Evelyn Brown e a Marca Perdida escrita por BestBlondAndBrunette


Capítulo 5
Capítulo 5




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Acordo rudemente com um abanão. Abro os olhos preguiçosamente, deparando-me com um par de olhos azuis-céu.

— Bom dia, Bela Adormecida! - exclamou Aaron, arrancando-me um revirar os olhos. - Primeira paragem: almoço!

Espreguiço-me demoradamente sobre o banco almofadado do autocarro. Tínhamo-lo apanhado na estação e íamos em direção a Nova York. Ainda não tinha entendido ao certo para onde íamos. O momento não se tinha tornado propício para tal.

Saímos do autocarro e dirigimo-nos ao pequeno restaurante junto à estrada. A paisagem que nos rodeava era caracterizada por uma vegetação um pouco mal cuidada, com esporádicas habitações. Nem sei como é que conseguiam viver no meio do nada.

Soou um tilintar, assim que entramos. O estabelecimento estava desgastado, provavelmente devido à falta de manutenção. Junto às janelas, encontravam-se as mesas brancas e os respetivos acentos almofadados vermelhos. Do lado oposto, localizava-se o balcão e a cozinha. As suas dimensões eram reduzidas, pelo que mais de metade dos lugares já se encontravam ocupados.

Os meus passos ressoaram sobre a madeira envelhecida. Aproximamo-nos do balcão onde um adolescente parecia atrapalhado a atender toda a gente. Ele não devia ter mais do que a minha idade. As borbulhas realçavam-se no seu rosto, assim como pequenos pêlos no queixo. O seu cabelo castanho estava apanhado num pequeno man-bun, o que lhe realçava os seus traços angulosos. A sua estrutura esguia destacava-se sob o uniforme largo azul claro com um símbolo do lado esquerdo 295.

Aguardamos alguns minutos até finalmente termos a sua atenção. No entretanto, apreciamos o pequeno menu.

— Bom dia. - cumprimentou, precipitado-se na nossa direção, enquanto limpava as mãos ao avental branco. - O que vão querer?

Fazemos rapidamente os nossos pedidos. Também não havia muitas escolhas.

— AVÓ! - grita para a cozinha. - TRÊS HAMBÚRGUERES!

Estendeu-nos as três Coca-Colas e, após alguns minutos, o restante requerido chegara às nossas mãos. Seguimos para uma das mesas brancas vazias, junto a uma janela, mais no canto do pequeno diner. Sentamo-nos, eu de um lado, os rapazes do outro.

Depositei a minha atenção na apetitosa refeição, petiscando imediatamente uma batata frita bem tostada do prato. Não consegui conter uma expressão satisfeita ao deliciar-me aquela pequena maravilha.

— Parece que temos uma grande despesa à nossa frente. - comentou o surfista, dando um gole da sua bebida.

— Como assim? - inquiri confusa, mordiscando mais um um pouco do acompanhamento.

— Com uma fome assim, duvido que não tenhamos problemas financeiros. - deu continuidade à sua afirmação.

— Ah, ah, ah. Quão cavalheiro. - revirei os olhos perante a sua tentativa de me ofender. - Tenho um apetite excepcional e com muito orgulho. Não te ouvi a queixar quando jantaste a comida da minha mãe.

— Ah! - sonhou por instantes. - Que saudades que eu tinha de uma comida caseira!

—Então?

A minha questão pareceu acordá-lo dos seus pensamentos. Aaron mostrou-se um pouco desconfortável por se ter exprimido em voz alta, mas logo escondeu esse embaraço.

— Eu vivo com o meu tio na Califórnia. Nós não comemos propriamente bem. Normalmente, ficamos pelos enlatados, refeições pré-feitas ou restaurantes low-cost. O meu tio tem um bom cargo, não é esse o problema. Simplesmente a sua aptidão para a culinária não é das melhores.

— A sério? Vives na Califórnia? - interroguei fascinada. Nunca tinha posto os pés nesse estado e era apaixonada pelas paisagens dos filmes de Hollywood.

Confirmou com um aceno de cabeça, enquanto trincava mais um pouco do seu hamburguer. Mastigou até dar continuidade à conversa.

— Aquelas tardes junto ao mar sempre acompanhadas de uma boa música... - prosseguiu nostálgico. - Já tenho saudades disso. Há algum tempo que já não vou lá.

