Espadas, Chamas e Chifres escrita por Risadinha


Capítulo 11
Rostos desconhecidos


Notas iniciais do capítulo

Olálálá! Demorei dessa vez? É, já se acostumem a essa demora... Estou dando o melhor pra continuar postando os capítulos.
Sem muita enrolação...
Boa Leitura!



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— Não é o fim do mundo.

Não foi por isso que Dio deixou de bater o pé inquietamente no chão. O som ecoava pela sala, voltando a ele, deixando-o mais nervoso. Em compensação, nenhum som do tipo era emitido de Rey, que flutuava em seu canto.

— Sieghart já vai chegar pra ficar de babá desse bicho — ela apontou para o dragão. — Respire um pouco.

— Eu pedi para ele não ir na final do torneio, e ele foi. Agora eu tenho que tomar conta dessa coisa sozinho.

— Sozinho? Hã, alô? Eu tô aqui.

Rey acena, dramática. Dio bufa, deixando-se levar para perto do dragão. Ele continuava adormecido, porém com olhos abertos e atentos aos seus poucos movimentos. Essa contradição incomodava o asmodiano mais que deveria.

Em seus pensamentos, Dio foi puxada para a realidade quando sentiu os pelos da nuca eriçarem. Uma sensação de desespero travou cada parte do seu corpo, seus instintos berrando para que ele não se movesse ou algo de ruim aconteceria.

— Rey?

Nenhuma resposta. Dio virou a cabeça para o lado, lutando contra seu corpo. Viu sobre o ombro a imagem da amiga de pé. Não flutuando, mas literalmente de pé no chão.

— Você sentiu isso? — ela perguntou, a voz vazia de emoções.

— Sim, eu—

Suas palavras foram suprimidas pela boca do dragão. As correntes se partiram no seu único movimento para cima de Dio. Apesar da paralisia, ele recuou com um salto atrapalhado, escapando por centímetros dos grandes dentes que se fecharam violentamente diante dele.

Mas o dragão avançou de novo. Dio esticou o braço para invocar sua foice e teve o membro abocanhado. Os dentes pressionaram em volta de seu braço demoníaco enquanto empurrava Dio até atingir a parede.

Com o braço livre, ele empurrou a boca do dragão. Usava toda força que poderia em um único braço, porém eram tentativas fúteis.

— Dio!

A esfera de energia atingiu o olho do dragão. Ele se sacudiu, pressionando com mais força o corpo de Dio contra a parede. O movimento arrancou ar de seus pulmões. A dor de seu braço abocanhado o fez rugir.

Mais uma esfera foi arremessada. Maior, mais poderosa. O dragão recuou e Dio desabou no chão. Não conseguiu se levantar, somente escutou o dragão se mover, então quebrar o teto.

Apenas a respiração pesada de Rey podia ser escutada no cômodo.

— Dio? Dio!

Dio se levantou, usou o chão de apoio para ficar de joelhos. Ao encontrar os olhos de Rey, ele soube que algo não estava certo. A leveza de seu corpo causava tanta estranheza que tirou sua coragem de ver com os próprios olhos.

Mas ele olhou. A respiração foi segurada, pressionada até solta-la com um som engasgado. Dio ergueu seu braço demoníaco, porém não restava mais nada além do seu ombro.

***

As chamas roxas dançavam em volta de Sieghart. Como uma capa, ele estava seguro de todo o perigo do mundo dentro delas, sufocado, queimando cada parte de seu corpo. Ao estender as mãos, ele conseguiu se romper delas. O calor diminuiu e só restou o frio das ruas. As pessoas corriam, gritavam desesperadas.

Sieghart não lembrava de como saiu do estádio. Ele lembrava de ver Elesis ser apunhalada, logo um brilho que cobriu todo o local. Houve tanto barulho que o súbito silêncio o assustou.

Eram poucas vezes que as chamas roxas despertavam seu estado de berserk; essa pode ter sido uma das raridades. Nenhum machucado externo, mas ao andar, sentiu o interior do seu corpo se desmoronar.

Contudo, ele correu pelas ruas. Sem rumo, ele tentou achar algum caminho que pudesse se orientar. Foram pelos escombros e gritos que Sieghart enfim se encontrou.

Seus pés frearam, a tempo de não ser atingido pelo objeto que caiu do céu, bateu no chão e voou contra o poste. A poeira abaixou. Não era um objeto, e sim uma pessoa; especificamente, Holy.

— Holy?

Sieghart correu até ela. A mesma lutava contra os braços trêmulos para ficar de pé, mas apenas pôde se sentar com ajuda dele.

— Por que você caiu que nem uma estrela cadente?

— Eu... O Ronan...

— O que tem ele?

Algo se aproximava. Sieghart ficou de pé, contornado pelas chamas; sua única arma no momento. Do outro lado da rua, alguém aterrissou no topo do poste. Com capa e capuz, pouco ele via da imagem do desconhecido sob as sombras da vestimenta.

Mas ele emanava poder e isso bastava para Sieghart não abaixar a guarda.

— A paladina já cansou? — a figura perguntou.

Pela voz, até mesmo pela estatura, Sieghart podia dizer que aquilo era uma criança. Sim, aquilo, já que exalava uma energia estranha.

— Eu ainda posso lutar — murmurou Holy, tentando levantar mais uma vez.

— Deixe comigo — Sieghart falou sobre o ombro.

Ele se preparou para atacar.

— Não vou lutar contra insetos!

O garoto ficou de pé e começou a flutuar, sem qualquer intenção ofensiva.

— Considere isso como um aviso, paladina.

E ele desapareceu. Sieghart olhou em volta, transtornado por ter perdido a fonte de mana do desconhecido. Nada mais restava, portanto, ajudou Holy ficar de pé e deu seu ombro de apoio para a mesma.

— O que aconteceu? Quem era aquele cara?

Uma linha de sangue desceu da cabeça de Holy, passando por suas bochechas coradas de calor.

— Eu não sei. Eu estava com o Ronan, então... — ela encarava os pés, mais trêmula que antes. — O Ronan...

Sieghart não sabia como reagir quando a paladina começou a chorar. Ele olhou para o céu, vendo que seu azul era consumido pelo rosa que transbordava do portal. Pelos prédios, mal via a criatura colossal ao longe. Era um dragão, chutou pelos grunhidos da criatura.

— Vamos para o Conselho — falou Sieghart.

Era a única certeza que ele tinha no momento.

***

As costas de Lupus estavam úmidas e quente por carregar o corpo de Lass. Edel e ele não tiveram tempo para pensar, apenas jogou seu irmão nas costas e correram para longe de Duel. Quando o asmodiano ameaçou persegui-los, Regis entrou em seu caminho. Isso comprou tempo para eles.

Pararam em um beco, já que as ruas eram ocupadas por uma multidão desesperada. Lupus relaxou os braços, deixando o corpo de Lass cair no chão.

— Lass? — Edel se agachou ao lado dele. — Vamos, você não pode apagar.

