Monarquia Serpente - Bughead escrita por Fortunato


Capítulo 35
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Música do Capítulo: AViVA - Hushh



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Elizabeth Cooper

— Boa tarde, - corri os olhos pela mulher que até então fazia questão de ignorar nossa presença no balcão – viemos visitar Toni Topaz, ela deu entrada na madrugada de domingo.

— Vão ter que aguardar. - a mulher me encarou por cima dos olhos de grau em seguida fitando Jughead ao meu lado – O limite máximo é de duas visitas por vez.

Talvez Cheryl ainda estivesse ali, mas quem seria a outra pessoa?

— Podem aguardar ali.

A mulher indicou os acentos da recepção onde deveríamos ficar.

Jughead parecia incomodado com o lugar e tirou o anel do polegar para ficar deslizando-o entre os dedos. Não tão satisfeito começou a sacudir uma das pernas ainda inquieto.

Coloquei a mão sobre sua coxa e só então percebi o rastro de aflição pelo seu rosto, mesmo que ele tentasse não transparecer.

— Tudo bem? – perguntei preocupada.

— Odeio hospitais. Você não?

Dei de ombros.

— Não gosto, mas não é nenhum problema para mim. – afirmei o olhando de soslaio.

O moreno continuou sacudindo uma das pernas enquanto fitava a mesa de vidro no centro da recepção.

— No que está pensando? – perguntei aflita colocando a mão sob sua coxa.

Ele a encarou e depois subiu os olhos pelo meu braço até chegar ao meu rosto, deslizando os olhos pelos meus. Franzi o cenho esperando que ele falasse até que uma sobrancelha sua se ergueu.

— Ahm, não sei se devo encher sua cabeça com isso.

Ele finalmente recostou no assento, levando as mãos aos cabelos pretos.

— Eu divido meus fardos com você. Não me importo se quiser fazer o mesmo Jug. – o confortei, mas sua atenção ainda estava perdida em outro canto da sala.

Um momento de silêncio se seguiu e eu fingi desviar minha atenção de seu perfil contra a janela. A tarde já estava praticamente acabando e os raios alaranjados de sol iluminavam seu rosto visivelmente preocupado.

Já não estava incomodado com o hospital e me recusei a insistir em um assunto que ele não queria falar.

Mesmo assim estava insatisfeita com sua falta de confiança em mim.

Bufei aborrecida também me recostando no assento.

— No final de semana, - ele começou, finalmente quebrando o silêncio – vai acontecer uma coisa que eu não queria que acontecesse.

Ele levou o polegar e o indicador aos olhos os apertando.

— No limite entre Riverdale e Greendale existe uma estrada pouquíssimo usada, normalmente para transporte de mercadorias e fica desativada aos finais de semana. – ele mordeu os lábios – Todos os anos, algumas gangues da região se reúnem ali para um racha ilegal e, – suspirou – eu imaginei que poderíamos ficar fora disso mais uma vez.

— É isso? – perguntei.

Jughead consentiu confuso.

— E qual o problema nisso?

Ele riu.

— Você é surpreendente as vezes.

— É sério Jughead. – reclamei.

Ele balançou a cabeça em negativo, completamente frustrado.

— Levou muito tempo para que os serpentes saíssem de uma vida ilegal para uma vida digna. Ajudamos a cidade com as drogas e agora vamos cair de novo no mesmo buraco.

Uh. Então era isso.

Jughead queria o oposto do que minha mãe descrevia dos serpentes em seu diário.

— Então se o problema é a ilegalidade, faça do racha uma corrida legal. - cruzei as pernas apoiando meu queixo na mão.

Ele tirou a mão do rosto para me encarar, descrente. Seus olhos verdes estavam amarelados pela luz do Sol.

— Vocês ajudaram a prefeita McCoy com as drogas e o tráfico que vinha acontecendo a anos Jughead. Acho que é o momento de cobrar o favor, não?

Ele sorriu com um brilho inédito.

— Não foi necessariamente um favor, mas gostei da sua ideia.

Sua felicidade se irradiou e quando dei por mim também estava empolgada.

— Eu imagino que possa ser uma comemoração com o fim das drogas em Riverdale e podemos divulgar no jornal, talvez até aumentar os investimentos que vocês tinham nisso, e...

— Jornal? - um canto de sua boca se elevou – Vai continuar com o jornal?

Mordi os lábios.

— Prometi a Mary que o reabriria.

