A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 7
06: Kokkuri-san Kokkuri-san você está aí?


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos de volta!
Como é o mês do Halloween eu queria perguntar: vocês já ouviram falar na brincadeira de Kokkuri-san? É um tipo de versão japonesa da brincadeira do copo. XD

Glossário:

Genkan: Área da casa, posicionada à entrada, onde se deixam os calçados antes de entrar;

Torii: Portal tradicional japonês de origem xintoísta que geralmente é feito de madeira e pintado de vermelho, que simboliza a entrada em um lugar sagrado;

Grous: são um tipo de pássaro elegante com pernas compridas e penas geralmente cinzentas, eles são semelhante às garças.



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Higanbana era supostamente uma cidade pequena de interior, mas conhecendo-a um pouco se parecia muito mais com uma série de vilarejos interligados por estradas e grandes campos do que propriamente uma cidade, ainda que Gintsune a achasse duas vezes maior que o necessário para um lugar com aquele número de habitantes, e isso emprestava a ela um ambiente quase sempre aparentemente desértico.

Ele estava agora descansando nos limites entre um desses grandes campos verdes de lírios aranha ainda não florescidos e uma estrada vazia, e do outro lado da estrada, descendo uma curtíssima ladeira coberta de grama havia um rio, e mesmo o verão já tendo praticamente acabado tudo ainda exibia os verdejantes tons da estação, desde o campo ainda não florescido de lírios aranhas, à grama na ladeira que descia ao rio, às folhas do bordo japonês ao qual pertencia o galho sobre o qual ele estava deitado agora.

É certo que Gintsune divertia-se muito se misturando entre os humanos, mas às vezes era bom apenas ficar vadiando por aí, deitado em algum canto fumando seu cachimbo de cabo longo, apenas apreciando a brisa refrescante e o sol da manhã.

Nessas ocasiões ele preferia ficar no plano espiritual para assim não ser incomodado por humanos.

Soprava a fumaça do cachimbo para o alto quando Yukari passou andando exatamente ao lado da árvore na qual estava.

A frequência com a qual ela saia parecia estar aumentando ultimamente.

Usava uma blusa branca de mangas curtas e gola de marinheiro cinza chumbo, com um lenço vermelho, saia cinza chumbo de pregas até os joelhos, meias brancas e sapatos pretos tão bem lustrados que podiam servir até de espelho,  também carregava uma pasta nas mãos, exatamente igual a tantas outras garotas que Gintsune vira logo quando chegara à cidade.

Guardando o cachimbo dentro do quimono Gintsune saltou para o chão — atravessando para o plano físico no processo.

—Yukari! — chamou erguendo o braço para acenar.

Por menos de um segundo ele teve a impressão de vê-la hesitar em seu caminhar, mas antes que pudesse ter certeza ela seguiu em frente sem sequer olhar para trás.

Estranhando aquilo Gintsune olhou as próprias mãos, perguntando-se por um segundo se havia realmente atravessado à fronteira entre os planos espiritual e físico, mas ele tinha quase certeza que ela o escutara.

Em dois saltos Gintsune colocou-se a caminhar atrás dela e tentou mais uma vez:

—Yukari que roupas são essas? — perguntou — Eu vi um monte de garotas usando roupas exatamente iguais a essas, ou com pequenas variações, quando cheguei, mas depois elas começaram a ficarem mais raras, mas eu não tinha visto nenhuma na última semana então achei que tivesse sido alguma moda passageira, só que agora você está vestindo isso de novo, então fiquei curioso, está voltando à moda ou você só é cafona mesmo?

Dessa vez nem houve hesitação em seu caminhar, e Yukari apenas continuou a seguir em frente, Gintsune fez uma careta, esticou uma mão e agarrou uma de suas tranças.

—Oi! — chamou.

Com a cabeça repentinamente puxada para trás Yukari finalmente parou e virou-se para olhá-lo por cima do ombro, não disse nada apenas afastou sua mão com uma tapa e voltou a caminhar.

—Você está brava comigo, é isso? — ele coçou a cabeça ainda a seguindo — É porque eu roubei o saquê do seu pai? Por que eu te segui até a casa da sua amiga? Por que eu assombrei vocês? Por que comi o bolo e acusei você? Por que enganei suas amigas me passando por Kokkuri-san? Ou porque tapeei sua família para lavarem minhas roupas?

—Óbvio que é por tudo isso. — ela resmungou dobrando a esquina no ponto em que o campo de higanbanas não florescidas terminava.

E isso foi o máximo de resposta que ele conseguiu dela.

Gintsune já estava habituado a ser amado e/ou odiado por humanos, afinal esse era seu principal passatempo, e também a ser temido por youkais, ou simplesmente a estressar alguns — especialmente tengus, diga-se de passagem —, mas com certeza não a ser deliberadamente ignorado.

Um rapaz usando camisa branca de mangas curta, calças sociais pretas, e sapatos pretos tão lustrados quanto os de Yukari passou pelos dois pedalando em uma bicicleta.

Três manhãs antes Gintsune havia entrado no quarto de Yukari pouco depois do raiar do dia.

—Yukari... Yukari... Yu-ka-ri.

Ainda de olhos fechados Yukari franziu o cenho sentindo algo pesar sobre suas pernas, e um hálito quente cheirando a álcool soprar em seu rosto enquanto alguém a chamava.

Ela abriu os olhos e deparou-se com a raposa, estava sentado sobre suas pernas, inclinado sobre ela com uma mão de cada lado de sua cabeça, Yukari colocou as mãos em seus ombros e o empurrou de lado de forma que ele estatelou-se de costas no chão.

—Francamente, por que você continua reagindo assim? — ele reclamou se sentando. — Achei que já havia entendido que eu não vou te comer.

Um travesseiro o atingiu na cara.

—Não suba na cama de uma garota enquanto ela dorme sem a permissão dela, isso é assédio! — ela reclamou, embora parecesse muito mais aborrecida do que propriamente irritada, como se, mesmo contra a vontade, já estivesse se acostumando com aquela situação.

—Caramba, de manhã cedo e você já está ranzinza desse jeito. — ele suspirou. — Mas será que posso lhe fazer uma pergunta?

Yukari o olhou de forma desconfiada.

—O que?

—Para que serve um preservativo? — ele perguntou de repente, e antes mesmo que Yukari pudesse piscar, disparou a falar sem sequer parar para respirar: — Algumas das mulheres com quem eu saí me perguntaram se eu tinha algum, eu não tinha, mas algumas tinham e uma delas começou a rir porque eu não sabia o que era e depois eu vi que era a mesma que os caras com quem saí colocavam, eu coloco... Mas para quer serve? Achei que fosse algum tipo de brinquedo novo criado por vocês, humanos, mas parece que tem algum tipo de funcionalidade...

A esse ponto o rosto de Yukari já havia se tornado tão vermelho que estava a ponto de entrar em ebulição.

Mais um travesseiro o atingiu na cara.

—Não venha perguntar esse tipo de coisa a uma adolescente! — reclamou agora sim parecendo irritada, e muito constrangida, fugindo e saltando pela borda da cama — Pervertido! Estúpido! Libertino!

Ela saiu e fechou a porta.

E Gintsune ficou olhando a porta fechada pela qual Yukari saíra, de todos os humanos com os quais ele se encontrara desde que voltara àquele mundo, ela era definitivamente a mais estressada, mas também era a única que conhecia a sua verdadeira natureza como raposa, e visto que aquele camaradinha na pousada se recusava a falar com ele e até fugia e o evitava como se ele fosse algum tipo de praga — mas, olhando pelo seu ponto de vista realmente era isso que Gintsue deveria ser para ele — e Gintsune se recusava a se misturar com aquela ralé que havia pelas ruas, Yukari continuava a ser sua única opção para conversar, por isso ela não tinha mais opções exceto se habituar a ele.

Bom que seja, se ela não ia lhe dizer coisa alguma mais tarde ele poderia ir até a biblioteca e procurar as informações por si mesmo, mas por hora ele apenas ia ficar em sua forma de raposa e dormir em algum dos quartos da pousada, já que havia passado quase a noite toda acordado bebendo sozinho.

Adentrando o mundo espiritual em forma de raposa, Gintsune saltou a janela.

Sempre que se recolhia em algum quarto da pousada para dormir não demorava muito e ele já ouvia a porta de correr abrindo-se — só um pouquinho — e então Gintsune sabia que aquele camaradinha o havia encontrado novamente, ele sempre o encontrava afinal, devia estar naquela pousada há décadas por isso a conhecia muito bem.

Provavelmente Yukari e o resto de sua família não tinham ideia disso, mas em sua pousada, vivia um Zashiki Warashi, um pequeno youkai com rosto e corpo de criança que habitualmente vivia em pousadas e hotéis, e, em algumas raras vezes, em casas privadas — daí seu nome “criança do quarto” —, trazendo boa sorte e fortuna aos seus proprietários, ninguém sabia o que eram ou de onde vinham exatamente os Zashikis Warashis, diziam alguns que eles eram pequenos deuses da sorte, outros que eram espíritos de criança, tudo que se sabia com certeza é que eles migravam de lugar em lugar, escolhendo sua próxima morada de forma aleatória, mas sempre levando riqueza aonde quer que fossem... E os falindo imediatamente no momento em que deixavam o local.

Logo, para uma criatura que trazia boa sorte e fortuna — apesar de que a família de Yukari não era particularmente abastada mesmo com aquele camaradinha parecendo viver lá já há algum tempo — era apenas natural repelir uma criatura como Gintsune, que roubava comida, usava os banhos e os quartos sem pagar e atormentava os moradores, como um estorvo ou uma verdadeira praga, então geralmente quando ele aparecia a raposa fingia não notá-lo, até que o camaradinha se retirasse por conta própria, com expressão carrancuda de quem mal podia esperar para ele ir embora.