Ela passou a mão pelos cabelos pretos do ninja, pondo a outra sobre a ferida em seu peito. Lass se moveu, lutando para manter os olhos abertos.

— Use as chamas!

— A Eclipse atrasa a regeneração das chamas — comentou Lupus.

As forças saíam de seu corpo, obrigando-o a se recostar na parede do beco. Edel o observava. Lupus quis esconder as mãos trêmulas, mas bastava ouvir o rugido distante de Berkas que ele voltava a perder qualquer controle de si.

— Ele vai demorar um pouco para se regenerar.

Edel mordeu o lábio. Ela também não conseguia esconder o nervosismo diante dele.

— Precisamos tirar o Lass daqui — ela disse. — Seu pai não vai conseguir segurar o Duel sozinho. Alguém precisa ajudar ele.

Lupus assentiu e se afastou da parede.

— Eu vou, você fica com o Lass.

— Não — ela levantou. — Você cuida do seu irmão. Eu sou melhor suporte para o Regis no momento. — Edel desembainhou seu florete. — Eu consigo segurar aquele cara.

A negação de Lupus o atingiu antes mesmo de terminar de ouvi-la. Uma onda de medo intensificou sua decisão.

— Você não vai lutar contra o Duel! Ele é muito forte!

— Pense um pouco, Lupus! Você e o seu pai lutam à distância e aquele cara tem uma espada. Bem — ela ergueu o florete —, eu posso lutar em curta distância.

Sim, Edel estava certa. Mas Lupus continuou a negar. Ele não podia deixa-la lutar, muito menos em tal situação.

— Está decidido — ela concluiu. — Leve o Lass para longe.

— Edel!

Ela seguiu para fora do beco. Lupus deu passos em sua direção, a mão vazia se estendendo para segura-la. Edel se virou para ele, um olhar ofendido pelo que ele tentava fazer.

— Pare de ser tão emotivo e comece a tomar decisões racionais.

Então Edel se foi. Lupus desejou ter tomado alguma atitude, ter ao menos dito fique. Ela não ficaria, apesar disso. Mas ele não tinha falado, então como poderia saber?

Lupus pôs Lass nas costas e voltou a correr para longe do caos. Era a atitude mais ridícula que ele poderia ter, tão covarde que lhe fazia sentir raiva de si. Lupus queria lutar, estar no lugar de Edel e evitar qualquer tragédia que pudesse a atingir. A responsabilidade de ter deixado ela ir pesava como Lass.

— Tá acordado?!

Lass resmungou sobre seu ombro. Ele estava mais quente, um calor que começava a queimar as costas de Lupus.

— Lass, você não vai concordar comigo, mas...

Correndo pela rua, Lupus quase foi atingindo pelos escombros do prédio em queda. Um rápido olhar e viu que era Duel atravessando os prédios, perseguido por Regis que pulava de telhado em telhado.

O nervosismo cresceu.

— Mas é melhor você deixar seu amigo tomar o controle.

— Hã? — um resmungo negativo. — Nem fudendo.

— Regis é forte, mas as chamas são mais. Elas podem deter Duel e te manter vivo enquanto isso!

Lass se preparou para debater, mas foi interrompido por um ataque de Duel. A esfera de energia foi dispara com um simples mover da mão. Lupus arregalou os olhos, sabendo que não conseguiria desviar.

Então as chamas azuis os cobriram. A esfera atingiu a barreira e uma explosão jogou os irmãos no chão. Lupus fez o possível para se erguer rapidamente, o que considerou lento quando viu outra esfera vindo em sua direção.

Mais uma explosão. Lupus abaixou os braços erguidos, através da poeira enxergou a silhueta de seu irmão. Ao mesmo tempo que era Lass, não era.

— Lass é muito cabeça dura, não acha?

A voz grave assustou Lupus. O ninja se virou. Seu sorriso e olhos vermelhos eram sinais claros que aquela era outra pessoa no controle do corpo.

— Eu dou um jeito naquele ali — apontou para Duel ao longe. — Não fiquem muito perto. Eu queimo.

Nenhuma resposta ou reação de Lupus. Ao piscar, a imagem de Lass desapareceu da sua frente. Conseguiu o localizar pela onda de chamas azuis caindo sobre Duel, que esquivou e contra-atacou com a eclipse. Lass atravessou dois prédios, destruição traçando seu caminho.

Fazia anos que Lupus não via as chamas azuis em ação. Ele não lembrava bem qual foi a última vez, mas seu primeiro encontro continuava marcante em suas memórias. Um arrepio o fez se encolher.

— O que—

Edel se aproximava. Suada, como se tivesse feito uma maratona; era o mesmo que lutar contra Duel. Ela guardou o florete.

— O que o Lass tá fazendo?!

— São as chamas, não o Lass.

— E se ele perder o controle?

O mundo estava um caos dentro de Lupus. Ele se sentou na calçada, segurando a cabeça. Não tinha disposição para se importar tanto assim com a liberdade das chamas enquanto Berkas rugisse ao fundo. O céu começava a ganhar uma coloração diferente, os gritos pelas ruas estavam desaparecendo e apenas restava um silêncio de luto.

***

Sieghart entrou no Conselho. Como a rua, dentro do prédio estava agitado por funcionários correndo de um lado para o outro, saindo e entrando. Vendo tudo isso o fez paralisar na entrada. Holy continuou, correndo para o andar de cima. Sieghart quis ter a mesma preocupação pelo estado de Ronan, mas sua atenção foi puxada completamente ao ver o par de chifres no salão central.

O salão era ocupado por magos e espadachins machucados. Colocavam curativos, pegavam suas armas e voltavam para o lado de fora. Em um canto mais distante, Dio estava sentado no chão, contornado por Rey e dois mordomos.

— Dio!

Ao ter parado diante o amigo, notou algo de diferente. Dio estava pálido e faltava seu braço demoníaco. Sieghart congelou no lugar.

— Que bom te ver vivo — comentou o asmodiano.

— O que aconteceu com seu braço? — Com muito esforço, ele conseguiu perguntar.

— Aquele dragão se soltou — respondeu Rey, visivelmente cansada. — Fugiu com o braço do Dio.

— Quê? Como assim?!

O mordomo mais magro terminou de fazer o curativo em Dio. Sem seu braço chamativo, ele parecia frágil, apenas um garoto de olhar rabugento.

— Eu tenho uma teoria — contou Dio. — Mas preciso ver mais do que tá acontecendo lá fora.

Sieghart que veio de lá, pouco sabia. Ele se sentou perto dos asmodiano, descansando as pernas que ganharam um peso descomunal. Assim exalou sua respiração cansada.

— Eu estava na arena quando aconteceu.

Dio e Rey olharam atentamente.

— Foi durante a luta da Elesis. Aquele cara, o campeão de Arquimidia, ele... Eu não sei, ele apunhalou a Elesis com uma espada e então tudo começou a brilhar. Foi quando aquele portal foi aberto.

Rey olhou confusa.

