A História do Clichê escrita por Louis


Capítulo 4
Capítulo 4




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O que somos separados e o que não somos juntos 



Era meio de semana e Valentina não se dignou a ir pra escola. O treino não fora tão proveitoso. Os dias estavam simplesmente se arrastando. A cabeça de Valente estava nas alturas. Aquilo tudo era uma grande merda, no fim das contas. 

Lembrava da sua primeira semana naquela escola. O burburinho sobre a nova bolsista. Já no primeiro dia, teve de aturar as risadas dos outros quando percebiam que ela pouco conhecia dos assuntos mais avançados. Viera de uma escola pública, pobre. Sua mãe a inscreveu no vestibular, pois tinham esportes e atividades para manter a mente adolescente ocupada. Mas ela não se sentiu menos humilhada por saber que não teve as mesmas oportunidades dos burgueses safados.

Atrasada. Sua vida estava ficando pra trás. 

Sempre, desde então, passou a viver como se realmente estivesse. Estudou mais do que todos, e se equiparou a eles. Em seguida os ultrapassou. Cresceu, se tornou forte, esperta e todos tiveram que a engolir ao melhor estilo Zagalo. Quanto menos demonstrasse, melhor. 

O sorriso do burguês mais alto para ela não saía de sua cabeça. Ninguém ali sorria pra ela assim. Alguns garotos a olhavam com cobiça pelo corpo. Nunca pelas ideias. Então os ignorava e socava às vezes. Mas o olhar europeu do menino para ela foi de curiosidade. Ele também tinha olhos na cara, mas parecia tê-la visto pela primeira vez ali, naquele esbarrão idiota. E seus olhos continuaram a seguindo. Mesmo depois de tudo, depois de tanta… Violência. Ok, Enzo despertava seu lado primitivo.

Ouviu a porta de casa abrindo, saindo do transe, o filho de sua mãe havia chegado, derrubando tudo de tão bêbado. 

Valente lembrou-se se levantar e trancar a porta do quarto, no susto. Se os outros soubessem que na verdade, era a mais medrosa de todas … 

Não, eles não tinham que saber. 

Mais algum barulho e depois o silêncio. Mara chegaria bem mais tarde, infelizmente não se veriam outra vez. 

Seu celular vibrou, e era de um número desconhecido. Assim que leu a mensagem e adicionou o contato como não sei, a foto do loiro apareceu. Ele não sorria.

21:57 “Oi” 

21:57 “Estou na rua da sua casa.” 

 

O quê ? Ele não poderia estar ali. Não naquele horário! Os dedos dela foram deslizando como se sua vida dependesse daquela conversa.

21:58 “Como conseguiu meu endereço?”- Enviou rapidamente, levantando num sobressalto e procurando uma roupa.

21:58 “Sou sobrinho da diretora. Você vai descer ?”

Aquele idiota mimado! O coração de Valentina estava à mil. 

22:00 “Não. Eu não posso sair.” 

Valente caminhava pelo pequeno quarto, respirando fundo e tentando se acalmar. Ele tinha que ir embora. Tinha que ir! 

22:02 “Posso ir até aí e falar com seu pai se quiser.”

Ela podia imaginar o sorriso dele digitando aquelas merdas. Desgraçado!

22:02 “O que você quer?”

“Falar com você! Mas tem que ser pessoalmente.”

Não pode esperar até amanhã? 

Alguém bateu na sua porta. Merda! Não era apenas alguém. Era Enzo. Valentina nem mesmo notou o que vestia e saiu correndo, fazendo o mínimo barulho possível e indo para a porta. O filho da sua mãe dormia no sofá. Abriu e fechou 

a porta muito rápido, puxando Enzo pelo braço sem nem mesmo olhar pra ele. O sorriso do loiro foi murchando aos poucos.

—O que você quer? - Quase rosnou, descendo a rua com o braço do rapaz entre seus dedos. Seus pés descalços doíam pelas pedrinhas no chão. Mas não era como se realmente se importasse no momento.

—Não quer mesmo que eu fale com seu pai?- Enzo deu uma boa olhada em Valentina. Ela vestia uma exata camiseta do time de basquete. Grande o suficiente pra cobrir uma boa parte do corpo, mas pequena pra usar na rua. A boca do loiro secou. Ela parecia muito mais preocupada do que furiosa.

—Ele não é meu pai!- quase gritou. - É o filho da minha mãe.- Como se suas palavras pudessem explicar algo além. O rapaz franziu a testa. Eram muitos termos pra se falar de um familiar.

—Seu irmão?- Rebateu calmo. Não fora ali pra brigar, apesar de duvidar que Valente pudesse manter uma conversa amena com qualquer pessoa. Sua voz tinha sempre tom de ataque. 

