A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 39
38: Você consegue se escutar?


Notas iniciais do capítulo

Hellou!!!
Hoje "A Lenda da Raposa de Higanbana" está completando três anos!!! ♥
Nem acredito! O.O
O capítulo tá gigantesco eu sei kkkk Considerem como um presente de aniversário XD
E não se preocupem que a coisa está bem tranquila... espero vocês nos comentários ^_^



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Yukari não precisava que ninguém dissesse a ela que era uma negação nos esportes, mas até mesmo ela podia perceber que a representante talvez tivesse jogado a bola de basquete com um pouco de força demais naquele momento.

—Representante você quase quebrou a tabela! — Kaoru exclamou quando a outra se juntou a elas.

Por ser inverno e estar muito frio para praticar esportes lá fora, a aula de Ed. Física havia sido realocada para o ginásio, onde o professor ordenara que todos se organizassem em fila e tentassem encestar a bola de basquete.

A representante bufou, jogando o rabo de cavalo para trás.

—Quem me dera poder quebrar algumas cabeças! — reclamou.

Ela vinha estando de mau humor o dia inteiro, aparentemente havia tido alguma briga com o irmão, mas parecia que depois do almoço havia piorado.

—E de quem exatamente você gostaria de quebra a cabeça, doce Aiha-chan? — Ichinose Sakura perguntou brotando em meio as três e jogando seus braços em volta dos ombros de Yukari e Kaoru.

De alguma forma a nova amiga de Aoi-chan havia se tornado bem próxima ao grupo em apenas uma semana.

—Sakura-chan, o que está fazendo aqui?! — Kaoru se surpreendeu.

Sakura-chan girou os olhos, hoje ela tinha os cabelos repartidos ao meio e presos no alto dos dois lados.

—Nossas classes fazem aula de Ed. Física juntas, duh!  — respondeu — Estamos bem ali na outra metade da quadra jogando vôlei, não reparou?

Mas se ela estava ali, então Aoi-chan também…

—Sakura-chan! — Aoi-chan chamou-a, se aproximando correndo — Sakura-chan o que você está fazendo? Não deveríamos incomodar as meninas assim, e além do mais e se o professor nos ver?!

Yukari desviou o olhar e escondeu as mãos atrás das costas, ela simplesmente não sabia como encarar Aoi-chan.

—Eu não estou incomodando ninguém, afinal somos todas amigas aqui! — Sakura-chan riu puxando Yukari e Kaoru um pouco mais para perto, estrangulando-as de leve — E também a Aiha estava prestes a nos contar quais cabeças está querendo quebrar, vai Aiha, pode ir em frente!

Então, ainda apertando as outras duas garotas junto a si, olhou-a cheia de expectativa, até que a representante soltasse o ar com força pela boca.

—Francamente acho que eu queria quebrar a cabeça de todos os homens do mundo para ver se conseguiria enfiar algum juízo ali dentro! — respondeu impaciente, com as mãos nos quadris — E o primeiro da lista, sem dúvida seria meu irmão estúpido!

—Por quê? — Aoi-chan piscou curiosa.

A representante girou a mão em círculos no ar, como se estivesse tentando espantar alguma mosca irritante.

—Vocês sabem que meu ex-namorado é um dos amigos do meu irmão, certo?

Yukari, Kaoru e Aoi-chan acenaram afirmativamente com a cabeça.

—Não, mas continue, por favor. — Sakura-chan pediu bastante séria.

—Pois bem, por causa do acidente no festival cultural meu ex, obviamente, teve que ir a um pronto socorro…

—Espere. — Kaoru interrompeu — Que acidente?

A representante olhou-a.

—Ah claro, você e Nishiwake não estavam lá. — ela deu de ombros — Durante o festival Izao veio aqui na escola fazer uma cena, e tentou me arrastar a força para algum lugar, mas infelizmente para ele sua cara deu de contra com o punho de Gin-san que estava ali de passagem por acaso.

Kaoru e Aoi-chan exclamaram surpresas, enquanto Sakura-chan, mesmo obviamente não tendo a menor ideia de quem elas estavam falando, soltou uma gargalhada, e Yukari limitou-se a franzir o cenho, claro que essa era uma maneira de descrever a situação, mas mesmo assim…

A representante continuou:

—Mas depois aquele estúpido foi correndo até meu irmão, contou uma versão totalmente distorcida dos fatos, dizendo que “havia me procurado para conversar e meu novo, ciumento e violento namorado o atacou de repente sem razão nenhuma” então meu irmão tinha que indenizá-lo pelo nariz quebrado e aquele duas vezes mais estúpido irmão pagou! E agora está me importunando para dar a ele o contato do meu “novo namorado” para pedir a restituição a ele!

—Que sem noção! — Sakura-chan exclamou.

—Nem me fale! — a representante concordou.

Aoi-chan, que havia perdido um pouco da cor do rosto, cutucou-a.

—E seu ex-namorado está bem?

A representante olhou-a seriamente.

—Ele está melhor do que merece, com certeza. — garantiu, antes de voltar-se para Yukari: — E Shibuya, você não tem com o que se preocupar, eu não estava pensando em te pedir o contato de Gin-san, ainda mais por uma razão tão ilógica dessas! Eu disse ao meu irmão que se ele continuar me incomodando com isso então eu vou quebrar o nariz dele para que combine com o do seu querido amigo.

Yukari deu de ombros e anuiu, de qualquer forma não era como se houvesse alguma chance de Gintsune realmente pagar algo de volta ou tampouco tivesse um “número para contato”, embora tivesse lhe ligado naquela vez durante a cerimônia de purificação da cidade.

Finalmente soltando a ela e Kaoru, Sakura-chan afastou-se e olhou-a analiticamente com uma mão sobre o queixo.

—O-ho, então nosso herói na verdade é seu namorado?

Franzindo o cenho, Yukari abriu a boca pronta para respondeu um óbvio “não”, quando Aoi-chan guinchou:

—Não! — e inesperadamente sem se importar ou parecer perceber os olhares que atraíra, ela agarrou o braço de Yukari — Ele não é! Certo Yukari-chan?!

De repente ela estava completamente apavorada, Yukari franziu o cenho.

—Certo. — e, talvez com o intuito de tranquilizá-la, acrescentou: — Ele não está na cidade agora.

—R-realmente? — Aoi-chan a soltou lenta e tremulamente — Que bom… — suspirou levando as mãos ao peito — Sim, que bom… isso mesmo, não teria mais jeito de ele ainda estar na cidade.

Ela pareceu sorrir consigo mesma.

O restante das garotas estava observando desconcertadas para o estranho comportamento de Aoi-chan, até que a representante pigarreou.

—Claro que garotos inteligentes também podem ser bastante estúpidos. — ela tentou retomar o assunto original. — Hiroshin, por exemplo.

—O presidente do conselho estudantil? — Yukari estranhou ao reconhecer o apelido. — Por quê?

—Aquele idiota sempre teve notas exemplares, nunca ficou a baixo dos dez primeiros no ranking de notas, ele tem ótimas recomendações, e mesmo assim simplesmente declarou que não pretende fazer faculdade alguma!

—Puxa! — Sakura-chan exclamou — As notícias realmente correm rápidas! O presidente só teve ontem a sua reunião de aconselhamento de carreira.

A representante a olhou.

—Sim, foi Yonekura quem me contou… e como você sabe disso?

—Sou tesoureira do conselho estudantil. — Sakura-chan anunciou orgulhosa.

—Mas se o presidente não pretende fazer nenhuma faculdade, o que ele quer fazer? — Kaoru perguntou.

—E quem pode saber? — a representante respondeu, com um retorcer de lábios — Mas provavelmente vai começar a trabalhar na floricultura dos pais, Higanbana é cheia de negócios familiares e alguns desses “herdeiros” não tem a menor criatividade para suas ambições.

—Não que eu possa culpá-los, se meus pais tivessem algum tipo de negócio familiar, o futuro seria a última das minhas preocupações. — Sakura-chan riu despreocupada.

—Ah, Yuki, acabei de me lembrar! — Kaoru exclamou — Ontem eu vi aquela pessoa!

—Que pessoa? — Yukari franziu o cenho.

Não podia se tratar de Gintsune… certo?

De jeito nenhum! Mal fazia uma semana que a cidade inteira fora purificada, ele certamente não seria louco a esse ponto, e mesmo se fosse, Momiji-san não permitiria…

—Você sabe, aquela pessoa hã… não consigo lembrar de seu nome, o garoto alto e assustador com um nome delicado, da cerimônia de purificação, o filho do monge.

—Ah… — fizeram as quatro garotas quando a compreensão mútua as alcançou.

Aquele foi um dos encontros mais desconcertantes da vida de Yukari, e isso falando em nome de alguém que já havia desmaiado ao encontrar um homem com orelhas e cauda de raposa dormindo em uma das banheiras da pousada, mas ela ainda não conseguia decidir o que havia sido mais desconcertante no meio de tudo: saber que aquela pessoa enorme e assustadora estava com problemas porque havia se separado do pai e queria ficar perto de Yukari até poder reunir-se com ele novamente, tal qual uma criança perdida, ou que ele tinha somente quinze anos, ou que o pai dele era o monge vindo de Kyoto para a cerimônia de purificação da raposa.

—Jovens damas, honoráveis senhoras, muito obrigado por terem feito companhia ao meu garoto durante esse tempo, geralmente ele não se dá bem com estranhos por causa dessa sua expressão ruim. — agradecera-lhes o monge.

De cabeça raspada, expressão bondosa e constituição pequena, ele era o extremo oposto de seu filho que, parado ao seu lado, reclamava para que ele calasse a boca.

—Foi uma cerimônia muito bonita. — dissera a avó de Yukari — Eu só gostaria que Mistuki tivesse conseguido tirar fotos melhores.

Foi quando Sakura-chan se adiantou e disse:

—Talvez o senhor conheça meu tio? Ele é um monge do templo de Inari local: Kato Tooru.

Ele não só o conhecia como também eram antigos companheiros de faculdade, e fora por intermédio dele que fora chamado até a cidade.

Ou ainda, voltando agora à lista de fatores desconcertantes daquele encontro, que apesar da aparência, aquele garoto teria um nome lindo e delicado como…

—Hã… Nadeshiko Izumi, certo? — perguntou Aoi-chan. — Mas onde você o viu, Kaoru-chan?

Das cinco, Aoi-chan fora sem dúvida aquela que ficara mais assustada com o recém chegado.

Colocando-se ao lado de Yukari, a representante a cutucou discretamente.

—Confesse Shibuya, você achou que Hongo estivesse falando daquela outra pessoa, não é? — sussurrou com um sorrisinho.

Yukari deu de ombros sem negar nem confirmar nada.

—Ele passou em frente à loja enquanto eu estava ajudando a limpar e arrumar tudo lá com meu pai. — Kaoru respondeu. — Passou de um lado para o outro umas duas vezes antes de eu sair para ver se precisava de alguma coisa. Acho que estava perdido, porque ele ficava resmungando e coçando a cabeça enquanto andava com o celular na mão, mas de repente deu um grito alto, pulou para o lado e se jogou com o ombro contra uma máquina de vendas.

—É o que?! — a representante piscou incrédula.

Kaoru assentiu.

—Se eu tivesse dado com meu ombro usando aquela força, certamente teria o deslocado. — ela fez uma careta enquanto massageava o ombro, como se pudesse sentir a dor só de imaginá-la — Mas quando tentei aproximar-me para perguntar se precisava de ajuda, ele berrou-me “cai fora!” e eu voltei correndo apavorada para a loja!

—Que grosseiro! — Sakura-chan opinou.

—E assustador. — Aoi-chan acrescentou.

—Mas então hoje de manhã quando eu saí para vir à escola ele estava parado lá na frente! — Kaoru continuou, arregalando os olhos — Ele parecia furioso, então assim que o vi eu dei meia volta e tentei entrar na loja de novo, mas ele me deteve agarrando-me pela cabeça!

—Pela cabeça?! — a representante estranhou.

—Ele tem uma mão muito grande. — Kaoru comentou, tocando o topo da própria cabeça — E então enfiou uma barra de chocolate entre as minhas mãos e disse-me “Tome aqui, isso é por ontem!” e foi embora!

—E o que mais? — Sakura-chan quis saber.

Kaoru deu de ombros, parecendo um pouco constrangida.

—Foi só isso.