É claro que, uma vez ou outra, Gintsune ainda tentava alguma aproximação com ele, certa vez enquanto se banhava e ele apareceu o convidou para tomar banho junto, noutra ele estava jogando pedras e as vendo quicar no lago de carpas do jardim interior daquela pousada e o convidou para brincar, e ainda na noite passada o convidou para beber junto de si, mas em todas as ocasiões aquele menino saiu correndo.

Zashikis Warashis eram de uma natureza extremamente pacifica — beirando ao á covardes — e Gintsune sabia que se realmente o assustasse — algo que não seria difícil — ele simplesmente abandonaria o lugar sem olhar para trás, então nunca tentou uma aproximação maior que isso, porque seria extremamente problemático se o pequenino abandonasse aquele lugar, pois a pousada faliria e a raposa teria de procurar outro lugar cômodo o bastante para morar.

Naquele dia, porém, quando Gintsune recolheu-se para dormir não foi o som da porta se arrastando que ele ouviu, foi a voz de uma garota humana do lado de fora, e claro, aquilo era uma casa de banhos, então era natural humanos indo e vindo frequentemente ali — embora não tanto na parte da manhã —, mas então ele ouviu Yukari responder:

—Kaoru! Vamos indo.

Sem nem dar tempo à amiga de compreender o que acontecia, Yukari correu até ela pegou-a pelo pulso e puxou-a de volta para a escadaria que ela acabara de subir.

—O que? — Kaoru se confundiu — Mas eu pensei em cumprimentar a titia e sua família...

—Não precisa, vamos. — Yukari apressou-a escadas abaixo.

Nem pensar que ela deixaria Kaoru se aproximar da casa ou da pousada e a deixaria as vistas daquela raposa! Não depois de todas as histórias sobre seus encontros — com ambos os sexos! — com as quais ele a atormentara!

Antes de irem para a casa da representante de classe, Yukari e Kaoru decidiram que seria melhor passar na casa de Aoi-chan primeiro, para que assim pudessem ir todas juntas de uma vez.

Aoi-chan morava numa rua perto de um dos maiores pontos turísticos da cidade durante o outono: o campo de higanbanas, e ela era uma menina tímida, gorda e quieta, com um rosto pálido e rechonchudo como um bolinho de arroz, cuja mãe trabalhava como balconista em uma confeitaria perto de casa e às vezes alugava um quarto nos fundos.

Precisaram passar na confeitaria onde a mãe de Aoi-chan trabalhava para buscar algo que ela lhes tinha preparado, antes de finalmente pegarem o ônibus para a casa da representante, porque embora Higanbana fosse uma cidade ridiculamente pequena que pudesse ser rodeada inteira de bicicleta — já que a maioria dos habitantes ali não tinha carro próprio — em algumas poucas horas, às vezes era necessário pegar um ônibus.

Quando chegaram, a representante estava sentada em frente de casa, usando regata e shorts curtos e tomando um picolé.

Ela levantou-se quando as viu.

—Então vocês vieram.

Ao contrario do que se podia esperar de uma representante de classe, Kanae Aiha não era uma garota rígida que comumente se vê como o “exemplo de aluna colegial a ser seguido” — na verdade, se víssemos por esse aspecto Yukari se encaixava muito mais nessa descrição — mas sim uma garota bonita e popular de quem todos gostavam, — daí ela ter sido escolhida como representante de classe pelo resto da turma — tendo longos e finos cabelos castanhos lisos, pele clara, e olhos castanhos, ela parecia transmitir algum “ar de cidade grande” como se, de alguma forma, a sua imagem destoasse um pouco daquela cidadezinha de fim de mundo, apesar de ela ser nascida ali.

Aoi-chan se adiantou.

—R-representante, eu, hum... Nós, para agradecer pela hospitalidade e pela gentileza trouxemos isso. — ela estendeu a caixa com o bolo — Nós somos quatro, mas quatro não é um bom número, então há cinco fatias e hum... Quem acabar primeiro pode ficar com a última fatia.

A representante olhou para a caixa.

—Sim, obrigada. — agradeceu aceitando o presente e abrindo a porta.

—Eu trouxe suas revistas, aquelas que me emprestou antes das férias. — disse Yukari.

—Gentileza sua. — ela respondeu — Entrem.

Elas entraram em fila indiana logo após a representante, cada uma murmurando “desculpe pela intromissão” conforme a medida que entravam e deixavam seus calçados no genkan.

A representante apontou uma porta à esquerda logo que elas entraram.

—Aqui é o banheiro. — avisou, e indicando uma porta mais adiante, à direita, continuou — A sala. — seguindo mais alguns passos pelo corredor ela apontou uma porta à esquerda — A cozinha, Ah, olá irmão.

Fora realmente um golpe de muita sorte que o sempre tão rígido pai de Yukari não houvesse perguntado se haveria homens lá, porque a representante tinha um irmão mais velho universitário.

Os dois tinham os mesmos cabelos e olhos castanhos, porém as semelhanças acabavam por aí, com cabelos revoltos, usando óculos, e parecendo desengonçado o irmão da representante não tinha nada da evidente beleza e popularidade que ela praticamente exalava, também ao contrário dela ele parecia ser exatamente o tipo de pessoa que combinava com uma cidade pequena daquelas.

—Olá... — ele cumprimentou

—Estou deixando esse bolo na geladeira, não coma. — avisou.

O irmão da representante as olhou.

—Suas amigas?

—Sim eu avisei que elas vinham. — a representante as indicou — Essa é Shibuya Yukari, e aquelas você já conhece, elas são Hongo Kaoru, e Nishiwake Aoi.

—Olá...

A representante cerrou os olhos para o irmão.

—Você não se lembra delas, não é?

—Desculpe...

—N-não tem problema. — Aoi-chan disse.

—Elas são as amigas que eu levei naquele dia ao karaokê. — a representante jogou os cabelos de lado — Mas claro que você não se lembra delas, só tinha olhos para aquela garota desconhecida, que você e seus amigos encontraram por aí. Chamaram-nos e sequer nos deram atenção!

O irmão passou a mão pelos cabelos deixando-os ainda mais revoltos.

—Por que você ainda está irritada com isso? Foi você mesma que disse para não darmos em cima das suas amigas, e nós pagamos a conta como combinado.

—Sim, sim, eu sei o que eu disse. — a representante gesticulou com uma mão como se aquilo não tivesse importância — Mas também não era para nos ignorar completamente! Mas que coisa, vocês que nos pediram para ir até lá, e acabaram nos ignorando totalmente por causa daquela garota, sabe como eu fiquei constrangida?

—R-reprsentante, está tudo bem, sério. — Aoi-chan tentou apaziguar.

—Sim, não foi nada demais. — Kaoru se juntou a ela.

E Yukari apenas assistiu quieta porque não tinha ideia sobre o que estavam falando.

—Ah, que seja. — a representante suspirou irritada saindo da cozinha e fazendo um gesto para que as garotas a seguisse — Apenas ignorem meu irmão idiota, por favor, ele está deprimido desde que reencontrou aquela garota uns dias atrás e ela sequer se lembrou dele.

—E está tudo bem com ele? — Yukari perguntou já no corredor.

—Não precisam se preocupar com ele, não é nada demais, afinal não é como se essa fosse a primeira vez que uma garota dá o fora nele. — a representante respondeu — E também ele nunca teve muita presença, é apenas natural que as pessoas não o notem ou se esqueça dele facilmente, ah este é meu quarto...

O que nenhuma das garotas percebeu, e tão pouco o rapaz, foi que não estavam sozinhos ali: através do plano espiritual uma grande raposa branca havia seguido Yukari desde a pousada.

A frequência com a qual Yukari saia de casa era quase nula, então quando Gintsune a viu saindo ele ficou curioso e simplesmente a seguiu.

Agora ele estava na cozinha sentado sobre as patas traseiras, observando aquele cara mover-se e inclinando a cabeça de lado tentando adivinhar se o conhecia ou não de algum lugar, já que, julgando pelo que as meninas estavam falando antes, os dois já haviam se encontrado... Mas logo depois perdeu o interesse e sequer percebeu quando o rapaz saiu da cozinha enquanto ele coçava a orelha direita.

Bocejando ele saiu em busca de Yukari, querendo saber o que ela e as amigas estavam fazendo, mas se decepcionou ao vê-las todas sentadas no chão reunidas quietas em volta de uma mesa.

—Ah, mas o que é isso? — reclamou bocejando entediado — A Yukari já é chata o bastante em casa, não me digam que ela saiu só para ser chata em grupo.

Nem uma delas podia escutá-lo, claro, e muito menos vê-lo.

Imperceptível para as garotas a raposa moveu-se pelo quarto rodeando-as alternando-se entre o sentido horário e o anti-horário, vez por outra observando entre um ombro e outro o que elas faziam.

De repente as meninas assustaram-se quando, do nada, Aoi-chan gritou curvando-se para frente com ambas as mãos sobre a orelha direita.

—Nishiwake? — a representante passou a mão em suas costas — Está tudo bem?

—É que... — Aoi-chan ergueu os olhos — De repente senti alguém soprar-me o ouvido.

As outras meninas a olharam.

—Alguém soprou no seu ouvido? — Kaoru perguntou — Quem?

Aoi-chan corou.

—N-não foi nada, desculpem por incomodar. Por favor, ignorem.

A representante pigarreou e todas voltaram ao trabalho, embora ela fosse a única que não estivesse realmente com algum dever de férias pendente, mas sim apenas corrigia o que as outras já haviam feito e ajudava com o que não tinham feito ainda.

—Ah, Nishiwake, Shibuya, vocês erraram a questão sete.

Yukari e Aoi-chan se inclinaram em direção à representante.

—Verdade? Onde? — perguntou Yukari.

