How To Save a Vampire escrita por Airi


Capítulo 5
A menina da letra raivosa


Notas iniciais do capítulo

Alguns avisos sobre o capitulo de hoje: Quem quiser acompanhar as musicas do festival, me inspirei em algumas musicas para isso, então aqui vai as duas musicas!
Musica da banda da Lotty: https://youtu.be/FmkHqUwa4zg
Musica da sequencia (esta bem explicada no texto): https://youtu.be/29GWMT0GB6s

Espero que tenha uma boa leitura!



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Já estava deitada no meu quarto. O sol se pondo. Minha mãe abrindo a porta e perguntando como eu estava. Tudo passa em câmera lenta. Eu só conseguia responder com o mesmo tom de sempre, com um sorriso fraco. Tudo estava ficando bem já. Minha irmã precisava de umas sessões de terapia pelo ocorrido, mas como tinha passado a maior parte do tempo desacordada, não entendia muito bem a gravidade da situação que ela estava antes. Meus pais estavam tomando mais cuidado, sendo super protetores demais, mas era só uma fase, ia passar.

Três dias tinham se passado desde que eu acordei no hospital. Sem muita explicação do porque eu tinha perdido muito sangue, os médicos deram uma explicação qualquer e meus pais aceitaram. A cética ciência tinha me salvado dessa vez. Afinal, quem não acredita no que os médicos falam? Minha irmã estava em casa, ilesa. Mas eu não. Três dias no hospital até ter o sangue suficiente no meu corpo. Me recuperando de algumas feridas internas, já que eles acreditavam que eu tinha escorregado barranco abaixo.

Só se esse barranco se chamasse Francis.

A cena se repetia diversas vezes na minha mente. A mordida, a sensação de medo. Era a primeira vez que achei que fosse morrer. Não que não levasse as ameaças de Francis a sério, mas aqueles olhos. O ódio. Até agora eu estava mentindo para mim, achando que essa situação sobrenatural poderia me tirar, ao menos que um pouco, dos meus problemas. Era divertido ter uma companhia estranha, que não queria me ouvir, até me ajudava e me distraia. Eu tinha feito de Francis, uma válvula de escape. Perigosa e diferente.

Olhei a janela. O sol não estava mais lá. Senti meu braço tremer. Era o celular. Olhei a mensagem e era Aaron, perguntando se eu já estava bem o suficiente para voltar ao ensaio. Meus olhos percorreram o parapeito da janela mais uma vez.

Ele não vai mais voltar. Não depois daquilo.

Senti o pensamento ecoar em minha mente, como uma terrível dor de cabeça. Não que ele fosse algo para mim, era meramente um estranho. Mas não ter mais o meu porto seguro, fora da realidade, doía. E agora tinha que voltar para a minha rotina, aos poucos. Como deveria ter sido desde o inicio. Eu deveria pensar pelo lado positivo, não é mesmo? Não teria mais um vampiro sanguinário e estranho querendo me chantagear e matar a minha família. Peguei o celular e respondi que amanhã estava pronta para a guerra, joguei o celular na cama e fui até a minha escrivaninha. Abri a gaveta e vi a letra da musica lá.

Eles já estavam ensaiando essa musica. Mas eu não queria mais depender disso. Por algum motivo, uma raiva atravessou meu corpo com força, e me fez rasgar a letra inteira. Se alguém aqui pensava que eu ia ficar quieta, estavam muito enganados. Chega. Eu tinha algumas coisas sim para falar. E essa letra iria me representar. Nada de uma letra feita por Francis. Ou uma letra triste porque eu não tinha mais um namoradinho. Agora eu iria criar uma letra que realmente me representava.

A Charlotte de verdade morde. Assim como o amor.

Fiquei até tarde escrevendo a letra. Quando acordei, ainda estava na minha escrivaninha. O sol que entrava pela janela me incomodava. Coloquei uma das mãos para bloquear os raios que iam direto para o meu rosto, enquanto bocejava. Olhei ao redor. Eu sabia que procurava algo, mas já estava de manhã, no máximo encontraria alguma pista. Se ele realmente estivesse ido lá.