— E porque não voltas? - petisquei mais uma batata.

— Há momentos para tudo. Vais acabar por perceber que as coisas no nosso mundo não são assim tão fáceis..

— Estás a gostar da comida, Evelyn? - questionou Thíaso. Ao que parecia, estava a tentar salvar o companheiro de uma conversa não muito confortável. Decidi deixar o assunto de lado. O certo era que também não tinha qualquer confiança para colocar o rapaz nessa situação.

— Já comi melhor. A minha mãe é uma grande cozinheira. - Revelei com uma careta. Nem passou um dia e parecia que já não os via à semanas. - Vocês disseram que os semideuses não viviam durante muito tempo, por causa, ahm, dos monstros. Mas vocês parecem mais velhos que eu.

— Bem, o Aaron tem dezanove e eu quarenta e seis. - respondeu o ruivo, fazendo-me engasgar.

— Quarenta e seis?! Como é que isso é possível?! - exclamei incrédula.

— Os sátiros e os humanos têm idades diferentes, Evelyn. - explicou Thíaso. - Digamos que até sou bastante novo.

— Novo?! - exclamei com descrença. - Eu diria velho mesmo!

— Bem, compreendo a tua confusão, mas sim, sou novo. - respondeu com um encolher de ombros, bebericando a sua coca-cola.

— Tu vais perceber, com o tempo, que muito não é o que esperas. - interviu Aaron. - Ao ínicio, sei o quão difícil é aceitar.

 Desde que não apareçam mais monstros malucos... - resmunguei, finalizando o meu hambúrguer. - Eu conhecia o Fred à algum tempo e agora ele está morto.

Arqueei as sobrancelhas, quando os vi trocarem o olhar cúmplice. Honestamente, aquele dois podiam ser mais discretos cada vez que tem algo desagradável para contar!

— Quais são as más noticias desta vez? - perguntei com um suspiro.

— Bem... É que o Fred não desapareceu. - contou Thíaso muito rapidamente.

— Com assim o Fred não desapareceu? Ele desfez-se em poeira à minha frente! - exclamei exaltada.

— Mantém a voz baixa, Evelyn! Não precisamos que toda a América saiba disso. - censurou-me Aaron e bufei resignada. - Os monstros não morrem. Eles vão para o Tártaro durante um tempo indefinido, mas acabam sempre por se regenerar.

— Quer dizer que o Fred pode voltar? - perguntei.

— Podes tanto nunca mais voltar a vê-lo, como podes encontra-lo amanhã. Nunca se sabe. Mas não, o Fred não morreu. - explicou e eu encostei-me ao banco com um novo suspiro, remexendo a palhinha na lata quase vazia.

Honestamente, aceitar todo aquele mundo estava a ser realmente complicado. Deixar os meus pais para trás foi uma decisão que não parava de martelar na minha cabeça. Confesso que uma parte de mim não parava de reconsiderar ignorar o que os dois diziam e voltar. Porém, para a minha infelicidade, os meus restantes pensamentos também me forçavam a recordar a sensação de pânico que senti quando vi aquilo em que o Fred se tornara. Ainda mais agora que sei que ele podia voltar. Ir para o tal acampamento podia ajudar-me a não me sentir assim novamente.

— Eu sei que deve estar a ser difícil digerir tudo isto, mas isso passa. - disse Thíaso com um sorriso reconfortante. - Até estás a lidar bem. Aqui o nosso Aaron teve uma reação muito pior.

— Pior? Eu aceitei tudo passivamente. - retorquiu o loiro com um revirar de olhos, inflamando o peito.

 Sim, sem contar com os ataques de pânico durante uma semana. - riu-se o sátiro. - O pobre menino assustado!

— Menino? Que idade tinhas quando foste para lá? - inquiri, após finalizar a minha bebida.

— Tinha acabado de fazer doze  anos. - revelou e eu tentei não fazer uma expressão muito chocada. Se eu estava com problemas em aceitar alguma coisa assim com dezessete anos, imagino ter que passar por isso tudo com doze.

 Mas isso é uma história que fica para outro dia. - cortou rapidamente Aaron, sacudindo as migalhas das mãos. - Não sei se repararam, mas a maioria das pessoas já foi embora. Daqui a pouco, o autocarro deve partir.

