Além do Fim escrita por Lucca


Capítulo 3
Caminhando sobre espinhos


Notas iniciais do capítulo

Thor finalmente estava ao lado de Sif no seu leito hospitalar. Mas nem tudo era simples como parecia.
Boa leitura.



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No dia seguinte, Thor estava decidido a passar muitas horas ao lado de Sif na sala. Parecia simples, mas não era. Seu corpo pedia doses de álcool para encarar sua nova e triste realidade, algo que ele resistia para poder estar com ela. Ultrapassar a porta e observá-la adormecida era outro obstáculo emocional que exigia tudo dele.

Ele parou na porta buscando algo que nunca admitiria ser coragem. Aspirou todo o ar que podia inflando os pulmões. Expirou lentamente. Talvez uma segunda tentativa tivesse melhor resultado para colocar tudo dentro dele em ordem.

— Bom dia, Thor!

Ele deu um sobressalto ao ouvir a voz de Nat atrás dele. E, droga, ela não estava sozinha. Banner, Barton e Rogers estavam com ela.

— Hu...- ele limpou a garganta e endireitou a postura. – Bom dia.

— É bom te ver aqui. Sua companhia com certeza fará bem à ela. Conte tudo sobre nós e diga que estamos aguardando ansiosamente para tê-la acordada conosco. Tenho certeza que ela terá muitas coisas pra nos contar sobre você. – Nat continuou e encerrou com uma piscadinha.

Ele concordou com um leve balançar de cabeça e entrou subitamente na sala, talvez apenas tomado pela necessidade de não demonstrar fraqueza diante dos amigos.

Uma vez dentro da sala, o forte incômodo retornou. Ele poderia se virar, sair e voltar ao seu quarto onde uma garrafa de vodka o aguardava. Não. Melhor ficar. Ele já estava aqui e observar pelo vidro outra cena de Rogers com Sif não era algo que ele daria qualquer brecha para acontecer.

O som dos aparelhos que monitoravam os sinais vitais dela o... assustavam?

“Por Hell! Como pode o Deus do Trovão se incomodar com esses grilos eletrônicos criados por essa gente de Midgard?”

O silêncio acompanhado daqueles bips era enlouquecedor. Se fosse uma batalha, ele atiraria Mjolnir nesses malditos aparelhos!

Mas não era uma batalha. Ou talvez fosse a pior delas. Porque agora ele era apenas um observador.

De novo os bips. E, de repente, um pensamento o assombrou ainda mais que eles: não ouvir som algum ao entrar na sala. O silêncio sinalizaria o final da batalha e ela teria perdido. Não! Ele voltou a procurar pelos malditos bips. Por Odin, eles estava lá! E ele respirou aliviado.

“Nat disse para falar com ela. Humanos são tão estranhos. Ela está inconsciente. Eu deveria esperar até que ela acordasse...”

Ele já tinha falado com ela inconsciente outras vezes naquela mesma sala. Mas era um pedido desesperado e um promessa para que ela resistisse durante sua ausência. Agora, iniciar uma conversa parecia algo estranho... Nat era uma grande amiga, negar um pedido dela não parecia correto também. Então, ele se aproximou com os braços cruzado sobre o peito, se reclinou um pouco para a frente e disse baixo:

— Bom dia. Nat pediu pra te dizer que eles estão ansiosos para te conhecer melhor... Eles são bons guerreiros, você verá.

Falar com ela trouxe uma sensação boa que ele não esperava. Por aqueles instantes, os bips dos aparelhos ficaram imperceptíveis.

“... Conte tudo sobre nós.” – ele relembrou o conselho de Nat. Então, começou:

 - Nós éramos uma equipe incrível, Sif! Os Vingadores. É assim que os humanos nos chamavam... -  Antes que a narrativa fosse capaz de adentrar nas características de cada um dos amigos, sua mente trouxe a imagem de Thanos e de toda a desgraça que se abateu sobre ele graças à esse maldito.

Ele respirou repetidas vezes tentando se acalmar. Falar tinha sido bom. Falar sobre os Vingadores não tinha sido bom. Então, melhor falar sobre outra coisa. As aventuras que viveram juntos! Assunto decidido.

Começou devagar e foi ganhando confiança no seu monólogo aos poucos. Logo, andava ao redor da cama relembrando entusiasmado tudo que viveram juntos. Até perguntas dirigiu à ela mesmo ciente que não obteria respostas.

Fora da sala, no andar superior, através do vidro de observação, os amigos reunidos acompanhavam a evolução do que acontecia na sala. Pepper e Stark se juntaram à eles.

— Isso, garotão. Se solta. Fala com ela. – Nat manifestava sua torcida.

— Ele consegue. Estou confiante. – Pepper disse.