—Aqui, estão vendo? — ela apontou — O resultado deveria ser 1520.

Ela parou e piscou.

As garotas a olharam

—1520? — repetiu Kaoru já pegando a borracha — Mas a minha deu apenas três...

A borracha foi tomada de suas mãos.

—Sim, sim está certo. — disse a representante, que fora quem lhe tomara a borracha — O resultado é realmente três. Desculpem. Por que eu disse que era 1520?

Ela franziu o cenho.

Nenhuma delas podia ver, mas atrás da representante, uma raposa sentada sobre as patas traseiras ria entre os dentes.

Coisas estranhas como essa continuaram a acontecer, poucos minutos depois Kaoru esticou a mão para pegar a caneta — que deixara de lado por menos de meio minuto — apenas para descobrir que ela havia sumido, e depois de muito procurar a descobriu em cima da cama da representante, mas não fazia a mínima ideia de como fora parar lá.

Resultados dos cálculos mais simples aos mais complexos eram confundidos e trocados o tempo todo, uma folha de papel saiu voando inexplicavelmente dando varias voltas no quarto até Yukari conseguir apanhá-la, sem que houvesse qualquer corrente de ar, Kaoru que se sentiu repentinamente cansada — dizia como se algo estivesse pendurado em suas costas — e por três vezes alguém bateu na porta, sem que ninguém estivesse lá quando a abriam, até que a representante gritou com o irmão para que parasse de interrompê-las. Que por sua vez respondeu que não sabia do que ela estava falando.

Perto das duas da tarde a mãe da representante chegou a casa e chamou todas para almoçar — nessa hora Yukari já estava olhando desconfiada para todos os cantos.

Quando voltaram de alguma maneira um corvo havia aberto a janela e entrado no quarto.

A raposa rolou de tanto rir do pânico em massa que aquele único passarinho causou naquela casa.

Lá pelo final da tarde, Aoi-chan desistiu:

—Eu não consigo, eu simplesmente não consigo compreender. — lamentou-se.

Yukari achou que ela fosse ruim em matemática, mas Aoi-chan a estava superando de longe, talvez fosse porque Aoi-chan sempre tinha vergonha de perguntar o que não entendia — na verdade matemática era a única matéria que faltava para ela terminar suas lições de férias.

—O que? Onde? Deixe-me ver Nishiwake... — a representante já se inclinava na direção de Aoi-chan.

Mas ela balançou a cabeça.

—Não... Vamos deixar assim. O professor Haruna é muito gentil e compreensível, ele é o menos assustador dos professores, tenho certeza que ele vai me perdoar e vai entender se eu não completar sua lição.

Nessa hora Yukari estava terminando o seu resumo para a aula de literatura sobre um livro que não lera, mas estava fingindo magnificamente bem que lera, graças aos resumos da representante, que era uma leitora ávida e uma visitante assídua da biblioteca publica da cidade e parecia ter como principal passatempo escrever longos resumos, resenhas e fichas técnicas sobre seus livros favoritos, ou ficar arrumando-os nas prateleiras... Mesmo quando a bibliotecária se irritava com ela por isso.

Não à toa ela fazia parte do clube de literatura do colégio, cujo qual uma das obrigações era ajudar na organização da biblioteca da escola.

—O professor Haruna é mesmo muito gentil. — concordou Kaoru ela havia acabado de começar a sua lição de Japonês. — Ele vai entender.

A representante passou a mão pelo queixo.

—O professor Haruna é realmente mais complacente que qualquer outro professor. — concordou — Tenho certeza que se for ele, não pegará tão pesado assim com a nossa querida Nishiwake-chan.

Completou puxando de leve a bochecha de Aoi-chan.

Kaouru riu concordando e Aoi-chan a acompanhou, ainda que meio envergonhada.

Já Yukari não tinha tanta certeza assim de toda aquela gentileza aparente do professor Haruna, as meninas apenas se deixavam enganar porque ele era jovem e bonito e sempre tinha um sorriso agradável a oferecer. O mesmo sorriso com o qual eles os brindava com excesso de dever de casa, os surpreendia com “divertidos testes surpresas” e os torturava com lendas velhas e repetidas da cidade, o mesmo sorriso com o qual ele sempre alegremente ignorava as reclamações dos alunos em qualquer uma dessas ocasiões também. Na verdade, olhando por esse ponto de vista, para Yukari o professor Haruna era até um pouquinho cruel.

Talvez ela tivesse um talento especial para isso, para enxergar por trás de rostos bonitos, quero dizer, afinal não era assim com a raposa? Ele tinha aquele rosto anormalmente belo com o qual enganava dúzias de pessoas todos os dias na cidade e ainda assim Yukari não deixava de enxergar a personalidade horrível que havia por debaixo de toda aquela beleza sobrenatural.

Mas se até a representante, sempre tão arrojada, se deixava levar pelo sorriso gentil do Professor Haruna, quem era Yukari para intervir?

—Muito bem, já que todas parecem de acordo vamos fazer uma pausa. — anunciou a representante espreguiçando-se — Vamos tomar um banho, e depois comer aquele bolo que está nos esperando na geladeira, ok?

As três concordaram acenando com a cabeça.

Ironicamente apesar da família de Yukari ser dona de uma casa de banhos... Ela sequer conseguia se lembrar da ultima vez que tivera um banho compartilhado.

A banheira não era grande como as da casa de banhos, claro, então se revezaram de duas em duas, esfregaram as costas umas das outras e... Simplesmente relaxaram, embora Aoi-chan não tenha conseguido tirar a toalha em nenhum momento, e só saíram pouco mais de uma hora depois quando a representante as mandou de volta para o quarto enquanto ela serviria o lanche.

As garotas ocuparam-se de empilhar os cadernos, livros e anotações sobre a cama para liberar a mesinha de armar até a representante trazer o bolo e o chá.

Sentaram-se cada uma em um dos lados na mesa com sua própria fatia e chá, e todas estavam de olho na fatia extra no centro, como se fosse um confronto.

—Eu geralmente não como bolo, então agora que estou tendo essa oportunidade vou aproveitá-la. — disse a representante limpando um canto da boca.

Mas quando as quatro se deram conta a fatia já havia sumido.

Elas piscaram

—Onde está? — perguntou Kaoru — Será que caiu?

Confusas começaram a olhar em volta quando, de repente, Yukari bateu as mãos nas mesas e levantou-se colocando-se sobre os joelhos.

—Eu preciso ir ao banheiro! — anunciou.

E antes que qualquer uma pudesse dizer alguma coisa a garota das tranças correu para fora do quarto.

E, como já era de se esperar, a raposa a seguiu pelo plano espiritual.

Quando Yukari entrou no banheiro e fechou a porta Gintsune simplesmente sentou-se em frente à porta e esperou, até que, graças a sua audição apurada a ouviu perguntar lá de dentro em tom baixo e controlado:

—É você, não é? Eu sei que está aí!

—Ora, ora, então ela já percebeu? — ele deu um sorriso de lado e entrou no banheiro.

Yukari estava de pé no meio do banheiro com os braços cruzados, de costas para a porta.

—Vamos, apareça! — ela continuava a dizer — Você me seguiu, não seguiu raposa?

—Ora, qual o problema Yukari? — ele perguntou rodeando-a, embora soubesse que ela era incapaz de vê-lo e ouvi-lo — Você é muito rígida sabia? Devia se divertir mais...

—Por que você não aparece? — Yukari ainda reclamava — Eu sei que está aí.

Ele podia se revelar se quisesse, é claro, mas estava se divertindo tanto ali... E não que Yukari pudesse expulsá-lo caso ele confirmasse a sua certeza, mas é que deixá-la duvidar da certeza parecia tão mais interessante...

—Eu quero que você nos deixe em paz, entendeu? Eu sei que está aí e pode me ouvir...

Ela ainda falava quando Gintsune deixou-a só no banheiro.

—... Tempo. — estava dizendo a garota de cabelos mais compridos quando Gintsune retornou ao quarto, ela estava sentada na beira da cama, com as pernas cruzadas — Hongo, para você só falta a lição de Japonês além dos trabalhos manuais, não é?

—Sim. — respondeu a de cabelos ondulados.

A primeira acenou com a cabeça, prestando atenção numa papelada que tinha em mãos.

—Shibuya também, parece que assim que ela terminar esse resumo de literatura só lhe faltarão os trabalhos manuais. O que é até meio impressionante, das três ela era a que estava mais atrasada e, no entanto, foi a que melhor progrediu. — talvez porque Yukari foi a única a quem Gintsune de fato não atormentou diretamente ali, às vezes era preciso variar... A garota deixou a papelada de lado e trocou-a por outra e franziu o cenho. — Mas você Nishiwake...

Gintsune percebeu aquela que era a mais rechonchuda das quatro ficar tensa na mesma hora.

A verdade é que, secretamente, Gintsune estava esperando que ela terminasse o bolo primeiro.

A primeira garota continuou o que tinha a dizer:

—Para você só restava os exercícios de matemática, até mesmo os trabalhos manuais já os fez todos em casa, e mesmo assim foi a que menos fez progresso.

A gordinha baixou a cabeça.

—Sinto muito.

—Pelo que estou vendo até agora terá de fazer tudo de novo. — a outra continuou, de maneira implacável.

Ela acenou com a cabeça.

—Tudo bem... — e já estendia a mão para pegar as folhas...

...Quando aquela que Gintsune já via como a líder, levantou-se.

—Amanhã. — disse, e virando-se diretamente para Yukari que acabava de voltar chamou firmemente — Shibuya!

—S-Sim! — Yukari respondeu de imediato no susto.

—Amanhã nós vamos acordar cedo. — ela dirigia-se não só a Yukari, mas às outras também — Shibuya e Hongo, vocês vão terminar as atividades de hoje, e depois que terminarem dedicarão o resto do dia aos trabalhos manuais. E quanto a você Nishiwake.