— Sim, sim, vamos! A viagem ainda é longa e não podemos perder o autocarro em Nova York. - Disse Thíaso levantando-se.

Verifiquei os pratos a ver se nada sobrara. E, para minha infelicidade, apenas algumas migalhas os ocupavam.

Apenas sigo os dois.

...

Não sei como é que podiam haver pessoas tão barulhentas. Já fazia pouco mais de meia hora desde que tínhamos retomado a viagem e aquelas raparigas não se tinham calado. Era um grupo de quatro barbies, até diria que eram todas irmãs: cabelos loiros apanhados num rabo de cavalo longo e roupas curtas apesar do frio cortante. Como é que um casaco impedia aquelas pernas de congelarem? Usar saia nesta altura era suicídio. Pelo menos estavam na parte da trás do transporte, bem longe de nós.

Thíaso trocara de lugar comigo. Estava agora apoiado com uma mão na janela e um ressonar baixo saía da sua boca aberta. Para meu desespero, uma lata de coca-cola meio comida repousava na sua mão. Se calhar um simples hambúrguer não saciava sátiros, pensei, provavelmente as latas também teriam que fazer parte do menu.

— Ainda não adormeceste? - Aaron interrompeu os meus pensamentos, virando-se para trás. 

Os lugares do autocarro eram aos pares e eu acabei por me sentar junto de Thíaso. O senhor velhinho que ocupada o lugar da janela ao lado do loiro também adormecera, com a sua cabeça encostada ao vidro. Pelo menos, ambos tivemos a sorte de não adormecerem sobre os nossos ombros.

— Estou sem sono. - retorqui com um encolher de ombros. - Também fica difícil dormir com tantas galinhas a falarem.

— Tens razão. - riu-se, desviando o olhar para o fundo do autocarro. - Honestamente não estava a espera que viesses connosco. Dois estranhos que só te meteram em problemas.

Arqueei um sobrancelha na sua direção.

— Eu não estou a vir de boa vontade, claro, mas também não sou suicida. Qualquer coisa e ainda posso gritar por ajuda e dizer que vocês dois me raptaram. - comentei, fazendo-o abrir um sorriso travesso.

— Com esta carinha, duvido que acreditassem em ti. - disse convencido e eu esbocei um pequeno sorriso.

— Conta-me sobre o acampamento. - pedi. - A única coisa que sei é que vamos apanhar outro autocarro em Nova York. Tanto quanto sei, vocês podiam estar a levar-me para fora do continente.

— Pois, realmente podíamos. - observou. - Ora bem, o acampamento fica no meio de uma floresta, uma floresta em Montauk, Long Island. - explicou, gesticulando com as mãos. - A praia é invisível para os mortais e só semideuses e algumas criaturas podem entrar.

— Criaturas? - interroguei, inclinando de leve a cabeça em confusão.

— Não te podes esquecer que o Fred não é o único ser que existe. - relembrou o loiro. - Se bem que todas as criaturas que vais encontrar lá são pacíficas. - fez uma pausa como se puxasse pela memória. - Bem, menos as hárpias. Se elas te apanham depois do toque de recolher, provavelmente ficas sem braço.

— Anotado. - brinquei, embora engolisse em seco. - O que é que tem mais lá? Também existem outros como eu? Outros semideuses? Como é que funciona?

— Tantas perguntas, deuses! - dramatizou, mas prosseguiu. - O diretor do acampamento é um deus. Tratamo-lo por Sr.D.

— Um Deus? Deimos? Dionisio? - Perguntei e o rapaz cobriu rapidamente a minha boca com as sua mãos, lançando-me um olhar reprovador.

— Os nomes tem poder, Evelyn! - censurou e eu arregalei os olhos, quando um trovão se fez ouvir. Pronto, íamos todos morrer! - Não se evocam nomes assim!

Ele encarou o céu pela janela e o seu rosto suavizou quando nada de mais estranho se revelou.

— Nomes de monstros, criaturas... Todos esses evitamos dizê-los em voz alta. Claro que não estamos proibidos de dizer um nome de um deus, mas não invocar atoa é importante. - confidenciou, voltando à posição original. - Sim, o deus do vinho, Sr.D, é o diretor do acampamento. Está lá como um castigo. Dentro de alguns anos, quando o completar, pode ir embora?