O moreno se endireitou na poltrona verde.

—  E queria muito que você me ajudasse com isso. – acrescentei.

Jug ergueu uma sobrancelha girando novamente o anel entre os dedos.

Sem sinal de que a última visita a Toni Topaz terminaria, ainda tive tempo de contar sobre tudo o que acabei descobrindo sobre Hiram Lodge e seus planos para divulgação das notícias locais. Isso ia das minhas suspeitas, até os acontecimentos recentes.

— E como eu te ajudo? – disse por fim.

— Bom, eu quero sua contribuição nas redações... – sorri amarelo, esperando que minha ansiedade não transparecesse caso ele se recusasse. 

Jughead comprimiu os olhos e deu um sorriso tímido.

— Você sempre escreveu bem e nem me lembro quantas vezes já te chamei para o jornal da escola. – continuei.

— E sobre o que eu escreveria? – ele apoiou os cotovelos nos joelhos se inclinando em minha direção.

Mordi o lábio inferior dando de ombros e me aproximei também.

— Sobre o que você quiser. Sobre a população estigmatizada do lado Sul, sobre o que os serpentes tem feito durante todo esse tempo contra o tráfico, sobre... o que você quiser Jug. – coloquei a mão em sua perna, quase o implorando.

Ele recuou cruzando os braços, mantendo o nosso olhar fixamente.

— Eu não sei se o que eu escrevo é adequado para o Jornal de Riverdale.

— Jughead, - juntei as mãos - só te peço que seja franco, não esconda nada, mesmo que isso soe impactante para os moradores daqui eles merecem saber a verdade.

Um sorriso triunfante atravessou seu rosto transformando completamente o sentimento inquieto que estava ali agora a pouco.

— Eu topo. – ele deu de ombros levando as duas mãos a nuca.  

— Ótimo Jug. – sorri vitoriosa.

Passos ecoaram no corredor nos distraindo e três figuras surgiram. Cheryl estava abatida, apenas o clássico batom vermelho dava cor ao seu rosto pálido. Ao seu lado um homem de jaleco, provavelmente o médico responsável por Toni, falava algo para eles com uma prancheta em mãos. A terceira pessoa era um idoso baixo, moreno, com os cabelos grisalhos. Se apoiava com dificuldade em uma bengala e tinha os mesmos traços faciais de Toni.

Eu e Jughead nos levantamos prontamente.

— Cheryl! – exclamei – Como ela está?

A ruiva apenas balançou a cabeça em negativo sem dizer uma única palavra. O médico então tomou a frente.

— Nós ainda não identificamos a causa da convulsão de Toni, ela está em um estado de torpor anestésico, porém não encontramos nada no sangue.

Eu e o moreno trocamos olhares instantâneos. Ambos sabíamos de que se tratava, mas dito da maneira errada poderia causar problemas ainda maiores, talvez para toda a gangue.

— Eu tenho alguma ideia do que seja. Se for possível conversarmos a sós... – afirmei.

O homem que supus ser o avô de Toni me encarou com estranheza se aproximando para analisar meu rosto um pouco mais de perto.

— Alice? – ele disse devagar com a voz áspera.

Um arrepio me percorreu. Ele a conhecia então. Não, ia além disso. Era uma das únicas pessoas que não fingiam desconhece-la.

— Ahm, não. Alice é minha m.. – comecei, sendo interrompida por Jughead.

— Não vovô, essa é Elizabeth Cooper. – ele murmurou perto de seu ouvido envolvendo seus ombros com o braço – Vem eu te levo para casa.

Os dois nos deram as costas e Jughead me olhou por cima do ombro com um movimento, me encorajando a continuar a conversa.

Cheryl ainda estava ali, em completo silêncio. Eu não sabia se poderia confiar nela e talvez nem no médico. De qualquer forma não iria arriscar.

— Você me espera lá fora? – propus me preparando para justificar, mas ela apenas concordou e saiu.

— E então? – o médico questionou com uma sobrancelha arqueada. Ele desviou os olhos para minha jaqueta por um segundo.

— Doutor... Marcus, - li em seu jaleco – pode ter acontecido de Toni ter ingerido uma mistura, - pensei um pouco em como falar – acidentalmente.

Ele concordou apático.

— E de que tipo de mistura estamos falando?

Comprimi os lábios, eu não poderia omitir isso.

— Eu não sei como te explicar e te peço que não pergunte como ou por quê, mas é veneno de cobra com cianeto. – exclamei firme.