—Como só isso?! — ela revoltou-se — Você não pode terminar uma história sem sentido dessas com um final aberto assim!

—M-mas o que quer que eu diga? Foi só isso o que aconteceu…

—Mas se ele veio se desculpar pelo dia anterior, então talvez ele não seja uma pessoa má. — Yukari opinou.

Ou talvez os conceitos dela de “bom” e “mau” é que tivessem ficado inadequadamente abrangentes, devido a certas raposas…

Mas mesmo que tivesse falado sobre ele mais cedo, Nadeshiko Izumi era a última pessoa que Yukari esperava encontrar na pousada, por isso quase caiu para trás ao vê-lo aparecendo junto com seu inusitado pai enquanto ela estava terminando de limpar o saguão de entrada.

—Veja Izumi, é a encantadora magia das cidades pequenas! — disse o monge ao avistá-la, desviando-se de seu caminho até o balcão para ir cumprimentá-la — Em que outro tipo de lugar afinal poderia se encontrar pela segunda vez a mesma pessoa, em situações completamente diferentes? Você trabalha aqui mocinha?

—Bem, eu…

Começou a falar, tentando não se sentir desconfortável com o olhar intenso de Izumi-kun ao seu lado, como se ele não a reconhecesse e estivesse tentando se lembrar de onde já a vira antes, mesmo que tivesse sido ele quem quase a matara do coração quando a abordara daquela forma na cerimônia…!

—Ah! — ele exclamou de repente, fazendo-a pular de susto — É a garota repelente!

Perante os olhos arregalados de Yukari, o monge teve um ataque violento de tosse.

—G-garoto! Que jeito de falar é esse com a senhorita?! — o miúdo homem repreendeu, batendo com o punho no próprio peito, tentando aliviar a tosse — Jovem senhorita, por favor, não leve a mal. — pediu-lhe, embora até ele próprio parecesse chocado — Esse garoto tem uma forma brusca de falar, mas garanto que é um bom…

Yukari ergueu a mão, tentando manter sua melhor expressão profissional.

—Está tudo bem. — garantiu, curvando-se respeitosamente.

Para Izumi ela parecia-se exatamente com uma garota normal, mas ele precisava que ela lhe contasse como fazia aquilo.

—Qual era mesmo o seu nome?! — perguntou segurando-a pelo braço.

Ele sentia emanar dela uma força que em nada combinava com aquela aparência magra e simples, de olhos desconfiados…

—Garoto o que está fazendo, como a jovem senhorita?! — o pai o repreendeu, beliscando sua mão — Olha os seus modos!

—Ai velho! — reclamou soltando-a e esfregando as costas das mãos.

—É melhor deixarmos a jovem senhorita continuar trabalhando agora. — o pai avisou-o pondo as mãos em suas costas e indicando-lhe que recomeçasse a andar.

Ao olhar para trás, ela parecia absolutamente comum, mas Izumi sabia o que sentira ao tocá-la agora a pouco, e principalmente sabia o que vira na cerimônia, e ele tinha que descobrir como ela fazia aquilo!

—Oh! Olá novamente! Um amigo me recomendou essa casa de banhos, o preço para duas pessoas…? — dizia seu pai diante do balcão da recepção.

Quando a garota percebeu que Izumi ainda a olhava, ela começou a inclinar a cabeça, cumprimentando-o novamente, ele tinha que saber mais sobre ela.

—Foi um pouco desconfortável. — Yukari contou às amigas na escola, dias depois. — E minha avó disse que ele foi me procurar ontem também, quando eu estava lá em cima cuidando dos quartos, mas assim que ela disse que iria mandar me chamar, ele disse que não precisava, deixou o dinheiro no balcão e entrou no banho masculino.

—Você parece atrair uns tipos bem peculiares, Shibuya. — a representante comentou enquanto terminava de fechar a bolsa — Acho que é porque você tem esse jeitinho comportado e ingênuo e eles devem pensar que vai ser fácil te enganar.

—Me desculpe representante, mas acho que você anda lendo livros demais. —Yukari franziu o cenho.

—Ah é? — a representante cruzou os braços — E o que é aquilo?

Ela indicou a janela com um movimento do queixo.

—Oh nossa. — comentou Kaoru também olhando pela janela.

La embaixo, no pátio, um professor parecia estar brigando com algum estranho grandalhão de casaco preto e capuz.

—Não pode ser. — murmurou incrédula, franzindo o cenho.

—Se pode ou não, nos conte o que aconteceu amanhã, porque Hongo e eu temos atividades nos clubes hoje. — a representante despediu-se.

Yukari voltou a olhar pela janela, normalmente uma cena daquelas atrairia bastante atenção, mas os alunos que saiam estavam obviamente tentando manter o máximo de distância possível e até evitavam contato visual e, até onde ela sabia, poucas pessoas em Higanbana conseguiam causar aquele efeito nas pessoas… o que será que ele estava fazendo ali?

—Mas que coisa, eu já disse que não sou ninguém suspeito! — Nadeshiko Izumi estava reclamando em voz alta com o professor, quando Yukari chegou apressada à cena. — Dá para me deixar em paz de uma vez?!

—E por que está rondando a escola? — o professor perguntava irritadamente, cutucando com força o peito do adolescente — Por que não está carregando nenhum documento de identificação? Por que está cobrindo o rosto desse jeito?!

—Porque está frio aqui, droga! — ele puxou para baixo o cachecol que cobria a parte inferior do seu rosto — E não estou rondando nada, só me perdi um pouco!

Realmente estava tão frio que suas respirações se condensavam no ar diante de seus rostos e Yukari já sentia suas pernas começarem a ficar frias como colunas de mármore enquanto o ar gelado se entranhava por debaixo de seu casaco e saia.

—Perdão pela interrupção, mas você é Nadeshiko Izumi, certo? — intrometeu-se — Há algo em que precise de ajuda?

O professor lhe lançou um olhar irritado.

—Você conhece essa pessoa?

—Ele é um turista aqui, e um cliente da casa de banhos Shibuya. — respondeu sem hesitar, isso confirmava a razão para Nadeshiko-kun estar perdido em uma cidade tão pequena e mesmo que o professor não soubesse quem ela era, ele certamente saberia sobre a pousada.

—Então é assim? — o professor olhou de maneira desconfiada de um para o outro, mas acabou abanando a mão no ar, dispensando-os — Então voltem a circular, por favor, e não fiquem aqui causando tumulto no portão principal.

—Hã?! — reclamou Nadeshiko-kun erguendo a voz ameaçadoramente — O único causando tumulto aqui foi você me parando sem motivo nenhum…!

—Muito obrigada pela preocupação, professor. — Yukari intrometeu-se entre os dois, curvando-se respeitosamente ao professor, que lhe olhou ainda insatisfeito e só então se virou para ir dar instruções aos alunos que voltavam para casa naquele momento, coisas como “não fiquem na rua até tarde” e “tenham cuidado ao voltar para casa”. — Me desculpe por ter me intrometido e por ter escutado a conversa, mas eu nasci nessa cidade e estou acostumada a lidar com turistas, então se precisar de informações sobre alguma direção, eu ficaria feliz em ajudar. O que estava procurando?

Por um instante Nadeshiko-kun olhou-a do alto, com uma careta de irritação um pouco assustadora, ele era realmente grande e intimidador, não é? Quanto será que tinha de altura?

—Você. — respondeu bruscamente.

—O que? — franziu o cenho sem compreender.

—Eu estava indo para a sua casa. A pousada. A casa de banhos da sua família. — Nadeshiko-kun se corrigiu repetidas vezes.

—Ah sim.  — concordou e, mesmo se sentindo um pouco incomodada com o que iria sugerir a seguir, disse: — Não é muito difícil chegar lá a partir daqui, mas estou indo para casa agora, então se quiser, por favor, me acompanhe.

Concordando com um aceno de cabeça ele se pôs a seguir Yukari em silêncio enquanto ela refletia se ser vista junto com Nadeshiko-kun seria mais ou menos problemático do que quando ela era vista com Gintsune.

—A bolsa! — ele exigiu de repente, estendendo-lhe a mão e surpreendendo-a.

—O que? — perguntou desconcertada.

—A bolsa! — Nadeshiko-lun repetiu — Eu vou carregá-la.

Yukari apertou a alça da mochila.

—Isso não é necessário…

—Estou dizendo para me dar a bolsa mulher! Estou sendo gentil! — ele irritou-se de repente.

Surpresa, Yukari entregou a bolsa sem pestanejar, balbuciando “muito obrigada” bastante desconcertada.

—Essas coisas ficam me enchendo, mesmo que aqui tenha menos deles, mas eles se multiplicam muito rápido, é nojento. — Nadeshiko-kun comentou chutando o ar e estalando a língua com uma expressão insatisfeita — E tudo aqui está diferente. — pisando forte como se esmagasse uma barata, ele parou olhando de um lado para o outro antes de atravessarem a rua — É realmente confuso tentar se localizar!

—Então você já veio a Higanbana antes?

—Nunca pisei aqui em toda a minha vida. — ele respondeu imediatamente, fazendo uma careta e coçando a cabeça logo depois, como se estivesse confuso com suas próprias palavras. — Esqueça isso. A razão para eu estar procurando por você, é que eu queria perguntar…

—Achei que havia se perdido a caminho da pousada. — Yukari o interrompeu sem pensar.

—Eu disse que estava procurando você, mulher! — ele jogou de volta, já automaticamente irritado.

Yukari franziu o cenho, sem compreender.

—Você… tem algum assunto a tratar comigo?

Ele acenou afirmativamente.

—Eu quero saber como você faz isso.

Até então, embora estivessem caminhando lado a lado, ambos haviam mantido uma distância significativa entre si, mas Nadeshiko-kun repentinamente moveu-se de lado, quase se chocando com Yukari, fazendo-a se lembrar da história de Kaoru sobre como ele havia se jogado contra uma máquina de vendas na rua… ela realmente não gostaria de estar no lugar daquela máquina.

—Isso o que?

—Isso! — ele gesticulou impaciente em sua direção — Como você faz isso para afastá-los?

Yukari parou de caminhar, sem entender ao que ele estava falando.

—Quem?

—Esses…! — por um instante Nadeshiko-kun ergueu a voz, mas então ele olhou a volta e, estranhamente, baixou-a até o volume de um murmúrio antes de continuar: — Esses insetos nojentos.

Ele não estava fazendo o menor sentido!

—Estamos em pleno inverno. — Yukari explicou calmamente. — Está frio demais para haver insetos.

—Hã?! — a voz de Nadeshiko-kun voltou a se erguer ameaçadoramente de novo — Do que você está falando mulher?!

Yukari franziu o cenho e colocou as mãos nos quadris.

—Do que você está falando Nadeshiko-kun?! — exigiu saber, avançando em sua direção, com o queixo erguido — Eu realmente não estou entendendo nada! Naquela vez também, você me chamou de “garota repelente”! É algum tipo de piada estranha? Está debochando de mim?!

Por um momento Nadeshiko-kun ficou parado piscando com a boca entreaberta, surpreso com o repentino rompante de ousadia de Yukari, vai ver a representante tinha razão, e ela passava a imagem de alguém comportada e ingênua que era muito fácil de ser enganada, mas de repente o rosto de Nadeshiko-kun fechou-se numa carranca.

—Hã?! Quem está fazendo piada de quem aqui mulher?!

Perguntou naquele seu tom costumeiramente alto e ameaçador, eles já estavam começando a chamar um pouco de atenção na rua, mas Yukari não recuou, ela bateu o pé no chão.

—É Shibuya Yukari!

—Hã?!

—Meu nome é Shibuya Yukari! — esclareceu irritada — Então pare de me chamar de “mulher” para cá e “mulher” para lá!

—Então você também, pare de me chamar dessa forma constrangedora “Nadeshiko-kun”! — ele retrucou também irritado.

—Mas esse é o seu nome, não é? — Yukari franziu o cenho. — Como eu deveria chamá-lo então?

Mas ao invés de responder, Nadeshiko-kun simplesmente virou-lhe as costas e saiu marchando na frente, e como ele ainda estava com sua mochila, Yukari não teve outra escolha exceto segui-lo e impedi-lo de virar na direção errada na esquina seguinte.