— A Elesis foi responsável pelo portal?

Sieghart não confirmou, também sem entender o que tinha acontecido na arena. Pelo silêncio de Dio, ele parecia saber essa resposta.

— A Elesis pode ter sido usada como sacrifício para abrir o portal.

— Sacrifício?! — Rey exclamou. — Não faz sentido.

— Ela tinha mana de Elyos no corpo. Não sei como, mas ela tinha. Isso é um gatilho para criar uma ponte entre Ernas e Elyos.

Rey manteve os olhos arregalados, lentamente se encolhendo, aceitando o destino da amiga. Sieghart não se levou pela mesma reação. Sua negação ajudava a não lamentar por Elesis.

— E quem você acha que é responsável por isso?

A pergunta veio de trás. Adel estava de pé, mas parecia que desabaria a qualquer momento. Como Sieghart, ele também estava presente na arena quando tudo aconteceu. Era bom saber que ele tinha escapado inteiro.

— Tenho alguns em mente — respondeu Dio. — O que pretender fazer?

— Venham comigo.

Adel saiu na frente. Rey se levantou, Sieghart ajudou Dio a ficar de pé. Eles seguiram o líder até o telhado. Dali, a cidade estava acabando. Era um verdadeiro massacre, gerando uma impotência enquanto permanecessem ali, parados.

Adel deu alguns passos adiante, então apontou para Berkas. Distante, porém colossal.

— Nosso principal problema agora é aquele cara ali. O que fazemos para impedi-lo?

Sob a luz do dia, Dio ficava mais pálido. Olheiras se formavam embaixo de seus olhos enquanto o vento balançava seu longo cabelo. Ele olhou pesadamente para Berkas.

— Por mais que sejamos da mesma dimensão, eu não faço ideia de como mata-lo. Isso é uma coisa que você pergunta ao Lupus.

— Tem que ter alguma magia que seja efetiva contra um dragão daquele tamanho.

Sieghart se perguntava onde estava Lass.

— Por que está preocupado com o Berkas? — questionou Rey. — Ele tá quietinho.

Adel a olhou com seriedade, como repreensão. Bastaram as palavras de Rey sumirem no ar para o rugido de Berkas preencher o silêncio. Todos se voltaram para ele a tempo de verem o disparo de energia sair de sua boca. Atravessou parte da cidade, explosões traçadas em linha reta.

O vento quente balançou seus cabelos.

— Temos prioridades agora — mencionou Adel. — Grandiel e eu estaremos tirando os líderes e as pessoas da cidade. Eu preciso de pessoas que possam impedir aquele bicho e encontrarem o Lass, imediatamente.

— Lass deve ser um alvo da pessoa que fez isso — comentou Dio. — Se tem uma pessoa que poderia parar Berkas agora seria o Lass com as chamas. Ele é muito valioso.

Ele dizia aquilo enquanto via ao longe as chamas azuis brilharem. Lass estava em ação. Adel também percebeu, suas mãos se fechando com força.

— Sieghart, você é forte — o líder disse. — Vá buscar o Lass.

— Mas... — Sieghart olhou para Dio e Rey, sentindo-se sozinho ao se opor. — E a Elesis?

Adel deixou o telhado pelas escadas.

— Elesis está morta, desista dela.

Sieghart correu atrás dele.

— Mas e se não tiver?! Ela é tão importante quanto o Lass!

Eles voltaram ao salão central. De volta ao campo de guerra que era o Conselho colapsando. Sieghart conseguiu ver Holy esperando por ele.

— As chamas azuis são mais importantes que o Lass e a Elesis, Sieghart. Se elas caírem nas mãos do inimigo, nós perdemos. — Adel parou, encarando-o de frente. — Entende? Prioridades.

Foi a vez dos punhos de Sieghart se fecharem. A raiva o cegou de tudo em volta. Era ele e o líder de Serdin. Encaravam-se da mesma altura, com auras pesadas.

— Você não manda em nada aqui — rosnou Sieghart.

— Ronan não está mais no comando, então eu fico no lugar.

A mão de Dio caiu sobre seu ombro, puxando de volta para a realidade. Tudo estava caindo aos pedaços, não era momento de agir assim. Adel reconheceu isso em seu olhar e se foi.

— Eu vou com você — falou Dio.

— Quê?! Ficou louco?!

— Vamos pegar a Elesis na arena, então iremos atrás do Lass.

Sieghart piscou, incrédulo do que ouvia. Dio continuou:

— Rey, é melhor você ficar aqui no Conselho. Você pode ser o próximo alvo, então fique aqui com o James e o Alfred.

— Espera aí! — berrou Sieghart. — Você não vai comigo!

Dio bufou.

— Eu tô—

— Você perdeu um braço! Um braço! Está mais pálido que o Lass e nem vai poder invocar sua foice, o que te torna em um inútil.

Isso o fisgou pelos nervos. O asmodiano estava para rebater, mas se negou, tomando caminho para a saída. Ao contrário de Rey, que permaneceu no salão, tão exausta que era possível enxergar isso saindo dela.

Sieghart correu atrás do amigo. Holy se juntou a eles.

— Para onde estão indo?

— Resgatar a Elesis, buscar o Lass — respondeu Dio.

— Não estamos merda nenhuma! — Sieghart bateu com o pé no chão. — Eu vou estar indo, sozinho!

Holy olhou interessada para Dio.

— Posso ir junto?

— Claro.

— Ei — grunhiu Sieghart.

***

Uma jornada não poderia acontecer tão precipitadamente como Dio sugeriu ao sair do Conselho. Era necessário armas, além de uma roupa decente para salvar o dia. Esse foi o caso de Sieghart ao ter exigido por passarem no colégio.

Como esperavam, o colégio não era o lugar mais calmo de Canaban. Apesar de estar mais vazio que o habitual, ainda existia um clima de morte pelos corredores. O que também encontravam eram cabos e peças que os levaram ao refeitório. Uma zona. O centro disso era Mari com seu computador.

— O que você está fazendo, Mari? — Sieghart perguntou.

Ela respondeu sem tirar os olhos da tela.

— Mantendo uma barreira em volta do colégio. Sem tempo pra falar, com licença.

Eles a deixaram, indo para o quarto de Sieghart. Quando abriu a porta, o vazio do cômodo despertou um nervosismo na sua espinha. Jin não estava no Conselho, não estava no colégio. Era impossível não se preocupar com o ruivo. Seu estado apenas teria piorado com tudo que estava acontecendo.

— Eu vou no meu quarto — avisou Dio. — A gente se encontra lá embaixo.

— Ok! — confirmou Holy. — Vou ver como estão as outras garotas.

Sieghart ficou sozinho. Estava muito frio, então pôs um sobretudo que combinasse com sua soluna. Antes de se encontrar com Dio e Holy, ele passou na enfermaria. Azin continuava por lá, deitada e com um braço engessado. Ao lado dele, Amy sentada na beira da cama. De relance, não parecia a garota agitada de sempre, tão calada e imóvel.

