10 anos que lhe fora dado pelo Médico da Corte da última vez tinha sido um tormento naquela época, e por muito tempo pesou sobre sua cabeça como uma montanha;  agora mais parecia com uma benção. Ela só precisa encontrar um jeito de sair, e então suportar seus últimos anos sem ele. 

Ela se pergunta se conseguirá viver tanto tempo com um coração partido. 

Ela segura o grampo de cabelo na sua palma com mais força. Isso também vai magoá-lo. Vai magoá-lo tanto quanto a magoa agora – talvez até mais. Mas como um Rei que fez grandes feitos na história, ela sabe que ele sobreviverá. Ele sobreviveu a coisas muito piores em sua vida, afinal. Que nem ele saiu caminhando tranquilamente depois de ter sido envenenado, ele ia catar os cacos do seu coração e impor ordem no palácio e no país no dia seguinte.

Ele vai ficar bem.

O aperto de Soo no grampo de cabelo se afrouxa um pouco, e ela sente que está caindo no sono mais uma vez. Sua cabeça pesada está se rendendo à exaustão mais uma vez quando as portas se abrem de supetão, e ela rapidamente se senta.

Ele não a vê de imediato, na escuridão do seu pequeno quarto. Ele simplesmente cambaleia até o meio do quarto, seu passo irregular e incerto – tão diferente do príncipe que ela vira pela primeira vez – até que seus olhos finalmente se ajustam à escuridão e ele a vê, sentada em sua cama e olhando diretamente para ele.

Ela não se surpreende quando ele evita olhar para ela e opta em olhar para o chão antes de suspirar.

— Baek Ah me disse que você se recusava a voltar para seus aposentos.

Então foi Baek Ah quem a carregou para sua cama.

— Foi por isso que veio até aqui? Estava tentando me evitar?

— Eu sei que você não quer me ver agora, — ele murmura, ainda olhando para baixo, — Não posso ir contra isso. Você tem razão em estar com raiva, então não pedir seu perdão ou sua compreensão. Vou deixá-la à sós agora.

Ele se vira para ir embora, e é aí que ela vê a garrafa de álcool na mão dele e finalmente compreende seu cambaleado.

— Andou bebendo? — ela pergunta antes que consiga se conter.

Ele para e sacode o recipiente vazio.

— De fato, — ele se vira para ela com um sorriso frio e vazio, — Parece que eu andei bebendo a noite toda.

— Você não deveria gastar seu tempo publicamente em hábitos degenerados...

— Você nem está falando comigo direito, mas ainda pode me dar um sermão?

Ela reprime o constrangimento e continua.

— Você é o Rei. Certamente deveria focar em governar o país...

— Governar o país? — ele ri com escárnio, amargor escorrendo de suas palavras, — Quem governa o país senão aquelas serpentes nobres que me usam como uma marionete? Eu fui promovido de um cão na corrente para um cão numa cadeira! Então, me perdoe por me voltar para hábitos tão impróprios, mas honestamente, eu não vejo o que mais eu possa fazer.

Ela se encolhe um pouco, e esconde o grampo mais longe de sua vista. Ela já o tinha visto gritar antes, mas não com ela. Nunca com ela. 

Soo sabe que a ira dele não é direcionada a ela, mesmo que ele esteja descontando nela agora. Mas ela não pode negar que é uma grande contribuidora para suas frustrações. Não é como se ela pudesse fingir que não sabe porque ele está no meio de um colapso.

— Você está bebendo porque eu disse que queria ir embora, não é? — A voz dela é como um sussurro suave no quarto escuro.

O Rei solta um riso abafado.

— É tão óbvio assim?

Sua risada não tem humor, apenas um som frio, irônico e vazio, e ouvi-la machuca. Especialmente quanto ela se lembra da última vez que as coisas estavam boas entre eles, e do jeito que a risada dele retumbava em seu peito. 

Ela não pode fazê-lo rir daquele jeito agora. 