—S-Sim! — respondeu nervosa.

—Eu vou pessoalmente refazer cada uma das questões de matemática ao seu lado. — ela olhou para cada uma das três — Estamos entendidas? — as três confirmaram com a cabeça, ela sorriu como que satisfeita e espreguiçou-se — Certo, então estamos entendidas.

—Mas... O que faremos agora? — a de cabelos ondulados e curtos perguntou. — Dormir?

A líder franziu o cenho.

—Do que está falando, Hongo? Mal passa das 19h, a única razão para se chamar colegas para dormir em casa é fica acordada até tarde!

—Mas você disse que acordaríamos cedo amanhã... — Yukari começou a dizer.

A líder concordou.

—Eu disse. Por isso é melhor que aguentem o ritmo. Não me decepcionem.

Finalizou já recolhendo de cima de sua cama toda a papelada, livros e cadernos que haviam usado até então.

As outras logo se dispuseram a ajuda-la.

—Então o que vamos fazer agora? — a de cabelos ondulados voltou a perguntar.

—Eu estava pensando em jogarmos um jogo. — a líder respondeu de costas para ela enquanto, sentada sobre os tornozelos, punha os livros numa estante baixa.

—Que... Que jogo? — A gorda perguntou.

A líder olhou-as por cima do ombro com um sorriso de canto.

—Kokkuri-san!

Sentado a um canto observando-as as orelhas da raposa moveram-se, quando, por alguma razão, o nome daquele tal jogo lhe chamou a atenção.

—Kokkuri-san? — a mais tímida repetiu.

—Sim, vocês sabem. — a líder se levantou, virando-se e jogando os longos cabelos para trás — O jogo em que se invoca um espírito de raposa para responder a todas as suas perguntas.

Do canto do quarto a raposa abriu lentamente um sorriso.

—Oh... Interessante.

—E-eu sei, conheço o jogo. Mas eu n-não acho que isso seja uma boa ideia. — a outra gaguejou nervosa, logo se via que ela era também a mais medrosa do grupo.

Yukari por sua vez havia ficado pálida.

—Aoi-chan tem razão. — ela apoiou — Não é bom brincar com essas coisas sobrenaturais.

Seus olhos moviam-se sem parar de um canto para o outro — como se procurasse por uma raposa...

—Deixem disso, é apenas uma brincadeira, e mesmo que funcione Kokkuri-san é um espírito pacífico, estão lembradas? Ele não nos faria mal. — a líder desconversou.

—Mas eu ouvi dizer que ele amaldiçoa as pessoas. — diferente dos olhos de Yukari os olhos da mais medrosa estavam fixos e arregalados.

—Não é exatamente assim. — intrometeu-se a de cabelos ondulados levando uma mão ao queixo — Ele apenas amaldiçoa se não cumprirmos com as regras: nunca se deve chamar Kokkuri-san quando se está sozinho, e nunca se deve largar a moeda antes da pergunta ter terminado de ser respondida. Ah claro, também não podemos nos esquecer de nos despedirmos dele corretamente e gastarmos a moeda em até vinte e quatro horas, ou Kokkuri-san não irá embora e ficará para te assombrar.

Não importava que seguissem as regras ou não, de uma forma ou de outra Yukari estava certa de que já estava sendo amaldiçoada e assombrada por uma raposa.

Ela só estava preocupada pelas amigas.

—Viram? Desde que sigamos as regras tudo dará certo. — a representante sentou-se à mesinha já com papel e caneta — Vamos jogar.

Ao ouvir aquilo Aoi-chan empalideceu.

Mas Kaoru aproximou-se, sentando-se a um dos lados da mesa.

—Sim, sim, parece ser divertido! — afirmou.

Kaoru era sempre assim, positiva demais com as coisas e deixando-se levar facilmente, por isso Yukari sempre dizia que quando Kaoru saísse da cidade para se tornar uma grande artista ela iria junto: Porque Kaoru certamente seria engolida pelo mundo lá fora — isso, claro, fora o seu próprio desejo de deixar aquela cidade.

—Eu ainda acho... — Aoi-chan começou a dizer.

—Oh, senta-te Nishiwake, não seja estraga prazeres! — a representante a repreendeu.

—É Nishiwake não seja estraga prazeres que nem a Yukari! — Gintsune concordou do plano espiritual indo acomodar-se atrás da líder, assumindo a forma de homem ao sentar-se ali.

Relutante Yukari sentou-se de frente para a representante, vendo-a escrever os últimos kanjis na folha de papel e, por último, o desenhar o torii no alto da folha.

—Agora só falta uma moeda... — comentou colocando a mão no bolso e tirando a dita moeda de lá.

A representante posicionou a moeda sobre o torii e deixou o dedo ali, Kaoru foi a próxima, relutante Yukari também se uniu a elas.

Faltava apenas Aoi-chan, que ficou parada onde estava, pálida e tremendo até que, sob o olhar incisivo da representante aproximou-se e, sob pressão colocou também o seu indicador sobre a moeda.

—Muito bem. — a representante sorriu, e pigarreou antes de começar: — Kokkuri-san, Kokkuri-san, venha, por favor.

Entre expectativa e tensão as quatro esperaram.

E esperaram... E esperaram.

Mas passados quinze segundos, nada havia acontecido.

—Hum... Não seria agora que Kokkuri-san nos daria um sinal de sua presença? — perguntou Kaoru.

Talvez aquela raposa finalmente houvesse ido embora depois que Yukari descobrira que ele rondava por ali. Yukari ouviu um suspiro de alívio e, por um segundo, achou que fosse seu próprio, até perceber que, na verdade, fora Aoi-chan a suspirar.

Gintsune não fora embora, acontecera apenas de que ele não sabia que tinha que dar algum sinal de sua presença, achara que as meninas simplesmente fariam perguntas e esperariam que alguma raposa aleatória que estivesse por perto respondesse ao chamado — uma brincadeira um tanto perigosa considerando-se a principal lenda daquele lugar, mas não que um simples joguinho fosse capaz de libertar uma raposa de um lacre de mais de um século, claro.

—Eu já esperava por isso, não deu certo da ultima vez também. — confessou a representante com um dar de ombros.

—Então a representante já tentou isso antes? — perguntou Aoi-chan.

Novamente a representante deu de ombros.

—Uma vez convenci meu irmão e os amigos a jogarem comigo, eles sempre me mimaram.

—Isso deve ser bom. — comentou Kaoru que, assim como Yukari, era filha única.

—No começo, mas pouco antes de eu terminar o ginásio eles passaram a tentar flertar comigo, e então se tornou irritante. — reparando que nenhuma delas havia tirado o dedo da moeda perguntou — Vamos tentar de novo? — e antes que qualquer uma tivesse chance de responder já foi invocando: — Kokkuri-san, Kokkuri-san, venha, por favor.

Passaram-se dois segundos... E de repente a mesa sacudiu-se como se algo houvesse caído sobre ela.

As garotas, inclusive Yukari, gritaram e afastaram as mãos.

Entreolharam-se.

—Ele veio? — sussurrou Kaoru. — Ele veio mesmo?

Mesmo a representante parecia tensa agora, e devagar ela recolocou o dedo sobre a moeda, e lançou um olhar penetrante às outras até que elas se juntassem a ela.

Kaoru recolocou o dedo murmurando consigo mesma “Kokkuri-san é um espírito pacífico, Kokkuri-san é um espírito pacífico”, Yukari cerrou os olhos e recolocou o dedo também, Aoi-chan estava hesitando demais, então a representante puxou por ela mesma a sua mão até a moeda.

—Kokkuri-san, Kokkuri-san. — voltou a chamar — Você está aí?

A moeda começou a mover-se.

Aoi-chan gritou.

Yukari cerrou ainda mais os olhos.

A moeda parou sobre ela a palavra “Sim”.

Todas ofegaram, com exceção daquela de tranças.

—É você, não é? — ela perguntou sem cerimônia.

A moeda deu uma pequena volta, e voltou para a mesma palavra de antes.

“Sim”.

Ela quase podia ver o sorriso jocoso da raposa.

—Uma pergunta. — a representante olhou-as — Temos que perguntar alguma coisa!

—N-não. — Aoi-chan estava à beira das lágrimas — J-já chega.

Ela fez menção de tirar a mão, mas a representante agarrou-lhe o pulso.

—Não, se sair no meio do jogo será amaldiçoada!

Aoi-cha tremeu, mas deixou a mão onde estava.

—Não se preocupe Aoi-chan. — Yukari tentou tranquilizá-la, e olhando firmemente para a moeda perguntou — Porque você não vai nos machucar, vai?

“Não”

Sempre ingênua Kaoru pareceu confiar naquela resposta e, mais animada perguntou:

—Kokkuri-san, eu vou conseguir me tornar uma artista famosa?

“Talvez”.

Isso nem era uma resposta de verdade, mas Kaoru pareceu satisfeita com ela.

Yukari irritou-se por as outras estarem sendo enganadas daquela maneira.

—Por que veio aqui? — soltou com olhar fixo na moeda, já que não sabia para que lado estava a raposa.

A representante franziu o cenho.

—Mas que pergunta, Shibuya! Nós o chamamos!

—S-sim. — gaguejou Aoi-chan — Assim você vai irritá-lo.

A moeda começou a mover-se.

“Por diversão”.

Claro que sim. Ele só estava fazendo pouco delas!

—Agora é minha vez! — a representante tomou a palavra, alheia a zombaria da raposa — Kokkuri-san, Kokkuri-san, quem foi que comeu a última fatia de bolo?

Devagar a moeda percorreu a folha de papel, formando, kanji por kanji, um único nome:

“Yukari”.