Assim, caminharam por algum tempo em um silencio mal-humorado até que, quando passavam pela estrada entre o rio e o campo de higanbanas — agora já completamente seco e despido de flores — ele parou ao lado do bordo japonês e olhou para um grupo de crianças que brincava correndo no campo, deviam estar voltando da escola, pois suas mochilas estavam todas empilhadas em volta da árvore.

—Izumi. — ele disse de repente.

Yukari também parou.

—O que?

—Quero que me chame de Izumi! — explicou irritado. — Nadeshiko é… constrangedor.

Ah sim, Yukari podia entender, mais ou menos, porque seria constrangedor para um garoto grande daqueles ficar o tempo todo sendo tratado pelo nome de uma linda e delicada flor… não que “Izumi” fosse exatamente um nome tipicamente masculino também, mas ela decidiu ficar calada a esse respeito.

—Está certo, Izumi-kun.

Embora fosse constrangedor chamar um rapaz pelo nome, seria rude continuar chamando-o de uma forma que ele claramente desaprovava.

Izumi-kun sacudiu a mão no ar.

—Esqueça os honoríficos m… Yukari, também é estranho ser tratado de forma tão formal assim por alguém mais velho. — reclamou.

Ele nunca estava satisfeito? Yukari começou a se irritar novamente, e chamando-a assim já de cara diretamente pelo nome? Que pessoa mais abusada! Claro que ela não se incomodava quando era Gintsune, mas isso e aquilo eram coisas totalmente diferentes, em primeiro lugar ela mal conhecia essa pessoa… e por que estava pensando naquela raposa agora?

—É apenas questão de educação. — o repreendeu, sem se conter — E eu entendo que não goste de ser chamado pelo seu nome de família e irei respeitar isso, mas agradeceria se não usasse meu nome de forma tão descuidada assim por enquanto, prefiro…

—Esse lugar não é perigoso? — Izumi-kun a interrompeu, aparentemente sem escutá-la.

—Perigoso? — Yukari olhou de cenho franzido para as crianças brincando ali perto, é verdade que estava um pouco frio para ficarem correndo ao ar livre, mas… — Perigoso como?

—Raios. — respondeu sombriamente — Em uma área aberta tão grande assim, não há perigo de raios?

Ele olhou para a momiji próxima a si, como se a árvore tivesse se transformado em um para-raios.

Yukari observou as crianças brincando.

—Mesmo que seja uma área aberta, não é um terreno alto e mortes por raios não são raras? Então deve estar tudo bem. — opinou. — A cidade não tem particularmente nenhum histórico com mortes por raios também…

Mesmo que a cidade tenha mantido por décadas uma raposa elétrica lacrada, Yukari não conhecia nenhuma história do tipo, exceto aquela lenda contada sobre a Dama da Cerejeira — e que agora ela obviamente sabia não ser lenda alguma —, mas talvez houvesse tido um caso ou outro em um dos “Anos do Binbougami”, nunca se sabe, todo tipo de desgraça acontecia durante esses anos, afinal.

—Você realmente não pode vê-los? — Izumi perguntou de repente. — Essas coisas nojentas?

—Você está falando daqueles “insetos” de novo? — Yukari franziu o cenho — Me desculpe, mas sinceramente não sei do que você está falando.

Izumi a encarou, ele parecia irritado, mas Yukari não desviou o olhar e assim ambos pareceram entrar em alguma espécie de “disputa de olhar” que duraram vários segundos até que, por fim ele desviou o olhar, esfregando a lateral raspada da cabeça e grunhindo.

Dois garotos que passavam por ali também voltando da escola se assustaram com aquilo e quase perderam o controle de suas bicicletas.

—Ah eu não estou entendendo mais nada! — reclamou soltando o ar com força pela boca e fazendo o ar se condensar diante de seu cachecol — Eu achei que você fosse igual a mim, mas…! — ele começou a esfregar ambos os lados da cabeça, tão furiosamente que Yukari começou a pensar se aquele moicano não havia surgido por ele esfregar excessivamente as laterais da cabeça até todos os cabelos daquela região caírem — E ainda tem essa coisa que você faz…! É parecido com o que os monges fazem, mas completamente diferente e eu achei que você poderia me ensinar…! — ele continuava a esfregar a cabeça freneticamente, nesse ritmo iria começar a fumegar — Mas você nem pode vê-los! E com certeza não se dá conta do que faz também!

—Hã… — Yukari piscou sem saber ao certo o que deveria responder — Des… desculpe-me?

—Ah esqueça! — ele virou-se e começou a se afastar.

Yukari olhou uma última vez para as crianças brincando — nenhuma criança com olhos cinzentos e sorriso de raposa dessa vez, não é? — antes de segui-lo.

—Izumi-kun! — o chamou quando percebeu que ele estava simplesmente ultrapassando a ponte, seu senso de direção com certeza era dos piores — É por aqui!

—Hã?!

Mas quando Izumi olhou para trás, seu pé escorregou em um pouco de lama e gelo e ele caiu de costas no chão com um baque ruidoso que fez Yukari fechar os olhos e encolher-se momentaneamente.

—Minha nossa! — ela correu até ele — Você está bem?!

Izumi estava deitado no chão com uma expressão bastante séria e carrancuda e o braço direito erguido em um ângulo perfeito de noventa graus.

—Estou.

Yukari parou de cenho franzido ainda a alguns passos dele, estava de saia afinal.

—Você é um tanto desajeitado, não é? — comentou.

—Mas não é minha culpa! — Izumi respondeu irritado — E sua bolsa não se sujou também!

—Ah… — só então Yukari reparou que ele estava segurando a bolsa dela com a mão direita, no alto e bem longe da lama — Ah! Obrigada!

Emitindo mais um de seus típicos grunhidos, Izumi se sentou e então começou a se levantar ainda mantendo todo o cuidado de manter a mochila de Yukari longe da lama.

—Certo, talvez dessa vez tenha sido um pouco minha culpa. — resmungou devolvendo-lhe a mochila.

Yukari aceitou a mochila de volta e franziu o cenho, pensativa.

—Naquela vez você me chamou de “garota repelente”. — começou.

—Hã?! — Izumi ergueu a voz novamente — E daí? Eu já disse que não estava tentando zombar de v…!

—Eu sei. — Yukari ergueu a mão, detendo-o calmamente. — E agora a pouco você estava falando sobre esses “insetos nojentos” que não posso ver, e disse algo sobre eu fazer uma coisa parecida com os monges… então… — pigarreou torcendo as alças da mochila entre as mãos e franzindo ainda mais o cenho — Os “insetos” dos quais você fala, por acaso seriam ayak…?

—Argh! Esqueça! — Izumi interrompeu-a erguendo a voz bruscamente e desviando o olhar enquanto endireitava as costas esfregava a lateral da cabeça. — Se você não está envolvida com eles, é melhor não tentar se intrometer ou isso só te trará problemas!

Dizendo isso ele passou por ela e começou a fazer o caminho de volta com passos largos.

—Espera! — Yukari virou-se o chamando — Você está todo sujo e molhado! A pousada está perto, então podemos lavar suas roupas, nós temos secadoras e yukatas, por isso…

—Não preciso de nada disso, valeu! — ele despediu-se acenando sem se virar.

Yukari ainda ficou parada por um tempo, vendo-o se afastar e franzindo o cenho pensando se, com aquele senso de direção terrível, ele realmente ficaria bem, mas não era como se pudesse arrastá-lo e ajudá-lo à força, então deu de ombros e começou a atravessar a ponte.

Foi quando o celular começou a vibrar no bolso de sua saia e, apesar do frio, ela rapidamente começou a desabotoar o casaco para pegá-lo.

Um número desconhecido piscava na tela, mas ela já tinha uma boa ideia de quem se tratava, mesmo que ele não tivesse voltado a ligar desde a noite da cerimônia.

—Alô? — atendeu parando no meio da ponte.

—Yo, Yukari! — respondeu a voz de Gintsune — Há essa hora as aulas já acabaram não é? E provavelmente ainda não deu tempo de você começar a trabalhar, então não estou atrapalhando nada, não é? — riu — Ou você estava trocando de roupa?

Yukari franziu o cenho, recomeçando a caminhar.

—Pare com os atrevimentos ou vou desligar. — ameaçou — E, por favor, me diga que não está roubando celulares para me ligar!

—É emprestado, nada suspeito, pode acreditar! — afirmou rindo de maneira completamente suspeita, mudando de assunto logo depois: — E como está indo sua vidinha tediosa?

—Estamos nos últimos dias de aula antes do recesso de inverno, por isso logo meu trabalho na pousada será dobrado. — contou recomeçando a caminhar, segurando com a mão livre a frente desabotoada do casaco — Especialmente porque logo será Natal.

—Que vidinha miserável.

Yukari franziu o cenho.

—Você realmente ligou apenas para me importunar?

—Não, claro que não, também achei que você estaria se sentindo solitária sem ouvir minha bela voz! — Gintsune gargalhou em resposta.

Depois disso, pelo resto do caminho ele começou a lhe contar sobre uma “terra bizarra e mágica”, que ele e a irmã haviam encontrado em Tóquio, chamada “Harajuku”, onde até mesmo um par de raposas de cabelos prateados poderia passar despercebido mesmo se estivessem com as orelhas e as caudas de fora, até Yukari ter que desligar para trocar-se e começar a trabalhar em seu turno.

Parecia que ele estava se divertindo afinal…

—Então por isso que ele estava todo sujo e molhado daquele jeito quando voltou ao templo ontem! — Sakura-chan riu ruidosamente durante o almoço na escola no dia seguinte — E seu nariz estava escorrendo também!

Ela batia na mesa enquanto ria.

—Sakura-chan pare! — Aoi-chan chamou-a um tanto nervosa enquanto sacudia-lhe pelo ombro — Estão todos olhando!

—Ninguém está olhando coisa alguma Aoi! — Sakura-chan inclinou-se perigosamente para trás, apoiando-se sobre as pernas traseiras da cadeira. — Por aqui já se acostumaram comigo há tempos, você sabe, então agora só me ignoram!

Hoje, diferente do habitual, elas estavam comendo na sala de Aoi-chan e Sakura-chan.

—Então ele só queria chegar à casa de banhos? — a representante questionou um pouco desconfiada.

—Uh, sim… isso mesmo. — Yukari concordou.

 

E rapidamente começou a encher a boca de comida para não poder responder mais nenhuma possível pergunta, porque estava simplesmente fora de questão que ela falasse dos “insetos nojentos” que Izumi via e Yukari aparentemente era capaz de repelir de alguma maneira.

—Mas por que você estava no templo, Sakura-chan? — Kaoru perguntou.

Sakura-chan ergueu o pulso direito, mostrando o bracelete de contas.

—Meu tio é um monge, lembram? Minha mãe pediu um ferro de passar emprestado e eu tinha ido buscá-lo. — deu de ombros. — Eu achava que aquele cara tinha se metido em alguma briga sabe? Uh, ele é realmente assustador, não acham? Mas querem saber? Na verdade ele leva broncas do pai como se fosse um garotinho, é até engraçado se pararmos para p…!

—Shh, façam silêncio, é um anúncio.

A representante as repreendeu, quando a música suave começou a soar através das caixas de alto-falante.

Embora quase mais ninguém na sala estivesse prestando atenção.

—Esse é um aviso oficial do conselho estudantil. — anunciou a voz masculina — Como todos já sabem, o Natal está se aproximando, mas quero dizer aos solteiros que não se desanimem, nem se desesperem e esqueçam esses casalzinhos pegajosos que vão estar se exibindo por aí durante o dia todo…!

—Mas o que é que você está falando vice-presidente Kanõ?! — alguém reclamou ao fundo.

E, enquanto cada vez mais alunos começavam a prestar atenção no alvoroço que era transmitido pelas caixas de som, uma curta disputa pareceu começar.

—Só porque fomos abandonados não significa que não temos dignidade…!

—Pare com isso! Que levar uma suspensão?! Largue esse microfone…!

—E a vocês seus casalzinhos pegajosos e exibicionistas eu espero…!

Sakura-chan começou a bater na mesa enquanto gargalhava.

—Mas o que é que eles estão fazendo? Que bagunça!

Ela riu tanto que suco espirrou de seu nariz.