— Eu não posso mais ficar aqui, — ela diz desolada, desviando os olhos de sua silhueta encoberta pelas sombras. Ela não precisa olhar para ele para saber qual será sua reação quando ela profere essas palavras, e ela não quer ver o momento em que ele sente a rejeição e deixa seus orgulhosos ombros caírem. Ela mantém o olhar baixo, fitando as mãos envoltas firmemente em seu grampo de cabelo quando ele cai ao chão, no degrau perto de sua cama.

Ela quase não consegue ouvir quando ele sussurra, mais para si mesmo e sua garrafa de vinho vazia do que para ela.

— Você é cruel, Soo-yah.

Ela se encolhe, porque só ouvir a tristeza na voz dele – tão parecida com a do 10º Príncipe num passado distante – parece ser o bastante para estilhaçar seu coração. Porque o que ele diz está certo: ela é cruel, ela é egoísta, ela só quer salvar a si mesma. Ela tinha prometido ficar sempre ao lado dele, mas quando as coisas ficam difíceis demais para ela, ela quer ir embora. 

— Eu sinto muito. — E ela sente; sente muito por ele, sente muito por si mesma. Ela sente muito porque ela é fraca, ela sente muito porque não pode ficar, ela sente muito porque ela quer viver, sente muito porque não é forte o bastante para ficar ao lado dele. Ela sente muito por não deixar o palácio com ele quando eles tiveram a chance. Ela sente muito por ter pedido a ele que deixasse Chae Ryung ficar. 

As lágrimas então descem pelo seu rosto, porque o coração dela dói, e ela só deseja estar de volta ao Século XXI, quando seus maiores problemas eram um ex idiota, uma melhor amiga falsa e as dívidas deles. 

Ela nunca devia ter desejado que a vida dela mudasse naquele dia.

Então ela chora novamente por Chae Ryung e um pouco por Woo Hee. E também um pouco por ela mesmo, porque seu coração parece que vai explodir ali e agora mesmo. Ela chora por ele também, porque ele é bem mais que isso, mas está preso a ela e a um assento que o força a tomar duras decisões que o levam mais perto do tirano que ela sempre temera que ele se tornaria. 

— Todo dia que acordo aqui, — Soo continua quando até mesmo o silêncio se torna demais para ela suportar, — Me lembro que estou presa num lugar que me quer morta e que continua machucando pessoas importantes para mim. Eu vi crueldade demais acontecer com pessoas que não mereciam. Você continua a tomar escolhas que te afastam mais e mais de mim! E nem sequer consigo olhar para você e não lembrar o que você ordenou. E isso parte meu coração ao ponto de eu querer não viver mais, só pra que esse sofrimento acabe.

Ela não olha para ele, e ela sabe que ele também não está olhando para ela. O silêncio os cerca na noite sem lua, na proteção do seu quarto, na escuridão de todas as coisas que não foram ditas e na distância entre eles.

— Eu não quero te deixar, mas você não me dá escolha, — ela choraminga. 

— Bem, eu não tive escolha! — Ele ainda está com raiva, mas contém o volume de sua voz dessa vez, a mente raciocinando além da bebida, — Você acha que eu gosto de mandar executar pessoas? Você acha que eu teria feito aquilo se houvesse outra maneira? 

— Então e quanto a Woo Hee? — a raiva dela também vem à tona, mas ao contrário dele, ela não a contém, — Você também não teve escolha? 

Isso o faz parar, e as próximas palavras dele são murmuradas por dentes cerrados.

— Eu não sabia quais eram as intenções dela. E você sabe que eu não magoaria meu irmão daquela forma. 

— Magoaria se fosse o único jeito de salvá-lo! 

— Eu não queria a morte dela!

— Mas ela está morta agora, e o 13º Príncipe foi embora. — Ela tenta voltar atrás nas suas palavras, mas é tarde demais. Ela o magoou de novo.

As próximas palavras dele são murmuradas para si mesmo, mas ela não pode deixar de ouvi-las.

— Eu não devia ter deixado ele liderar aquelas tropas. Eu devia ter sido mais autoritário com ele. Não importa o que seja, a culpa sempre acha um caminho para voltar até mim. Acho que fui eu quem fez Baek Ah ir embora. De um jeito ou de outro, eu o faria ir, mais cedo ou mais tarde. 