— Ele também tem filhos lá? - Indaguei.

— Se me lembro tinha o Polúx, mas acho que morreu numa missão. Não tenho a certeza. - expôs, coçando o queixo, enquanto pensava.

— Então só existem doze semideuses? Digo se contarmos com, uhm, o senhor do submundo. - perguntei. Hades também devia ter filhos certo? Não era por ser do submundo que não teria. Já que eu seria filha de um.

— Doze? - repetiu, soltando uma gargalhada. - É uma sorte se forem 12 por cabana!

— Ahn? - Aquilo não fez sentido nenhum.

— Eu tenho seis irmãos, Evelyn! - Afirmou ainda em risos. - E Hermes também tem imensos. Se bem que Afrodite já chegou aos dez.

— Calma! Muita informação! - pedi, chocada. - Existe mais que um semideus por deus?

— E existem mais deuses do que os treze que conheces. - esclareceu. - Graças ao Percy Jackson, agora os deuses menores também têm os filhos lá.

— E eu sou filha de quem então? - questionei. Achava que saberia de quem era, assim que lá chegasse, pela falta de um semideus ou assim.

— Só saberás quando fores reclamada. - explicou - Mas não te preocupes agora com isso.

Aaron olhou para a janela de novo e virou-se para ver as horas, fazendo uma pequena careta.

— Ainda falta algum tempo para Nova York, tenta dormir um pouco, Evelyn. Ainda vamos ter algumas horas de viagem.

...

Acordo sobressaltada, colocando a mão sobre o peito. A minha respiração estava extremamente descompassada. Não sabia ao certo o que sonhara, mas tinha a certeza de que não se tratava de algo agradável.

— Evelyn? Está tudo bem?

Olhei ainda atónica na direção da voz. Aaron tinha a sua atenção focada em mim com uma expressão um certo preocupada a preencher-lhe o rosto. 

— Sim. - garanti ainda incerta, esfregando os olhos. - Acho que sim.

— Mesmo? - insistiu e respirei fundo. - De certeza?

— Tenho a certeza. - assegurei com um tom um pouco mais confiante.

Aaron não parecia convencido, mas não me pressionou para saber mais. Também não teria nada a lhe dizer. Não sabia o que me estava deixar um tanto angustiada. Essa sensação estranha não me saia do peito.

Desviei o meu foco para a janela. Uma imensidão de edifícios erguia-se ao longo das ruas. Gigante não era a palavra certa para descrever a supremacia dos prédios. Cada construção mais imponente que a seguinte. Estava completamente maravilhada. Em quase nada era comparável à Filadélfia.

Um mar de pessoas movimentava-se com pressa. Uns com fones nos ouvidos, outros com o telemóvel na mão, outros olhando para o relógio. O certo é que todos pareciam focados em si próprios, ignorando a confusão que os rodeava. 

 O trânsito estava caótico. Só espero que consigamos chegar a tempo do próximo autocarro.

Felizmente, não tardou a entrarmos no enorme edifício azul acizentado, onde a luz natural fora substituída por fortes lâmpadas incandescentes. As poucas pessoas que estavam a dormir acordaram quando a voz do condutor soou no interior da viatura. 

Após deixarmos o veículo para trás, seguimos para a fila com o intuito de conferir os bilhetes pré-comprados. Com eles na nossa posse, seguimos para o  próximo autocarro que se encontrava estacionado. Tínhamos chegado bem a tempo. Já não se formava uma linha de passageiros aguardando pela entrada. 

Confirmando a minha vaga, acomodei-me junto a uma senhora na sua meia-idade, com um embrulho adorável nos braços. O bebé dormia tranquilamente. Não tinha certeza quanto ao parentesco entre eles, mas podia apostar que era sua mãe. O nariz parecia semelhante. 

— Que calor!- ouvi Aaron a reclamar, vendo a sweatshirt a ser retirada, por cima dos bancos.

— Mais umas horinhas e chegamos ao nosso destino! - declarou entusiasmo Thíaso, espreitando entre os lugares. 

Forcei um sorriso animado, já imaginado a barulheira que o bebé faria, assim que acordasse. 