— Amy — ele a chamou.

Ela se virou. Pelo olhar derrubado, Sieghart já tinha a resposta.

— Você viu o Jin?

— Não — dói para ela responder. — Ele não atende ao celular. Eu queria procura-lo pela cidade, mas tenho que proteger o colégio com a Mari e as meninas.

— Eu vou tentar encontra-lo. Como está indo, Azin?

O braço sem gesso é erguido com a mão em sinal de confirmação. Azin pouco se movia, explícito ao virar sua cabeça e expressar dor.

— Logo levanto daqui e vou ajudar vocês.

— Sem pressa — rebateu Amy. — Sieg, encontre meu Jin, por favor.

Um sorriso sereno confirmou o pedido da dançarina. Sieghart se despediu e deixou a enfermaria. Andando pelos corredores, os sons externos deixavam de serem abafados e ficavam mais claros, definidos aos seus ouvidos. Explosões a quilômetros de distância alcançavam Sieghart como pedidos de socorro da cidade.

Ele se juntou a Dio e Holy do lado de fora.

— Você consegue mesmo lutar? — perguntou ao asmodiano.

Dio franziu o cenho. Embora pálido e frágil, aquilo era uma ofensa.

— Por que está se preocupando tanto comigo? Já tá ficando chato isso.

Sem querer uma resposta, Dio deixou o lugar acompanhado de Holy. Sieghart pressionou os lábios, fitando os pés. Não importava como dissesse, a natureza da sua preocupação nunca sairia de seus lábios.

Sieghart estava disposto a morrer com seus sentimentos.

***

O abrir de sua boca foi como a abertura de uma chaminé. A fumaça desapareceu diante os olhos vermelhos das chamas. Sob os fios pretos artificias do cabelo de Lass, qualquer expressão que elas fizessem, causaria arrepios a quem observasse à distância. Até o mais simples sorriso demonstrava malícia.

Duel pousou metros à frente. As ruas tinham ficado vazias durante a luta entre eles. Enfim possuíam espaço para se enfrentarem.

— Cansou? — debochou as chamas. — Se quiser, eu permito você ir embora.

Duel estreitou os olhos. A eclipse permaneceu em suas mãos. Em nenhum momento aqueles dedos ousaram desfrouxar do cabo. Até o corpo de Lass não estiver estirado no chão, Duel não guardaria sua espada.

As chamas gesticularam as mãos, chamativas.

— Vem!

E Duel foi. O corte da espada passou perto das chamas. Uma desviada não bastou, elas continuaram a esquivar dos ataques velozes do asmodiano. A cada investida, mais rápido ele ficava, mais nervoso pela risada desafinada das chamas.

No ataque seguinte, as chamas seguraram a lâmina. Sem esforço algum. Duel pressionou, derramando sangue das palmas de Lass.

— Você é mesmo insistente, hein — disse as chamas, um leve tom de incomodo. — Acha mesmo que vai me vencer?

O único som que saía da boca de Duel era sua pesada respiração. As chamas seguraram com mais força a eclipse. O asmodiano estava cansado, mas tentava não transparecer diante delas. Sem uma única palavra, ele fechou os olhos, controlou sua respiração em pouco tempo.

— Tá dormindo?

As chamas fariam mais uma provocação, mas se contiveram. Os olhos de Duel abriram, brilhando por um vermelho intenso.

— Que belos olh—

A eclipse avançou contra seus braços e atingiu seu peito com uma força que jogou o corpo de Lass para longe. A única reação das chamas era rir. Levantando-se do chão enquanto movia os dois braços quebrados, que se regeneravam em barulhentos estalos dos ossos, elas não demonstraram medo da mana que sentia transbordar de Duel. Seus olhos vermelhos, aquele era um asmodiano com um poder de um deus.

— Só manda!

Duel ergueu sua mão. A energia acumulada na palma cresceu e ao ser disparada, as chamas sentiram um arrepio no seu corpo físico.

A explosão desmoronou os prédios próximos. A fumaça se tornou fina, podendo assim ver a silhueta de Lass ficar de pé.

Mais fumaça saiu de sua boca. As chamas contornavam seu corpo intensamente, queimando as roupas até que restasse apenas sua peça de baixo. Em uma postura torta, enfim a verdadeira imagem das chamas começava a aparecer.

— Ai — elas sussurram.

Duel afundou no chão para dentro de um portal. As chamas ergueram a sobrancelha, sem saber o que fazer em seguida. Por isso não previu o ataque por trás. Duel saiu de outro portal e investiu com a eclipse.

As chamas voaram contra um poste, que se entortou a 90 graus. Por mais que ser arremessado contra superfícies duras parecesse doloroso, para uma entidade que usava um corpo emprestado era como receber um sopro no rosto. O que doía de verdade era o corte feito pela eclipse nas suas costas, que levava tempo para se fechar. Maldita espada mágica.

Outro portal surgiu ao seu lado. Antes do ataque ser feito de seu interior, as chamas se incendiaram em uma explosão. Seu corpo voou do chão, caindo sobre um telhado. Outro portal apareceu.

— Ah caralho!

As chamas saltaram do prédio, voltando para a rua. Seus pés atingiram o chão, então afundaram no portal sob si. Elas colidiram sobre outro telhado. O portal surgiu distante, porém Duel saiu dele como um relâmpago contra as chamas.

O pouco tempo de esquiva apenas moveu o corpo de Lass para o lado, no entanto, o corte arrancou seu braço fora. O membro voou pelo ar, derramando sangue sobre as telhas.

Era uma estranha sensação que as chamas sentiam. Não era medo, não era raiva. Era novo. Ver o braço de Lass escorregar pelo telhado causava esse peso no peito, e de certa forma, doía.

Sem entender, irritação foi a única reação que as chamas conseguiram ter. Uma esfera de energia estava para atingi-las, mas foi rebatida com um tapa. A esfera voou contra a casa do lado e explodiu seu interior.

Os olhos vermelhos encararam Duel avançar de cima.

Elas rolaram para trás, a lâmina afundou nas telhas. As chamas se ergueram com o punho cerrado, que atingiu o rosto do asmodiano num estrondoso impacto. Duel caiu para o lado, rolou pelo telhado e se levantou na beirada. Sua bochecha queimava em carne viva.

As chamas recuperaram o braço perdido. Como uma peça de lego, colocou o membro de volta no lugar e deixou a regeneração costurar sua pele em segundos.

Duel estava preparado para continuar, porém as chamas não deram essa oportunidade ao atacar primeiro. Bateram com o pé no chão, jogando uma onda azul calorenta sobre todo o telhado. Após o ataque, Duel não estava mais próximo para ser visto; sua aura desapareceu completamente.

As chamas sabiam que ele tinha fugido por um portal, e que essa era a melhor decisão que ele podia ter.

Sozinhas, as chamas prestaram atenção em volta. Berkas estava distante, não parecia que sairia de seu lugar tão cedo. Contudo, o maior problema não estava no dragão colossal, e sim nos pontos altos de mana localizados em volta da cidade. Um era Duel, os outros quatro eram desconhecidos.