— Não foi isso o que eu quis dizer, — a voz dela é suave de novo e ela vira a cabeça para olhar direito para ele, porque ela não consegue ficar com raiva dele quando ele parece tão vulnerável.

— Eu estrago tudo.

— Pyeha...

— Eu estraguei você, — ele corta o discurso motivacional dela, sua voz sem emoção alguma, — Na primeira vez que te vi, você era uma bolha de energia e luz. Olha pra você agora, apagada, presa a um lugar que odeia por ter cometido o erro de se apaixonar por um monstro. Eu estraguei você, e estraguei a vida dos meus irmãos. Eu prometi a mim mesmo que seria um bom rei e que poria um fim ao derramamento de sangue na corte... Acho que estraguei o palácio também. — Ela não pode vê-las, mas ela sabe que têm lágrimas no rosto dele, — Minha mãe estava certa. Eu não passo de um animal e não devia ter voltado.

Ela não diz coisa alguma. Não porque ela não quer, não porque ela não tenha o que dizer, mas porque ela não consegue. Ela não consegue fazer sua voz atravessar o bolo que se formou na sua garganta quando ele começou a falar. Então ele continua.

— Se eu tivesse ficado em Shinju você estaria casada e feliz com o homem que você amava, meu irmão ainda seria rei, a princesa Woo Hee estaria bem e segura e você teria Chae Ryung ao seu lado. E eu estaria no lugar que eu pertenço. — Ele finalmente ergue seus olhos para ela, e seu olhar encontra um jeito de queimá-la mesmo na completa escuridão, — Mesmo agora, você está tentando fugir de mim.

— Me desculpa, — é tudo o que sai da boca dela com um soluço. As palavras dela se afogam no vazio dentro de si. Sua voz é fraca, porque ela não consegue esquecer do corpo ensanguentado de Chae Ryung rolando pelo chão. 

Não é justo. Não é nada justo com nenhum dos dois. A vida nunca foi justa com ninguém, mas a quantidade de desespero que vem se acumulando sobre ela – sobre eles – é muito maior que os desafios costumeiros que a vida oferece. Eles merecem muito mais. Ele merece coisa melhor. 

— Não se desculpe. — A voz dele é fria, mas a sua máscara não a engana mais, — Eu não devia ter sido tão tolo ao ponto de acreditar que você iria sempre querer ficar ao meu lado.

As palavras são mais frias que gelo e cortam mais fundo que aço.

— Eu não...

— Não se dê ao trabalho de pedir desculpas, — ele corta sua tentativa de se justificar mais uma vez, — Era inevitável, então não é sua culpa. É só o jeito que as coisas são. Todos me deixam no fim. Que nem Baek Ah. Que nem General Park. Que nem meus irmãos e minha mãe minha vida inteira.

— Eu te amo, — ela diz entre lágrimas.

— Eu sei. — Ele sorri tristemente.

— Eu queria poder ficar, mas não posso.

— Claro que não pode. Eu estou condenado a sempre afastar as pessoas que amo. Você só conseguiu me suportar por mais tempo que os outros. — Ele olha para baixo novamente, suas palavras agora um pouco emboladas por conta da bebida em excesso e da exaustão da discussão deles, — Eu queria ser a pessoa que ficaria sempre ao seu lado, e que você fosse a pessoa que nunca me deixaria. Mas agora você quer ir embora, arrancar meu coração e levar ele com você.

— Pyeha...

— Eu não quero sua pena. Mas também não quero ser a sua destruição, — suas palavras são duras, mas seu tom de voz é mais suave do que antes, — Eu tornei sua vida aqui miserável, e a última coisa que eu poderia querer seria magoá-la. Então vou manter minha promessa de anos atrás e lhe conceder liberdade do palácio. — Ele respira fundo, se preparado para suas próximas palavras, — Você pode partir pela manhã.

— Mesmo? P-pye... — Ela quase vai até ele, o alívio fazendo-a relaxar um pouco. Mas a sombra de sua angústia não se afasta dela, então ela continua sentada.

— Não venha se despedir de mim. Não vou vê-la partir.