Os olhos de Yukari se arregalaram. Aquele...!

Quando ela ergueu a cabeça, viu que as outras meninas a olhavam também com os olhos arregalados.

—É mentira! — defendeu-se — Ele está mentindo! É uma raposa, não podem acreditar no que está dizendo!

—Mas é Kokkuri-san... — murmurou Aoi-chan.

Yukari virou-se para ela.

—Ainda assim não deixa de ser uma raposa! — afirmou — Estou dizendo, eu não...!

A representante pigarreou.

—Kokkuri-san, Kokkuri-san, o meu irmão tem alguma chance com aquela garota de branco?

“Não”.

—Oh, pobrezinho. — Kaoru lamentou em solidariedade.

A representante encolheu os ombros.

—Eu já esperava por isso, a resposta era óbvia. — e então olhando para Yukari completou: — Viu Shibuya? Kokkuri-san não está nos enganando.

—Só porque ele não mentiu agora não significa que...!

—Não tem importância, era só uma fatia de bolo.

Ainda assim Yukari lançou mais um olhar raivoso à moeda.

—Kokkuri-san, Kokkuri-san. — Kaoru chamou — No ano que vem eu terei alguém especial para entregar chocolates?

Gintsune não tinha ideia do que ela estava falando, mas, a julgar pela expressão de pura expectativa e esperança que a menina fazia ele decidiu-se pela resposta mais divertida:

“Duvido”.

E riu-se ao ver a menina murchar desanimada, a essa altura Yukari parecia a ponto de soltar fumaça pelas orelhas!

—Nishiwake. — chamou a líder — Você ainda não fez pergunta alguma, pergunte algo.

A garota levou um susto, estremecendo da cabeça aos pés e logo depois olhando para a moeda como se achasse que fosse mordê-la, quando falou, sua voz saiu num sopro quase sem fôlego:

—Kokkuri-san, Kokkuri-san... — ela inspirou, tremula... E de repente fechando os olhos completou — Vá embora, por favor!

E antes que qualquer uma, até mesmo a líder, pudesse impedir, retirou seu dedo de cima da moeda.

—Ah, Aoi-chan, por que foi que o mandou embora? — reclamou a de cabelos ondulados retirando o dedo da moeda também.

—Pois é, ainda tínhamos mais perguntas. — concordou a líder retirando também o seu dedo de cima da moeda, juntamente com Yukari.

Desanimado Gintsune deu-se conta de que o jogo já havia terminado — uma pena, ele queria brincar um pouco mais — e levantando-se retirou também a sua mão de cima da moeda.

—Me desculpem, eu... — murmurou a medrosa — Podemos jogar outra vez.

—Uma vez já foi o bastante. — Yukari sentenciou.

A líder concordou:

—Shibuya tem razão, não vamos mais incomodar Kokkuri-san.

—Então o que fazemos agora? — perguntou a de cabelos ondulados.

—Eu pensei em brincarmos do jogo do rei... — a líder respondeu.

Mas a essa altura Gintsune já havia perdido por completo o interesse nas meninas e saia da casa atravessando a parede.

...

Quando Yukari retornou para casa na noite seguinte, encontrou-o deitado em sua cama lendo um livro que certamente surrupiara da biblioteca pública e que mais tarde ela, mortificada, descobriu se tratar sobre “saúde sexual”— ele realmente não sabia deixar nada pra lá?!

O imenso chapéu do tengu estava bem ao seu lado também.

—Bem vinda de volta. — cumprimentou calmamente, erguendo os olhos quando a ouviu fechar a porta de correr. Ela lançava um olhar intenso e irritado a ele. — O que? Por que está zangada?

—Seguiu-me até a casa da representante de classe! — acusou.

—Segui.

—Nos incomodou e atrapalhou deliberadamente!

—Precisamente.

—Comeu a última fatia de bolo!

—É óbvio.

—E colocou a culpa em mim!

—Foi divertido, precisava ver a sua cara.

Um tom de vermelho escuro subiu desde o pescoço e cobriu-lhe todo o rosto.

—Espiou-nos no banho! — sua voz esganiçou-se um pouco nessa parte.

Gintsune arqueou a sobrancelha.

—Claro que não.

Yukari sabia que mentir era da natureza de uma raposa, mas até agora ele não havia negado nenhuma de suas travessuras — na verdade, falava delas como se fosse algo do que se orgulhar — então quando ele negou ter feito aquilo foi fácil para ela acreditar, e suspirou com alívio.

Até que a raposa continuou a falar:

—Que interesse eu teria nisso? Se eu quiser admirar um corpo feminino nu posso olhar-me no espelho, eu sou infinitamente mais belo e vocês quatro juntas não chegam sequer aos pés da minha beleza. Então por que eu perderia meu tempo com uma coisa desnecessária dessas?

Ela o olhou novamente raivosa.

Mas franziu o cenho ao dar-se conta de algo:

—Que roupas são essas?

Deitada em sua cama a raposa usava um leve suéter de lã, com gola redonda e mangas compridas, laranja com algumas grossas listras horizontais amarelas e finas linhas vermelhas também horizontais — a cor apenas destacava o aro prateado cintilante em seu pulso esquerdo —, calças jeans e meias.

Ela sabia que sempre que queria a raposa trocava de roupas num passe de mágica, mas já o conhecia o suficiente para saber que só o fazia quando se disfarçava entre os humanos, o que não era o caso no momento, já que parecia que ele não tinha qualquer intenção de sair — ou mesmo de levantar — e seus cabelos estavam prateados e não negros.

A raposa sorriu.

—Ah, você gostou? Ontem quando estava voltando para casa — ele falava “casa” como se realmente nunca mais pretendesse ir embora dali — passei por um lugar cheio de lojas e vendas, a maioria estava fechando ou já estava fechada, mas ainda dava para olhar pelas vitrines, e eu vi essas roupas aqui num boneco então entrei e as peguei.

—Está dizendo que as roubou?! — o queixo dela caiu, até então a raposa só havia roubado coisas pequenas e, quase sempre, insignificantes — Não é simplesmente o teu quimono que transformou em alguma outra coisa?!

—Tem ideia de como já estava cheirando o meu quimono? Afinal era o mesmo que eu estava usando desde que cheguei. — ele deu um sorriso astuto — Não, ao invés disso misturei-o com as resto das roupas da tua família para ser lavado junto com elas na máquina de lavar, há tantos quimonos aqui que nem vão reparar. — e, com ar sonhador, continuou — Eu mal posso esperar! Qual será a sensação de usar uma roupa lavada por uma máquina...

Yukari girou os olhos e foi embora, fechando a porta atrás de si.

—Ah, pensando bem é desde aí que ela está me ignorando. — Gintsune percebeu, relembrando a noite passada. — Oi. Yukari!

Chamou-a alcançando-a mais uma vez, mas, como já esperava, ela o ignorou.

—Tudo bem Yukari, me ignore, pode me ignorar o quanto quiser. — disse de uma maneira que era, suspeitosamente, calma, pegando uma ponta de cada trança dela numa das mãos e girando-as como se fossem cordas de pular enquanto a seguia — Mas saiba que eu não sou alguém acostumado a ser ignorado, então enquanto continuar me ignorando eu vou simplesmente continuar seguindo você. Estarei lado a lado com cada passo seu durante o dia todo e até mais se for preciso.

Conforme se aproximavam do colégio a concentração de alunos aumentavam, embora ainda fosse cedo para chegarem, e cada vez mais percebia-se colegiais, especialmente garotas, parando e/ou virando o pescoço para ver a passagem dos dois, numa situação normal seria aceitável pensar-se que o que chamava tanta atenção era o enorme chapéu de palha que pendia da parte de trás do  pescoço da raposa em forma de homem e que tanto destoava do resto de sua roupa — já que ele ainda não voltara a usar o quimono que deixara para lavar desde o dia anterior, mas Gintsune bem sabia que muito mais que aquele chapéu a verdadeira razão de tanta atenção era seu belo rosto, que tanto destacava-se entre os humanos e que parecia se destacar ainda mais estando ao lado da tão medíocre Yukari.

Em certo momento Gintsune lançou um sorriso a um par de garotas que já o observava de longe conforme ele se aproximava, e as duas gritaram extasiadas, quase a ponto de desmaiar. Aquilo era apenas uma amostra do que Yukari teria de aguentar pelo resto do dia se continuasse a ignorá-lo.

Ele largou as tranças dela e colocou-se a caminhar ao seu lado.

—Entrarei contigo naquele prédio. — avisou-a apontando, poucos metros a frente estava o portão do colégio, onde pouco a pouco alguns dos alunos, cuja atenção fora inegavelmente capturada, já começavam a se amontoar.  — Estarei contigo quando voltar para casa, e não haverá como fugir de mim. Irei contido até mesmo ao banheiro.

Yukari exclamou surpresa com tamanha ousadia e girou a mão erguida no ar pronta a dar uma bofetada na raposa, mas ele a pegou facilmente.

—E então? O que decidiu Yukari? — a raposa sorriu.

Derrotada, Yukari fechou os olhos e puxou a mão de volta.

—Apenas vá embora daqui de uma vez e me deixa em paz!

O sorriso da raposa aumentou e ele lhe deu as costas com uma das mãos no bolso enquanto acenava com a outra. Partia não porque ela mandara, mas porque vencera, obrigara-a a admitir sua existência.

Quando ele se foi, Yukari suspirou aliviada... Mas tão logo chegou aos portões ela foi engolida e sufocada por uma torrente de perguntas sobre quem era aquele que a acompanhava antes.

Mas mentir faz parte de uma das várias naturezas de uma raposa, portanto não é de se surpreender que Gintsune na verdade não foi embora — mas, se fosse para defendê-lo eu poderia citar que em momento algum ele disse realmente para Yukari que iria embora.

