Monarquia Serpente - Bughead escrita por Fortunato


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Alice Merton - No Roots



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 Jughead Jones

(música)

Se eu pudesse listar as coisas nas quais mais sinto saudades diria que em primeiro lugar sinto falta da família que aprendi a amar na infância. Minha mãe, com suas panquecas recheadas com Xarope de Bordo dos Blossom’s fazendo com que minha infância fosse doce e saudável para qualquer criança. Meu pai, me incentivando a cada dia mais a ser como um escritor e melhor aluno de Riverdale. E Jellybean, competindo comigo qual Jones tinha a melhor mira. Bastava algumas pedras, dois estilingues e algumas latinhas velhas jogadas pelo pátio dos trailers.

Em segundo lugar sinto falta da época em que andava com estilingues ao invés de canivetes ou outras armas brancas. Desde que minha mãe e Jellybean foram embora, algumas coisas desandaram em Riverdale.

— Tem certeza de que é aqui Jughead? – Fangs interrompe meus devaneios.

Estreitei os olhos e apontei para uma fogueira ao longe, por entre as árvores escuras. A noite estava fria e cada respiração emanava uma fumaça de ar quente que saia de bocas ofegantes. Olhei para Fangs, sua fumaça denunciava sua respiração exasperada. 

— Sim, tenho certeza absoluta de que é aqui. – olhei para o restante dos serpentes e de volta para ele – Você está bem?

Fangs acenou com a cabeça por entre uma expressão dolorosa. Penso que talvez estivesse morrendo de medo, ri por dentro. Ou talvez fosse o frio.

Desde que o Xerife Keller abdicou do cargo por motivos desconhecidos, meu pai havia sido escolhido como novo Xerife pela prefeita Mccoy. Era como um trato de paz entre as autoridades e os motoqueiros fora da lei.

Obviamente meu pai não poderia ser Rei Serpente e Xerife ao mesmo tempo, me deixando a liderança como descendente legítimo. Acredito que não haveria alguém tão à altura de colocá-los na linha, extinguindo qualquer delinquência e ato ilícito que fosse.  Entretanto, minha monarquia fora questionada pela idade, me restando o duvidoso cargo de "rei temporário" e algumas decisões difíceis das quais me arrependo profundamente.

Aquela noite poderia arriscar a integridade física dos membros da clássica gangue do Sul de Riverdale, os Ghoulies. Para isso, tínhamos homens dispostos a defender sua honra.

— Eu não tenho certeza sobre isso Jughead. – Fangs sussurrou ao se agachar atrás de um arbusto.

— Se está tão amedrontado assim, dê meia volta e deixe que os homens de verdade resolvam isso. – sorri debochado o fitando de canto.

No mesmo instante ele girou os olhos se levantando. Gesticulei a cabeça para os que estavam logo atrás e observei-o se esgueirar entre árvores em direção ao pequeno acampamento, provavelmente outro ponto de receptação de drogas. Fazer isso próximo ao rio Sweetwater era uma péssima idéia, já que o inverno havia congelado a água deixando a floresta com quase seis graus abaixo de zero. Isso só comprovava o quanto seu líder era ridículo. 

Seguimos logo atrás, chamando atenção das figuras esquias iluminadas pela fogueira ao centro. Todos se levantaram e um deles correu floresta adentro. Impedi um dos serpentes que se aprontava para ir atrás do covarde e disse:

— Vocês já foram avisados sobre o Jingle Jangle em Riverdale, metade dos seus membros já foram presos! – eles estavam em menor número com cerca de três serpentes para cada um do acampamento – Se vocês aceitarem as regras serpentes poderão entrar para a gangue. Mas caso contrário... – sorri maldoso – Mandem o seguinte recado para Malachai! 

Imediatamente três Ghoulies se ajoelharam erguendo as mãos enquanto os outros iniciaram uma briga em vão. Estavam despreparados e não acertaram um golpe sequer, recebendo vários socos e chutes. Outros cinco Ghoulies correram e ordenei:

— Chega serpentes! – observei ao redor, um dos nossos adorava uma briga – Parem! Que droga!

Subi em cima de um tronco de árvore derrubado enquanto todos dirigiam sua atenção a mim. Os Ghoulies que permaneceram fieis a sua gangue agora rolavam pelo chão gemendo de dor. Meus olhos brilhavam em satisfação, estava agora a um passo de extinguir a droga doce em Riverdale, aumentando a trupe de serpentes que serviam ao Xerife Jones. Ergui a cabeça orgulhoso pelo discurso de parabéns que iria proferir a seguir:

— Serpentes! Esse é um começo de uma nova era! Espero que estejam prontos para se tornar parte da revolução e manter, mais uma vez, o nosso legado! Essa é uma marca que Riverdale jamais esquecerá!

Todos aplaudiram entusiasmados, inclusive o traidor, que naquela noite fria próximo do rio Sweetwater planejava sua maior cartada, tirando de mim futuramente o que eu nunca esperava conseguir. Quando voltamos ao estacionamento de trailers dos serpentes, todos comemoravam e no fundo eu sabia que havia deixado algo passar.