– Filha?

Escutei minha mãe chamar, enquanto entrava no quarto.

– Hora do café. Vem comer?

– Claro. Vou só tomar um banho e já desço. Hoje vou na casa do James, para o ensaio.

– Ah, o famoso festival. Não? Daqui a poucos dias. Vocês precisam ensaiar bastante.

Eu conhecia aquele tom da minha mãe. Ela queria saber se estava tudo bem. Era a forma sutil de rondar o terreno antes de vir com as perguntas pesadas.

– Está tudo bem mãe. – comecei, me levantando. – É sério. Os dias no hospital foram horríveis. Mas eu estou bem. Foi um susto para todo mundo, mas é melhor começarmos a retomar nossas vidas, não acha? O quanto antes, melhor. – disse por fim, sorrindo.

Mamãe sorriu de volta e acenou com a cabeça. Parecia feliz e surpresa com a minha resposta madura. Esse seria o rumo natural das coisas, sabe? Fingir que nada aconteceu e retomar o curso para a vida normal. Aquilo que chamam de ciclo, acho. Mas era algo difícil com um trauma desses para eles. Minha irmã era a mais sortuda de todos nós e eu resolvi que falaria tudo aquilo que eles queriam ouvir, só para que se sentissem bem ao ver a filha saindo daquela depressão escolar idiota.

Eu sei, eu sei. Preciso parar de reclamar da vida. Mas reclamar é o meu forte. Parece que tudo conspira para um problema. É difícil encarar aquele monte de imbecis me olhando torto. E agora Alex, querendo fazer as pazes sei lá porque raio de motivo. Não parava de me mandar mensagem desde que tinha me beijado a força no corredor. Antes eu não tive tempo de responder nada, pelos acontecimentos. E agora eu não queria responder mesmo. A cada barulhinho de mensagem do celular, meu coração pulava no peito e eu ficava com medo.

Medo de encarar qualquer coisa vinda dele. Medo de acabar cedendo e responder. Aqueles olhos me prendiam. Meu coração era fraco. Mas eu não podia ceder. Doeu demais a traição para que eu deixasse a saudade vencer. Ou o medo de ser falada na escola depois de todo esse tempo. Ah! Mas vai se ferrar! Que droga! Porque é que o Francis tinha que ser tão mimadinho e idiota a ponto não aceitar que eu tinha ganhado a causa dessa vez? Precisava mesmo quase me matar e sumir?

Ele é um babaca dramático, isso sim!

– Muito obrigada Francis, você acabou com a minha única diversão sobrenatural da vida. – falei amarga, para mim mesma, indo para o banheiro. – Agora toda vez que escutar Charlie falando sobre ETs, espíritos e criaturas do submundo eu vou querer te matar! Se isso for possível!

O banho morno acalmou meus ânimos. Me permiti sentir a água caindo na pele, a aquecendo e escorrendo para baixo. Fechei os olhos e tentei me focar na musica que escolhi para tocar enquanto estava ali. A cada respiração parecia que meu coração estava menos pesado. Os fantasmas da minha vida escolar, agora um caos, tentaram vir. Fiz o possível para jogar para o canto escuro da minha mente. Será que Francis, agora que era um vampiro, tinha tempo e vontade de apreciar esses momentos? Pela primeira vez eu estava me perguntando como seria ser uma criatura da noite.

Uma sede infinita por sangue, provavelmente sem vontade de comer qualquer outra coisa, não sentir frio ou calor, compaixão. Ver quem você ama morrer e não poder fazer nada porque você é quem está errado diante da mãe natureza. . .

– É. Não deve ser fácil olhando por esse lado. – falei baixo, desligando o chuveiro e olhando para o lado. Para o meu quite de primeiros socorros. – Mas pelo visto ele viveu o suficiente para aprender a gostar de ser um babaca sádico. – completei, ao me lembrar da ultima vez que nos vimos.