E havia mais um. Ele se destacava entre eles.

As chamas seguiram sua fonte. Isso as levaram ao castelo real.

No topo do telhado mais alto, uma figura observava a destruição a sua volta. os olhos brilhavam infantilmente, admirados por presenciarem pessoalmente. Para as chamas, aquilo deu ânsia de vômito; sim, logo as excêntricas chamas.

— Ei!

Elas saltaram e pousaram na outra ponta do telhado. A figura as olhou, reconhecendo no mesmo instante. Ou melhor, enxergando através do corpo de Lass, da sua imagem ridícula de um rapaz de cueca box, e vendo as chamas no controle de tudo.

— Ah.

O único som que saiu do desconhecido. Alto, a pele pálida que se aproximava ao cinza. Seu cabelo preto era curto, as laterais raspadas. Vendo por aquele ângulo, as chamas não viam ameaça alguma do rapaz. Mas era impossível ignorar sua mana barulhenta. Causava inveja.

— Vamos ser bem direto aqui — as chamas anunciaram. — O que você quer comigo?

— Aparentemente, Duel falhou com você.

Isso deveria ser um elogio?

— Olha, cara pálida, vou deixar bem claro: eu não sou objeto de ninguém, nem desse cara aqui — elas bateram no próprio peito. — Eu não quero saber seu plano ou o que pretende fazer comigo. Você não vai me ter. Se ousar tentar, eu queimo você e seus cachorrinhos, entendido?

A figura imóvel levou o rosto para frente, de volta a sua apreciação da vista.

— Você fala bastante para um fogo.

As chamas não eram sentimentais. Essa era a sorte do desconhecido. Elas reconheciam a resposta do mesmo como uma ofensa, porém decidiram não reagirem. Em vez disso, olharam para a mão de Lass, vendo sua pele começar a ter pequenas rachaduras.

As chamas podiam matar o desconhecido. Ele tinha um imenso poder, como elas também tinham. Uma luta que duraria horas, provavelmente dias pela resistência de ambos.

Entretanto, não valia de nada. Muitas desvantagens.

Além do mais, o corpo de Lass precisava de descanso.

***

Sob a redoma de energia de Holy, Sieghart conseguia se sentir mais calmo. Andavam pela cidade prestes a entrar em ruínas. Não viam nenhuma pessoa na rua além de dragões que sobrevoaram as casas. Felizmente, nenhum deles ousavam ataca-los.

Entretanto, Sieghart tinha a mão preparada para tirar a soluna das costas e defender Dio e Holy. Ambos estavam mais pálidos, com pouca mana e energia para lutarem.

— Dio, você disse que tinha uma teoria sobre o que tá acontecendo. Compartilhe.

O asmodiano moveu o ombro enfaixado. A falta de um braço parecia pesar para ele.

— Não tenho total certeza, mas acho que isso é coisa do Nellus.

— Nellus? — Holy perguntou.

— Em Elyos existe um sistema de hierarquia. Manda quem é da família real. Rey e eu somos membros de duas famílias importantes, enquanto isso, tem esse cara. — Dio mexeu outra vez o ombro. Ele não conseguia mais esconder a dor que sentia. — Nellus era um zé ninguém, mas era muito ambicioso. Até aí, nenhum problema. Isso, se ele não fosse manipulador e muito sagaz.

Sieghart já conseguia entender para onde ia a explicação.

— E como um zé ninguém conseguiu fazer isso?

— Ele deixou de ser um zé ninguém. Ele cresceu. Eu não ficaria surpreso se tudo isso é responsabilidade dele.

— Sozinho? — Holy arregalou os olhos.

— Não, ele deve ter alguns peões pra fazer tudo isso.

Dio parou de andar. Seu olhar para longe, além da destruição e dragões, parecia enxergar algo. Imóveis, Sieghart e Holy conseguiam sentir esses focos de mana ao longe, em volta da cidade.

— Parece serem cinco, ou quatro... — chutou Dio. — Aquele cara, o campeão de Arquimidia, é um deles, disso tenho certeza.

O trio continuou a andar.

— Ele não parecia ser uma asmodiano ou haro — comentou Sieghart.

— Provavelmente seja um humano com mana de Elyos. Não é difícil acontecer, só olhar para o Lass.

Enfim, a arena estava próxima de ser alcançada. Sua grande construção tinha a metade destruída, deixando seu interior à mostra.

Sieghart olhou para o alto. O portal estava distante, mas aberto. Encarar seu centro o dava náusea, um beliscão na espinha. Quando percebeu, sua respiração estava desregulada, apertando junto ao seu peito.

— A gente precisa fechar aquele negócio logo — ele comentou, forçando a voz para não demonstrar nervosismo.

Dio o olhou com desconfio.

— Qual é o seu problema com o portal? Não tem nada que possamos fazer agora.

— Eu sei, eu sei. É que... Seria bom fechar a porta para não ter mais visitas, entende?

Holy soltou uma risada humorada. Sieghart riu de volta, fazendo Dio entrar no clima. Eles precisavam disso, de uma distração; embora não tenha sido a intenção de Sieghart ao ter respondido isso.

Eles chegaram na entrada da arena, isso é, o buraco feito na lateral da construção. Entraram direto pela arquibancada.

Do lado de dentro, o vazio tinha mais presença. Bancos vazios, uma arena quebrada. O solo tinha se rachado, afundado por pedaços de rochas e escombros.

— Será que a Elesis está embaixo disso? — perguntou Holy.

A mesma juntou as mãos contra o peito. Sieghart a entendia.

— Só tem uma maneira de descobrir — ele disse.

Dio ficou para trás, sentando-se na arquibancada, praticamente desabando. Sieghart e Holy andaram sobre as pedras, cuidadosos a cada passo.

— Elesis?! — gritava a paladina. — Você consegue nos ouvir?!

Sieghart tirou as pedras do caminho. Eles permaneceram buscando por longos minutos, rocha por rocha, e nada dos fios vermelhos de uma certa espadachim.

Em um certo momento, Holy parou de procurar e fechou os olhos, esticando a mão. A falta de resposta da paladina fez Sieghart parar sua parte na busca.

— O que você tá fazendo, Holy?

Holy não respondeu. Ela fechou a mão esticada e abriu os olhos, bufando.

— Tentando achar a fonte de mana da Elesis, mas não consigo. Talvez ela não esteja aqui.

Ou significava outra coisa. Sieghart preferiu se negar qualquer uma das alternativas. Enfiou suas mãos raladas nas pedras, arrancando todas do caminho por simples teimosia. Já bastava o braço de Dio, o desaparecimento de Jin, a queda de Ronan. Era muita coisa para processar em tão pouco tempo.

Arrancou mais pedras do caminho, que então cortou sua mão. Olhou para a palma cortada, sem entender como uma pedra poderia fazer aquilo. Sieghart demorou a perceber uma lâmina sob as rochas.