—Já chega! — um momento de silêncio, e então, um longo e cansado suspiro. — Todos, por favor, perdoem-nos o inconveniente. — disse a voz cansada do presidente do conselho estudantil. — Assim como já estão ciente, logo mais teremos o recesso de inverno, a escola gostaria de lhes desejar boas festas e um descanso tranquilo e, aos alunos do terceiro ano, por favor, estejam cientes de encerrarem suas atividades do clube e se despedirem de seus kouhais adequadamente. E, como tal. — ele pigarreou — Foi uma honra ter sido o presidente do conselho estudantil durante esses dois anos, mas aqui me despeço. Então, essa foi uma transmissão do conselho estudantil, atenciosamente e pela última vez, Tanaka Hiroshi, obrigada a todos.

A transmissão encerrou-se ao som da mesma breve e suave melodia do começo.

—Eu sabia que o Tomoya havia ficado chocado quando a namorada o largou ontem, justo na semana do natal, mas não esperava por essa! — Sakura-chan assuou o nariz com um lenço de papel. — O que será de nosso conselho estudantil agora sem o presidente Tanaka lá para impedir que a sala pegue fogo?

Devido a conhecimentos prévios, Yukari sabia que ela não estava usando de um simples eufemismo… o que era ainda mais preocupante.

—Sakura-chan, você também é membro do conselho estudantil, não devia estar lá na sala também? — perguntou Aoi-chan.

—Não há nenhum evento próximo agendado e eu já fechei o relatório de contas do semestre e o entreguei para o presidente repassar para algum adulto responsável. — Sakura-chan deu de ombros comendo um pedaço de batata cozida — Então no que me diz respeito estou de férias do conselho até a próxima primavera quando vou ter que escrever e revisar todos aqueles relatórios de distribuição de fundos para os club…

De repente a representante levantou-se, batendo com ambas as mãos na mesa, surpreendendo a todas.

—Hã… Representante? — Yukari chamou hesitante, vendo a expressão séria da colega — Está tudo b…?

Mas sem dizer uma palavra sequer ela simplesmente virou-se e saiu correndo da sala.

—Será que foi dor de barriga? — comentou Sakura-chan casualmente.

Para o completo horror de Yukari, Kaoru e Aoi-chan.

—S-s-s-s-s-s-sakura-chan! — gaguejou Aoi-chan.

Porém fosse qual fosse à razão, a representante não retornou até depois de o intervalo já ter terminado, mas então seu humor havia sofrido uma queda brusca e ela não quis comentar coisa alguma.

Yukari e Kaoru também não queriam importuná-la, embora pudessem facilmente deduzir que tinha novamente haver com o presidente do conselho estudantil.

—Oh, que infeliz acaso do destino. — o presidente do conselho estudantil comentou ajeitando os óculos, quando parou diante do balcão de recepção da pousada no final da tarde daquele mesmo dia — Entendo, “Shibuya Yukari” e “Pousada e Casa de Banhos Shibuya”, então é assim que é.

—Ah, presidente Tanaka! — Yukari curvou-se.

—Não, por favor. — ele estendeu a mão — Não estamos na escola e, além disso, deixei o cargo essa tarde.

—Então… Tanaka-senpai? — se curvou mais uma vez — Seja bem vindo à pousada e casa de banhos Shibuya.

—Sim, claro, obrigado. — ele ajeitou a bolsa sobre o ombro, não parecendo muito satisfeito — Ao que parece ficaremos sem água quente na minha casa por alguns dias, eu poderia ter ido à casa de banhos perto da minha casa, mas julguei que seria fácil demais para Aiha me encontrar lá… parece que fiz um julgamento falho, afinal.

—A representante está fazendo-o passar por alguns momentos difíceis, não é? Lamento. — Yukari sorriu hesitante. — Mas no que diz respeito a mim, não há com o que se preocupar, eu não pretendo avisar a representante sobre sua presença aqui.

Tanaka Hiroshi a olhou desconfiado.

—Você é amiga dela. — observou.

—Mas o bem estar e conforto de nossos clientes devem estar sempre em primeiro lugar. — garantiu com seu sorriso profissional.

Por fim isso pareceu tranquilizá-lo um pouco mais e ele pagou por sua estadia e entrou no balneário.

—E agora a casa de banhos vai ficar fedendo a cachorro molhado. — Gintsune comentou ao seu lado, fazendo Yukari pular de surpresa com sua presença repentina.

E ali estava ele!

Bem ao seu lado, relaxadamente inclinado para frente com um cotovelo apoiado sobre o balcão, como se nunca sequer tivesse ido embora.

A raposa olhou-a de lado e sorriu-lhe torto.

—Yo. Yukari.

—Mas o que é que você está fazendo aqui?! — impulsivamente ela agarrou a manga de seu quimono.

Ele arqueou as sobrancelhas.

—Eu senti sua falta. — respondeu deitando a cabeça em seu ombro — Você não sentiu a minha?

Agitadamente ela tentou afastá-lo, alguém acabaria vendo-o! Por que ele sempre agia como bem entendia?!

—Mesmo se eu admitisse que sim, isso não mudaria o fato de que você ainda não deveria ter voltado!

—Então sentiu? — ele pareceu fixar-se na parte menos importante — A ponto de sonhar comigo?

—Você está bêbado por acaso?! — ela se impacientou.

Afastando-se dela e retornando à posição inicial, Gintsune estalou a língua, enquanto uma mãe com um filho pequeno se aproximava do balcão para pagar pelo uso do balneário, e só depois que ela se afastou ele continuou:

—Não tinha como ficarmos mais tempo em Tóquio, minha amada irmã odiou aquela cidade com todas as forças de seu ser, ela nunca diria nada, é claro, porque sabe o quanto eu amo as cidades, mas que tipo de irmão eu seria se não percebesse algo assim? — Deu de ombros.

—Sua irmã! — ela sobressaltou-se — Onde está Momiji-san? Ela voltou também?!

—Claro que sim, ela está lá no jardim cumprimentando o carinha, pois é alguém muito nobre, sabe? Por isso não é de sua natureza instalar-se em um território já ocupado sem antes apresentar-se a seu detentor… claro que humanos não contam. — respondeu despreocupado. — Bem, não se pode fazer nada, a irmã nunca se deu bem com zonas barulhentas, cheias e movimentadas e agora é ainda pior do que antigamente.

Yukari já poderia prever pessoas inconscientemente começando a evitar o jardim novamente…

—Mas precisavam voltar justo para Higanbana?! — perguntou entre dentes.

Se erguesse demasiadamente a voz, acabaria atraindo atenção de algum cliente de passagem, e já bastava o descaramento daquela raposa em se enfiar atrás do balcão de recepção com ela, embora fosse difícil conter-se, como ele podia ser tão despreocupado?! Yukari achou que pelo menos quando se tratava da irmã ele seria, no mínimo, cuidadoso ao extremo beirando até a paranoia obsessiva…!

—Está assim tão preocupada comigo? — ele voltou a deitar a cabeça em seu ombro, para exasperação dela.

Ele a olhou de uma forma que tinha a clara intenção de parecer adorável, mas Yukari não se deixaria vencer tão facilmente assim.

—Claro que estou! O que você esperava?!

Ela tentou afastá-lo, mas era como tentar mover uma parede, ele pegou sua mão e a prendeu em uma “jaula”, entrelaçando os seus dedos.

—Estou sinceramente comovido. — respondeu de forma zombeteira. — Especialmente com a forma como seu coração está acelerando agora. — Como seu coração não iria acelerar quando ele insistia em lhe colocar em situações complicadas?! De cenho franzido, Yukari tentou puxar a mão de volta, obviamente ele não a soltou. — Porém deixe-me dizer-lhe que pode ficar tranquila e sua preocupação é desnecessária. — ele baixou levemente o tom de voz, para que somente ela o ouvisse: — Em primeiro lugar não é como se eles tivessem erguido uma barreira aqui e, em segundo, eu lhe disse, não é? Uma mera purificação genérica de larga escala como essa não seria capaz de realmente nos afastar por muito tempo… se até aquelas coisinhas asquerosas já começaram a brotar e rastejar por aqui novamente, é óbvio que não nos deteria.

Aquelas coisinhas asquerosas…!

—Gintsune! — Yukari lembrou-se com um estalo, logo antes de lembrar-se de também controlar o tom de voz: — Sobre os monges, há algo que me esqueci de lhe contar! Não achei que fosse importante, porque não esperava que voltasse tão cedo, mas aquele monge vindo de Kyoto ainda está na cidade também, e ele…!

—Ah sim. — por fim soltado sua mão como se já houvesse se esquecido dela, ele apoiou o rosto entre as mãos, bem no instante em que um grupo de hospedes cruzava o salão conversando entre si — Os monges parecem ter ficado bastante enferrujados no quesito de lidar com youkais e, até onde sei, os exterminadores foram praticamente extintos, mas não se preocupe, ainda pretendo me manter tão longe deles quanto possível, não sou tão descuidado assim quanto você e a irmã pensam para simplesmente entregar-me de bandeja aos inimigos, no que depende de mim, não cruzarei o caminho de nenhum monge… também vou me manter longe da Praça da Raposa, que foi o local central da purificação.

—Não…! Quer dizer, sim, isso me deixa mais calma, mas não é a isso que me refiro! — ela tentou dizer-lhe — É que provavelmente há mais uma pessoa de quem você deveria manter distância, ele veio junto com o monge de Kyoto…

Mas embora ela estivesse falando em um tom razoavelmente baixo, ele ainda a deteve de continuar, pondo uma mão em seu ombro, pouco antes de Yukari notar mais alguém se aproximando do balcão da recepção.

Aquela silhueta alta e ameaçadora… Yukari o reconheceu mesmo pelo canto dos olhos, antes de se virar completamente.

—Izumi-kun, bem vindo. — curvou-se levemente — Um banho, certo?

Mas ao invés de responder-lhe, Izumi permaneceu parado olhando fixamente para Gintsune que, sem parecer dar muita atenção a ele, estava distraidamente mexendo no celular de Yukari, conferindo suas mensagens… quando foi que ele pegou aquilo?!

Exclamando ultrajada, Yukari puxou o aparelho de suas mãos e o enfiou no obi, franzindo o cenho para o sorriso cínico daquele descarado.

Foi quando, ainda sorrindo cinicamente para ela, ele fez um movimento rápido e sutil com os olhos, mas bastante efetivo, indicando Izumi que ainda estava parado ali perto.

—Me desculpe Izumi-kun. — curvou-se novamente — Um banho, certo?

Relutante, Izumi afastou seu olhar de Gintsune — que agora olhava para a direção oposta como se ignorasse completamente a sua existência — e se concentrou nela.

É claro que seria estranho para qualquer um entrar na pousada e encontrar alguém junto de Yukari atrás do balcão, especialmente se nem sequer fosse um funcionário, mas Izumi era apenas um turista, não havia como ele saber sobre isso, então por que eles estavam agindo daquela maneira? Será que já se conheciam antes? Gintsune havia ido a Kyoto recentemente então talvez…

—Isso.

Izumi confirmou taciturno, deixando o dinheiro sobre o balcão e lançando mais um último olhar a Gintsune antes de se afastar.

—Oh puxa, essa foi por pouco! — Gintsune suspirou pesadamente, endireitando as costas e colocando-se ereto, quando ficaram relativamente a sós novamente — Eu fiquei realmente nervoso aqui!

—Como assim? — Yukari franziu o cenho. — Do que você está falando?

Mantendo um incomum semblante sério, a raposa fixou seus olhos na entrada do balneário masculino, onde Izumi havia entrado, ao responder:

—Aquele homem tinha olhos perigosos como os seus.

Os olhos de Izumi! Yukari se sobressaltou, sim, é claro que os olhos de Izumi seriam perigosos para alguém como Gintsune, pois Izumi era capaz de ver o que a maioria dos humanos não via, era sobre isso que ela queria alertá-lo antes de ser interrompida! Mas… Yukari franziu o cenho.

—Você sempre menciona algo assim, mas não há nada de especial nos meus olhos. — objetou.

Os nós dos dedos de Gintsune deslizaram suavemente por sua bochecha direita.

—Há sim. — ele sorriu gentilmente.

Gintsune sempre estava agindo das maneiras mais imprevisíveis e descaradas possíveis e a essa altura Yukari já deveria ter se acostumado à maior parte daquilo, mas de alguma forma aquele mero gesto conseguiu fazê-la sentir as bochechas se aquecerem e, de repente parecendo se dar conta do que estava fazendo, Gintsune pigarreou e afastou a mão abruptamente.