Qual é o meu real problema com tudo isso? Enquanto saia do banho, fiquei pensando nessa frase. Supostamente tinha me livrado de um belo problema, certo? Ele foi embora depois daquilo, sumiu ao menos. Eu finalmente tinha visto um vampiro em ação e descoberto que a realidade é mais brutal do que os filmes ou livros romanceados. Ele era um monstro. E nunca tinha escondido isso de mim, e nem mandado eu me afastar. Muito pelo contrario, ele tinha me ameaçado! E agora eu estava olhando para todos os cantos que nem uma idiota procurando um sinal da existência dele!

Talvez eu só quisesse provar para mim mesma que eu não estava doida. Que tudo o que eu vivi era real, e que vampiros existiam e que a esquizofrenia passava longe desse brilhante pedaço de carne que chamamos de cérebro. Peguei a toalha e me enrolei nela, amassando as pontas do meu cabelo comprido com uma outra, menor. Dei uma ultima olhada no espelho, para encarar minhas olheiras fundas e a cara de perdedora que eu tinha adquirido desde então. Suspirei, e sai de lá.

– Já estava pensando em suicídio, sabia?

Escutei Charlie, que estava sentada na minha cama.

– Estava demorando pra você aparecer no meu quarto.

– Você esta atrasada para o ensaio na casa do James! – esbravejou ela.

– Errado Charlie. Você está atrasada para o ensaio na casa daquele perdedor. – retruquei, irônica.

– Estava preocupada com você desde o acidente. – Charlie comentou sincera, com um sorriso no rosto. – Fico feliz de ver o seu lado irônico de novo. Mas o James é o cara mais legal do mundo! Para!

Estava demorando. Bufei.

– Bla bla bla. Me troco em 5 minutos e vamos para o ensaio. Já perdemos muito tempo e hoje vem bomba.

– Do que está falando?

Abri meu melhor sorriso de arteira culpada, e joguei a toalha na cara dela.

– Você vai ver.

Já na casa de James, pude apreciar com gosto a expressão espantada de cada um deles, ao ouvir meu decreto. Com a letra nova em mãos, erguida acima deles, continuei, fingindo não perceber.

– Tudo aconteceu muito rápido, eu sei. Vocês ainda foram muito fofos em ensaiarem enquanto eu estava no hospital, para adiantar e fazer uma surpresa para mim. Mas—

– Mas como sempre, a nossa vocalista é uma desalmada maldita que adora mudar as coisas de ultima hora. – Erick comentou com desgosto, ajeitando os óculos, enquanto olhava para o chão. – O festival é em poucos dias. Temos aulas, matérias, uma vida social. Sei la! Qualquer coisa além dessa porcaria de ensaio e você me vem com essa noticia!

– Porque ele é sempre o mais dramático de todos nós? – Jack perguntou de longe, deitado no sofá, ajeitando seus longos cabelos de metaleiro. – Eu gosto de desafios, por isso gosto da Lotty como nossa vocalista. Ninguém para essa menina. É isso ai, eu estou com você! – berrou por fim, se levantando e pegando uma copia da letra que estava na mesa ao meu lado, voltando para o sofá logo na sequência.

Aaron riu e olhou para Charlie, antes de começar a falar.

– Eu topo. A letra é melhor que a anterior.

– Com certeza! – completei, um pouco alterada.

– A outra estava ótima para essa mensagem! – Erick choramingou lá do fundo, ao lado de Jack.

– Tanto faz. – James deu de ombros e esticou a mão. – Passa ai uma das folhas. Vamos estudar logo essa melodia e arrasar.

– É assim que se fala James! – Charlie falou toda animada, como uma líder de torcida, pegando a folha para James.

– Bom, já que estão todos de acordo, podemos começar os ensaios? – falei empolgada. – Eu vou cantar mais ou menos como imaginei, e vocês tentem pegar o ritmo para estudar melhor.

– Já que não temos escolha. – Erick esbravejou pela ultima vez.

