Fotos Na Parede escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
O homem, a garota e a caixa azul


Notas iniciais do capítulo

Me deu vontade de fazer um crossover entre as duas séries, e saiu essa coisa aleatória. Quem me acompanha aqui no site deve ter percebido que eu sou adepta do "Coloque qualquer ideia no papel, não importa o que seja".



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Havia muitas fotos coladas nas paredes sobre as mesmas coisas. Um homem alto de cabelos brancos, uma cabine azul de polícia e uma garota de cabelos escuros. Essa última estava presente na maioria das fotos. Era curioso, pois ela quase sempre parecia saber que estava sendo fotografada. Quando não estava acenando para a câmera, estava fazendo poses como se fosse uma estrela diante de um paparazzi.

Sherlock tinha gastado as últimas semanas analisando cada movimento das duas pessoas na foto. O vai e vem suspeito deles não tinha passado despercebido pelos seus informantes e ele decidiu investigar.

De início, era um modo de passar o tempo, pois todos os casos que apareciam não eram um terço interessantes, e ele havia resolvido vários deles em cinco ou seis minutos.

Depois, com um tempo, o interesse no caso se tornou um pouco obsessivo. Ele conhecia aqueles rostos, suas manias, seus hábitos e estilos, mas não seus nomes ou de onde vinham. O homem das fotos estava quase sempre sério como um professor rígido cheio de tédio. Ele parecia falar rápido demais, mal deixando as pessoas acompanharem. Isso ele tinha em comum com Sherlock.

Se o homem fosse um professor, a garota seria sua aluna. Ela parecia mudar de estilo de acordo com seu humor e uma vez o surpreendeu aparecendo com os cabelos cor de rosa. O visual não durou muito. Ela era animada, ao contrário do “professor" e andava saltitante às vezes, parecendo usar seu bom humor como um modo de irritá-lo ou provocá-lo. Até onde o detetive pode ver, isso funcionava na maioria das vezes.

—Encarando as fotos de novo?-John perguntou, surgindo na sala. -Você deve tê-las decorado.

—Essas são novas. -Apontou para umas fotografias na parte de baixo de seu mural improvisado. -A garota apareceu com alguns machucados visíveis e estava discutindo com o homem.

—E você deduziu que...?

—Ela pode estar em risco. Vítimas de sequestro não fogem de seus sequestradores quando se apegam a eles.

—Você está tentando achar um motivo pra fazer disso um caso. E isso não é. Provavelmente são avô e neta visitando Londres e ela foi atropelada por um táxi.

—Um táxi?

—É mais comum do que você imagina. E você mesmo disse que ela vive tropeçando e passando na frente dos carros sem ver.

—Ela teria ido à um hospital. -John suspirou.

—E você checou cada um deles.

—Exatamente. Ela não esteve em nenhum. Pessoas atropeladas vão à hospitais.

—Sherlock...

—Chequei lista de desaparecimentos recentes de garotas entre vinte e vinte cinco anos, mas ela não está nela. Talvez não seja de Londres, ou tenha sido sequestrada antes...

—Você não sabe se ela foi sequestrada...

—John...

—Eu vou dormir. E quando acordar amanhã é bom ter tirado todas essas fotos daí. Vamos arrumar um caso de verdade com Lestrade pela manhã. Entendido?-Sem resposta. -Ótimo. Foi bom termos falado disso. Boa noite. -E sumiu escada acima.

Sherlock olhou para as fotos uma última vez antes de pegar seu violino e ir para a janela. Ele tinha a noite toda para tentar resolver o caso e guardar as fotos antes que John acordasse. Era simples.

Tocou apenas algumas notas até parar abruptamente. Ele estava sendo observado lá de baixo. Abaixou o violino e olhou para a rua. A garota das fotos estava lá.

Largou tudo o que segurava e se apressou pela porta e pelas escadas até chegar na rua silenciosa. A garota nem tinha se mexido.