Ele deixa a cabeça cair para trás, se reclina na parede fina atrás de si, e desvia o rosto. Cansado demais para sair marchando do quarto como ele teria feito em outro estado.

Ela está tão cansada quanto ele, mas ela não se deita, nem sequer deixa o quarto para retornar para o Damiwon. Ela simplesmente continua sentada, sua mão ficando dormente por segurar o grampo de cabelo com tanta força.

— Mas e você? — Ela sussurra, tentando não atrapalhar seu repouso irregular.

— Solidão não é uma estranha para mim, Soo-yah, — ele consegue responder, mesmo com o sono começando a se espalhar por ele, — Meu corpo já está acostumado com ela, que nem com veneno. 

Ela fica sem palavras. Surpresa demais pela decisão dele de deixá-la ir e atordoada demais pela sua declaração para dizer qualquer coisa. Então ela continua em silêncio, até que ele murmura algo durante o sono.

— Mas eu não sei se consigo viver sem você.

 

 

Ela não consegue dormir.

Ao invés disso, ela o observa dormindo perto dela, suas roupas pretas misturando-o à escuridão.

Ela folga um pouco o aperto no seu grampo de cabelo, sua mão um pouco dormente por conta força que usou antes. Agora que a discussão deles acabou e ele caiu no sono, a melancolia a atinge em dobro. Seu coração volta a palpitar novamente e ela esfrega o peito esperando poder aliviar a dor, mas sabendo que apenas parte dela é real.

Seu coração dói por ele e ela não pode fazer com que ele pare. Ela não pode parar de amá-lo.

Ele é diferente de qualquer outro homem que ela já se enganara em oferecer o coração no passado. Ele sempre esteve ao lado dela. Ele se mostrou por inteiro a ela, permitindo que ela tocasse seus segredos mais profundos. Ele nunca teve medo de lhe entregar seu coração. Ele nunca parou de demonstrar seus sentimentos por ela.

Ele é o melhor amigo dela, o amor da sua vida. Ele deu a ela mais do que ela poderia lhe dar de volta. E por isso, ela jamais poderia se perdoar.

— Você é uma pessoa horrível, Hae Soo, — ela sussurra.

Alguém poderia culpá-la por querer viver? Não. Ela sabe disso muito bem. Mas alguém poderia culpá-la por deixá-lo sozinho num lugar que continua a consumir todas as partes boas dele, até ele se tornar um tirano sanguinário? Sim. Especialmente se ela for a única pessoa que ele ainda tem naquele lugar. Ela seria a primeira a se culpar.

Ela sai da cama, engatinhando pelo piso de madeira até estar perto o bastante dele. Apesar da escuridão, ela consegue ver o seu rosto, as lágrimas começando a secar nas suas bochechas, a maquiagem no seu rosto um pouco apagada. E a visão da cicatriz dele com a expressão de derrota e desamparo do seu rosto lhe traz uma velha memória.

Ele é o mesmo menino que ela viu nos banhos do Damiwon. Ele é o mesmo menino que ela impedira de destruir todas as torres de pedras de oração. Um menino que está sofrendo. Um menino que está cansado e só quer um pouco de amor.

Ela poderia viver sem ele?

Ela iria viver ou iria apenas sobreviver?

Ela se pergunta se ela foi levada para o passado só para aliviar a dor dele, só para permitir que ele amasse e fosse amado. Para garantir alguns momentos de felicidade juntos, para que ele fosse um rei melhor. Ou ela está simplesmente bagunçando a história? Se ela não tivesse ficado com ele, ele estaria num lugar melhor agora? Ela foi egoísta demais por tentar ficar ao lado dele por tanto tempo? Deixá-lo, como Ji Mong sugeriu, era a melhor opção? Eles estavam sempre destinados a se encontrar apenas para depois serem separados?

— Eu sinto muito, — Ela odeia que essa é a única coisa que ela pode dizer agora.

Ela odeia tudo isso. Ela odeia as dúvidas e a confusão que tomaram conta de sua mente. Ela odeia que a vida no Século X seja tão dura ao ponto de obrigá-la a se afastar da pessoa que ela mais ama.

Ela também não sabia se conseguiria viver sem ele.