Os homens se entreolhavam e permaneciam calados. Após os primeiros momentos que Thor se empolgou com a narrativa dentro da sala, o asgardiano puxou uma cadeira e colocou ao lado da cama.

— Vai, pega na mão dela. – Nat disse.

Mas ele se recostou na cadeira, a inclinando para trás, cruzou os braços no peito e colocou os pés sobre uma mesinha lateral enquanto continuava seu monólogo.

— Ai, não. – Nat levou as mãos ao cabelo.

Pepper soltou uma leve risada:

— Que coisa, não? Tão fenomenal por fora e tão pouco a oferecer.

— Ei, ei, ei – Stark interrompeu – Não tem nada fenomenal ali. É só um asgardiano totalmente comum.

— Com certeza. – Peper se corrigiu, dirigindo um olhar que dizia o contrário para Nat.

— Além disso, vocês precisam considerar as barreiras culturais. A sociedade asgardiana é diferente da humana. – Banner tentou defender a reação de Thor

— Isso mesmo. – concordou Rogers – Talvez isso não fosse comum lá.

— Presente ou não na cultura asgardiana, tenho certeza que se Thor segurasse a mão dela isso faria muito bem aos dois. – Nat insistiu.

— Concordo com você. – Barton disse se aproximando e colocando a mão no ombro da amiga. – Os dois precisam um do outro para superar a dor de tudo que viveram. Se não encontrarem esse caminho sozinho, podemos ajudá-los.

— Ótima ideia! Eu vou lá – ela disse já indo em direção ao elevador.

— Ei, Nat, espere! Vem ver isso. – Barton a chamou de volta.

Thor sentou-se corretamente e, de forma relutante, foi aproximando sua mão da mão de Sif. O primeiro toque foi inseguro e extremamente suave. Devagar, correu os dedos sobre os dela. Estava fria demais para o gosto dele. Instintivamente, sentiu a vontade de envolver a mão dela entre as suas para aquecê-la. Mas antes que pudesse fazê-lo, a mão dela se moveu com grande esforço buscando alcançar os dedos dele.

Sua reação foi rápida, envolveu a mão dela entre as suas e ainda selou o carinho com um beijo suave e demorado.

No alto da sala, do outro lado do vidro, os amigos suspiraram e comemoraram. Todos haviam perdido muito. Mas o pouco que havia restado era o suficiente para nunca deixá-los desistir.   

Logo se afastaram devolvendo a privacidade ao casal.

Enquanto esteve com os lábios suavemente colados a pele da mão dela, Thor sentiu uma sensação incrivelmente boa, algo que nenhum álcool conseguiu lhe dar em todo aquele tempo. Mas assim que rompeu esse contato mais intenso, foi como mergulhar numa montanha russa que o arrastou direto para a outra face de sua realidade: Asgard destruída e Thanos. Rapidamente, ele se colocou em pé e se afastou. Já na porta sussurrou:

— Eu não sou mais digno, Sif. Nem de Mjolnir nem de você. – saiu da sala cabisbaixo e sem olhar para trás.

Se ele tivesse ficado um minuto mais, teria visto as lágrimas escorrendo pelos olhos cerrados dela.

Nos próximos dois dias, Thor retornou à sua rotina ligada ao álcool. Passava para ver Sif através do vidro nos mesmos horários pela manhã, tarde e noite. Fora isso, isolamento.

Quando o tratamento estava completo, os sedativos foram definitivamente suspensos e aguardaram que ela acordasse. Lamentaram que Thor não estivesse ali. Mas Valquíria se fez presente. Resolveram deixá-las sozinhas para que Sif ficasse mais à vontade tendo apenas alguém conhecido junto dela ao acordar.

Ela abriu os olhos devagar. Antes de se mover mais, sondou o local discretamente com o olhar. Encontrou Valquíria e isso lhe deu o sinal de que podia demonstrar que havia despertado.

— Bem vinda de volta, filha de Delling! Pensei que você não ia acordar mais. – Valquíria disse com seu tom otimista, mas sempre irônico.

— Onde eu estou?

— Midgard. E vou adiantando que Asgard já era.

— Asgard foi tomada? Onde está Thor? – ela disse se levantando num súbito e levando a mão esquerda até o braço direito que não obedecia totalmente aos seus comandos.

— Nossa! Você se superou dessa vez. O nome de Thor só apareceu na terceira frase. É uma longa história. Ele me mandou aqui pra te colocar a par de tudo que aconteceu. Mas acho melhor você tomar fôlego antes.

Na próximas horas, enquanto Sif se restabelecia, ela ouviu a triste narrativa de Valquíria sobre os acontecimentos que assolaram o Universo. Permaneceu praticamente em silêncio, formulando apenas questionamentos curtos para desencadear novas informações. A cada palavra ela viu o pior pesadelo que já viveu, quando enfrentou Thanos e teve seu braço mutilado, se estender a todos os mundos conhecidos e a todos que ela amava.