— Como é? – ele franziu o cenho.

— É de mamba negra. – balancei a cabeça enfiando as pontas dos dedos nos bolsos do jeans – E cianeto, por isso a cor azulada.

Dr. Marcus ajeitou os óculos retangulares no rosto como se não acreditasse nas minhas palavras.

Antes de escrever no prontuário ele me olhou por cima da armação prateada.

— Eu devo perguntar...?

— Não, não deve. – protestei com ênfase – E nem deve contar a ninguém sobre isso.

Seus olhos baixaram com receio para o papel deslizando a caneta com rapidez.

— De qualquer forma, Senhorita Elizabeth Cooper. – ele arqueou as sobrancelhas ao dizer meu nome - Assim como estava conversando com os outros dois, os custos para o socorro foram pagos pela Senhorita Blossom. – informou por fim – Mas o tratamento não foi custeado ainda. Estou dizendo pois percebi que todos vocês... – ele girou a caneta no ar apontando para a jaqueta – Enfim, só achei melhor comunicá-los.

— Não se preocupe com isso, Dr. Marcus, e, espero que faça um bom trabalho. – fitei o final do corredor tencionando as mãos.

Finalmente entendia porque os serpentes não gostavam de hospitais. Era uma realidade diferente da que tive por toda a minha vida, mas agora eu tinha em mãos o poder de mudar isso.

Assim que atravessei a porta do hospital topei com Cheryl me esperando do lado de fora.

— Que droga de história é essa? – ela disse com sua clássica voz aguda.

Do outro lado da rua um homem nos observava por trás de óculos escuros dentro de um carro familiar.

— Eu posso te explicar sobre isso Cheryl, mas não aqui. – como um instinto procurei pelos arredores algo que estivesse errado.

Logo Cheryl também percebeu o carro preto, o encarando.

Em questão de segundos, o homem soprou uma fumaça densa e jogou o cigarro pela janela antes de arrancar. Fitei o veículo até que ele sumisse de vista.

— Vem, eu te deixo em casa. – anunciei subindo na moto.

Cheryl permaneceu parada no mesmo lugar. Dei a partida.

— Vamos, eu não piloto tão mal.

Ela pareceu pensar por alguns segundos antes de subir na garupa, em silêncio.

◙ ○ ◙ ○ ◙

(música)

Thornhill era uma mansão extensa, fora do centro da cidade.

Em seus arredores havia a fazenda onde se detinha o monopólio do lucrativo comércio de Xarope de Bordo desde o ano de 1941.

O negócio da família Blossom movimentava o capital de Riverdale, gerando empregos e exportando diversas mercadorias, cujo elemento principal consistia em seu Xarope. Era um legado para Jason antes de sua fuga infame com minha irmã.

Cheryl me odiou por meses, me perseguindo e humilhando, descontando toda sua raiva por Polly em mim. Jamais imaginaria que um dia, estaríamos juntas, dividindo uma moto num espaço tão limitado.

A ruiva pediu que eu parasse a moto atrás de uma das grandes árvores que constituíam a entrada lúgubre junto com o portão de aço. 

Baixei o pedal da moto observando a ruiva se espreitar furtivamente pelo muro coberto de musgo que cercava o lote.

Olhando de fora, Thornhill podia ser uma mansão um tanto quanto elegante apesar do ar sombrio que pairava sob o imóvel. Era uma clássica construção gótica, com pedras escuras emoldurando cada parede, janelas amarronzadas e o telhado preto.

Mesmo o jardim que acercava a casa era deprimente. As árvores, em sua maioria tinham folhas caídas e uma aparência oca, como se o outono fosse permanente ali.

— Assim que eu de ter o sinal você vai abrir aquele portão. – Cheryl ordenou em tom superior ainda observando através do muro.

— Desculpa, eu vou o que? – me aproximei com as mãos nos bolsos da jaqueta.  

— Eu vou sair com o carro dali, - ela apontou para uma garagem separada da casa – mas não quero correr risco de os seguranças virem atrás de nós.

— Cheryl, – eu ri irritada – eu não sei o que se passa na sua cabeça louca, mas eu disse que te traria em casa e não que te ajudaria a roubar um carro.

A ruiva se voltou para mim com uma sobrancelha arqueada.

— Tempos sombrios se aproximam querida prima, acho melhor que conte com a minha ajuda.