Então dando a volta no lugar Gintsune, assim que encontrou uma chance, passou para o plano espiritual e na forma de uma raposa branca saltou para cima do muro, e de lá para dentro do terreno da escola.

Ele lembrava-se de já ter estado ali antes, mas apenas de maneira rápida e nem sequer chegara a entrar no prédio, agora, no entanto, ele estava curioso e ansioso para ver o que de interessante havia ali para ver-se.

...

Aquele lugar acabou por revelar-se uma completa decepção, mas a culpa foi sua, fora muita ingenuidade de sua parte achar que um lugar como aquele onde todos se vestiam iguais e com o mesmo estilo tedioso de Yukari seria minimamente interessante de alguma forma.

Por onde quer que andasse Gintsune só via salas e mais salas de humanos, mais ou menos da idade de Yukari, sentados ouvindo o que um humano mais velho na frente de todos tinha a dizer.

É, parece que nem tudo no mundo humano era divertido e interessante afinal.

—Que chatice. — ele suspirou. — Vou embora daqui, lá fora é mais divertido, não há nada de interessante por aqui afinal.

Estava naquele momento ainda vagando pelo plano espiritual, mas agora já novamente na forma de um homem, e se desencostava da parede — sim, mesmo no plano espiritual ele ainda podia tocar objetos sólidos quando queria — para ir embora, quando algo aconteceu: naquele momento o sinal que dizia aos adultos que já era hora de trocar de sala tocou, e uns três metros a frente de Gintsune uma porta abriu-se deslizando, mas de lá não saiu apenas mais um adulto humano entediado, mas um adulto seguido por várias garotas.

Gintsune parou curioso com aquela cena inusitada naquele prédio de monotonia e rotina, e observou como as garotas não só seguiam aquele homem, mas o cercavam.

—Professor, professor! — chamou uma aparentemente mais ousada entre elas, puxando-o de leve pela manga da camisa, como se quisesse levá-lo de volta para sala — Volta e explica mais uma vez, eu ainda não entendi direito!

—Sim, eu também! — concordou outra.

—E eu! — disse mais uma.

—E eu! — e outra.

Até que todas as seis garotas que o cercavam e o atrasavam estivessem concordando e insistindo para que ele voltasse e desse mais uma aula.

Até que por fim ele riu.

—Meninas eu estou contente que gostem tanto assim da minha aula e estejam tão interessadas, mas se realmente lhes restam algumas dúvidas então podem ir me perguntar em particular mais tarde, certo?

Houve uma série de gritinhos abafados, do tipo que Gintsune só estava acostumado a ouvir direcionados a ele mesmo, enquanto passavam por ele sem percebê-lo observando-os dali do plano espiritual.

—É sério professor? — animou-se uma delas — Realmente podemos ir e te perguntar coisas em particular?

E quanto mais Gintsune olhava menos ele entendia o que havia de tão especial assim naquele homem para por aquelas meninas a sua volta daquela forma, ele usava óculos e parecia um pouco mais jovem que o resto dos adultos ali, mas não havia nada em seu rosto que fosse particularmente extraordinário, mesmo para os padrões humanos.

—Claro, claro. — concordou o homem, sempre sorridente — Desde que seja algo relacionado à aula.

Sem perceber Gintsune já seguia o grupo.

—Mas professor, nossas perguntas são sempre pertinentes à aula! — protestou uma delas.

—Sim, sim. — apoiou outra — Para nós é muito importante saber a sua idade! — risadinhas — Queremos ter certeza de que é realmente um professor, e não um colegial como nós, apenas se passando por professor.

—Ora meninas, eu garanto que sou um professor de verdade. — o humano afirmou ajeitando os óculos — Posso ter essa cara de bebê, mas já tenho quase quarenta anos de idade...

Ele riu parecendo divertir-se quando as meninas lamentaram e reclamaram que de forma alguma ele tinha uma idade assim tão próxima de seus pais.

Gintsune conhecia aquele humano, ele era o mesmo humano que lhe dera de comer em seu primeiro dia ali sem qualquer tipo de segunda intenção ou interesses.

—Agora já chega, sim meninas? Eu preciso ir para a minha próxima aula e vocês para a de vocês. — ele as dispensou ainda sorrindo.

As meninas ficaram decepcionadas, mas concordaram em voltar para a sala, enquanto o professor afastava-se em direção ao seu próprio caminho.

Seguindo-as Gintsune aproximou-se da última e mais afastada menina do grupo, e projetando sua voz para o plano físico perguntou:

—Ei, quem era aquele?

A menina distraída, ainda na animação que contagiava todas que haviam seguido o professor e na pressa de voltar para a classe antes que o próximo professor chegasse, respondeu sem virar-se:

—Como quem? Era o professor Haruna, é claro!

—É mesmo? — Gintsune perguntou de volta — E por que tinham tantas ao redor dele?

—Por quê? Porque ele é muito gentil, é claro, e também é jovem e bonito. — deu uma risadinha constrangida — Todas nós aqui amamos o professor Haruna.

—Hum... Amam mesmo? — perguntou com crescente interesse — E ele já saiu com alguma de vocês?

Mesmo de costas era possível saber que a menina corava pela vermelhidão em que ficaram suas orelhas.

—O professor Haruna? Não, não, nunca, jamais! Dá para ver que ele ama os seus alunos, mas não desse jeito é claro, pode até não parecer, mas ele é realmente muito sério nesse aspecto, realmente de princípios, por isso que nunca faria algo como sair com uma aluna. — deu uma risadinha — É apenas que é divertido está em volta dele... Mas quem é você afinal? Deve ser novato para estar fazendo tantas perguntas assim, não é...?

Mas quando a menina virou-se ela se viu sozinha no corredor.

Na mesma hora seu rosto empalideceu.

Por acaso havia falado com um fantasma? E agora? Seria amaldiçoada?

De repente saiu de seu estado de choque quando, de dentro da sala, as garotas a chamaram, perguntando por quanto tempo ela ainda pretendia ficar ali na porta, apressada — e também um pouco assustada — entrou rapidamente na sala e fechou a porta atrás de si.

Ela não podia vê-lo, é claro, mas de pé no meio do corredor uma raposa de cabelos prateados passava a mão no queixo.

—Um homem de princípios, é? — disse consigo mesmo — Muito sério nesse aspecto, ela disse, alguém que nunca sairia com uma aluna...

E se, naquele momento, alguém pudesse vê-lo, veria o mais malicioso dos sorrisos entortar os lábios daquela raposa numa expressão quase cruel quando, ainda falando consigo mesmo, afirmou:

—Que homem mais interessante.

***

Sentado sobre um tronco caído próximo a um poço abandonado, o pequeno Satoshi tentava aproveitar os últimos raios de sol para remendar uma peça de roupa, logo escureceria e ele era a última criança ainda ali.

Gemeu quando, de repente, espetou o dedo na agulha e vendo uma gota de sangue brotar levou o dedão a boca.

Foi quando a lateral de seu rosto explodiu em dor ao ser atingida com uma tamanha força que o jogou rolando para o chão, ainda caído no chão o menino gemeu, não pela dor, mas por ouvir o som de mais um pedaço de tecido se rasgando em algum ponto de suas roupas.

Ótimo, mais uma peça para ele remendar.

—Você chama isso de remendo?! Quando vai aprender a costurar direito seu traste imundo?!

Quem gritava com ele era seu instrutor, um tengu mais velho de barba, grossas sobrancelhas e cabeça raspada, por ser muito tradicional sempre usava a sua forma original, com cabeça de pássaro, músculos proeminentes, e asas escuras nas costas.

Satoshi já havia aprendido há umas duas ou três primaveras como fazer para ocultar aquela aparência, mas ainda era muito novo para conseguir ocultar as asas.

—Sinto muito, irmão maior. — desculpou-se se levantando — Ei de fazer melhor da próxima vez.

E não é que eles fossem irmãos de verdade, ou talvez até fossem, entre os tengus as crianças sempre eram criadas pela comunidade inteira e não apenas pelo pai — visto que mulheres eram proibidas ali durante a maior parte do ano, nenhum deles conhecia a mãe —, de forma que era impossível saber quem era realmente parente de quem, e assim, como é hábito comum entre as crianças do Japão, seja do antigo ou do atual, a maioria dos tengus mais velhos que, no entanto, não tinham tanta idade assim tendiam a ser chamados de “irmãos maiores” pelos mais novos.

—E claro que fará melhor! — o mais velho gritou com ele — Francamente! Tu sabeis que não serás uma criança para sempre, não podes esperar que os outros cuidem de ti por toda a tua vida! E ainda assim sequer consegues fazer um remendo direito!

Em uma mão ele segurava a roupa que Satoshi tentava remendar até a pouco e na outra um pedaço de pau partido, estava partido pela força com a qual batera no menor.

—Eu entendo, eu sinto muito, irmão maior. — voltou a se desculpar.

Na lateral esquerda de seu rosto havia uma imensa marca vermelha em diagonal, começando logo acima de sua orelha, atravessando a bochecha e terminando no queixo, resultante do golpe que recebera, um pouco de sangue escorria-lhe por detrás da orelha e ele tinha certeza que logo o rosto começaria a inchar, mas isso não era nada demais, havia um hematoma na lateral direita da testa, um galo na parte de trás da cabeça, e mais outros tipos de escoriações pelo corpo, resultantes das seguidas repreendas que sofria e que sequer dava chance aos machucados antigos cicatrizarem — apesar da regeneração acelerada, comum aos youkais.

O mais velho estalou a língua e atirou a roupa aos seus pés.

—Droga! Francamente! Eu vou buscar algumas velas na vila, então fique aqui e tente um pouco mais.

—Certamente, irmão maior! — Satoshi curvou-se respeitosamente.