Loki chegou atrasado ao ensaio. Não que fosse fazer alguma diferença, mas ele era um bom conselheiro. Geralmente percebia quando minha voz mudava do tom desejado ou que combinava com a melodia. Mesmo não sendo um musico nato, ele tinha uma boa sensibilidade para essas coisas, ajudava muito mais do que Charlie, que ficava apenas babando ovo para James. E aquilo me cansava um pouco, quando o assunto era sério. Quero dizer, ela podia muito bem amar aquele esquisito como quisesse, mas nos ensaios eu queria ou ela calada, ou ajudando.

Os próximos dias foram de ensaio puxado. Tirando a escola que era sempre a mesma babaquice e aqueles momentos que eu tinha que fugir de Alex, ou ouvir um comentário desnecessário, não tive tempo de me preocupar com mais nada. Usei toda a minha frustração no estudo da letra e deixar a musica perfeita. A partir de agora, essa seria a minha prioridade, a musica do festival e deixar todo mundo de queixo caído.

Amanhã seria o grande dia. As aulas acabariam mais cedo, os preparativos seriam feitos pelos voluntários que precisavam de notas extras para passar de ano, e eu estaria brilhando naquele palco. Como nenhum deles imaginava. Olhei para o lado, por entre a janela. As várias estrelas pendiam no céu como um móbile em um berço. Uma noite linda e convidativa demais para a minha insônia.

Fazia tempo que não sentia o sorriso brotar, sem motivo, no meu rosto. Uma sensação de quentinho se mantinha no meu peito. Mas eu não podia fechar os olhos. Toda vez que fazia isso, pensava em Francis e como ele poderia estar. Droga. Estou pensando nele agora. Os dias se passaram rápido, as noites nem tanto. Ele deveria estar ameaçando outra vida humana agora, mas será que ele estava bem? O incidente daquela noite não me perturbava mais tanto, mas não ver nenhum vestígio do que eu vivi, sim.

– Eu preciso dormir. – choraminguei contra o travesseiro.

– Precisa mesmo.

Escutei uma voz aveludada e conhecida.

Virei o rosto e vi Vincent sentado impecavelmente na minha janela, amassando o coque por detrás de sua cabeça.

– Vincent! – falei alto, logo tapando a minha boca e abaixando o tom. – Eu não sou louca afinal!

Meio confuso, o vampiro ficou me encarando por algum tempo antes de voltar a falar.

– Não sei muito bem do que está falando, senhorita Charlotte, mas esta certo de que esta muito feliz em me ver.

– Vocês sumiram do nada, eu achei que—

Balancei a cabeça negativamente. Não, agora não era hora de falar sobre as minhas teorias malucas de como deveria parar no hospício.

– Deixa pra lá. Vocês estão bem?

– Achei que nos odiasse.

– É meio complicado entrarmos nesse assunto agora. Só quero saber como vocês estão. Não que eu queira a volta do seu mestre idiota e chantageador, nada disso! Só que né, vivemos algumas coisas, sempre bom saber de vocês. – falei num fôlego só.

– A senhorita está bem?

– Nervosa. – admiti.

– O mestre Francis está fora da cidade há uns dias. Não sei quando volta. Acabei ficando curioso em como você estaria, e aqui estou. – respondeu ele, sem graça, coçando a nuca.

– Eu não sou nenhum banco de sangue, nem vem.

– Não estou aqui para pegar seu sangue a força. Sei que ficou com essa impressão de nós, e infelizmente é o correto. Mas você é divertida. Há tempos não conhecia uma humana que conseguisse peitar nossas imposições.

– Aquela foi à primeira vez. – comentei amarga, o interrompendo.

Ele riu e continuou.

– Você teve coragem.

– Se eu soubesse que acabaria no hospital, quase morta, teria voltado para casa e assistido filmes.

– Parte da culpa foi minha, e é por isso que também estou aqui. Se tivesse deixado um pouco da diversão para o mestre, ele jamais teria ficado tão bravo. Acredite.

Aquela afirmação deixou os pelos da minha nuca eriçados, só de imaginar que eles consideravam aquilo diversão.