Paralelamente a isso, ela precisou enfrentar a realidade de sua nova condição. Os humanos entraram na sala, se apresentaram e foram gentis. Eram os amigos de Thor. Ela não foi capaz de assimilar seus nomes ainda. Examinaram-na, desconectaram-na daqueles malditos fios. Mais tarde deixaram que ela comesse uma sopa tão rala que ela imaginou que esse planeta também estava enfrentando sérias dificuldades de abastecimento de alimentos. Existiria uma população faminta lá fora? E pelos Nove Mundos, como os sobreviventes estavam? Havia muito a ser feito. Ela ouviu todas as recomendações e obedeceu. Não queria ser um problema a mais. E esperou por Thor. Que não veio. Ela foi liberada para se levantar e caminhar pelo quarto. Por algum motivo, todos na sala reagiram admirados quando ela o fez sem grande dificuldade. Então, disseram que ela estava bem e a encaminhariam para suas acomodações definitivas. Era tudo que ela precisava ouvir.

Valquíria continuava ali, agora já não disfarçando tão bem seu desejo de voltar à sua rotina. Sif compreendeu. Também estava ansiosa para liberar essa “babá” improvisada por Thor, mas antes existia uma última informação que ela precisava:

— Onde ele está agora?

— Aqui, como todos nós. Olha, é melhor não vê-lo ainda. Dê um tempo à ele, acho que logo vai procurá-la. Ele não está exatamente como era antes.

— Entendi que ele não está lidando bem com a situação. Não sei nem se eu estou. Mas ele é um grande amigo e não vou ficar esperando enquanto ele enfrenta tudo isso sozinho. Onde exatamente ele está?

Valquíria fez uma expressão de insatisfação:

— Aff. Depois não diga que não avisei. Ou melhor, diga sim. Diga à ele que eu avisei e mesmo assim você foi até lá. Eu já tenho problemas demais lá fora, tentando organizar os poucos asgardianos que sobraram.

— Eu sempre assumo os meus atos e as consequências deles. – Sif foi firme e resoluta, marcando sua posição diante da outra guerreira.

— Lady Sif e os Três Guerreiros, a trupe inseparável de Thor. Estou entendo agora porque sempre estavam juntos. Você é tão teimosa quanto ele. Ala oeste. O terceiro quarto.

Saindo do quarto, as duas acompanharam Banner através dos corredores. Thor havia falado muito dele. Não parecia um guerreiro tão forte e violento como nas descrições, mas ela conhecia e não entendia a paixão desmedida do amigo por Midgard e seu povo. Devia ser mais um exagero provocado por isso. Só pararam dentro do seu novo aposento, também na ala oeste. Era simples e pequeno. Uma cama, uma mesinha de cabeceira, uma janela e um banheiro. Isso bastava. Após apresentar o local, Banner se despediu. Valquíria saiu em seguida.

Sif sequer se sentou. Aguardou impacientemente alguns minutos para retornar ao corredor. Avançou por ele sentindo seu coração bater tão forte e rápido como seus passos. Terceiro quarto. Ela parou diante na porta, bateu e aguardou. Nada. Nem sequer uma resposta verbal. Talvez ele não estivesse ali no momento. Bateu novamente, mais forte agora. Ouviu uma espécie de grunhido com intenção óbvia afastar o visitante. Respirou e disse alto e forte:

— Você vai abrir ou serei obrigada a arrombar essa porta?

Imediatamente ela ouviu a movimentação dentro do aposento. Podia senti-lo se aproximando da porta irritado com ela. Um leve sorriso vitorioso se formou em seus lábios, mas logo retomou a fisionomia séria. Era assim que queria que a visse.

Lá dentro, Thor estava em pé em frente a porta. Sua mão oscilava diante da tormenta de sentimentos conflituosos que dominavam sua mente e seu coração. Uma parte dele queria abrir a porta e deixar Sif voltar para sua vida. Outra parte desejava afastá-la para que ela nunca soubesse o fracasso que ele se tornou. Sequer sua aparência naquele momento era favorável. E cheirava álcool.

Ele respirou fundo. A quem estava engando? Era Sif ali fora e ela não desistiria, não importava o que ele dissesse.

Com a mão firme agora, segurou a maçaneta, destravou a fechadura e abriu a porta.


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Notas finais do capítulo

Eu queria escrever uma cena simples dele ao lado dela enquanto Sif estava inconsciente. Mas a coisa cresceu e quase devorou o capítulo todo. A falta de tempo me impediu de escrever a cena seguinte do reencontro. Por favor, não desistam dessa história por isso.
Sugestões e críticas são bem vindas. Deixem um comentário.
Obrigada pela leitura.



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