— Hã, Holy...

Enquanto Holy se aproximava, ele tirou mais pedras. O sabre de Elesis foi revelado. Preso ao cabo, uma mão.

— Elesis?! — Sieghart gritou.

Ele se ajoelhou para tirar o restante das pedras. Holy se juntou para ajudar. No primeiro vislumbre dos fios vermelhos, eles se apressaram. Logo, puxavam Elesis pelos braços, arrancando seu corpo do buraco que tinha se colocado.

Sieghart carregou seu corpo até a arquibancada que Dio descansava. Ele conseguia sentir seu corpo frio, a falta de mana. Era uma luta pra não se desesperar.

— Como ela tá? — perguntou Dio.

Pôs o corpo de Elesis no chão. Pelo pulso, nada sentia.

— Hã — foi o único som que saiu de Sieghart. O nervosismo estava para domina-lo. — Holy?

A paladina tinha uma postura diferente quando se ajoelhou ao lado da espadachim e pôs seu ouvido contra o peito dela. Sieghart e Dio aguardaram por uma resposta, enquanto isso, percebiam a camisa manchada de sangue da espadachim. Não tinha como ela sobreviver a um ataque desses, muito menos após o tempo que ficou presa nas pedras.

— Ela tá viva!

Uma imensa surpresa. Holy desencostou a cabeça de Elesis, imediatamente esfregando as mãos com rapidez. A velocidade criou uma descarga de energia em sua mão.

— Afastem-se.

A energia azulada brilhava na sua palma. Holy se posicionou, então enterrou a mão no peito de Elesis. O corpo da espadachim balançou bruscamente.

No mesmo instante, Elesis se sentou, puxando todo o ar pela boca.

Holy colocou as mãos no rosto, surpresa e aliviada.

— Mas que...

Elesis não conseguiu completar. Faltava-lhe ar, muito mais ao ser abraçada por Sieghart pelo pescoço. Logo ele a soltou e a balançou pelos ombros.

— Bem vinda de volta, ruivinha!

Elesis estava prestes a rebater, porém jogou o corpo para o lado e deixou vomitar tudo que tinha no estômago. Sorridente, Sieghart olhou para Holy à procura de respostas.

— Eu usei uma descarga de cura. Só deve ser usado em casos extremos, então dei uma chance.

— O problema não é esse — comentou Dio. — Elesis, o que aconteceu?

A espadachim limpou os lábios com a mão. Ela e Dio compartilhavam da mesma feição exausta e pálida; quase mortos, mas longe de estarem vivos.

— Eu não lembro. A espada me atravessou e—

Os olhos de Elesis arregalaram enquanto observavam o portal no céu. Sua mente não conseguiu processar tanta informação. Apenas conseguiu voltar à conversa pela estalar de dedos de Sieghart diante sua face.

— Primeiro a gente, depois falamos disso.

— De onde saiu esse portal? — ela apontou, trêmula.

— De você — respondeu Dio.

A culpa foi absorvida no mesmo instante pela espadachim. Ela estava sem palavras, pois entendia o que tinha acontecido. Levou suas mãos à barriga, levantando a camisa e vendo que não havia nenhuma ferida no local.

Porém tinha uma cicatriz escura.

— Você disse que ela tinha sido usada como sacrifício — disse Sieghart, confuso. — Mas ela está viva. Como que o portal foi criado então?

— A minha teoria—

— Você só tem teorias agora?!

Dio olhou emburrado.

— É, é tudo que eu tenho! Desculpa se não tenho todas as respostas. — Sieghart engoliu a própria amargura. O asmodiano continuou: — A minha teoria é que Elesis morreu... mas voltou.

A espadachim se sentiu desconfortável pelos três olhares questionadores sobre ela. De forma teimosa, ela se levantou do chão. Sieghart ofereceu apoio e ela se negou a aceitar. Deu alguns passos tortos para o lado, mas conseguiu se manter de pé.

— Um dia antes, eu fui até o Lass e peguei uma quantidade de chamas pra mim — explicou com uma voz baixa, envergonhada. — Resumidamente, as chamas me trouxeram de volta.

— Movimento esperto — elogiou Dio, sorrindo.

— Eu só tive um péssimo pressentimento. E eu estava certa!

Elesis jogou a cabeça para trás e soltou um longo berro enfurecido.

— Cadê aquele puto do Pino?! Eu vou matar ele agora mesmo.

Sieghart se levantou, ficando no seu caminho.

— Uma coisa de cada vez, Elesis. Primeiro, temos que sair daqui e achar o Lass.

— O Lass? — O calor de sua raiva diminuiu. — Aconteceu algo com ele?

Dio se levantou também, apesar de precisar da ajuda de Holy com isso. Elesis então percebeu a falta de um braço seu.

— O responsável por isso deve estar atrás do Lass — ele explicou. — Das chamas. Você tem uma conexão com o Lass e deve ser mais fácil achar, então lidere o caminho.

Elesis não estava inteiramente bem para uma missão. Suas pernas tremiam porque não tinham mais forças para mantê-la de pé. A cicatriz em sua barriga queimava, de dentro pra fora. Ela queria vomitar mais. Se procurava por razões para não lutar, ela tinha milhares.

Mas era por Lass. Elesis pegou seu único sabre do chão, guardando-o no cinto. Não precisou de palavras para demonstrar sua resposta.

Eles a seguiram.

***

Ter morrido não parecia ter sido a pior coisa que aconteceu com Elesis. Bem, não nesse dia. Sendo honesta consigo mesma, ela nem tinha percebido a morte. Tudo aconteceu tão rápido que sua mente ainda estava no torneio, em todo o momento antes de ser apunhalada. Era difícil para Elesis se reconciliar com a realidade atual.

Ela precisava aceitar que Ernas estava desabando por culpa dela. Era frustrante. Só não explodia de raiva porque descontava nos dragões que entravam no seu caminho.

— Elesis.

Ela olhou para o sabre em mão, coberto por um sangue escuro e espeço. Seus lábios apertaram. O único sabre.

— Elesis, deixa com a gente — dizia Sieghart, guardando a soluna. — Você precisa guardar energias.

Elesis olhou para eles, todos cansados como ela. Dio nem mesmo conseguia acompanhar o ritmo de passos deles. Este era um grupo de fracassados.

— Dio, esse cara que você falou — disse a espadachim. — Quão forte ele é?

Dio enxergava suas intenções.

— Você morreria para ele, Elesis.

— Hum.

Ela cruzou os braços. Decidida, jogou os braços pro lado.

— Não custa tentar.

Dio não conseguiu conter o sorriso.

— Eu nem sei porque te aviso sobre isso.

Era um pouco estranho para Elesis ver o estado tão passivo do asmodiano, principalmente por tudo que acontecia. Sem um braço, ele continuava a ficar pálido e olheiras escureciam sob seus olhos. Preocupação a atingia.