—Como me encontrou?-Sherlock perguntou, parando em frente à ela.

—Você sabe onde eu moro, achei que seria justo saber onde você mora.

—Eu não sei onde você...

—Bem, isso nem é importante.

—Quem é você?-A garota riu, como uma colegial boba apaixonada faria

—Esteve batendo fotos de mim todo esse tempo e não tem uma resposta? Eu sei que é um bom detetive. Fiquei curiosa e decidi pesquisar. Os casos que resolveu são muito bons. Eu sou um bom mistério?

—Não respondeu minha pergunta. -Riu de novo.

—Eu não preciso. Você vai saber por si mesmo em algum momento. -Começou a andar para longe. Sherlock foi pego de surpresa por alguns segundos. Ela estava simplesmente indo embora? Correu atrás dela, seguindo-a.

—Quem mandou você?

—Mandou o que?

—Você é uma distração? O que eu não deveria saber?

—Ah, você acha que eu estou com os caras maus. -Riu. -Não é a primeira vez. Ninguém me mandou. Na verdade me mandaram para o outro lado. Ele disse que eu não devia me aproximar.

—Ele quem? O homem das fotos?-A garota assentiu.

—Ele acha uma péssima ideia e me proibiu.

—De que?

—De cruzar as linhas antes do tempo. Eu só estava curiosa. Você não tem curiosidade sobre algo mesmo sabendo que não devia? Eu acho algo bem normal.

—Já entendi. Você fugiu de algum hospital psiquiátrico da região e ele está te escondendo. -Isso fez a garota rir de novo e parar de andar.

—Foi a coisa mais engraçada que já me disseram. Gosto de coisas engraçadas. -Coçou a lateral do nariz. -Você é do tipo que compra um anel pra uma garota?

—O que?

—Gosto de anéis. Não dos grandes, dos delicados, sabe? Tente se lembrar disso. -Voltou a andar.

—Quem é você?

—Você fez essa pergunta antes.

—E você não respondeu.

—Eu sequer sei se posso. Ele ia ficar muito zangado. Sua memória é muito boa?-Olhou pra ele. -Provavelmente é.

—Você é uma distração do Moriarty?

—Não gosto desse nome. Próxima pergunta?

—Não estamos jogando um jogo de perguntas e respostas.

—Se estivéssemos, quem estaria ganhando?-Se meteu na frente dela, impedindo seu caminho. -Você parece irritado.

—Excelente dedução. -Ela riu.

—Foi uma ironia, não foi? Eu gostei. Sabe, foi bom falar com você. Estava há uns dias pensando em como fazer isso e tinha até um plano de esbarrar em você de propósito e derrubar café no seu casaco, mas isso foi bem mais apropriado.

—Por que queria falar comigo?

—Você não tem curiosidade sobre coisas que não devia? Certas coisas devem acontecer quando tem que acontecer... Mas e se pudéssemos talvez adiantar ou dar uma provinha delas?

—Não faz sentido.

—Bem, talvez ainda não faça. É melhor eu ir antes que o Doutor se pergunte onde eu me meti.

—Você é mesmo uma paciente psiquiátrica. -Ela riu.

—Não passou nem perto, senhor Holmes!

Então saiu correndo. Sherlock não hesitou e foi atrás dela. A garota sabia se esquivar de respostas que deveria dar, mas ele não ia desistir.

Lá na frente, a garota entrou num beco. Quando ele a alcançou, ela estava entrando numa cabine azul e fechando a porta. Dessa vez ele hesitou, mas apenas para confirmar que era a mesma caixa que estava em suas fotos. “Você sabe onde eu moro”, ela tinha dito. “Achei que seria justo saber onde você mora". Não. Não era possível, era?

Se aproximou da cabine, parou por alguns segundos, tentando ouvir algum som, então empurrou as portas.

—Eu estava só caminhando!-A garota disse. -Parei pra ver uns vestidos de noiva... Nada de tão anormal.