◙ ○ ◙ ○ ◙

De todas as coisas da vida, comer era considerado por mim um privilégio fisiológico. Meu pai já havia saído para uma ronda matinal a procura de um sinal dos Ghoulies fugitivos e pelo que notei na geladeira ovos mexidos não iriam satisfazer minha fome ou curar minha ressaca das doses de uísque de ontem. Os Ghoulies que se renderam para se juntar à nossa gangue passaram imediatamente pelos rituais de iniciação, restando apenas cumprir com os cuidados do Hot Dog, mesmo assim eu havia decretado que os membros novatos deveriam ser supervisionados em tempo integral, premeditando traições.

Tudo estava exatamente nos eixos, fluindo perfeitamente, inclusive o hambúrguer que havia buscado no Pop’s continuava extremamente delicioso, pensei enquanto mordi outro pedaço caminhando pelo corredor da Riverdale High School. De repente senti alguém puxar meu braço para uma sala vazia.

— Delicada demais para uma sequestradora, Elizabeth Cooper - sorri gentil ao ver a loira em minha frente.

Eu a conhecia muito bem. Elizabeth Cooper era o tipo de garota perfeita em todos os sentidos: inteligente, bonita, diretora do jornal da escola, boa filha, boa irmã e boa aluna. Todos os dias vestida em chiclete como um anjo, intocável. Os Coopers eram uma família conformista, Alice e Hal eram o clássico casal do ensino médio que se casaram e tiveram duas lindas filhas loiras de olhos claros. Como se não bastasse, eram proprietários do jornal local Riverdale Register, meio de comunicação responsável por denegrir a imagem do lado Sul por tantos anos, prejudicando os serpentes com a lei e com a sociedade sempre que possível.

Ela, Archie e eu formávamos um trio inseparável na infância. Ela se distanciou, acredito eu, por causa da mãe louca. Me lembro da admiração que sentia por ela e como isso quase se transformou em uma paixão platônica antes de perceber que o casal ideal era entre a loira e o ruivo.

Naquela época eu me conformei e entendi o quanto era impossível a garota perfeita gostar de um garoto do lado errado da cidade, tão estranho quanto tudo em Riverdale. Mordi outro pedaço do hambúrguer enquanto esperava curioso para saber o motivo pelo qual ela havia me arrastado para uma sala vazia.

— Bom Jughead. – ela suspirou – Eu queria muito te pedir uma coisa... - entrelaçou os dedos das duas mãos se encostando na mesa.

— Elizabeth, olha, eu já te disse que não posso participar do Blue and Gold, estou muito ocupado com outras coisas. – expliquei enquanto engolia outro pedaço.

— Não, não é isso... Eu não sei como te pedir... – percebi sua aflição enquanto alguns alunos passavam pela porta, ela fechou a sala e se voltou para mim.

Me endireitei na mesa onde estava encostado colocando o restante do lanche de volta no plástico sob a superfície de madeira onde estava apoiado, a curiosidade havia me tomado e agora ela teria minha total atenção.

— Se quer me pedir um beijo não precisa ficar tão nervosa, podemos ir para um lugar mais reservado. – sorri enquanto limpava o rosto provavelmente temperado de maionese.

— O que? – ela sorriu nervosa limpando o suor da palma das mãos na calça – Jughead eu vim te pedir para entrar nos serpentes... 

Quis gargalhar por dentro, mas sem transparecer o quanto isso me confundia. Se fosse do meu alcance eu nunca escolheria essa vida para mim, ao invés disso me regaria de metas e objetivos. Não conseguia imaginar o quanto ela era privilegiada por ser uma garotinha cheia possibilidades e muito menos imaginava um bom motivo para que ela deixasse de ser.

Então era essa a fase ruim da adolescência? Um momento onde os jovens se dão o privilégio de simplesmente se revelar arruinando seu futuro? Eu acho que não. Não hoje e não se depender de mim. 

— Olha, não sei se você tomou vitamina de morango estragada, mas os Serpentes do Sul não são um grupo musical, um grupo de estudo ou sei lá... – gesticulei apontando para ela toda – Não é um lugar para meninas inocentes e doces como você. – ri divertido enquanto pegava novamente meu lanche na mesa.

Ela ficou boquiaberta, reagindo com cada palavra. Mas ao final apenas bufou e disparou a se explicar:

— Jughead, eu sei o que vocês são e o que andam fazendo, acontece que eu realmente preciso entrar! – ela deu um passo à frente e sussurrou – Polly fugiu com Jason tem um tempo e minha mãe está desaparecida há quase duas semanas, meu pai age naturalmente e os serpentes vão me dar um suporte maior com... – interrompi.

— Sinto muito Elizabeth, talvez deva contatar o Xerife, nós não fazemos investigação de desaparecidos e... – andei em direção à porta jogando embalagens vazias no lixo – Até onde eu sei sua mãe já difamou muita gente. Não é o tipo de pessoa que gostaríamos de encontrar. – abri a porta e sai no mesmo momento em que o sinal tocou.

Elizabeth Cooper, a garota perfeita, inocente e delicada do lado Norte que desejava exasperadamente sair dos trilhos entrando para uma gangue. Eu a ajudaria com isso sem pensar caso tivesse me pedido um beijo.

Ainda assim, algo nessa história me intrigava e por mais que não fosse meu problema, eu compreendia sua situação e desespero. Afinal, ela não era a única a ser abandonada pela mãe e irmã. 


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