—Mas eu entendo a sua confusão. — recomeçou a falar, ocultando as mãos dentro das mangas e apoiando-se com o quadril no balcão — Eu sei que você não consegue enxergar além do plano físico, mas é mais… como posso dizer? Por exemplo, mesmo que eu me escondesse no meio de uma multidão, você ainda seria capaz de me encontrar, não é?

—Não tenho certeza…

—Você seria. — ele garantiu — Mas como faz isso? Como sempre consegue me achar ou identificar?

—Não sei. — deu de ombros.

—E esse é o ponto! — Gintsune tirou o cachimbo da manga — Você não consegue ver nada de diferente ou anormal, mas ainda assim pressente que tem algo fora de lugar só com um olhar, é a esse tipo de talento que me refiro quando digo que seus olhos são especiais.

Yukari pensou sobre quilo, mas apesar do que Gintsune afirmava, ela ainda não sentia que realmente havia algo de especial em seus olhos.

—Mesmo que seja assim, então isso só significa que Izumi-kun é dez vezes mais perigoso.

Gintsune tragou o cachimbo lentamente.

—Por quê?

Yukari mexeu-se desconfortável.

—Primeiro, pode parar de fumar aqui? Se quiser fumar vá lá para fora ou para o jardim. — ela cobriu o nariz e a boca com a mão — Tudo bem… além de Izumi-kun ter o mesmo tipo de olhos que os meus… ele, provavelmente, também consegue fazer aquilo que você disse ainda pouco, “ver além do plano físico”. — pigarreou — E ele veio de Kyoto, o pai dele é o monge que foi convidado para purificar a cidade contra raposas.

Gintsune inclinou a cabeça para trás e soprou a fumaça lentamente, enquanto guardava o cachimbo de volta na manga, ele ficou pensativo por um bom tempo enquanto Yukari atendia mais um casal de hóspedes que se aproximou para pedir informações sobre como chegar ao distrito comercial.

—Ah isso parece problemático. — ele comentou afinal.

—Sim, eu sei. — ela segurou seu antebraço — Por isso que você deveria ficar afastado por mais um tempo…!

—Sim, realmente problemático. — ele repetiu olhando-a de canto e guardando as mãos de volta nas mangas — Eu acabo de voltar, mas você não para de falar desse tal de Izumi-kun e ainda por cima está me mandando ir embora.

—O que? — ela franziu o cenho — Você ao menos estava me escutando? Não é nada disso, eu estou dizendo que Izumi-kun…

—Sim, “Izumi-kun”. — Gintsune sorriu-lhe de lado. — Que sobrenome curioso.

—Não, o sobrenome dele é “Nadeshiko”, mas isso não tem importância, eu estou tentando dizer…

—Nadeshiko, certo? Interessante.

—Conhece essa família? — franziu o cenho.

Talvez alguma família antiga de exterminadores?

—Nunca ouvi falar. — ele deu de ombros despreocupadamente — Só acho interessante que em… o que? Uma semana ou duas, você já está próxima o suficiente de um cara até para chamá-lo pelo nome, mas comigo você demorou uns seis meses, eu acho. Que bom para você, certo?

Sorriu-lhe debochadamente.

O cérebro de Yukari quase entrou em curto, Ginstune não estava fazendo o menor sentido! Muito mais do que o normal! Talvez ele realmente estivesse bêbado como ela desconfiou no inicio, embora não sentisse cheiro de bebida nele, ela sacudiu a cabeça, fazendo as tranças ricochetearem.

—Será que dá para parar de se esquivar do que realmente importa aqui? — reclamou — Estou te dizendo que não é seguro voltar para Higanbana ainda, nem para você, nem para sua irmã!

Não queria ter que fazer isso, mas sabia que definitivamente se apelasse para o “complexo de irmã” de Gintsune, ele simplesmente não poderia ignorar o perigo. Porque para aquela raposa nada era mais importante que sua “linda irmã” afinal.

É claro que ele também se deu conta de suas intenções, pois suspirou inclinando a cabeça para trás.

—Ah… que golpe mais sujo Yukari. — reclamou passando as mãos pelos cabelos — É claro que eu jamais colocaria minha amada irmã em problemas, muito menos a deixaria numa situação perigosa, e ela deve estar especialmente cuidadosa depois do que passou…

—Sim, então você entende. — Yukari suspirou aliviada, por conseguir trazê-lo a razão — Você se preocupa que sua irmã fique em perigo e eu me preocupo com você… com vocês! Fico preocupada com vocês!

Corrigiu-se rapidamente.

—Tudo bem, eu já entendi, será perigoso se formos vistos por um cara com olhos problemáticos daqueles. — Gintsune sorriu-lhe alegremente, desencostando-se do balcão, aquilo não parecia bom… — Mas deve ficar tudo bem desde que eu o evite!

—O que? — ela se assustou — Não Gintsune, é sério, você e sua irmã realmente deveriam…

—Mas, você mesma disse que ele veio com o monge que foi chamado de Kyoto para purificar a nova estátua da raposa, certo? — ele observou erguendo o dedo indicador.

—Sim, é verdade, por isso…

—Por isso ele certamente não ficará muito tempo na cidade! — ele a interrompeu alegremente — Certamente ele estará de partida nos próximos dias, agora que sua tarefa está concluída, então até lá eu só preciso me manter oculto junto à irmã, certo?

—De jeito nenhum! — Yukari enrolou as tranças em volta de seus punhos e as puxou — É perigoso…!

—Vai fica tudo bem desde que eu fique junto à irmã. — ele garantiu, acariciando o topo de sua cabeça — Porque quando realmente quer, ninguém é tão excepcional quanto minha irmã para ocultar sua presença!

E assim, num mero piscar de olhos, ele já havia desaparecido.

Ah! Ele era tão irritante e excessivamente despreocupado! Por que realmente fazia tanta questão de ficar em Higanbana?!

Yukari grunhiu frustrada.

A representante tinha toda razão, homens davam mesmo uma bela dor de cabeça até aqueles — e talvez principalmente esses! — que eram transmorfos mágicos!

Mas que seja! Se não podia apelar para o complexo de irmã de Gintsune, só lhe restava apostar no forte senso protetor de Momiji-san, pois é claro que ela não o deixaria correr nenhum risco.

Ou foi do que ela tentou inutilmente se convencer, mas já devia saber que raposas eram mesmo umas criaturas absurdamente imprevisíveis…

—Shibuya, sua cara está horrível. — a representante comentou ao termino do último dia de aula do semestre.

—O que posso dizer? — de olhos fechados Yukari massageou as têmporas, com os cotovelos apoiados sobre a mesa — Deve ser estresse acumulado.

Nos dias seguintes Izumi continuou a aparecer diariamente, sempre por volta da mesma hora, na pousada, quando olhava desconfiado para todos os cantos — parecendo muito mais alerta do que antes de encontrar Gintsune naquela vez —, e trocava umas poucas palavras com Yukari.

Enquanto que Gintsune, mesmo depois de ter prometido ficar escondido com a irmã até a poeira baixar, simplesmente se punha a andar livremente pelo território da pousada sem qualquer cuidado, pois ela sempre o avistava andando por aqui ou por ali, conforme fazia suas tarefas e comumente o encontrava ao sair e voltar da escola, sentado perto das escadas a esperando.

—Disse que ficaria escondido! — reclamou com ele naquela manhã.

Ainda que ele obviamente não estivesse se esforçando para se ocultar, nem mesmo sua avó tinha notado a presença dele por ali, e isso talvez se devesse aos “olhos especiais” que Gintsune tanto insistia que ela tinha ou a ele só se mostrar diante dela, mas fosse como fosse, ela simplesmente não conseguia ficar tranquila, pois se ela era capaz de localizá-lo, Izumi-kun sem dúvida conseguiria também!

—Eu disse que me manteria longe das vistas daquele cara problemático, e é o que estou fazendo. — ele retrucou sorrindo — Não tenho ido à cidade desde que voltei e sempre que ele vem, eu volto para o jardim, não é o bastante?

Definitivamente não era!

Se ele ficava vagando pelo terreno inteiro o dia todo, como é que isso era “tomar cuidado”?! E no que ele estava se baseando para sempre se esconder quando Izumi aparecia? No horário? E se Izumi viesse em um horário diferente? Ou então ele esperava avistar Izumi e só então se escondia? Mas e se Izumi o visse primeiro?!

E se era para ficar preso dessa forma, por que simplesmente não ir embora para um lugar mais seguro?

Afinal o que Momiji-san andava fazendo?!

Às vezes Yukari até duvidava que ela realmente continuava na pousada, pois, diferente do inconsequente irmãozinho, quase não percebia quaisquer sinais dela na propriedade, não que alguma vez antes Momiji-san já houvesse deliberadamente se mostrado aos olhos de qualquer um, mas diferente de antes, agora não havia ninguém inconscientemente evitando o jardim ou começando a passar mal depois de permanecer muito tempo lá, ao invés disso tudo parecia… calmo e normal e, ainda assim, não era incomum que Yukari olhasse para lá e, mesmo que por uma fração de segundos, sentisse um arrepio na espinha.

Momiji-san certamente ainda estava lá, mas não fazia nada para impedir Gintsune de vagar pela propriedade e obrigá-lo a se esconder com ela!

Por que ela era a única que parecia realmente estar se preocupando ali?! Voltou a suspirar ruidosamente.

—Yuki, talvez você esteja trabalhando demais na pousada. — Kaoru comentou preocupada, mas a pousada era o menor de seus problemas! — Talvez devesse tirar uns dias de descanso.

Como se seu pai realmente fosse permitir algo assim! E, no momento, com certeza tudo o que ela menos queria era se afastar da pousada e tirar os olhos de certa raposa… ao mesmo tempo em que queria conseguir a maior distância possível de toda aquela situação problemática!

—Shibuya, isso é algo que normalmente eu digo ao Hiroshin, mas acumular tanto estresse desse jeito vai acabar te deixando careca. — a representante opinou vendo-a levantar — Mas pode ser que eu tenha uma boa sugestão a lhe fazer. — ela tirou o celular da bolsa e começou a mexer nele, enquanto ainda dizia: — Suponho que nenhuma de vocês tenha planos para o natal.

Apesar de verdadeira, supor que ela não teria nada marcado para o natal além de trabalhar não era exatamente a mais incrível das deduções, embora, agora olhando em retrospectiva, ela havia saído com uma frequência bem maior nesse ano do que nos anteriores, quantas vezes haviam sido até agora? Seu aniversário, o festival de verão, a cerimônia de purificação da raposa…

—Se você acha que sair três vezes em um ano inteiro é um grande avanço, então eu estou parando de ter pena de você e começando a ficar genuinamente preocupado. — Gintsune comentou com um suspiro entediado, depois que ouviu sobre a situação.

Yukari o havia encontrado quando viera verificar porque o entregador de um restaurante viera para fazer uma entrega destinada a um quarto que deveria estar, supostamente, desocupado, e cuja próxima reserva só estava marcada para dali á dois dias.

—A irmã e eu não comemos desde que chegamos aqui, não há caça nessa colina e eu não posso assaltar suas cozinhas, que escolha eu tinha? — ele perguntara-lhe enquanto arrumava seus pacotes de comida.

Então por que não iam embora para um lugar mais seguro de uma vez?!

Mesmo assim Yukari deixou passar com um suspiro enfadado, ainda que ele obviamente tivesse pagado o pobre entregador com folhas encantadas, e optou por simplesmente mudar de assunto e contar sobre o novo convite da representante.

—Para o meu pai é demais sim! — retrucou.

—Se estamos falando do ponto de vista de seu pai, para ele você só saiu duas vezes.

—Sim! Papai não me deixou sair no meu aniversário porque é próximo ao dia dos namorados, o que acha que ele vai dizer sobre eu sair no dia do natal, uma data ainda mais movimentada? — colocou as mãos nos quadris.

Gintsune deu de ombros despreocupadamente, pegando suas sacolas de comida.

—Por que não pergunta?

Inacreditável! Como ele podia ser tão…?!

—Yuki? — sua mãe chamou abrindo a porta do quarto. — Você está aqui?

—Ah! — Yukari virou-se surpreendida — Sim! Oi mãe.

—Pensei que tinha te ouvido falando com alguém…? — Chiharu olhou em volta, mas o quarto estava vazio.

Aquele cretino! Quando foi que ele sumiu?!

—Eu só… — franziu o cenho, encarando o tatami — Estava pensando em voz alta.

—Yuki, está tudo bem com você?