— Não vá, Soo-yah...

A voz dele a assusta um pouco e ela acha que ele acordou. Mas depois de se mexer um pouco, o corpo de Rei permanece parado e ele não se move nem fala de novo.

As lágrimas dela voltam a cair.

Ele sempre parecia ser mais novo quando dormia, como se todas as preocupações e problemas que ele suportara nunca tivessem acontecido. Ele parecia estar em paz e ela não podia evitar sorrir sempre que ela o via assim. Mas agora, ele não parece estar nem um pouco tranquilo. Ele parece estar como naquele dia que viera aflito até ela depois de ser rejeitado novamente pela mãe, depois de ser repudiado pelo povo no ritual da chuva, depois de ser aterrorizado pelo fato de que ele tinha matado o próprio irmão.

Todos sempre me deixam, ele tinha dito. Ela tinha prometido que não mudaria, e agora ela está quebrando sua confiança e indo embora.

Ela tinha achado que precisaria de muito mais que isso para convencê-lo a deixá-la partir, ela estava pronta para uma briga, ela tinha uma enorme lista de motivos que a forçavam a deixá-lo, ela havia se preparado para todas as mentiras que teria que contar para ele, para garantir que o laço entre eles se danificaria o bastante para que ele não quisesse mais ela palácio.

Mas ele já lhe concedeu liberdade. E ela se sente mais miserável do que nunca.

— Por que você tinha que me amar tanto, hein? — Ela sussurra por entre lágrimas, — Se tivesse me escutado e me deixado em paz, você não estaria sofrendo agora. Por que você veio atrás de mim, seu burro? O que eu vou fazer agora?

Ela poderia deixá-lo para trás?

Ela poderia abandoná-lo num covil de lobos?

— Por favor, me perdoe. — Suas palavras não têm som e ela vira as costas para ele, antes que ela vacile e mude sua decisão.

Ela faz o possível para se mover pelo quarto escuro sem acordar o Rei. Ela faz o possível para fingir que a presença dele não é uma constante na sua mente e pega as coisas essenciais para sua vida fora do palácio. Ela está basicamente fugindo e ela sabe disso. Mas ela também não quer vê-lo antes de ir embora, ou ela vai acabar não indo de jeito nenhum.

Isso não é justo com ele, Go Hajin.

Ela ignora o que quer que sua eu moderna poderia sugerir que ela fizesse, se estivesse no seu lugar. Ela abre o baú e começa a arrumar seus pertences.

 

 

Quando Wang So acorda, seus olhos estão inchados e sua cabeça dói. Ele se sente desorientado por um tempo, mas depois de alguns segundos olhando para o teto do quarto dela todas as memórias recentes voltam.

Ele está sozinho. Mais uma vez.

Ele achou que não ia doer tanto assim. Ele sempre esteve sozinho antes, então ele achou que estaria acostumado com a dor. Mas depois de ser tão amado, depois de receber ajuda para se livrar de sua escuridão, depois de ser envolvido no calor dela, depois de ser abandonado mais uma vez, a solidão machuca mais do que no passado.

Ele segura as lágrimas. Ele não vai chorar.

Ele se levanta do chão, seu corpo doendo por conta da posição em que dormiu durante a noite, e aí que ele percebe que tem um cobertor sobre ele.

Seu coração lateja quando ele percebe que tem o cheiro dela.

Gwangjong então olha em volta do quarto dela, tentando não pensar muito nos detalhes, mas não pode deixar de notar que a cama dela foi recolhida, que os armários estão abertos e desocupados. Que o quarto está frio e vazio. 

A única coisa que ainda resta é o hanbok vermelho e azul sobre uma prateleira.

Ele se aproxima e o segura em suas mãos, o aperta com firmeza entre os dedos. Por um momento ele precisa se segurar para não sair correndo do quarto e ir atrás dela, arrastá-la de onde quer que ela tenha decidido ir e trancá-la de volta no seu quarto, com soldados guardando a porta.

Ele a deixou ir, mas ela ainda é sua pessoa.

No entanto, depois de machucar tanta gente, talvez ele não mereça ter ninguém ao seu lado.