Um riso estridente captou a minha atenção. Espreitei o pequeno corredor, surpreendo-me quando uma das barbies entra no meu campo de visão. Ao passar pelos rapazes, a que liderava o grupo não deixou escapar a oportunidade de esfregar a sua mão no braço exposto de Aaron, rindo de seguida com as demais. Revirei os olhos perante a ação, ridícula.

Elas sentaram-se um pouco atrás de mim, recebendo olhares desaprovadores dos restantes passageiros devido ao seu tom de voz.

Forcei-me a ignora-las, afundando-me no acento.

...

— Foram só umas horinhas, baixinha. - troçou Aaron já com a mochila às costas. - Tira essa cara de rabugenta!

— Fala por ti! - revidei irritada. - Não foste tu que tiveste que ouvir aqueles projetos de boneca durante quatro horas!

O quarteto maravilha não se tinha calado a viagem inteira. E para piorar, com o previsto, o bebé acordara quando ainda faltava a meia hora para chegar a Montauk. Foi um completo inferno.

— Já passou. - tentou apaziguar o ruivo. Ele parecia genuinamente feliz por voltar ao acampamento. Não parava de saltitar e bater com os dedos nos apoios das canadianas.

— Tudo bem, tudo bem. - aceitei, ajeitando o gorro. - Como é que é agora?

O céu já dava indícios de estar a escurecer. Em oposição à cidade de Nova York, Montauk era calmo e silencioso.

— Podemos ir comer primeiro. - Sugeriu Thíaso. - Conheço um café aqui perto e depois é só uma hora a pé até chegarmos.

Seguimos o sátiro até ao tal estabelecimento. Entramos, sentámo-nos ao balcão e logo fomos atendidos por um senhor com cerca de quarenta anos. Rapidamente, três tostas mistas e chocolates quentes foram servidos e, esfomeados, atacamos os lanches imediatamente.

— Evelyn, não olhes para trás, mas as raparigas do autocarro estão a entrar. - sussurrou-me o loiro.

— Aaron, já sabemos que deves ter o teu clube de fãs, mas escusas de me enganar quanto a essas loucas estarem aqui. - ri perante a sua provocação.

— Eles não está a mentir. - confirmou Thíaso.

Olhei para trás, sentindo a minha espinha a arrepiar-se ao cruzar o olhar com uma delas. Uma sensação estranha começou a invadir-me novamente, por isso acabei rapidamente o meu chocolate quente, ignorando o queimar da minha garganta. Peguei na restante tosta e ajeitei a mochila sobre os meus ombros.

— Devíamos seguir caminho. - propus, olhando-os seriamente.

— Certo. - confirmou Thíaso e Aaron acena, levantando-se em seguida. - Também convém caminharmos ainda com a luz do dia. 

Elas já tinham ocupado uma das mesas junto à porta. O certo é que uma delas encarava-nos fixamente atrás da carta da ementa. 

Mal passamos à saída, apressamos o passo em direção à densa floresta. Tive vontade de espreitar sobre o ombro e, como se lesse os meus pensamentos, Thíaso deu-me um encontrão no braço, impedindo-me de concluir essa ação, derrubando o resto da minha tosta mista.

— Não olhes para trás. - comandou, ignorando a minha comida e continuou sem me olhar. 

Controlei os meus instintos e prossegui. Comecei a ficar inquieta e nem tinha a certeza se era uma perseguição real ou paranóia das nossas cabeças. 

Thíaso liderou a nossa entrada na floresta, enquanto Aaron seguia na retaguarda. 

— Eu não as ouço. - afirmei, atenta ao que nos rodeava. Ainda não havia indícios de acampamento nenhum. - Se calhar elas não estão atrás de nós.

— Não te fies nisso, não se deve ignorar os instintos dos semideuses. - aconselhou Aaron.

Num segundo o silêncio reinava, mas no seguinte algo flamejante sobrevoou as nossas cabeças. Rodei sobre os pés, para a origem do ataque. Ao meu lado, Aaron puxou o colar do seu pescoço e um baque, do que presumi serem as canadianas, foi escutado. 

Não estava preparada para outro encontro mítico, no entanto não me cabia escolher. Era impossível fugir à aflição que sentia ao encarar o que estava diante mim. A apenas a alguns metros, quatro figuras flamejantes surgiram.

— Thíaso, leva-a daqui! - ordenou Aaron, já com uma flecha em riste. - Corram!