—Não… hã, sim! — franziu o cenho ainda mais, retorcendo as mãos, antes de finalmente soltar o ar com força e erguer o olhar — Eu só estava pensando…

Pois mesmo que já soubesse a resposta, não fazia mal algum comentar.

E é óbvio que a resposta de seu pai seria:

—Definitivamente não.

Yukari já esperava por isso, então não conseguiu ficar decepcionada, tinha certeza que a representante também se sentiria da mesma forma.

—Eu entendo pai. — assentiu enquanto comia.

Claro que seu pai ainda não estava satisfeito.

—Francamente Yukari, pedir para sair no dia de natal, um dos dias mais movimentados da pousada? O que você estava pensando?!

—Eu sei pai. — concordou — Eu já pretendia recusar antes, só queria comentar que fui convidada.

—Suas amigas deveriam ter mais consideração também, impondo-lhe esse incomodo. — ele continuou com seu sermão — Afinal elas deveriam saber como seu trabalho na pousada é importante.

—Eu vou conversar com elas. — prometeu.

—Kaoru vai, não é? Aquele meu primo à deixa muito solta. — Daisuki reclamou estendendo a tigela de arroz vazia para a esposa.

Em primeiro lugar a loja de quimonos estava fechada até o inicio do próximo ano, então não havia mal nenhum em deixar Kaoru sair, mas assim como já era de se esperar, Yukari manteve-se quieta, tal qual sua mãe.

Mas inesperadamente sua avó também estava calada, e assim passou a maior parte da refeição.

É claro, pois sair justo no natal era uma ideia estúpida mesmo, e ela tinha que parar de dar ouvidos àquela raposa…

—Eu desisto, minha mente está cansada, devo estar ficando velha mesmo. — vovó Tsubaki lamentou com um suspiro exagerado, empurrando seu prato.

—Mamãe, a senhora está bem? — Daisuki se preocupou. — Não precisa pegar seu turno na limpeza comigo hoje à noite, Chiharu ou Yuki podem substituí-la.

—Meu corpo está ótimo Daisuki, não me trate como uma anciã decrépita. — ela retrucou irritada.

Daisuki franziu o cenho, confuso.

—Mas a senhora acabou de dizer…

—Que minha mente está cansada. — Tsubaki o corrigiu com um tom sibilante.

Daisuki franziu ainda mais o cenho, sentindo-se ainda mais perdido.

—Então… o que a senhora quis dizer?

—Eu disse que a minha mente está cansada, não é? Eu só estava aqui pensando… Yuki ainda está no colegial, mas já trabalha na pousada… Daisuki ajude sua mãe a lembrar qual costuma ser a carga horária de um funcionário que ainda estuda?

—É apenas… meio período, mãe.

—Sim, meio período. — Tsubaki concordou — por isso estou tão confusa, por que Yuki não poderia sair com as amigas mais tarde no natal se ela trabalha apenas em meio período?

—O natal é muito cheio. — argumentou Daisuki — E precisaremos de toda a ajuda possível.

—Sim, é claro que Yuki irá ajudar. — vovó Tsubaki assentiu — Por meio período.

Daisuki franziu o cenho, tentando acompanhar o raciocínio da mãe.

—Eu não estou dizendo que não irei pagar hora extra.

—Mas talvez Yuki não queira trabalhar hora extra? — Tsubaki arqueou uma sobrancelha. — Yuki, você quer trabalhar hora extra nessa terça-feira?

Yukari, que estava até então assistindo à discussão em silêncio juntamente com sua mãe, virando a cabeça de um lado para o outro como se assistisse a uma partida de tênis, pulou surpresa ao de repente ser introduzida na conversa, mesmo que ela fosse o assunto principal.

—Hã? Eu… — a avó e o pai a olhavam tão incisivamente que ela quase teve vontade de desaparecer, e precisou praticamente forçar um fio de voz a sair: — Acho que não.

Tsubaki bateu na mesa como se decretasse uma sentença.

—Então está resolvido! — declarou.

—Não, mãe, espere um pouco aí! — Daisuki protestou — Eu entendo o seu ponto, mas se Yuki queria sair no natal ela deveria ter avisado com mais antecedência…

Tsubaki virou-se no mesmo instante para a neta.

—Yukari. — chamou-a seriamente — Seu pai te falou alguma coisa sobre você fazer hora extra no natal?

Era uma pergunta simplesmente absurda, é claro, seria como Yukari avisar que pretendia usar o cabelo dividido em duas tranças.

Ainda assim ela respondeu:

—Não…

Tsubaki voltou-se com um olhar de superioridade vitoriosa para o filho.

—Que desleixo da sua parte, Daisuki!

Daisuki franziu o cenho apertando os hashis em sua mão.

—Ainda assim, o cronograma de turnos já está quase pronto, portanto…

—Ah sim, então se certifique de colocar Yuki no turno da manhã na próxima terça-feira. — Tsubaki deu de ombros e pegou a tigela de arroz — Vamos estar bem ocupados nesse dia, não é? Você já começou a procurar por funcionários extras Daisuki?

Os hashis pareciam estar prestes a se quebrar no punho de Daisuki quando ele voltou-se para Yukari.

—Yukari, você tem que estar de volta às 21h e ficará responsável pela limpeza noturna durante todos os dias de seu recesso de inverno! — determinou.

E a Yukari não restou nada mais além de piscar surpreendida e inclinar a cabeça assentindo.

Ela sem dúvida nunca deixaria de se surpreender com as atitudes da avó… embora provavelmente já estivesse mais habituada do que deveria a certa raposa intrometida invadindo seu quarto o tempo todo.

—Então eu soube que você irá sair no natal, uma mudança e tanto na sua vidinha chata e monótona de sempre, não acha Yukari?!

Ele exclamou quando Yukari entrou no quarto.

—Por que está aqui há essa hora? — perguntou fechando a porta atrás de si — Não devia estar com sua irmã?

Pois sabia que não se tratava de uma de suas cópias.

—A minha irmã e aquele camaradinha parecem se entender bem, no entanto ele parece não ir muito com a minha cara, o que não faz sentido algum porque eu sou absolutamente adorável, e se a minha linda e gentil irmã percebesse isso, ela certamente o afastaria de si, eu não tenciono tirar da minha irmã a única companhia que ela tem atualmente além de mim então estou aqui e vou te ajudar a se arrumar para o natal! — anunciou animadamente abrindo os braços e escancarando as portas do guarda-roupa dela, mas então fez uma careta e abaixou os braços.

Yukari franziu o cenho e cruzou os braços.

—Só vou sair na terça-feira.

—O que significa que temos menos tempo do que eu gostaria. — Gintsune indicou com um gesto amplo e vago o interior do seu guarda-roupa — Para começar eu sugiro que daqui até aqui a gente queime tudo.

—O que? — ela se engasgou avançando e fechando o guarda-roupa com um baque — De jeito nenhum! — ele juntou as mãos em frente ao rosto e piscou para ela, como se implorasse — De jeito nenhum!

Colocou-se entre ele e o guarda-roupa com as mãos nos quadris e Gintsune desistiu, suspirando e dando as costas a ela, cruzando os braços atrás da cabeça.

—Ah, que menina intransigente, eu só quis dar um conselho de amigo. — reclamou — Você podia pelo menos usar aquilo de vez em quando, sabe?

Yukari inclinou a cabeça de lado, e sua expressão se suavizou um pouco com a confusão.

—Aquilo o que?

Virando-se ele puxou algo da manga e aproximou-se de Yukari, avançando tanto que ela recuou e bateu as costas no guarda-roupa logo atrás de si e agora ele estava a pouquíssimos centímetros dela, com o cotovelo apoiado ao lado da cabeça dela.

O que ele estava fazendo?

Yukari ofegou deixando os braços penderem sem reação.

—Eu te dei há mais de um ano e você nunca usou. — ele murmurou parecendo chateado.

A outra mão dele envolveu a de Yukari e de alguma forma, talvez fosse porque ele estava perto demais, os olhos dela se desviaram para seus lábios por vários segundos antes de conseguirem se concentrar no cinzento de seus olhos novamente.

—Mas do que você…?

Começou a balbuciar, mas se deteve quando ele inclinou-se em sua direção, a respiração de Yukari parou, quando o sentiu aspirar o perfume de seus cabelos… E então ele de repente saltou meio metro para trás fazendo-a cambalear e quase cair.

—Claro que se mudar de ideia sobre suas roupas, saiba que estou à disposição.

Acrescentou estalando os dedos de costas para ela e fazendo uma pequena labareda azul queimar na ponta de seus dedos, logo antes de simplesmente desaparecer.

De pernas bambas, Yukari caiu sentada no chão.

—Mas… qual o problema dele agora? — reclamou para o nada, socando o chão.

E só então percebeu que estava segurando o grampo de cabelo que Gintsune lhe dera no festival escolar do seu primeiro ano.

Mas após o incidente Gintsune voltou a agir como se nada tivesse acontecido, seguindo Yukari aqui e ali pela pousada, sempre sugerindo que podia queimar algumas de suas roupas se ela quisesse, e talvez fosse só impressão sua que agora ele estivesse se mantendo a pelo menos meio metro de distância dela… sim, definitivamente era só impressão sua, pois Gintsune estava se comportando normalmente — ou tão normal quanto era possível para os padrões dele — e não havia nada de estranho entre eles após o incidente.

Mesmo porque provavelmente nem seque houve um incidente em si.

Afinal, longe de Yukari tentar compreender o comportamento absurdo daquele cretino, mas ela ainda se lembrava perfeitamente de outra ocasião na qual Gintsune repentinamente avançou contra ela, fazendo-a bater de costas com o guarda roupa e depois cair sentada no chão, exatamente como nessa última vez, e naquela vez parecia que ele havia acabado de comer algo que estava junto a ela, sem que percebesse.

Sim, é claro, e naquela vez Yukari se lembrava também de uma gosma negra e pegajosa que a enojara e assustara ao mesmo tempo, então certamente foi por isso que dessa vez ele havia ficado o tempo todo de costas e sumira logo depois!

O que só podia significar que Izumi se enganara sobre aquilo dela repelir “insetos”.

Yukari deu de ombros abrindo o guarda-roupa para escolher o que vestir… e piscou.

Onde estavam suas roupas?!

Incrédula, ela fechou e abriu as portas novamente, mais isso não mudou a situação: ali dentro só restava um par de saias e um par de blusas e um vestido.

—Gintsune! — chiou furiosa por entre os dentes.

Porém, por mais que abrisse e fechasse repetidas vezes às portas de seu guarda-roupa — e ela tentou ao menos sete vezes! — o restante de suas vestimentas simplesmente não regressava, por fim, decidindo que não tinha tempo para lidar com isso agora e que se demorasse muito mais tempo acabaria se atrasando, puxou dali o vestido.

E era melhor que aquele cretino descarado não tivesse mexido em suas roupas de baixo!

Era um vestido simples, com um pálido tom rose e delicadas orquídeas vermelhas estampadas por toda a sua extensão, com mangas curtas bufantes, gola alta e saia midi, enfeitado com discretos babados na altura da gola, busto, ponta da saia e mangas.

Yukari jogou sobre o ombro a bolsa simples marrom de tamanho pequeno e formato retangular e vestiu seu usual casaco rosa por cima de tudo… ah, ela parou antes de sair do quarto, quase havia se esquecido, mas havia aquele último detalhe também.

—Yuki! — Kaoru a cumprimentou alegremente quando Yukari chegou — Que bom que pôde vir!

—Eu confirmei que viria. — Yukari respondeu apertando as mãos da amiga.

—Tem razão. — Kaoru riu — ah, e feliz n…! — ela parou — Tem algo diferente em você?

Yukari balançou a cabeça.

—Acho que não.

—Não, Hongo tem razão. — a representante discordou se aproximando, e trazia junto consigo… — Onde estão suas trancinhas, Shibuya?

—Ah, elas… ainda estão aqui. — garantiu erguendo a mão e tocando o grampo de cabelo e o pente na parte de trás de sua cabeça — Eu apenas as prendi.

Mas não conseguia deixar de olhar para a pessoa ao lado da representante, pois até então havia pensado que somente ela e as amigas estariam ali, e ainda assim, bem diante de si estava o ex-presidente do conselho estudantil, Tanaka Hiroshi.

—Boa noite Shibuya-san. — ele a cumprimentou inclinando a cabeça — Aiha também a arrastou?