—Então por que Sherlock Holmes está na nossa porta?

—Ele está aonde?-Se virou. -Ah... Ops.

—Sheila!-Ela deu de ombros.

—Ele me seguiu, o que eu podia fazer?-Escondeu uma risadinha. -Está ouvindo isso? Acho que é o cérebro dele superaquecendo.

—O que é isso?-Sherlock perguntou, mal sabendo para onde olhar.

—É a TARDIS.

—O interior é significativamente maior que o exterior, em dimensões totalmente impossíveis.

—Pode dizer “é maior por dentro do que por fora", todo mundo diz.

—É algum tipo de truque?-Olhou para a garota. -Você me drogou sem que eu percebesse com algum tipo de alucinógeno...

—A nave é maior por dentro do que por fora mesmo. Não é complicado.

—Por que você o trouxe até aqui?-O Doutor perguntou.

—Ele me seguiu.

—Não, você fez ele te seguir. Foi proposital.

—Por que acha isso?

—Por que você mal está se contendo de animação.

—Droga, você me conhece. -Riu. -Mas foi necessário. E ele vai entender quando explicarmos...

—Ele acabou de sair correndo.

—O que?-Olhou em volta. -Sherlock?

—O que é que você fez? Eu disse para...

—Não me aproximar dele. Ia acontecer na hora certa. Mas Sherlock só ia me conhecer daqui uns anos. E ele vai morrer em cinco dias. Isso não está certo, está? Como vou conhecer um homem morto?-Começou a sair da TARDIS.

—Você não devia...

—Ir atrás dele? Sherlock Holmes é o homem mais cético desse canto do universo. Se não tentar falar com ele agora, vamos vê-lo se internar numa clínica por achar que enlouqueceu.

—Sheila...

—Eu te convido pro meu casamento, fica calmo!-E saiu correndo.

***

Na sala do 221B, Sherlock estava arrancando todas as fotos da parede. Ele não queria pensar no que tinha visto, por que seu cérebro não tinha processado aquilo, e ele não achava que ia. Não conseguia dar um palpite ou deduzir o que era. Ia sumir com as fotos e esquecer o caso. Aquelas pessoas não eram reais. Caixas azuis não eram maiores por dentro do que por fora. Ele tinha certeza disso.

—Eu gostei dessas fotos. -Sheila estava na porta da sala. -Elas ficaram boas.

—Como entrou aqui?

—Aprendi a abrir fechaduras no YouTube. O que você viu...

—Não é, de nenhuma maneira, real. Você, a cabine e aquele homem são uma alucinação causada por uso contínuo de drogas que está afetando meu sistema...

—A gente viaja no tempo. O Doutor e eu. -Começou a andar pela sala. -E ele é um alienígena, mas não importa agora. Estávamos em Londres daqui uns cinco anos e eu descobri uma coisa. Meu eu alguns anos mais velho conhece um homem incrível. E inicia algo. Quando vi isso mal contive minha curiosidade e tive que saber mais. Infelizmente fomos embora antes que eu pudesse conferir pessoalmente. Mas então voltamos no tempo, pra esse tempo, o seu agora. E olha você de novo. Era a oportunidade perfeita para conferir em primeira mão o homem do meu futuro.

—Você...

—Teria sido apenas isso. Eu teria me aproximado de longe e só. Mas dois dias atrás eu descobri mais do que um futuro casamento. -Parou de andar, olhando pra ele. -De alguma forma sua linha do tempo deve ter mudado. Você vai morrer daqui cinco dias. -Olhou para baixo. -Eu não devia ter quebrado as regras, mas vim até você para impedir. Não por mim, sabe, por que no futuro vamos nos conhecer e tudo mais. Mas por você, por que não parece justo...

Um som de algo caindo. Sheila ergueu a cabeça, Sherlock estava caído ao lado do sofá, o Doutor de pé ao seu lado.

—Você o nocauteou?-Perguntou, assustada. -Doutor!