Mas tudo preocupava Elesis. Não era só Dio, era Sieghart e Holy também, que estavam dando o melhor para protege-la. Além disso, suas amigas. Ronan também. Sieghart se negou a falar sobre ele, e pela reação cabisbaixa de Holy, ela tinha uma noção do estado do líder de Canaban.

Elesis apertou com força o cabo do sabre. Exerceu mais força até sentir suas palmas doerem. Foco, era disso que ela precisava.

Então o universo a ouviu.

As chamas azuis surgiram numa explosão na rua ao lado. Elesis foi a primeira a se mover, talvez antes mesmo de percebe-las. Ela pediu para as próprias pernas aguentarem o ritmo por mais um pouco, desejando que não caísse por uma simples questão de cansaço. Depois elas podiam descansar, agora, não.

Metros à frente, avistou as chamas em volta do corpo de Lass. Elesis sorriu, puro alívio anestesiando suas dores. Mais alguns passos e ela parou bruscamente.

O sorriso de Elesis diminuiu, trocado pela expressão confusa. Lass se virou. Ela não ficou surpresa de ver as chamas no controle, mas ver o estado que ele se encontrava.

— Lass? — Sieghart perguntou, parando ao lado dela. — Por que...

Ele estava apenas de cueca, embora parte do corpo estivesse coberto por uma poeira preta. O cabelo escuro começava a ter a coloração branca de habitual.

— Elesis! — As chamas falaram. — Que bom te ver viva.

— O que... o que você fez com o Lass?

As chamas se aproximaram. Elesis percebeu a vergonha de Holy, virando o rosto rubro da imagem semi-nua de Lass.

— Eu queimei, sem querer. Era isso ou ser pego pelo asmodiano doido.

Dio andou adiante, curioso.

— Que asmodiano?

— O mesmo que fez isso — as chamas apontaram para o próprio peito, coberto por cinzas escuras e uma longa cicatriz que terminava de se fechar.

Elesis arregalou os olhos. Devagar, com receio, ela pôs a mão no peito de Lass. Nunca pensou que veria o corpo do ninja ter problemas para se regenerar.

— Apenas a eclipse é capaz de fazer esse estrago — mencionou Dio. — O que significa...

— Eclipse? — Sieghart olhou espantado. — Espera! Tá dizendo que o Duel atacou o Lass?!

As chamas estalaram os dedos.

— Duel! É, ele mesmo. Pelo que sei, ele tá me querendo.

— Por que ele quereria você? — perguntou Elesis. — Eu sei que muitos querem seu poder, mas o Duel? Ele nunca se importou com isso.

As dúvidas da espadachim surgiam pelo medo. Ter Duel no time inimigo a assustava. Era uma sensação similar de enfrentar Cazeaje outra vez.

Elesis ficou sem ar. Usou os joelhos para se apoiar, tentando não desabar pelas pernas trêmulas.

— Provavelmente ele esteja junto com aquele cara do castelo — continuou as chamas.

— Cara do castelo? — perguntou Sieghart.

— É, ele deve ser um asmodiano, algo assim. Ele ficou parado no topo do castelo, só olhando.

Elesis se sentou no chão. Suas pernas doíam.

— Deve ser o Nellus — comentou Dio. — Agora é descobrir o plano dele. Pelo visto, envolve nos enfraquecer tirando as chamas do nosso time.

Lass e as chamas era peça mais forte que eles tinham. Por mais que isso ferisse o orgulho de Elesis, era a pura verdade. Sem Gerard e Astaroth nesse mundo, Lass facilmente se destacava pelas chamas.

A espadachim se levantou, enfim com a respiração controlada.

— Ok, devolva o Lass. Agradeço por ter ajudado.

As chamas sorriram.

— Não, eu gosto de ficar assim. — Elesis fechou os punhos. — E não acho que você vai querer que eu devolva o Lass agora. Ele só está vivo porque eu estou no controle, fechando esse buraco.

Apontaram para a ferida do peito. Elesis concordou, mas discordou de sua concordância. Ela quis debater, mesmo sabendo que era idiotice fazer isso.

— Então...

A voz de Holy saiu baixa e trêmula. As chamas a olharam, desdenhosas. Isso fez a paladina se esconder atrás de Sieghart.

— Vo-você pode derrubar o Berkas?

Berkas estava quieto, mas ainda sentiam sua presença tomar conta de uma grande parte da cidade. Elesis ainda não tinha decidido como reagir ao dragão de tamanho colossal.

— Eu posso.

Direta ao assunto. Eles olharam surpresos, provavelmente esperançosos dada às circunstâncias.

— Mas não vou. Estou usando o corpo do Lass já faz bastante tempo e ainda tem isso — colocaram a mão sobre o peito. — Para matar o Berkas, eu precisaria estar 100%, o que não é o caso agora.

As chamas ergueram o braço. Elesis arregalou os olhos ao ver a pele de Lass descascando, desmanchando-se como poeira. Ele estava chegando num limite.

Ela teve medo que o menor vento fosse o assoprar para longe. Portanto, segurou a mão de Lass, apertou seus dedos. O calor queimava sua palma, mas apertou com mais força.

Elesis não queria se soltar dele. Mesmo quando a explosão arremessou seu corpo para longe, ela tentou o possível para não se soltar dele.

A espadachim atravessou uma janela de um prédio.

Sieghart foi o primeiro a ser erguer após o ataque. Dio e Holy continuaram caídos, Elesis não estava à vista e as chamas estavam presas num cubo de energia. Ele olhou para o alto e percebeu o mesmo garoto de antes. Era ridículo de tão poderoso que ele era.

Antes que Sieghart pudesse atacar, as chamas balançaram a mão. O cubo que lhes prendiam explodiu.

— Vocês estão ficando chatos com isso.

O garoto disparou mais um ataque em seguida. Sieghart precisou se afastar para não ser acertados pelos raios de energia que caíam como meteoros sobre as chamas. O chão estremeceu, pedaços de calçada voou para os lados. Sieghart temia não encontrar um corpo inteiro após aquele ataque.

Mas as chamas continuavam de pé. Sorrindo.

O garoto aterrissou no chão. Sieghart não tinha ideia de como intervir no combate. O mesmo ergueu a mão vazia, que foi esticada em direção às chamas. Por dentro, Sieghart gritava para se mover, usar a soluna com o ataque mais forte que tivesse. Seus pensamentos ocuparam muito do seu tempo e quando percebeu, o garoto fazia seu próximo movimento.

Ele deu um tapa no ar. Nenhum raio ou energia saiu disso, mas um gás roxo que voou diretamente contra o rosto das chamas.

— Você acha que isso—

Elas se engasgaram. As mãos seguraram a garganta enquanto desabavam sobre os joelhos.

Sieghart viu Lass deitar no chão. Era o Lass, não as chamas. Um gás poderoso que conseguiu tira-las do controle do corpo. Por isso ele tomou uma atitude, pois via que o garoto era mais poderoso do que pensava anteriormente. Muito mais poderoso.

O corte foi esquivado. Seu adversário deu um salto que passou sobre ele. Leve como se não existisse gravidade.