As minhas pernas responderam mais rápido do que esperava. A escuridão já tomava o céu, o que me impedia de ver corretamente o que estava a minha frente. Thíaso, um pouco à minha frente, guiava-me entre as árvores, mas o seu olhar alternava entre o caminho adiante e a luta que acontecia atrás de nós.

Por mais que corrêssemos, os sons de combate ecoavam pelos arvoredos como se estivessem mesmo atrás de nós. 

De súbito, um grito estridente cortou o ar o que fez os nossos corpos se imobilizarem. Uma explosão tomava o local onde o loiro lutava.

— Aaron! - Gritou Thíaso na sua direção. Pude ver o debate nos seus olhos quando se virou para mim e encarou novamente as chamas.

Ele queria regressar e ajudá-lo de alguma forma.

— Vai. - apenas disse, procurando facilitar-lhe as escolha, vislumbrando uma expressão ligeiramente aliviada. 

— Segue a direção da lua. Faças o que fizeres, não pares de correr.- orientou-me, antes de correr para o fogo.

Corri, seguindo o meu rumo para o acampamento. Tentei abstrair-me dos sons que ocorriam atrás de mim e prossegui saltando sobre algumas raízes. Para minha sorte, a lua devia encontrar-se perto do seu estado de êxtase, pelo que era mais fácil vê-la entre a folhagem densa das árvores altas. 

Uns momentos depois, tive que me esconder atrás de um tronco caído no chão. Optei por um dos cantos da árvore, pegado a uma árvore erguida. Os meus pulmões não aguentavam mais a pressão a que estavam expostos. Tentei inspirar devagar, ganhando fôlego para retomar a procura pelo acampamento.

Congelei, de repente, ao escutar um latido. Coloquei a mão sobre a boca, mal captei o som de galhos a serem quebrados à minha retaguarda. Não me podia mexer, nem respirar, nem dar indicação de onde me encontrava.

Um vulto negro de um animal de quatro patas sobrevoou o tronco na zona central. Observei-o farejar o ar à procura de algo. Mantive-me encolhida e atenta a qualquer movimento, por parte do animal, até que o seu o corpo se virou e os seus olhos caninos encontraram os meus. 

Um arrepio atravessou a minha coluna. Os seus olhos eram chamas vazias e aterrorizantes, e não tardou a todo o seu corpo ser consumido por uma enorme labareda. Num salto, o vulto canino adquiriu uma forma feminina. As chamas deram lugar a uma pele cinzenta e velha. Um vestido arcaico branco sujo de sangue cobria o seu corpo, mas era possível distinguir uma perna de bronze e outra de asno. A única coisa que as chamas ainda devoravam eram os seus longos cabelos que pareciam ter vida própria.

O meu corpo respondeu por mim instintivamente, desviando-se para o lado. O meu braço ardeu em contacto com a madeira áspera, levantando-me em seguida e disparando para o que julgava ser a minha melhor chance de sobreviver.

— Há muito tempo que estávamos à tua procura. - sibilou a criatura, com escárnio.

Ela inclinou o corpo na minha direção, como se me fosse atacar, e só tive tempo de lhe atirar a minha mochila, a única coisa que tinha à mão.

Nem quis saber se sortira algum efeito, mas, agora mais leve, consegui ganhar uns segundos para disparar para longe da figura abominável. 

O solo começou a tornar-se mais inclinado. Pedia a todos os deuses existentes e não existentes de que um lugar seguro estivesse realmente perto. As minhas forças começavam a se esgotar e já não sabia se iria aguentar muito mais. Já nem sabia para onde ia.

Os sons do monstro estavam cada mais próximos e a minha visão cada vez mais desfocada. A floresta parecia menos escura e menos densa. A luz lunar evidenciava-se.  

Quase no topo da colina, deixei o meu corpo cair na terra, ao sentir garras afiadas a fincarem-se na minha perna. Soltei um grito de dor.

Em meio de lágrimas, pude vislumbrar vultos laranjas a lançar-se pela encosta. Podiam ser mais chamas, já não conseguia distingir. Um grito estridente e horrendo foi a última coisa que ouvi, antes de ser engolida pela escuridão.


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Notas finais do capítulo

Heyy! Que tal? Também sentiram aquela dor da tosta mista desperdiçada? Vemo-nos no próximo capítulo!

BestBlondAndBrunette



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