—Por que veio aqui, Enzo?- Ela finalmente soltou o braço dele. Aquilo tudo era uma grande merda, isso sim! 

—Você não foi pra escola. A Dona Mirtes passou um trabalho em dupla e eu coloquei meu nome com o seu.- O rapaz falou tudo muito rápido, já esperando por um soco ou outra cabeçada, mas a menina apenas recuou um passo. Afetada demais com a situação e a adrenalina anterior. 

—Você disse… Disse que ia me deixar em paz.- Valentina mirou os próprios pés e pensou em simplesmente sair correndo. Já havia três dias que o maldito sorriso pairava nos seus pensamentos o tempo todo. Aquilo não era bom. Conhecia histórias dramáticas suficientes pra saber que não era. 

—Qual é, Valentina. Você tá sempre sozinha por ai. Só queria te fazer companhia.- Enzo deu de ombros, como se tudo fosse fácil assim. Mas a verdade é que realmente as coisas eram mais fáceis pro burguês, claro! Ele poderia fazer o que quisesse. Era filho do médico mais respeitado da cidade, era rico e branco. O máximo que lhe daria era uma gravidez.

—A troco de quê?- A garota voltou a vestir sua máscara de indiferença e cruzou os braços, fazendo a camiseta subir um pouco mais. Não parecia estar usando mais nada. Enzo salivou. A diaba era bonita.-Por que quer se aproximar de mim? Por que quer minha companhia?- A ironia carregada o desconcertou por alguns momentos. Precisava de uma resposta rápida. Mas a verdade era que não tinha uma. Nenhuma que fosse convencê-la além de “tô pensando em você desde aquele dia e não consigo parar”.

—Por que… Eu quero descobrir quem é você. Você ta sempre se escondendo por ai. Faz os trabalhos sozinha. Não pede ajuda de ninguém.- Não fica com ninguém… 

—Por que não preciso! E não preciso de companhia também! Não venha mais na minha casa, Enzo.

A garota pensou em sair, mas Enzo segurou sua mão. Sem força. Só um contato morno.

—Desculpe… Eu sempre pedindo desculpas pra você. - Ele riu sem humor. - Eu não venho mais aqui e… Eu queria mesmo fazer o trabalho com você. - Eu queria mesmo ficar perto de você … 

Valentina respirou fundo algumas vezes. Controlando o conflito dentro de si e pensando nas suas possibilidades. Era quase meio do último ano letivo. No próximo ano, com sorte, estaria se dedicando ao cursinho pra sua tão sonhada vaga na Universidade. Não precisava de problemas em forma de garotos. Mas, não podia negar que, vê-lo ali, querendo sua companhia, massageava um pouco seu ego.

—Ok.- Decidiu por fim. No próximo ano, seria bom ter alguma experiência real de convivência, ajudaria a torná-la mais confiante. Pelo menos se convenceu disso no momento.-Não podemos fazer aqui.- Era óbvio.

—Vai pra escola amanhã? Podemos ir pra minha casa depois. - A garota torceu os lábios. - Tem pessoas lá. Não vamos ficar sozinhos.- Explicou rápido, e a menina pareceu concordar. Não quis explanar que as pessoas eram empregados, não queria gerar desconforto. Valentina morava em um local bastante humilde. Nem mesmo seu carro foi capaz de subir pela ruela estreita, deixando Valter apreensivo na rua de baixo.

Os dois apenas ficaram se encarando por algum tempo. Enzo era um loiro bem clichê, com traços comuns. Mas não menos bonito. Muitas garotas do colégio suspiravam por aí contando as peripécias do garoto gentil. Era muita mancada imaginar-se como uma delas?

—Nunca mais faça nada em meu nome. Entendeu bem?- O tom estava mais ameno, mesmo assim saiu como uma ordem. Enzo sorriu. Sua mão ainda segurava a dela e se alguém perguntasse ,não saberia dizer por quê. 

—Sim, senhora!- O rapaz bateu continência e saiu cantarolando. Certo. Agora Valentina precisava de uma forma inteligente pra voltar pra dentro. Encarou o pequeno sobrado por algum tempo, rezando que o filho da sua mãe estivesse ainda dormindo.

O motorista de Enzo esperava na rua de baixo. O garoto entrou no carro e ficou ali, sem dizer pra onde ir por um bom tempo. Olhando pra rua de cima, era como se pudesse vê-la entrando em casa. Quem era o “filho da mãe dela”? Valente parecia ter medo dele inicialmente. Ela lhe contaria um dia? Enzo duvidava.

—Pra casa, Seu Enzo?- Valter já não estava gostando dos olhares dos outros que passavam por ali.

—Pra casa, garoto Valter.


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