Ele põe o hanbok de volta no lugar e deixa o quarto.

 

 

A última pedra que ele empilha faz seu coração afundar um pouco mais.

Ele não faz uma prece, nem sequer diz coisa alguma durante o tempo que constrói uma pequena torre perto das que Hae Soo construiu. Ele continua a trabalhar em silêncio, lembrando da primeira vez que ele se deu ao trabalho de empilhar uma dessas, no dia que desistiu do amor de sua mãe.

Talvez agora ele devesse desistir de qualquer tipo de amor.

Ele também se lembra da vez que pensou que ninguém jamais poderia abraçá-lo e se aproximar dele, aquecê-lo e fazê-lo sorrir ao ponto de roubar seu coração, fazê-lo correr atrás dela e até mesmo estar disposta a encontrá-lo no meio do caminho. Ele sabe que se até ela o deixou, então não há mais esperança para ele.

A última pedra que ele empilha sela o vazio no seu coração.

Ele se levanta e olha diretamente para a frente, ignorando as pedras que ela empilhou para eles, e foca seu olhar no lago, esperando poder acalmar sua mente. Ele não se move quando ouve passos se aproximando dele, provavelmente de um dos eunucos, preocupado com a sua ausência.

— O que você pediu? — A voz dela o pega de surpresa, e ele precisa de toda a sua força de vontade para não se virar, não tomá-la em seus braços, não dizer que ele mudou de ideia, ele não vai deixá-la ir embora, ela vai ter que ficar ao seu lado para sempre.

— Nada, — ele consegue falar numa voz controlada, mas sem se virar para ela, — Não há nada que eu queira.

— Nada mesmo? Estou desapontada...

Ela deve querer matá-lo, com certeza. Se ela soubesse o quão perto ele está de desmoronar só por ouvir o toque de familiaridade na voz dela, ela teria sido fria e distante antes de deixá-lo para trás.

— Eu achei que tinha dito que não queria que você viesse se despedir? — A rispidez na sua voz é intencional. Se ela está tão relutante em deixá-lo sem dizer nada, ele vai forçá-la a isso.

— Sim, você disse, — ela fala quietamente, mas ainda continua a se aproximar dele.

— E então?

— Eu não vim me despedir.

— O quê? — Dessa vez ele se vira para ela, surpresa evidente no seu rosto e na sua postura, a confusão praticamente saltando de seus olhos arregalados, e ele não entende porque ela começa a rir do nada. E mesmo que ele esteja ciente que é a primeira vez que ele a vê sorrir em um bom tempo, ele ainda quer saber o que está acontecendo, então ele levanta uma sobrancelha e ela parece notar seu questionamento silencioso.

— Eu vou ficar, — ela fala de forma simples, o sorriso já deixando seus lábios, mas ele está afetado demais pelo que ela disse para se entristecer por isso.

— Mas eu achei que você... Você odeia esse lugar. — Ele engole a saliva com dificuldade e tenta não lembrar de todas as vezes que ela tinha dito que a vida no palácio não combinava com ela, — Você disse que esse lugar estava partindo seu coração, você disse que não podia ficar. — Ele não está enganado, ela realmente tinha dito, cada um daqueles comentários fora como uma adaga no seu coração.

— Eu quis dizer que não podia ficar sem sofrer, — é a explicação dela, mas não esclarece nada para ele.

— Então porquê não foi embora ainda? — Que nem todo mundo foi.

Ele não completa a frase em voz alta, mas ele não precisa. Ele apenas olha para ela, vestida num hanbok claro e com um penteado simples, e ele não acredita que poderá sobreviver quando ela recobrar o juízo e concordar com ele, se perguntar porque ainda está ali, se virar e partir.

Ela não diz nada por um tempo e a apreensão dele cresce, sua mão se apertando em um punho cerrado. Ela continua a observar o lago à distância, melancolia evidente nos olhos, até que ela finalmente fala, sua voz calma e suave.

— Lembra quando você tentou fingir que não gostava mais de mim?

Ele ri secamente e volta a olhar para o lago assim como ela. Ele não quer falar sobre o passado, mas isso não a impede.