O outro voltou a estalar a língua e apoiando no ombro o pedaço de pau que segurava foi-se embora reclamando por Satoshi ser tão desajeitado.

Então Satoshi mal tinha se sentado novamente para tentar o remendo mais uma vez quando ouviu o som de algo se mexendo na folhagem e ergueu a cabeça achando que seu instrutor já havia volta.

—Esqueceu alguma coisa, irmão maior? — perguntou, porque havia sido rápido demais.

Mas ninguém respondeu.

—Irmão maior?

Voltou a chamar, mas novamente ninguém respondeu.

Só que um arbusto ali perto se moveu.

—Oi! — Satoshi chamou. Nada — Oi! Diga de uma vez quem está aí!

Novamente sem resposta.

Irritado Satoshi descalçou uma das sandálias de madeira e jogou-a no arbusto.

—Apareça! — gritou.

E a sandália acertou o alvo em cheio, já que logo depois um garoto levantou-se irritado dali.

—Isso dói! — reclamou — Não saia jogando coisas assim! E se eu fosse um animal selvagem? Podia ter te atacado.

O garoto que saíra do arbusto esfregando a cabeça no local atingido com uma mão e segurando a sandália de Satoshi na outra, tinha longos cabelos lisos e negros que lhe caiam até o final das costas, e asas também negras, parecia uma criança tengu normal, mas Satoshi nunca o tinha visto por ali.

—Olhe, toma aqui a sua sandália de volta. — o garoto lhe estendeu a sandália — Então qual o seu nome?

—Ah, obrigado. — Satoshi calçou a sandália de volta — Eu sou...

—Besta. — o garoto o interrompeu.

—O que? — piscou surpreso.

O garoto ergueu o dedo indicador.

—Não saia simplesmente dando o seu nome a estranhos por aí, idiota, podem acabar roubando ele! — o advertiu.

—Entendi. — Satoshi concordou rigidamente.

E fechou os olhos esperando pela punição.

—O que você está fazendo?

Satoshi abriu os olhos.

—Eu cometi um erro, então...

—Há! Você pensou que eu fosse te bater que nem aquele grandalhão lá? Pode esquecer!

—Ah, tem razão. — Satoshi riu de sua própria idiotice.

Afinal crianças não podiam punir outras crianças, já eram dois erros seguidos sem punição, ele iria acabar ficando mal acostumado.

—Afinal eu não sou do tipo violento. — o menino cruzou os braços atrás da cabeça e virou-se.

Satoshi olhou-o por um momento, vendo o menino saltar para a borda do poço e caminha despreocupadamente por ali, abrindo os braços para manter o equilíbrio, parecia-se exatamente com uma criança tengu normal, mas...

—O que tu és?

O garoto o olhou sorrindo.

—Como o que eu sou? Sou um filhote de tengu normal, assim como você. — afirmou.

Mas Satoshi não se deixaria levar.

—De forma alguma. — negou balançando a cabeça — Porque eu nunca o vi por aqui, e aqui todos os tengus se conhecem, tu também não pareces ser de outra vila porque crianças não podem sair de suas vilas, além de que é muito desconfiado, com esse negócio de nome e tudo, e nós somos criados de maneira muito protegida, por isso não é normal uma criança tengu ser assim tão desconfiada.  — ele ergueu o queixo — Então, o que tu és?

O garoto, de pé na ponta do poço olhou meio que impressionado, e então sorrindo admitiu:

—Entendi, entendi você me pegou. Que pena, sabe como foi difícil reproduzir essas asas? — e ao mesmo tempo em que falava as asas em suas costas desapareciam como miragens, porque era exatamente isso o que eram: pura ilusão. E os cabelos escuros tornavam-se prateados — Muito bem, então já que quer mesmo saber eu vou te contar: Eu sou uma raposa!

Sorridente ele sentou-se na borda do poço, e um par de orelhas surgiu no topo de sua cabeça.

Assustado. Satoshi recuou um passo.

Uma raposa na vila!

—Então é um prazer conhecê-lo, pequeno menino tengu! — a raposa o cumprimentou — Você pode me chamar de Gintsune!

Apresentou-se com um sorriso arteiro nos lábios, um sorriso de quem ainda ia causar muita confusão por ali.

—Satoshi! Satoshi! Satoshi!

Satoshi voltou ao presente, quando ouviu a voz da esposa a chamá-lo ele estava sentado na porta lateral da casa, olhando o céu escuro e nebuloso e o pessegueiro no canto de sua propriedade, e piscando olhou para trás, vendo-a sentar-se sobre os calcanhares logo atrás dele.

—Onde você estava? — ela perguntou — Você parecia distante.

Fazendo uma careta Satoshi girou a taça de saquê em suas mãos.

—Mayu... — chamou observando o saquê girar. — Onde imagina que estará aquele miserável?

Mayu sorriu compreensiva.

—Sente falta de Gintsune, não é?

Ainda observando o saquê girar Satoshi franziu o cenho.

—Ele há de estar por aí se embriagando, de certeza que está! — afirmou — Certamente pavoneando com meu chapéu, deixando que qualquer um ponha as patas nele, divertindo-se por aí com bandos de mulheres ou homens estranhos! Ou até mesmo os dois! Irei matá-lo! Eu ainda vou de matá-lo certamente!

Mayu cobriu a boca ao dar uma risadinha.

—Gintsune sabe como você gosta daquele chapéu, com certeza está cuidando bem dele.

Satoshi tomou o que restava de seu saquê em um ultimo gole.

—É bom que o maldito esteja mesmo! — afirmou, mas então se virando novamente perguntou com mais gentileza — Mas por que veio aqui, Mayu-chan? Por acaso teve pena de minha solidão e veio finalmente beber comigo?

“Mayu-chan”, de fato ele só a chamava daquela forma quando queria algo.

Mayu sorriu e balançou a cabeça.

—Sabe perfeitamente bem que odeio o gosto que o saquê tem. — respondeu, vendo Satoshi suspirar enquanto lhe servia mais saquê.

—Sim, sim. — concordou desanimado — Você só bebe quando a ocasião pede, como no nosso casamento e no ano novo.

—Isso mesmo. — ela acenou.

Na verdade o casamento deles fora um caso bem curioso, ele precisou ser atrasado em quase um ano — segundo os cálculos de Gintsune — até que Mayu terminasse de confeccionar suas roupas cerimoniais, Gintsune havia dito que ele poderia arranjar roupas para ela se ela as queria tanto assim, mas Mayu recusou-se terminantemente, e como casamentos não são algo que faça parte da cultura dos youkais — às vezes eles podiam unir-se e viver juntos, mas raramente havia qualquer tipo de “cerimônia” para oficializar algo do tipo — Gintsune distribuiu folhas comuns de árvore a cada youkai presente na cerimônia — que podiam estar ali pelo saquê, por medo da raposa, por curiosidade de ver um casamento ou pelos três motivos juntos — e as usou para que todos parecessem humanos, depois precisou ir até uma cidade buscar por um sacerdote.

Usando sua forma feminina a raposa enganou um sacerdote com alguma mentira para atraí-lo até a floresta que, graças às ilusões da raposa, achou estar entrando numa festa de casamento normal, e sequer percebeu quando a bonita mulher que o levara até ali sumiu — já que Gintsune voltou à forma masculina para ocupar o lugar de honra que Satoshi lhe dera.

Depois da cerimônia os convidados beberam uma quantidade absurda de saquê, exceto por Gintsune que precisou ficar sóbrio para manter toda a ilusão, de alguma forma conseguiram inclusive embriagar o sacerdote — um sacerdote bêbado! Essa com certeza foi a maior diversão dos youkais naquela noite, embora Mayu estivesse com medo de alguma punição divina por isso.

E quando o sacerdote acordou na manhã seguinte estava completamente sozinho numa clareira e com uma ressaca horrível.

Isso sem mencionar que no dia anterior a cerimônia em si, Gintsune havia feito nove clones seus só para ajudar Mayu a dobrar 1000 grous de papel — e ela ainda precisou ensiná-lo como fazer.

—Mas ainda que não goste de beber, bem que poderia ficar ao menos para fazer-nos companhia. — Satoshi reclamou — Sabes como aquele cretino fica ainda mais irritante quando está embriagado.

—Eu sei. — confirmou.

—Ele perde o controle da forma, e fica variando entre homem e mulher, além disso, sempre me vem com conversas estranhas, o cretino diz coisas do tipo “tengu, está quente! Por que está tão quente tengu?”, da última vez eu tive que pular no laguinho para resgatá-lo, porque o miserável jogou-se lá!

—Eu sei Satoshi, eu te ajudei a puxá-lo de lá. — Mayu sorriu.

—Eu sei, mas aí foi embora e me deixou aqui com ele, e o miserável começou a tentar tirar o quimono fora porque estava molhado e agora ele tinha frio, mas estava em forma feminina! — ele cobriu o rosto com uma mão — Ele faz de propósito, tenho certeza que faz, para me constranger.

—Ele faz isso porque você é fácil de ficar encabulado. — Mayu acrescentou.

—Ele é assim desde que eu era criança. — resmungou por sob a mão — E sempre que bebe demais os meninos o encontram aqui, desmaiado de bêbado e sem sequer ter noção do que mostra ou não através do quimono, e ficam cutucando-o com a ponta dos pés e galhos chamando “Gintsune-Sama, Gintsune-Sama”.

Encerrou com um longo suspiro.

Aproximando-se Mayu colocou as mãos sobre os ombros do marido e descansou o rosto em suas costas.

—Tudo bem sentir falta dele, sabia? É o seu único amigo...

Satoshi apoiou o queixo numa mão e reclamou:

—Eu só quero meu chapéu de volta.

—Os meninos também sentem falta dele.

Olhando-a por cima do ombro Satoshi perguntou:

—Eles te disseram isso? Não me falaram nada...