— Você é um Sieghart, não é? — o garoto olhou curiosamente, tão genuíno. — Um Highlander!

Sieghart apertou o cabo da soluna. O garoto sorriu.

— Como você sabe?

— Você tem essa energia... — ele sorriu. — Você é único.

As chamas rodearam Sieghart, sentindo-se ameaçadas. O simples olhar do garoto conseguia atravessar todas suas barreiras.

— Quem é você? — com muito esforço, ele sussurrou.

— Me chamo Veigas! Prazer... — seus olhos estreitaram. — Qual é o nome do cara que acha que pode me vencer?

Sieghart não desviou os olhos de Veigas, certo de continuar no lugar.

— Não sou eu que vou te vencer.

As sobrancelhas de Veigas se juntaram no mesmo momento que Elesis parou ao lado dele, punho fechado, e acertou um soco em sua barriga. A junção do berserk com suas chamas vermelhas fez Veigas desaparecer no prédio adiante, e nos próximos. Pelo que puderam ouvir, ele atravessou três construções consecutivos.

Elesis soltou a respiração e abaixou o punho machucado pelo ataque. Sieghart fez o mesmo ao se aproximar dela.

— Por que ficou conversando com ele?

— Foi mal, eu tava comprando tempo pra você.

Elesis não discutiu, correu direto para Lass enquanto Sieghart fazia o mesmo com Dio e Holy.

— Lass!

Ela se ajoelhou ao lado dele. O ninja resmungou algo, logo se remexeu e abriu os olhos. Olhos azuis.

— Você tá bem?!

— Elesis... — ele olhou para os lados, desorientado, então se forçou a se sentar. Elesis o ajudou. — Por que eu só tô de cueca?

— Eu não sei, pergunta depois as chamas. Como tá indo?

Lass reservou esse momento para entender o que acontecia. Sieghart, Dio e Holy estavam adiante, todos com semblantes cansados e corpos lentos para se mover. Ele pôs a mão no próprio peito, lembrando do ataque de Duel. No lugar do corte, uma longa cicatriz que parecia chegar ao seu fim, sem mais regeneração.

Assim olhou para Elesis. Ela estava diferente, um cansaço além dos demais. Era a primeira vez que via olheiras na espadachim, que apesar disso, mantinha um sorriso de alívio.

— Consegue ficar de pé? — ela perguntou. — Precisamos seguir em frente.

— Me dá alguns segundos.

Elesis assentiu e se ergueu. Porém paralisou, voltando os joelhos no chão. Foi um movimento muito natural, nem mesmo Lass percebeu.

Ela fitou suas pernas, vendo as panturrilhas tremerem. Se Elesis conseguisse andar mais alguns metros nesse estado, seria um tipo de milagre.

— A gente precisa ir logo! — exclamou Dio. — Vamos, levantem.

Elesis inspirou fundo, apoiou as mãos nas coxas e se ergueu. Conseguiu. Alguns passos para o lado e ela estendeu a mão para Lass. Por um momento, achou que voltaria ao chão ao erguer o ninja, mas também se manteve firme e não se deixou levar pelas dores.

Lass permaneceu no lugar enquanto ela se afastava em direção a Sieghart.

— Algum plano, Sieg?

Seus olhos prateados apenas lamentaram. O que ela esperava? Alguma ideia repentina? O único plano era seguir em frente, voltar para o colégio. Mesmo sendo tão simples, ainda exigiria muito deles.

Elesis se voltou para Lass. Nisso, o tempo congelou, segurando seu corpo no lugar enquanto via o dragão voar contra o ninja. Ela abriu a boca, mas nenhum som saiu.

O dragão abocanhou Lass por inteiro e voou. O tempo retomou ao normal, junto com o berro de Elesis. Todos se alertaram, assustados com a passagem da criatura.

— Lass!

Elesis correu o que pôde. Quando deu o salto, seus pés quase não saíram do chão e ela caiu pateticamente. Ela se reergueu, tentou dar mais um salto. Seu corpo não ousava sair do chão. Fraca, incapacitada de fazer algo tão simples.

Dio e Sieghart tinham o mesmo olhar. Holy nem tinha levantando do chão ainda. Ninguém alcançaria o dragão.

— Elesis — Sieghart a chamou. — Não consigo, meu joelho...

Lágrimas escorreram da espadachim.

— Me acerta — ela sussurrou.

— O quê?

O desespero apertou sua carne e a torceu. Elesis fechou os punhos.

— Me acerta com as chamas roxas, eu vou conseguir.

— Hã?! Não mesmo!

— Elas vão me dar energia! Vamos, a gente — ela olhou de relance e viu o dragão se distanciar. — Vamos! Me acerta logo!

Ele negava com o silêncio. Elesis rugiu, desesperada e furiosa. Sieghart negou, os olhos vermelhos.

— Sieghart, por favor!

Então ele moveu a mão. As chamas roxas acertaram-na pelas costas. Elesis berrou, inclinando-se para frente. A queimação entrava em sua pele, rasgando o interior do seu corpo. Pareceram horas, porém foram segundos para se habituar.

Elesis estremeceu. Uma sensação reconfortante de rever alguém que não via há anos.

Bem-vinda de volta, chamas roxas.

Elesis correu. Ganhou velocidade em instantes, diminuindo a distância entre ela e o dragão. O calor das chamas anestesiava suas pernas, afundando seus pés no chão a cada passo.

Contra o vento, ela sentiu o cabelo mudar de cor. Os fios vermelhos escureceram, totalmente pretos.

Elesis afundou os dois pés no chão. O peso descomunal do cansaço quase a derrubou, mas ela lutou contra isso. Deu o salto, o vento violento batendo em sua face. Uma trajetória perfeita até o dragão.

Elesis estendeu a mão, pronta para se agarrar na criatura.

Perto, algo a empurrou. A sola de sapato empurrou seu rosto, zerando completamente sua velocidade de subida. Agora apenas havia queda.

De olhos arregalados, Elesis viu Veigas flutuar.

— Não vá se achando, garota.

Veigas voou atrás do dragão. A espadachim caiu, ficando cada vez mais distante. Até tudo escurecer.

Elesis abriu os olhos. Não tinha mais queda, mas tinha dor por todo seu corpo. Ela se moveu no buraco que fez no chão.

— Elesis!

Sieghart foi o primeiro a entrar no seu campo de visão. Pouco enxergava, a vista borrada por lágrimas que não paravam de vir. Ele repetia sem parar que estava tudo bem, que ela deu o melhor que pôde.

Nada disso valia. Mesmo derrotada, Elesis persistia em se erguer contra as dores lancinantes. Entretanto, não tinha muito que podia fazer enquanto não conseguisse sair do chão. Ela se deixou cair novamente. Sem mais lutar, sem mais se desesperar.

Elesis se deixou ir. A pele queimando pelas manchas da chama roxa, ela sentiu sua conexão com Lass começar a desaparecer.


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Notas finais do capítulo

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