– Ah, tudo bem. Como iríamos saber o final das coisas ne? O importante é não desobedecer mais, ou qualquer coisa que vocês tenham combinado nessa coisa de servo e mestre.

– Francis é o meu criador. Eu o chamo de mestre por admirar sua força.

As palavras saíram calmas pelos lábios grossos do vampiro. Não estava olhando diretamente para Vincent até agora, mas aquela frase captou minha atenção de modo inesperado. Os olhos estavam cravados no céu, como se buscasse algo, o corpo um pouco inclinado para fora, sem o medo de cair. Aquela sensação, de sentir o vento aqui do alto, devia ser algo bem apreciado para quem não tem medo de cair e morrer, como eles. Francis era admirado por alguém, afinal.

– Como alguém consegue admirar aquele babaca?

Eu estava começando a me divertir. Novamente estava fugindo da minha realidade humana, e parecia que algo em mim gostava. O desconhecido me pegou de surpresa, e descobri que era uma masoquista de verdade. Ou seria só o desejo de saber mais do desconhecido, que todo ser humano tem?

– Preciso ir. – Vincent falou seco, se jogando da minha janela.

Quando olhei para baixo, nem sinal de que ele estava ali segundos antes. Eles não sabiam ir embora apropriadamente? Avisar um pouco antes, se despedir, sabe. Os humanos gostam disso e geralmente chamamos de educação, pelo que ainda me consta. Emburrada, joguei o corpo para trás, sentindo a cama fofa e, agora, convidativa.

Não me lembro quando consegui dormir, só sei que acordei com uma baita dor de cabeça e minha mãe berrando lá debaixo que Charlie tinha chegado. Sentei na beirada, ainda um pouco atordoada de sono, vendo uma Chalie sorridente e muito bem arrumada se jogando ao meu lado.

– Ainda dormindo, bela adormecida? – ela brincou, enrolando algumas das mexas avermelhadas com os dedos pintados. – E então, pronta para impressionar?

– Acho que quem esta totalmente pronta para impressionar aqui é você, não?

– Exagerei?

– Como sempre.

Escutamos Loki, que estava encostado no batente da porta.

– Você esta atrasada para o ultimo ensaio que marcaram Lotty. Não acredito que eles ainda deixam você ser a vocalista com todos esses atrasos.

– Eu sou muito especial para ser trocada assim, desse jeito, senhor sabe tudo. – retruquei entre um bocejo. – Agora se derem licença, a estrela da noite precisa se arrumar. – terminei com meu típico tom irônico.

O look da noite foi fácil escolher. Eu não podia ser o centro das atenções estéticamente, tinha que ser a minha voz. Uma calça jeans básica, uma blusa branca sem mangas, acompanhado de um casaquinho listrado em preto e branco e um tênis. Não, eu não me vestia assim antes, mas agora que queria ser invisível, tinha adotado cores monocromáticas. Delineei os olhos levemente de preto e pintei os lábios de vermelho. Finalizando com um longo rabo de cavalo, alto na cabeça.

Ja no festival, enquanto penteava os fios rebeldes com os dedos, fui em direção aos meus companheiros de banda, que estavam em um canto da festa. Uma musica ambiente da moda tocava por toda quadra, a meia luz, enquanto alguns colegas e alunos de outras turmas dançavam na pista, e outros trabalhavam nas barraquinhas. Antes de chegar próximo dos meus amigos, esbarrei com alguém e me virei para pedir desculpas.

Era o casal 20, Sarah e Alex.

Ele me olhou profundamente. Com aqueles olhos de quem tem o que falar, mas Sarah o apertava tanto pelo braço, que estava claro que aquilo era um aviso para que ficasse quieto. Tímida, pedi desculpas, sem olhar para os dois, e desviei o caminho. Isso era ruim. Vê-los tão pouco tempo antes deu me apresentar tinha me deixado nervosa e com medo de como receberiam a apresentação. Era verdade que muitos alunos contavam com aquela super apresentação, e estavam ansiosos pelo nosso trabalho, mas eu ainda era uma adolescente renegada. E com medo. Muito medo.