—Eles não precisam me falar nada. — Mayu afastou-se se sentando ereta — Estão logo ali.

Apontou.

Os meninos então, que estavam aquele tempo todo espiando os pais pela porta entreaberta do quarto, se surpreenderam quando de repente ambos se viraram ao mesmo tempo para eles, e apressados entraram novamente e fecharam a porta.

Logo depois a porta abriu-se.

—Oi! O que pensam estar fazendo?!

Perguntou o pai, e os meninos ouviram a porta do quarto ao lado abrir-se e fechar-se quando a mãe recolheu-se, isto é, ela não viria interceder por eles.

—Não estávamos espiando, pai, sério! — Akira desculpou-se — É que ouvimos vozes aí fora e sentimos cheiro de saquê, então fomos olhar.

—Porque achamos que era Gintsune-Sama. — completou Akihiko. — Mas era apenas o senhor e a mamãe...

—Oi. — Satoshi cerrou os olhos — Estão a dizer que preferem ver aquela raposa a teus próprios pais?

—Não, não é isso! — Akihiko ergueu as mãos.

—Sim, nós apenas...! — tentou dizer Akira.

—Eu sei. — Satoshi os interrompeu — Estão preocupados.

Os garotos piscaram.

—Hã?

Mas o pai já estava saindo e fechando a porta de correr.

—Troquem-se e me encontrem no portão da frente, eu vos provarei que a raposa está bem.

Ambos os garotos se entreolharam, então, no final das contas, o pai sabia onde estava Gintsune-Sama?!

Quando os dois chegaram ao portão da frente — que na verdade não tinha portão algum — a noite era pura escuridão e neblina lá fora, exceto pelas esferas de luz que sempre iluminavam as ruas enquanto flutuavam a deriva.

—Pai, cadê as suas asas? — perguntou Akihiko.

Satoshi desencostou-se do muro e os olhou.

—Recolhidas. — uma pausa, ele franziu o cenho — Como sempre.

—Achei que ia nos levar a algum lugar. — disse o menor.

—E vou. — Satoshi começou a se afastar.

Akira arregalou os olhos.

—Está dizendo que vamos a pé, pai?!

—Estou. — e acenou para que os meninos o alcançassem de uma vez.

—Já faz anos desde a última vez que usou as asas, não faz pai? — Akira reclamou quando alcançou o pai, trazendo o irmão pela mão — Para que tem asas se não as usa?!

—E quanto a vós, para que têm pernas se não as usam? — Satoshi perguntou de volta.

—Andar é cansativo! — Akihiko reclamou.

—É melhor se prepararem. — o pai os avisou — Vamos entrar na rua principal.

Os meninos empalideceram.

Não é que no céu as coisas fossem muito tranquilas, mas em terra elas eram muito, muito piores.

Eles foram empurrados, espremidos, puxados e pisados, o pai colocou um braço sobre o ombro de cada um deles, mas não foram poucas as ocasiões em que acharam que acabariam saindo dali sem uma asa — ou as duas —, o problema não era a multidão em si, na verdade seria perfeitamente possível todos andarem por ali em perfeita harmonia e sem maiores transtornos, se não fosse a estrema agressividade daqueles seres que não se importavam em passar por cima ou arrancar algum membro alheio que estivesse no caminho — literalmente — para passar.

—Parece que perdi uma sandália. — Satoshi comentou depois que saíram da multidão. — Podia ter sido pior.

De fato podia, para se ter uma ideia, só no caminho de casa até ali os dois meninos haviam visto um youkai arrancar o braço de outro com os dentes.

—Pai por que viemos até aqui? — Akihiko perguntou olhando em volta e percebendo que estavam na rua quase desértica de Gintsune-Sama.

—Por quê? — Satoshi jogou fora a outra sandália e passou a andar descalço mesmo — Eu vos disse que provaria que a raposa está bem para que parem de se preocupar, não disse?

—Mas Gintsune-Sama não está em casa...? — disse Akihiko, ele próprio sem saber se estava fazendo uma pergunta ou uma afirmação.

—Ele não está. — Satoshi concordou. — Mas a yunomi ainda deve estar debaixo da casa, se estiver inteira e tranquila é porque ele está bem.

Diz à lenda que, às vezes quando uma yunomi muito bem feita acaba por algum acaso lascada e sendo abandonada, algumas delas conseguem reunir energia o suficiente para se tornarem youkais, esses pequenos youkais, guiados unicamente por amor à humanidade buscavam esconder-se debaixo de casas antigas onde pudessem conviver com alguma família, eles eram dotados de um grande poder de premonição e sempre que alguma tragédia aproximava-se da casa estes pequenos youkais corriam por todo lado para avisar seus moradores sobre o perigo eminente, e em casos mais extremos simplesmente se sacrificavam, quebrando-se na tentativa de evitar o desastre.

Agora que não haviam mais humanos essas criaturinhas eram muito raras, e as poucas que ainda haviam buscavam esconder-se debaixo de algumas poucas casas youkais, como a casa de Gintsune e a do próprio Satoshi também.

—A yunomi da casa de Gintsune-Sama! — ambos os garotos exclamaram um para o outro.

E, sem esperar pelo pai, correram para a casa de Gintsune.

A verdade é que aquela não era a primeira yunomi a viver debaixo da casa de Gintsune, tempos atrás, há mais de um século e bem antes dos meninos nascerem, uma yunomi vivia debaixo de sua casa, mas um dia, sem explicação alguma, ela começou a correr, a raposa era rápida e sua casa era uma construção muito pequena de um cômodo só, mas ainda assim ele não conseguiu de formar alguma pegar aquela maldita xícara de chá que corria desenfreada por suas paredes e teto.

A yunomi correu por três noites e dois dias, até que no terceiro dia atirou-se do telhado e quebrou-se, um ano depois desse incidente nada havia acontecido ainda, Mayu disse à raposa que o desastre — fosse ele qual fosse — certamente fora evitado pelo sacrifício da yunomi, mas Gintsune retrucou que algo que parecia tão grande — pelo tempo e o desespero que a criaturinha correu — não seria evitado tão facilmente apenas com uma simples xícara quebrada, por isso agora Gintsune as via simplesmente como umas criaturinhas barulhentas que faziam escândalo sem razão alguma, mas apesar disso elas não incomodavam na maior parte do tempo, então ele não se opôs e nem reclamou quando uma nova yunomi mudou-se para debaixo de sua casa mais de trinta anos depois.

—Ah! Está aqui! — Akira gritou quando ele o irmão praticamente deitaram-se na rua para olhar debaixo da casa da raposa — Ela está inteira!

—E não está correndo! — Akihiko anunciou com grande êxtase.

—Viram? Ele está bem, o desgraçado com certeza só está se divertindo em algum canto por aí. — Satoshi afirmou sentando-se na varanda da casa da raposa.

Não é que ele confiasse totalmente naquelas criaturinhas, mas ele também não tinha razões para duvidar delas, e se Mayu e os meninos confiavam plenamente nas yunomis, ele também não via mal em usá-las para tranquiliza-los.

Os dois garotos ergueram-se, sentando-se sobre os tornozelos um de frente para o outro.

—Então ele está realmente bem. — Akihiko concluiu.

—Uhun. — o mais velho concordou. — Mas por onde será que Gintsune-Sama anda?

—Pois é. — Akihiko cruzou os braços

— Será que sentiu a presença de algum cachorro e se escondeu? — Akira perguntou-se pensativo.

E os dois olharam para o céu ainda pensativos, vendo a coloração das nuvens mudar conforme o dia nascia por detrás da névoa youkai.

—Oi vocês dois. — Satoshi os chamou impaciente, massageando a testa com uma mão, mantendo os olhos fechado — Se aquele cara os ouvisse agora, ele os depenaria, sabiam?

Mas o que os meninos diziam era verdade, mesmo estando bem, por onde é que aquele cara andava?!

O que ele estava fazendo?!

***

O lábio inferior de Yukari tremeu, os olhos se abriram um pouco mais que o normal.

—Turma. — o professor os chamou da frente da classe — Por favor, deem as suas boas vindas à nossa nova aluna transferida.

Ele indicou a garota ao seu lado, ela tinha cabelos escuros e olhos cinzentos e era, sem sombra de dúvida, certamente a garota mais bonita que já pisara naquele colégio, quando ela curvou-se e preparou-se para dizer algo foi como se a classe inteira prendesse a respiração em expectativa.

—É um prazer conhecê-los, eu sou Ayaka Shiori, espero que possamos nos dar bem e nos tornemos bons amigos. — ela sorriu, e foi como se todos os garotos da classe se apaixonassem ao mesmo tempo — Podem me chamar de Ayakashi-chan.

Mas Yukari sabia a verdade.

Aluna nova transferida uma ova, aquela que estava de pé em frente à classe era na verdade a raposa!

 


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Notas finais do capítulo

Gintsune faz um trocadilho com o nome que escolheu para sua forma feminina humana “Ayaka Shiori” juntando o sobrenome e a primeira sílaba do nome para formar a palavra “Ayakashi”, que é outra denominação para youkai.

Curiosidades do Japão:

♥ No Japão é costume levar-se algo, geralmente comestível, quando se vai visitar a casa de alguém, no entanto deve-se evitar o número quatro por ser considerado um número de má sorte;

♥ No Japão banhos compartilhados com pessoas do mesmo sexo é um hábito muito comum;

♥ Por simbolizar coisas como sorte, paz, saúde, longevidade, fortuna, felicidade e fidelidade, e acredita-se que ao dobrar mil grous de papel poderá ter-se um desejo realizado, algumas das situações mais comuns para dobrarem-se os 1.000 grous são para desejar melhoras a um amigo doente, ou felicidades em um casamento. A prática de dobrar mil grous de papel se chama senbazuru.



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