—Arrastada? — repetiu franzindo cenho.

De fato o braço dele parecia estar sendo bem segurado por ambas as mãos da representante.

—Você e Shibuya acabariam ficando carecas com tanto estresse acumulado sem nenhuma pausa para descanso, que escolha eu tinha além de arrastá-los para se divertir de vez em quando? — a representante defendeu-se erguendo o queixo.

Tanaka-senpai ajeitou os óculos sobre o nariz e encarou a representante.

—Diga a verdade Aiha, meus pais que te mandaram ficar me importunando dessa forma?

—Por que eles fariam isso? — ela sorriu brilhante e inocentemente, agarrando-se ainda mais firmemente ao braço dele.

—Para me convencer a ir fazer faculdade em outra cidade, porque enquanto ficar aqui com você por perto é óbvio que não terei paz. — respondeu sem pestanejar.

—Esse plano nunca passou pela minha cabeça ou a de seus pais Hiroshin, e eu deveria ficar ofendida se não fosse uma ótima ideia! — A representante riu, mas não o soltou.

—Com licença. — Aoi-chan aproximou-se tremula, com as mãos sob as axilas — Sakura-chan disse que teve um imprevisto e vai se atrasar. Será que podemos esperar lá dentro?

—Por mim não tem problema. — a representante guiou todos para o karaokê, mas ao chegar lá dentro simplesmente empurrou Tanaka-senpai sozinho em direção ao balcão da recepção, para alugar uma sala — Meu irmão trabalha aqui. — explicou girando os olhos — Nishiwake, quando Hiroshin voltar, você manda uma mensagem para Ichinose avisando qual é a nossa sala.

—Certo! — Aoi-chan concordou de imediato.

Eles alugaram durante duas horas e meia a sala de número 31, era uma sala pequena, com um sofá em formato de L que ocupava duas das quatro paredes e uma mesa grande no centro sobre a qual estavam dois cardápios e, no canto, havia um móvel com uma televisão de tela plana, dois microfones e dois controles para o karaokê, logo ao lado estavam quatro ganchos na parede para pendurarem casacos e, por último, ao lado da porta, havia um telefone branco acoplado a parede através do qual eles poderiam pedir por serviços.

A “missão” de avisar Sakura-chan sobre o número da sala pode ter distraído Aoi-chan por um minuto ou dois, mas não a impediu de notar os pulsos despidos de Yukari assim que todos chegaram à sala e ela tirou o casaco.

—Yukari. — chamou em voz baixa, sentando-se ao seu lado e segurando uma de suas mãos — Onde está o amuleto…?

Ela estava tão preocupada, e Yukari havia despedaçado seu presente sincero em centenas de pedacinhos e os atirado no lixo, culpada e desconfortável, ela baixou o olhar, apertando os punhos sobre o colo.

—Aquele amuleto eu… sinto muito… ele quebrou.

Aoi-chan cobriu a boca, arregalando os olhos.

—Quebrou?

—Sim. — Yukari engoliu um gosto amargo e prosseguiu — Quando eu cheguei a casa ele… — Não conseguia se obrigar a continuar falando. — Sinto muito.

—Quando chegou a sua… — os olhos de Aoi-chan foram se arregalando cada vez mais — Entendi. — a mão dela apertou a sua — Mas deve estar tudo bem agora Yukari, então não se preocupe, e se algo acontecer…

—Antes de tudo vamos começar a fazer os pedidos! — a representante determinou, já se aproximando do telefone de comunicação da sala — O que vocês querem comer e beber?

—Hambúrguer e fritas com ketchup! — Kaoru pediu animada — E sundae de chocolate!

—Esse é o espírito Hongo! — a representante riu — Nishiwake? Shibuya? Hiroshin?

—Então… poderíamos pedir uma pizza grande também? — Aoi-chan sugeriu se afastando de Yukari para olhar o menu junto com Kaoru —  Uma de calabresa e queijo, quer dizer… para dividirmos… e para beber, coca cola.

—Eles têm cheesecake e limonada rosa? — perguntou Yukari, nunca havia ido lá, então não fazia ideia.

—Eles têm cheesecake e limonada normal. — a representante respondeu.

—Então eu vou querer coca… — foi quando seu olhar avistou algo no menu e, antes que se desse conta, estava pedindo: — E também quero comer Kitsune Udon.

—Tudo bem, Hiroshin?

Sentado na ponta menor do sofá, à cabeceira da mesa e lendo sozinho o segundo cardápio, o ex-representante de turma, cruzou as pernas e começou a dizer com tom surpreendentemente sério:

—Vou aceitar a limonada, e quero também uma porção de peixe com batatas, molho a parte, e salada como acompanhamento, para a sobremesa… Shibuya-san importa-se de dividir o cheesecake?

—Ah… não. — Yukari piscou.

—Então muito bem. — ele acenou fechando o cardápio e deixando-o sobre a mesa.

A representante suspirou profundamente.

—Minha nossa Hiroshin, como é que você consegue tirar a graça de qualquer coisa? — então balançou a cabeça e riu — Eu só quero comer panquecas com chantilly, e não faço ideia de como vamos comer tudo isso!

Assim que os pedidos foram trazidos, a representante decidiu que era hora de começarem a cantar, mas quando Yukari, Aoi-chan e o ex-presidente se recusaram terminantemente a serem os primeiros, ela reclamou que nenhum deles sabia para que servia um karaokê e puxou Kaoru — ainda com a boca cheia de batatas e ketchup — para fazer um dueto.

—Mas não pense que vocês escaparam! — ameaçou-os com o microfone.

Aoi-chan quase deixou a fatia de pizza cair enquanto o ex-presidente simplesmente começou a comer sua própria refeição e agiu tão calmamente como se tivesse ido até ali para assistir algum espetáculo enquanto comia, de sua parte Yukari não sabia como reagir contra a pressão da representante, mas ainda a achava melhor do que a onda de culpa que falar com Aoi-chan lhe causava.

Foi no meio da terceira música — o solo da representante — que Sakura-chan finalmente chegou:

—Yo-ho! Merry Christmas pessoal! — saudou-os animadamente… mas porque ela estava usando vestido e gorro de Mamãe Noel?! — Desculpem o atraso, mas eu tive alguns problemas com minha rena no caminho!

Ela riu entrando na sala e puxando consigo… Yukari quase cuspiu o cheesecake: Nadeshiko Izumi usando uma tiara de rena na cabeça.

—Quem você está chamando de rena, mulher barulhenta?! — ele reclamou irado, puxando o braço de volta.

—Oh, ex-presidente, você também está aqui! — Sakura-chan simplesmente ignorou as palavras de Izumi.

Tanaka-senpai acenou com a cabeça.

—Parece que seu amigo e eu padecemos pelo mesmo destino.

—Ah claro, deixe-me apresentá-los! — Sakura-chan riu — Minha rena, esse é Tanaka Hiroshi meu ex-chefe no conselho estudantil, e senhor ex-presidente, essa criança fofa aqui é Nadeshiko-chan, ele está atualmente hospedado no templo onde meu tio serve, e pode parecer grande e mal encarado, mas é só uma criança tímida, e parecia tão solitário que eu tive que trazê-lo junto! Ele é um pouco grande, então vamos ficar apertados, mas tenho certeza que podemos nos dar bem!

—Quem você está chamando de Nadeshiko-chan?!

Izumi gritou, fazendo Aoi-chan se encolher de medo, enquanto o rosto dele se avermelhava — seria raiva ou vergonha? —, Sakura-chan, no entanto, mal se alterou, muito pelo contrário: provocou-o mais ainda.

—Mas “minha rena” tudo bem?

—Só me chame de Izumi…! — ele reclamou ainda mais alto…

… quando a representante colocou o microfone em suas mãos.

—Já que vocês estragaram minha pontuação, serão os próximos a cantar. — decidiu indo se sentar.

Apesar de ter encarado o microfone como se fosse uma granada prestes a explodir, Izumi realmente aceitou sua “punição”, seguindo com bastante seriedade a letra da música de natal escolhida por Sakura-chan.

—Ele canta como se a vida dele dependesse disso. — Kaoru riu baixinho.

Já Sakura-chan cantava como uma Idol querendo por toda a plateia de pé.

“Ficar apertados” era apenas um eufemismo, Yukari foi praticamente esmagada entre Izumi e Aoi-chan, mas, ainda assim, ela era incapaz de negar que estava se divertindo!

A representante era, por definição, alguém bastante convincente por assim dizer, e agora que ela havia se juntado a igualmente convincente Sakura-chan, essa combinação provou-se algo bastante explosivo, contra o qual nem mesmo o pobre e rígido Tanaka-senpai conseguiu defender-se e logo viu-se obrigado e arrastado até o microfone, para cantar com uma voz profunda e postura ereta que deu a uma musiquinha sobre dangos — escolhida por Sakura-chan — a mesma solenidade de um hino nacional.

—Incrivelmente você realmente consegue tirar a graça de qualquer coisa Hiroshin. — a representante reclamou, mas estava sorrindo enquanto comia do prato de peixe com batatas dele — E agora Shibuya e Nishiwake. — ela cruzou as pernas e lançou um olhar autoritário para as duas, enquanto o ex-presidente sentava-se ao seu lado com um rosto cansado como se houvesse acabado de voltar de uma batalha — Só nos restam menos de uma hora então quem será a próxima?

—M-m-mas tem m-muitas pessoas aqui!

Aoi-chan gaguejou empalidecendo enquanto Yukari se engasgava com o final de seu kitsune udon.

Se nem Tanaka-senpai havia conseguido resistir por muito tempo, que chance elas tinham?!

—Ah, eu tive uma idéia para um jogo! — Sakura-chan comentou inclinando-se sobre Izumi para encher seu copo com coca-cola.

—Mulher saia de cima de mim, está me atrapalhando! — Izumi-kun reclamou erguendo o controle do karaokê.

Aparentemente ele havia pegado gosto pela coisa.

—Que tipo de jogo? — Kaoru animou-se segurando o segundo controle.

—Façamos assim: — Sakura-chan ajeitou-se de volta ao seu lugar e bebeu um gole de refrigerante — Vamos pedir um prato bem apimentado, e aí fazemos uma rodada em que todos cantam uma música, aquele que tirar a menor pontuação ou se recusar a cantar vai ter que comer!

—Isso parece interessante. — a representante sorriu passando a mão pelo queixo.

Tanaka-senpai suspirou cruzando os braços.

—Suponho que mesmo se eu me recusar, vocês ainda seguirão em frente com esse plano.

—Mas é que parece tão divertido! — Kaoru animou-se.

De repente Yukari se colocou de pé.

—Eu preciso ir ao banheiro! — anunciou.

E quase passou por cima de Izumi e Sakura-chan para conseguir sair, mas não sem escutar a voz da representante provocando-a antes de fechar a porta:

—É melhor que isso não seja uma tentativa de fuga Shibuya!

Sair para comer, cantar e se divertir com amigos em uma noite extremamente movimentada de trabalho na pousada? Nada daquilo combinava com Yukari, e ela estava tão incrédula consigo mesma que quase riu ao ver seu próprio reflexo no espelho. E agora teriam uma competição de canto?!

Yukari nem sequer sabia se conhecia alguma música inteira…!

Portanto não lhe restava dúvidas de aquela que seria obrigada a comer o prato apimentado seria ela ou Aoi-chan, que tinha uma grande chance de emudecer de uma vez com o microfone na mão.

Que pena que ela não havia colocado os antiácidos na bolsa… ao sair do banheiro, estava tentando imaginar como Aoi-chan lidava com pratos apimentados, quando se deparou com Izumi.

—Eu quero falar com você sobre aquele cara. — afirmou em tom ameaçador.

—Que cara? — Yukari piscou.

—O cara suspeito que estava com você na pousada daquela vez!

Yukari encarou-o inexpressiva.

Você acha que ele “parece suspeito”? — perguntou monótona.

Será que ele conseguia ouvir a si mesmo?

Izumi esfregou a lateral da cabeça, deixando a tiara de rena torta.

—Eu sei que isso parece ridículo vindo de mim, maldição! — reclamou irado, logo antes de agarrar o pulso dela repentinamente — O quão bem você conhece aquele cara?! Assim que o vi eu soube que ele era perigoso!

Apesar de irritado, ele parecia genuinamente preocupado.

Que situação…

—Está tudo bem. — garantiu.