—Você contou a ele! O que eu disse sobre os spoilers?

—Não podemos deixá-lo morrer. Não importa que tenha batido nele, eu vou...

—Eu não bati nele. -Se aproximou dela. -Eu apaguei a memória dele sobre essa noite.

—O que? Mas...

—Não devia tentar apressar as coisas.

—Eu vou contar tudo pra ele depois. Não importa quantas vezes você...

—Não vai contar nada a ele, Sheila. -Suspirou. -Por que você também não vai lembrar...

***

ALGUNS ANOS DEPOIS

—... e até hoje me perguntam se eu sou enfermeira por que não consegui ser médica. Eu só olho e pergunto “Se ser enfermeira é tão fácil por que você não vai lá e faz meu trabalho?”. -As duas mulheres riram, terminando de subir as escadas.

—Eu não teria sua paciência. -Mary confessou.

—Devia me ver nos dias ruins. -Piscou.

—Como aquela vez em que você gritou com um novato?

—Ele estava atrapalhando meu trabalho.

—Ah, Sherlock. Aí está você. Vim buscar o John, ou ele não sai daqui hoje.

—Cozinha. -Apontou.

—Okay. Ah, essa é Sheila, uma amiga do trabalho. -Gesticulou para os dois. -Conversem, crianças, eu já volto. -Saiu da sala.

—Mary e John falam muito de você. -Estendeu a mão, apertando a do detive.

—Ah. -Murmurou. -Belos traços. -Apontou para o pulso dela. Havia uma tatuagem ali: uma cabine azul de polícia.

—Obrigada. Eu desenhei, faz uns anos, e acabei decidindo tatuar... Sem nenhum motivo específico. Talvez eu seja impulsiva.

—Talvez. -A mulher riu, então olhou em volta.

—Belo apartamento. Estive procurando por alguns semana passada, mas todos péssimos. Assim vou acabar morando no trabalho. Afim de ser colega de uma enfermeira? Eu sou muito organizada.

Sherlock abriu a boca para recusar da maneira mais educada que sua mente poderia formular, mas foi interrompido por um som estranho, vindo lá de baixo.

—O que é isso?-Sheila perguntou, passando por ele e indo para a janela. O detetive a seguiu, ambos lado a lado.

Lá na rua, uma cabine azul de polícia se materializava aos poucos, vento espalhando alguns papéis para longe.

Confusão e finalmente reconhecimento estampou a expressão de Sheila, como se lembrasse de algo que tivesse esquecido.

—Doutor. -Sussurrou. Sherlock olhou para ela, mas a mulher já estava correndo para fora.

O detetive continuou parado ali, pequenos lampejos de memória perturbando seu perfeito Palácio Mental.

“-Quem é você?
—Esteve batendo fotos de mim todo esse tempo e não tem uma resposta?”

Piscou, confuso. Sheila. Ele a conhecia. Na lembrança ela era mais jovem, mas era ela. Fotos suas estiveram na parede por semanas, junto com as de um homem estranho e uma caixa azul, até que ele repentinamente as tirou de lá e nunca mais pensou nisso de novo.

“Eu sou um bom mistério?”, ela havia perguntado.

Sherlock a viu cruzar a rua até a caixa azul, então se virou e foi atrás dela.

A resposta, claramente, era sim.


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Notas finais do capítulo

Escolhi o nome Sheila por causa da música Sweet Little Sheila, do Modern Talking.
Bem, tem umas respostas que não estão aí. Sheila realmente ia casar com Sherlock ou era exagero? O que mais ela viu?
Em cinco dias, na verdade, não era a morte de Sherlock, e sim aquela tretinha Sherlock vs Moriarty e Prédio.
Acho que é isso. Coisas aleatórias no meio da madrugada.
Até mais!

P.S.: sim, eu deixei muitas coisas de fora por que eu quis, é isto. Privilégios de autora, meus anjos!



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