– Lotty?

Escutei Erick me chamar ao fundo.

– Aqueles olhos de cobra. – sussurrei. – Ela queria me intimidar. Aquela vaca! – berrei no final, olhando para Erick.

– Sério que está preocupada com isso?

– Ela esta com medo que Alex tente largar ela! – continuei berrando, sem me importar. – Erick! Eu não aceitaria aquele imbecil nem que ele beijasse os meus pés!

– Esta certo. Mas agora temos um show, lembra? É a nossa vez. E se a Sarah tentou te intimidar, mostre que isso não aconteceu como ela planejava, okay? Faça isso por você.

O barulho da musica deixava a voz de Erick mais abafada, mas deu para ouvir cada palavra. Algo em mim se acalmou, e balancei a cabeça positivamente, com determinação, enquanto sorria para ele. Por mais medo que eu pudesse ter, de ser vaiada, era a minha vingança contra todos aqueles que riam de mim. A vingança por todos os renegados e sofridos da escola.

E a rainha do drama estava de volta!

Com um sorriso alto, me joguei em cima dos meus companheiros de banda, incluindo nossos fiéis e escudeiros, Charlie e Loki. Me sentia protegida com eles, e isso iria me ajudar caso alguém tentasse me sabotar.

– Vamos arrasar!

Berrei antes de entrar no palco.

A musica ambiente parou. Era a primeira apresentação musical da noite. Ficamos atrás das cortinas, enquanto o diretor, apresentador oficial dos festivais, anunciava a programação e a nossa banda. Meu coração pulou pela garganta. Apertei o microfone com toda a minha força quando a luz sumiu e focou em nós, enquanto as cortinas se abriam.

Ao invés de vaias, risadas e gritos, o silencio pairou, na espera. E sem esperar mais, James começou a contagem e as batidas no prato da bateria. A guitarra entrou pesada, e os outros instrumentos começaram a vir, anunciando que a minha participação estava próxima. Uns segundos antes de começar a cantar, pensei que queria que Francis estivesse aqui, ouvindo essa letra. Afinal, ele era a inspiração dessa letra em algumas partes. Até o nome da musica. Claro que havia sido uma mistura, mas ele saberia reconhecer as partes que tinham a ver com ele.

Ou com coisas que ele tinha me mostrado.

Respirei fundo e comecei a cantar. Tudo estava perfeito. Minha confiança não estava abalada em nenhuma das palavras. Meu corpo se balançava ao som, senti meu sorriso crescer ao longo do refrão enquanto olhava os presentes. Fui ao chão, cantando de joelhos. Me soltei.

Podia sentir a plateia gostando e quem era para ser alfinetado estava de boca aberta. Dei uma rápida olhada pela expressão de Sarah que fez questão de ficar perto do palco. Ela estava chocada e Alex sorria. Tentei não me deixar prender naquela visão enquanto a musica ia chegando ao fim. Aaron fez seu solo ao meu lado, enquanto eu ria e ajeitava alguns fios que vieram ao rosto.

Depois do ultimo grito o som foi se dissipando e tudo o que eu podia ouvir era a multidão de alunos gritando e aplaudindo. Meu coração batia forte, a adrenalina corria pelo meu sangue de modo que eu nunca tinha experimentado. Será que o meu sangue tinha um gosto bom quando passava por isso? O pensamento me pegou de surpresa e eu quis me estapear por isso. Não era momento de pensar nisso! Os meninos vieram ao meu lado, receber os aplausos e me distrai com os sorrisos e gritos cheios de elogios.

O resto da noite apareceram mais alguns cantores com violões, duplas e até apresentações cênicas. Todos muito aplaudidos e bons. Mas algo me dizia lá no fundo, chame de vaidade se quiser, que tínhamos ganhado. Fiquei um tempo com o grupo, rindo e comentando sobre o show. Mas a necessidade de dar uma olhada ao redor da festa para procurar Sarah e seus coleguinhas surgiu, e sai de fininho.