— Você quase me convenceu, sabia? Por um breve momento eu realmente acreditei que seus sentimentos haviam mudado. Mas todos os seus esforços caíram por terra quando você pulou na frente daquela flecha por mim.

— Porque está me contando isso?

— E mesmo antes daquilo, você já tinha ido a extremos por mim, — ela ignora a pergunta angustiada dele e continua relembrando, — Quando você ficou ao meu lado na chuva, quando você bebeu três copos de chá envenenado para que eu não levasse a culpa. Teve até aquela vez que você tentou impedir meu casamento com o Rei Taejo.

Ele fecha os olhos e suspira.

— Soo-yah.

— E se eu tivesse aceitado seu primeiro pedido de casamento e seu pai tivesse te banido para Shinju de novo, você não teria se importado, não é mesmo?

— Eu ainda não entendo. Por que não foi embora ainda?

— Eu não consegui. — Dessa vez ele sente os olhos dela fixos nele quando ela responde, — Eu arrumei todas as minhas coisas, mas quando dei o primeiro passo para uma vida sem você, eu fiquei com medo. E então, pensar em você sozinho nesse lugar me deixou com mais medo ainda, e quase partiu meu coração também.

Ele se vira para ela e deixa que os seus olhos se encontrem.

— Mas eu logo ficaria bem.

— Ficaria mesmo?

Ele baixa o olhar para o chão, para a grama, para seus sapatos, para as pedras de oração dela. Eles dois sabem que “bem” não seria a melhor palavra para definir seu estado mental depois da sua partida.

Ele a sente se mover ao lado dele. E quando ela chega mais perto, a observa pelo canto do olho enquanto ela empilha uma pedra e junta as mãos silenciosamente, seus olhos se fechando com calma.

— Você já me deu muita coisa, Pyeha. Mesmo que fosse lhe causar sofrimento, — ela respira fundo antes de continuar, — Não é justo que eu não esteja disposta a fazer o mesmo.

— Eu não quero que você sofra, — é tudo o que ele pode dizer, taciturno.

— Nem eu. Mas eu também não quero que você sofra. — Ela deixa as mãos caírem ao lado de seu corpo, — E é por isso que vou ficar. Estou disposta a ficar do seu lado, mesmo que isso me machuque...

— Soo-yah, não é isso...

— E eu estou disposta a fazer isso porque eu te amo. — Ela então se vira para ele, seus olhos não mostram qualquer dúvida ou incerteza, e ela se parece mais com a antiga ela, rebelde e bagunceira, com uma pequena fagulha de esperança e afeto, ainda coberta pelo luto e pela tristeza.

As palavras dela fazem ele querer puxá-la para perto, para os seus braços e nunca deixá-la ir, mas os olhos dela o mantém à distância. Ela nota a sua hesitação, e mesmo que ela não faça nada para diminuir a distância entre eles, ela sorri para ele de forma tranquilizadora.

— As coisas não estão bem agora, Pyeha. Mas eu vou ficar e vou lutar, então um dia elas vão ficar bem.

E é aí que a ficha cai. Ela não vai embora. Ela vai ficar. Ela vai ficar e ele não vai ficar só. Vai levar um tempo para as coisas voltarem a ser como eram, e ele tem certeza que o caminho à frente deles é sinuoso e traiçoeiro, mas ele pode fazer isso. Ele pode fazer qualquer coisa se souber que vai se encontrar com ela na metade do caminho. 

E ele sabe, não há pedras no coração dele que ela não possa mover quando ela sorri daquele jeito.


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Notas finais do capítulo

Chega sinto uma pedra saindo dos ombros.
Sério, quem mais queria que Hae Soo ficasse?
o/

A história ainda continua, então dessa vez não posso ficar muito tempo longe, certo?
Não prometo nada (:

Título do capítulo vem de uma música da linda da Fleurie, link para os curiosos musicais -> https://youtu.be/pHQSvcsbNvw
e que basicamente me deu a coragem de transformar umas ideias loucas de uma pessoa privada de sono em uma história de mais de 125 mil palavras (sim, é isso mesmo. eu acho.)

Opiniões são bem-vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



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