Sua voz lúrida me estremeceu. A garota conseguia ser ainda mais bizarra que a mãe. Antes que eu pudesse concordar ela continuou:

— Além do mais, precisaremos do carro para o racha de gangues.

— Como sabe disso? - fiquei tensa repentinamente – Olha, esquece, Jughead não vai nos deixar correr.

— É claro que vai. – retrucou sem hesitar, seu olhar escuro me ameaçava – Como acha que pretendo pagar o hospital de Toni?

— Você é podre de dinheiro Cheryl, não precisa fazer isso. – cuspi a verdade em sua cara.

— Depois de entrar para uma gangue e colocar minha mãe na cadeia? – ela franziu o cenho – Betty querida, – fingiu ajeitar a barra da minha jaqueta – apenas abra a porcaria do portão, ok?

Não foi preciso dizer mais nada sobre aquilo. Apenas acompanhei seus movimentos sorrateiros pelo longo jardim até a garagem, pronta para me movimentar também.

O meu encargo era de digitar a senha e esperar que o portão se abrisse assim que ela acendesse os faróis de dentro da alcova escura. A sincronia era importante, pois, segundo ela, os portões rangeriam alto, anunciando a chegada ou saída de alguém.

Logo que a luz dos faróis se acionou ao longe, me prontifiquei a abrir o portão, sem esperar que o rangido viesse antes mesmo que eu pudesse me aproximar.

— Merda. – reclamei assim que vi um carro preto os atravessar.

Dos vidros escuros, apenas aquele que estava baixo me permitiu uma visão privilegiada do motorista. Não era um rosto comum, mas sim um que tinham feições marcantes, como o nariz delgado e o queixo pontudo.

Era o mesmo homem que estava do lado de fora do hospital, e agora de perto podia dizer, também era o mesmo homem que havia nos conduzido ao baile.

Não pude pensar muito sobre isso, ao ouvir o ronco do motor de um outro carro acelerando. Cheryl iria passar pelos portões mesmo assim. Praguejei quando eles começaram a se fechar anunciando a grande merda em que isso terminaria.

Em questão de segundos o Camaro ancião atravessou o jardim chegando os portões que quase arranharam sua lataria ao fechar. O carro não parou ou desacelerou em nenhum momento, finalizando perfeitamente a curva da estrada. Tudo mais que se pode ouvir foi apenas um estalo ressequido saindo do cano de escape velho.

Logo, três homens saíram de dentro da mansão às pressas, correndo até o portão. Clifford Blossom parou na porta com a expressão carrancuda olhando o portão ranger ao abrir novamente.

Permaneci apenas para ver descer do carro o único homem em terno que queria: Hiram Lodge.

Depois da confirmação de que ele estava lá, subi na moto partindo o mais rápido possível. Deixando para trás apenas a poeira da estrada seca.

◙ ○ ◙ ○ ◙

A adrenalina era algo que agora fazia parte da minha vida e era emocionante ter alguns momentos assim. Já a raiva era mais ocasional. Costumava se manifestarem todas as situações que envolviam Hiram.

De alguma forma, todos os meus alertas se acionavam quando ele estava presente. Agora minha cabeça não parava de martelar sobre qual assunto seria tratado com Clifford.

A surpresa, também era algo ocasional. Depois dos últimos acontecimentos, pouquíssimas coisas poderiam me surpreender, a não ser Cheryl encostada em um camaro vermelho na porta da minha casa.

— Mas que porra você tá fazendo aqui com esse carro? – disse em tom mais alto descendo da moto.

— Esperando você abrir a porra da garagem! – ela retribuiu o tom dando a volta no carro até o lado do motorista.

— Cheryl! – gritei e ela parou na porta – Você é louca? Acabou de roubar um carro dos BLOSSONS, e quer deixar ele na minha garagem?!

Meu coração saltava a cada palavra.

— Primeiro, o carro não é dos Blossons. Jason deixou ele para mim antes de fugir com sua irmã débil. – fez uma cara de desdém, fazendo meu sangue ferver ainda mais – E segundo. A partir de hoje não é sua casa ou sua garagem.

— O que? – rebati irritada.

— Isso mesmo priminha, - ela sorriu debochado – eu vim morar aqui.


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Notas finais do capítulo

Bom pessoal, desculpem a demora. Acabei de me formar oficialmente e estive organizando algumas coisas.
Quando ao capítulo, quem tiver dúvida quanto ao modelo do carro, coloquei um link com imagem ♥
Comentem o que acharam!!!



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