Lá no fundo, já livre da adrenalina, uma paz interior tomou conta de mim. Até que, mesmo sendo um idiota, Francis tinha ajudado muito, e sem saber. Encostei na parede, com os braços cruzados, curtindo a musica da ultima apresentação da noite. Uma musica calma, a voz do menino era bonita e combinava muito com a voz da outra garota que cantava o dueto.

A letra só que me incomodou um pouco, mas tentei ignorar até dar de cara com a figura alta e musculosa de Alex vindo na minha direção pela multidão. Droga. Eu não queria falar com ele bem no meio de uma musica romântica. E estava obvio que ele ia falar comigo, só de olhar aqueles olhos vidrados em mim a cada passo.

– O amor morde é?

Escutei uma voz familiar, soando bem irônica atrás de mim.

– Francis. Você e esse seu timing vampiresco. – brinquei, me virando para ele. - Como você tem coragem de aparecer depois de tudo o que aconteceu?

– Foi quase uma declaração de amor. – ele continuou com o mesmo tom. - E você pediu por aquilo. Nunca disse que sairia ilesa dessa situação, sua teimosia te guiou ao pior. Não me culpe pela sua burrice.

Olhei de canto para a direção que Alex vinha anteriormente, mas ele não estava mais lá.

– Cala a boca. – o empurrei com o ombro. – Você sabe muito bem do que eu estou falando. Eu quase morri. E era a vida da minha irmã em jogo.

– É só ficar fora por alguns dias que essa sua indisciplina petulante volta. Acha que eu deixaria minha humana de sangue para trás?

– Alguma explicação ou pedido de desculpas? - insisti.

– Regra numero um da nossa parceria, jovem Lotty. – ele começou divertido. – Sem explicações ou remorso. Você tem de mim aquilo que procurar. O aviso foi dado desde o inicio, eu não me responsabilizo por nenhum ato impiedoso meu, então siga as minhas ordens e não sairá ferida.

Suspirei, e bati duas vezes no ombro dele. O olhando debaixo.

– Primeiro, isso não é uma parceira, é um cativeiro. Segundo, todo esse seu ar de poderoso te deixou mais idiota do que nunca e terceiro, já que vai continuar aqui, me assombrando, você poderia me dar umas férias. Fingir que você é só um fantasma da minha esquizofrenia é divertido e me sinto normal de novo.

Ele riu e levantou um pouco o rosto.

– Achei que seria melhor me afastar um pouco de você depois do ocorrido. Mas isso é pra aprender a nunca mais me desobedecer. Olha a burrada que você quase me fez fazer. Seu sangue é único e eu quase perco—

– Sua geladeira né? – cortei ele, irritada. – Eu não acredito nisso.

– No que não acredita?

– Que eu cheguei a sentir falta da sua companhia.

– Sentiu?

Ele ergueu uma sombrancelha, enquanto me olhava curioso.

– Eu devo ter ficado com um anemia brava pra imaginar que sentir sua falta me faria um ser humano melhor.

Ele riu.

– Só passei pra ver se ia usar a minha letra. – ele deu de ombros meu ataque nervoso. – Mas pelo visto você aprendeu mais do que eu podia imaginar sobre algumas coisas da vida.

Ri de desgosto. Uma conversa com ele não seria muito prudente agora. Revirei os olhos e estapeei de leve minha testa.

– Então espero que tenha aproveitado, estranho.

Disse por fim, me afastando dele, ouvindo o nome da minha banda ser anunciada como a vencedora do festival. Eu queria ter dito, mas dizer que eu tinha sentido a falta dele só complicaria aquela situação esquisita que era estar feliz de ter aquele babaca de volta na minha vida. Ou melhor, de volta ameaçando a minha vida.

Quem sabe eu não era mesmo aquelas malucas masoquistas, porque sentir falta disso, só podia ser porque estar irritada me distraia. Não tinha outra explicação.


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