Uma Breve Vista da Morte - Contos Avulsos escrita por Claire


Capítulo 1
Death Ride




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O tanque estava quase cheio quando o rapaz de jaqueta jeans dobrada nas mangas guardou a bomba de gasolina que tinha na mão e se encaminhou para o caixa. Não que gostasse muito de usar gasolina barata, porém aqueles postos de beira de estrada raramente tinham outra coisa. Ele pagou rapidamente o que devia e voltou para o carro bem na hora que um esportivo preto parava atrás dele na fila para usar a bomba. Ele não conseguiu ver o motorista com clareza, mas reparou que em seu braço havia o relógio mais estranho que já vira na vida. Com um aceno ele entrou e deu a partida, deixando o esportivo e o motorista do relógio de sete ponteiros para trás.

Viajar pelo interior do país sempre fora uma de suas atividades preferidas, e aquela era especial. No final daquela viagem ele a veria: a única com quem queria dividir a vida. Demorou muito tempo para perceber isso, porém estava pronto para pedir a mão da moça agora e era exatamente isso que planejava fazer assim que terminasse de cruzar o estado. Enquanto sua mente viajava pelas lembranças felizes, ele percebeu o esportivo preto pelo retrovisor. Estranho, pensou, ele demorou pouco para abastecer. Não deu muita importância para isso, limitou-se a colocar uma música no velho rádio do carro. Com a introdução de um rock anos 80 clássico ele seguiu sua viagem. 

Cantarolar a música o deixou mais tranquilo por um tempo, porém logo ele percebeu o esportivo se aproximar até estar tão perto que quase batia na traseira do carro. Ele olhou pelo retrovisor com um incômodo crescente, até por que não haviam carros na contra-mão e ele poderia ultrapassar tranquilamente. 

Jogou o carro o máximo possível para a direita a fim de liberar espaço para a ultrapassagem, porém a manobra foi repetida pelo carro de trás. Foi aí que ele percebeu que algo estava errado. Diminuiu então a velocidade até parar no acostamento, porém embora o esportivo também tenha diminuído, o mesmo não parou e apenas seguiu pela estrada deserta. Ainda assim o rapaz esperou por alguns minutos antes de ter coragem de ligar o motor novamente.

Embora aquele episódio o tenha assustado, ele resolveu deixar para lá a fim de não gastar muito tempo pensando nisso. Preferia manter sua concentração nas palavras que diria ao chegar, ou ao modo como iria se ajoelhar, coisas que o deixavam muito mais animado do que pensar em carros estranhos. Após uma curva mais fechada do que o de costume, ele viu o esportivo parado no acostamento com o motor ligado. Diminuiu, então, a velocidade na tentativa de ver o motorista lá dentro, porém os vidros escuros não permitiram que ele visse mais do que a silhueta do que parecia ser apenas um homem magro olhando para a frente. 

Assim que seu carro ultrapassou o esportivo, este começou a se mover até estar rodando bem atrás dele novamente - o para-choques do carro preto quase roçando a traseira dele. Desta vez ele estava realmente assustado e, jogando para o ar todo o bom senso, começou a acelerar cada vez mais para tentar escapar daquele motorista estranho. Seu carro ganhou velocidade pela estrada rodeada de árvores até que estas se tornassem borrões passando pelo vidro, porém o esportivo também acelerou e continuou perseguindo-o.

Naquela estrada era raro ver outros motoristas em qualquer uma das direções, visto que nem sequer era a rodovia principal. Foi apenas neste momento que ele percebeu o quão perigoso era seguir pelas vias secundárias, porém não teve tempo de se amaldiçoar por gostar da solidão: o esportivo estava pareando com ele.

Sem diminuir a velocidade ele abaixou o vidro do motorista e jogou uma das latinhas de refrigerante vazias que possuía no carro contra o vidro do carro vizinho, gritando para que o motorista parasse de segui-lo. O motorista do esportivo abaixou um pouco o vidro do carona e olhou lentamente para ele, que ao ver o que estava guiando o carro preto, pisou ainda mais fundo no acelerador tentando fugir daquilo. Agora completamente desesperado pela simples visão daqueles olhos sem vida, ele ganhou cada vez mais velocidade tentando se afastar. A velocidade dificultava seu tempo de reação e ele não percebeu a curva seguinte, jogando seu carro a 165km/h contra as árvores que rodeavam a estrada.

Ele sentia sua consciência ir e vir enquanto ouvia um som estranho que parecia vir de muito longe. Aos poucos percebeu que era fogo - e estava bem perto. Ele olhou para fora e percebeu a frente do carro soltando uma grossa coluna de fumaça enquanto o começo de um incêndio tomava conta do motor. A árvore onde seu carro bateu estava na diagonal, prendendo-se apenas por parte das raízes ao chão gramado e todo o seu corpo doía pelo efeito chicote que seu cinto de segurança causou. 

Ao olhar para o lado ele percebeu a sombra do motorista do esportivo parado do lado de fora e, aos poucos, sentiu o pânico tomar conta do seu peito. Ele gritou desesperadamente e tentou se soltar do cinto de segurança, porém parecia estar completamente preso no banco e a simples visão daquela sombra era o suficiente para turvar seus pensamentos até quase não poder mais pensar racionalmente. 

A sombra se moveu devagar na direção do carro destruído e abriu a porta com suavidade, para o completo horror do rapaz. Naquele momento ele pensou na caixinha com as alianças no porta-luvas e no rosto daquela que nunca mais veria, e foi apenas assim que conseguiu se controlar ao olhar para o abominável rosto que se encontrava a alguns centímetros do seu. Ele sentiu o hálito quente da criatura e, pouco a pouco, todos os seus sentidos lhe abandonaram até que aquela respiração morna se tornou sua última lembrança.

(...)

De volta ao esportivo preto, a criatura se abaixou e pegou um pequeno caderno de capa marrom, abriu na última folha escrita e riscou um nome. Sua respiração foi profunda quando ele se lembrou do rosto jovem daquele cuja vida acabara de ceifar. Não era o trabalho mais prazeroso do mundo, porém era o que devia fazer - o papel para o qual foi feito. Olhou rapidamente para o céu que escurecia e depois para o estranho relógio de sete ponteiros que tinha no braço esquerdo, então ligou o motor novamente e acelerou pela estrada. 

 

Algum tempo depois, não muito longe dali, um caminhoneiro de aparência desleixada terminava de abastecer seu caminhão quando um esportivo preto parou logo atrás dele na fila para usar a bomba.​


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