—Mas o quão bem você o conhece? — Izumi insistiu, ainda sem largá-la — Eu queria te falar isso antes… — fez uma careta — Mas de repente a pousada não parecia tão segura para falar de uma coisa dessas.

Ele era bom.

Ainda segurando o pulso de Yukari, Izumi continuou:

—Quando o vi, parecia que uma dezena de sinais de alerta gritando “PERIGO” soaram dentro de mim! E eu senti uma aversão imediata mais forte do que qualquer coisa que já senti! Como se as criaturas que vi a vida inteira realmente fossem apenas insetos e aquele fosse o verdadeiro monstro. — esfregou a cabeça suspirando alto — Primeiro achei que fosse algum tipo de fantasma, mas você não estava repelindo-o e, além disso, podia enxergá-lo e interagir com ele… e também ele estava mexendo naquele celular…! — Izumi estava esfregando tanto a cabeça que a tiara caiu — Eu não sei o que ele é, mas você devia ficar longe daquele cara perigoso!

Será que, naquele dia, Gintsune havia tentado despistar Izumi?

Talvez Yukari pudesse fazer o mesmo…

—Quando você diz que eu “repilo insetos”, com exatamente faço isso?

Izumi a encarou.

—Você os queima. — afirmou seriamente — Eles entram em combustão assim que se aproximam de você.

Inicialmente os olhos de Yukari se arregalaram, mas então ela franziu o cenho.

—A cor desse fogo por acaso é az…?

Uma voz languida soou por trás dela enquanto um braço deslizava lentamente ao lado de sua cabeça até alcançar o pulso com o qual Izumi ainda segurava Yukari.

—Que surpresa, eu achei que você estaria tendo uma noite divertida com suas amigas, mas parece que está se divertindo bem mais do que eu imaginava…

Outro braço deslizou por sobre os ombros de Yukari, abraçando-a e puxando-a para trás, fazendo-a enrijecer.

—O que faz aqui?! — soltou.

—Vim comprar comida aqui perto e passei para te ver. — Gintsune apoiou o queixo no ombro dela.

Só por isso?!

Yukari sentiu que estava começando a hiper-ventilar, ele havia prometido que ficaria escondido em segurança e de repente se mostrava assim diante de Izumi?!

—Quem é…?! — De repente gemendo Izumi soltou o pulso de Yukari com uma careta de dor.

—Vem comigo um pouco. — Gintsune a chamou.

—Oi! Espere um pouco aí!

Segurando o pulso dolorido, Izumi fez menção de avançar, mas Yukari deteve-o erguendo as mãos.

—Não! — Será que ela parecia estar em pânico? — Só me deixe ir.

—Hã?! — Izumi ergueu a voz — Mas eu acabei de te dizer…!

Esquivando-se do abraço de Gintsune, ela pegou-o pela mão e correu com ele, mas assim que eles viraram o corredor ele, de repente, puxou-a para dentro de uma sala.

—Você está maluco?! — ela gritou assim que ele fechou a porta.

Não havia problema, se ela quisesse matá-lo agora, pois as salas eram a prova de som.

—Eu vim te ver. — ele respondeu, cruzando os braços como uma criança emburrada — Eu não pretendia ficar, mas com aquele cara por aqui… você devia ficar longe daquele sujeito problemático.

Ele estava se ouvindo?!

Yukari olhou-o incrédula com tamanha hipocrisia.

—Vá logo embora…!

—Mas você realmente nunca deixa de me surpreender no quão sem graça pode ser Yukari. — ele a interrompeu atirando-se no sofá e colocando os pés sobre a mesa. — Quando vi esse vestido, fiquei em dúvida se estava mexendo nas suas coisas ou nas de Tsubaki, mas resolvi deixá-lo lá para que você pudesse compará-lo com os dois conjuntos mais adequados que eu tinha separado… e você escolheu justamente ele! Eu devia ter imaginado! — riu antes de inclinar a cabeça de lado enquanto olhava-a dos pés à cabeça — Ainda assim estou surpreso, porque ficou realmente bem em você.

Yukari cruzou os braços, bufando.

—Quer dizer que vestir-me com as roupas de uma vovozinha combinam comigo?

—Quero dizer que em você esse vestido ficou adorável, como ficaria em poucas pessoas. — ele respondeu seriamente.

Piscando surpresa, ela encarou-o emudecida, mas quando sentiu que estava ficando corada tomou a única atitude racional possível: saiu da sala!

—Yukari! — Sakura a chamou se aproximando — Nadeshiko-chan voltou para a sala como um furacão e quando não te encontrou lá agiu como se você tivesse sido abduzida! Enganou-se de…? — deteve-se ao ver Gintsune saindo atrás de Yukari — Ah… olá?

Gintsune sorriu de lado ao vê-la.

—Olá… eu me chamo Gin, e você? É a mamãe Noel? — ele brincou com a ponta do gorro de Sakura-chan — Veio porque eu sou um bom menino? — riu soltando-a, quando Yukari socou-lhe o braço. — Só estou brincando Yukari.

As sobrancelhas de Sakura-chan se arquearam e ela juntou as palmas diante do rosto iluminado de alegria.

—O famoso Gin-san?!

—Então já ouviu falar de mim? — lançou um olhar significativo a Yukari — Minha reputação me precede.

—Um pouco. — Sakura-chan confirmou rindo — Mas o que faz aqui? Yukari disse que não estava na cidade…

—Eu voltei por um breve momento. — ele respondeu despreocupado — Ouvi que Yukari estava por aqui e dei uma passada.

—Ah! — um sorriso estranhou surgiu nos lábios de Sakura-chan, e ela cobriu a boca com as mãos, Yukari sabia perfeitamente o que ela estava imaginando, mas antes que pudesse detê-la, Sakura-chan já estava rindo e dizendo: — Claro que sim, nos desculpe por ter alugado sua namorada justamente nessa noite em específico!

Yukari queria poder cavar um buraco no chão e se enterrar!

—Minha…? — Gintsune olhou-a incrédulo.

—Sakura-chan eu já disse que não é nada disso, esse cretino é apenas… — Yukari adiantou-se…

Quando Gintsune explodiu em gargalhadas.

—Yukari e eu? Sério?! — ele estava gargalhando tanto que cambaleou de lado e apoiou-se na parede — É verdade que tenho gostos bem ecléticos, mas ainda assim pensar que eu poderia ter esse tipo de relação com Yukari, é… é…!  Definitivamente eu nunca poderia…!

Mal conseguia falar entre as gargalhadas.

Claro que Yukari já sabia de tudo quilo, então porque sentia como se cada palavra fosse um golpe físico? Apertando e massacrando seu coração e fazendo-a desejar poder sumir num piscar de olhos… até Sakura-chan parecia desconfortável.

—Você entende certo Yukari? — ele tentou recompor-se, puxando a respiração com dificuldade enquanto ria, colocando a mão sobre o ombro de Yukari…

Mas ela o empurrou.

—Sim, afinal aos seus olhos eu sempre fui chata e desinteressante, não é? Por que olharia para mim?! — cuspiu rancorosa — Eu já sei disso, estúpido!

Gintsune piscou como se houvesse levado uma tapa.

—Não, eu estava dizendo…

Yukari recuou, fechando os punhos e sentindo-se tremer de indignação.

—Sakura-chan, desculpa, mas pode dizer à representante que surgiu algo e eu tive que ir para casa? — sua voz saiu trêmula quando ela abriu a bolsa e puxou todo o dinheiro que havia trazido — Isso é para a minha parte das despesas. — explicou entregando-o —Claro que aceitarei qualquer punição que ela me impor na próxima vez.

E antes que alguém pudesse detê-la, virou-se e saiu correndo, ainda ouviu Sakura-chan e o idiota do Gintsune chamando-a, mas isso só serviu para que acelerasse ainda mais.

Como era de se esperar, inclusive as ruas de uma cidadezinha como Higanbana ficavam cheias de casais na noite de natal, e Yukari achou todos um incomodo, pois a atrapalhavam enquanto ela só estava tentando ir embora dali o mais rápido possível.

—Yukari! Se você sair desagasalhada, vai adoecer! — Gintsune a deteve com uma mão em seu ombro — Eu sei que te disse para ficar longe daquele cara problemático, mas não tinha necessidade de você sair dessa forma.

Afirmou retirando o próprio cachecol e fazendo menção de colocá-lo nela, mas ela afastou suas mãos bruscamente.

—Não é de Izumi-kun que estou tentando ficar longe.

Gintsune olhou-a espantado, como se de repente tivesse percebido que na verdade aquela Yukari ofegante e descomposta era uma completa estranha para ele.

—Isso é pelo o que eu disse antes? — perguntou desconcertado. — Mas eu só…

—Só me deixe em paz Gintsune!

Ela virou-se e deixou-o ali, afastando-se com passadas largas pela rua.

Não dava para falar com ela no meio da rua com tantas pessoas em volta!

Mas naquele estado também não dava para deixá-la sozinha e correr o risco de sofrer um acidente.

Gintsune voltou a interceptá-la na ponte:

—Pelo menos se agasalhe um pouco antes que pegue uma pneumonia!

Ele voltou a tentar enrolar o próprio cachecol em volta do pescoço dela, mas Yukari afastou-o bruscamente novamente.

—Não!

—Yuk…

—Deixe-me em paz! — Yukari permaneceu com os braços esticados e as mãos espalmadas em seu peito, mantendo-o o mais longe que podia, enquanto curvada encarava os próprios pés, por que sua visão estava começando a ficar borrada? Que sensação de ardência era essa em seus olhos? Estava… chorando? — Por que estou chorando? — perguntou-se angustiada, mordendo o lábio inferior. — Doeu quando você disse que só me usava para sua diversão, doeu muito mais do que quando você me disse adeus como se não fosse nada. — ela endireitou-se, afastando-se dele e juntando as mãos tremulas na altura do peito — Por que você age assim? É legal comigo e age como se eu fosse importante, mas depois…! Isso me deixa confusa! E há tantas coisas que não entendo! — esfregou os olhos, secando as lágrimas à força — Quando você me disse que fiquei adorável nesse vestido eu fiquei feliz! Mas quando disse que nunca me veria de outra forma ou tentaria algo comigo… meu coração afundou no peito e eu não entendo nada disso! Você é um terrível, inútil, bêbado libertino e está sempre me causando problema, mas mesmo assim… fico muito solitária quando estamos separados. — sacudiu a cabeça como se não pudesse acreditar em tudo o que estava falando, por que não conseguia parar?! — Por que me sinto assim? — olhou-o sentindo-se perdida. — Me diga!

Mas Gintsune ficou quieto, olhando-a com os lábios entreabertos como se não soubesse o que dizer, e aquele olhar… ele estava com pena dela?

Sem conseguir suportar mais nada daquilo Yukari balançou a cabeça novamente, levando as mãos à cabeça e foi embora, empurrando-lhe algo ao passar correndo por ele.

Mas dessa vez ele não a seguiu.

—To-chan. — Momiji chamou por detrás dele — Você entendeu o que está acontecendo com aquela garota, não é?

Gintsune olhou para os objetos que ela deixara em sua mão: o grampo de cabelo e o pente azul.

Fez uma expressão angustiada.

Não era para isso ter acontecido.


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Notas finais do capítulo

A música cantada por Tanaka Hiroshi: https://www.youtube.com/watch?v=bfZNeMqaLQ0

Curiosidades do Japão:

Harajuku;

Conhecido como “o bairro da moda” em Tóquio, reúne em suas ruas desde as lojas das mais altas grifes, à pessoas de todas as tribos urbanas imagináveis.

Kaokês;

Uma das maiores diversões dos japoneses é o famoso karaoke! Existem hoje no Japão grandes redes de “karaoke box”, a grande maioria das redes funciona 24 horas por dia, onde as pessoas alugam salas privativas para, junto com os amigos, passar horas cantando, comendo, bebendo e se divertindo. Cada sala é composta por um equipamento de karaoke, contendo centenas de milhares de músicas, normalmente dois microfones, e lugares para os participantes sentar e comer. Hoje em dia, os aparelhos já recebem pela internet a versão instrumental das músicas recém lançadas no país e no mundo, mantendo-se sempre atualizados.
Estima-se que existam 140 mil salas de karaoke no Japão, frequentadas por 72 milhões de pessoas, representando uma indústria de 10 bilhões de dólares ao ano!



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