A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 26
25: Prosperidade e Calamidade.


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, o meu computador quebrou no último natal. por isso infelizmente tive que por a história em hiato até segunda ordem :'(
Mas ao menos meu irmão me emprestou o computador dele para corrigir e postar esse último capítulo que já estava pronto, então agradeçam a ele e... até algum dia, em breve eu espero.

GLOSSÁRIO:

Chozuya: Fonte de água onde os visitantes do templo devem parar para purificar-se lavando as mãos e a boca.

Horoka: Espécie de pequeno altar shitoísta, dedicado a um kami de elevada proporção ou, muitas vezes, a um deus pequeno e sem nenhum grande santuário.

Kiseru: Cachimbo de cabo longo tradicional japonês.

Shogi: O shogi, shôgui ou shogui, também chamado de xadrez japonês é a versão nipônica do chaturanga, jogo de tabuleiro indiano que, teoricamente, originou o xadrez europeu e seus semelhantes.



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Ele não conseguia dizer exatamente se havia existido em algum momento anterior àquela colina ou se algum dia recebera um nome, mas o que sabia com certeza era que passara a existir ali, quando um homem que estava esforçando-se muito para realizar seu sonho enterrou uma moeda na fundação de uma construção, rezando para que seu negócio crescesse e seus filhos, e os filhos de seus filhos pudessem viver prosperamente ali.

E quando deu por si, ali estava ele:

—Tio, o que está construindo aqui?

O homem ficou surpreso, ele não havia reparado em nenhuma criança, mesmo que ele estivesse exatamente ao seu lado, porém ainda assim não tardou a lhe oferecer doces enquanto respondia com grande entusiasmo:

—Irei construir aqui uma hospedaria! A maior e melhor de toda a região!

—Oh! Entendo! — ele bateu palmas duas vezes — Então lhe desejo boa sorte!

Zashikis Warashis são espíritos benevolentes da boa sorte e da prosperidade capazes de deixar um homem fabulosamente rico se assim desejassem, mas ele não achava bom quando os humanos ganhavam tal proporção de sorte de uma única vez, pois isso os tornava acomodados e quase sempre despertava o que havia de pior em seus corações, era muito melhor quando eles recebiam apenas pequenas doses de sorte, se esforçavam por seus objetivos e podiam colher seus frutos.

E aquele homem que decidiu construir “a maior e melhor hospedaria de toda a região” certamente estava se esforçando ali, o que só fazia o pequeno Zashiki Warashi querer apoiá-lo ainda mais, seu nome era Jouchirou e, ao que tudo indicava, algumas pitadas de sorte já o acompanhavam desde antes: Jouchirou ganhara aquelas terras numa aposta durante uma partida de shogi, apesar de que ninguém parecia realmente querer ser o proprietário delas, devido à lenda de que eram amaldiçoadas.

—Dizem que uma linda e furiosa dama mora naquela cerejeira, e ela fulmina com raios a qualquer um que ameace sua casa. — Jouchirou lhe contou certa vez — Meu avô costumava dizer que essa dama já não está lá há muito tempo e já não pode fazer mal a ninguém, mas pelo sim e pelo não eu deixarei a árvore bem como está, e construirei minha hospedaria em torno dela. Estive pensando em batizar o lugar em sua honra também, algo como Recanto da Cerejeira talvez…

Jouchirou trabalhava nos campos de arroz de uma das poucas fazendas restantes da região, e havia conseguido os fundos para seu ambicioso sonho pegando grandes somas de dinheiro emprestado com o filho do proprietário de quem era muito amigo, ele, no entanto não conseguira contratar pessoas que concordassem em subir aquela colina: todas as pessoas da região temiam perturbar a Dama da Cerejeira.

Mas mesmo aos olhos do pequeno Zashiki Warashi, aquela árvore estava de fato vazia; mesmo que algum dia houvesse mesmo existido uma dama residindo naquela cerejeira, agora certamente já não havia mais dama alguma ali.

Mas ainda assim Jouchirou nunca desistiu, e a cada dia que recebia de folga ele subia novamente a colina para erguer com suas próprias mãos mais um pouco de sua tão sonhada hospedaria, e às vezes também vinha acompanhado de um segundo individuo. Um homem não muito mais velho que ele mesmo e que sempre lhe dizia entre risadas:

—Kobayashi! Quando esse lugar estiver pronto, vou querer dormir e comer de graça por todo o dinheiro que estou investindo aqui!

Já Jouchirou respondia-lhe, também entre risadas:

—Tenho a impressão de que até os netos dos seus netos estarão comendo e dormindo aqui de graça se eu lhe pagar por toda a divida dessa forma!

Foram sete longos anos — que para o pequeno Zashiki Warashi passaram-se como um piscar de olhos — mas a “Hospedaria Kobayashi” — por fim decidiu-se que fazer alusão à cerejeira no terreno só afastaria ainda mais às pessoas, e acabou por optar-se pela escolha mais simples — finalmente estava pronta, e Jouchirou mudou-se para lá com sua esposa e sua filha… embora não houvesse hóspedes que a quisessem visitar.

Ninguém queria passar a noite ali e correr o risco de acordar carbonizados e todos, aliás, esperavam pelo dia em que a hospedaria seria incendiada por uma tempestade de raios… mas Jouchirou era um homem persistente, — e como não haveria de ser depois de ter passado todos aqueles anos construindo praticamente sozinho aquele lugar? — e o pequeno Zashiki Warashi, comovido pela sua persistência, desceu a colina e disse às pessoas que passavam ao acaso que, durante as luas minguantes, a partir de certa janela de certo quarto da hospedaria, era possível avistar a Dama da Cerejeira adormecida entre seus galhos, tão bela que homem algum jamais poderia esquecê-la pelo resto de seus dias na terra, ele era um espírito da boa sorte e da prosperidade, portanto aquelas pessoas começaram a contar a história para outras pessoas, que contaram para ainda mais pessoas e logo cidadãos curiosos já estavam vindo hospedar-se, todos no intuito de conseguir o mínimo vislumbre que fosse da Dama, certamente alguns deles até pensavam que valeria a pena morrer se pudesse vê-la antes, nenhum nunca a viu, verdade seja dita, afinal ela não estava lá, mas eles continuavam a vir, vinham pela Dama, mas ficavam pelo serviço e pelos banhos quentes, e com o passar do tempo a Dama da Cerejeira caiu no esquecimento e a hospedaria Kobayashi continuou a prosperar, e o Zashiki Warashi era feliz em viver naquela construção e por vezes brincar de pique esconde com os dois filhos mais novos de Jouchirou entre os quartos da hospedaria, embora os meninos quase nunca se dessem conta de que havia uma terceira pessoa brincando entre eles, a hospedaria era a alegria e a razão da vida de Jouchirou, e ele foi feliz cuidando dela até que um resfriado o levou desse mundo, mas ele foi-se em paz, embora o mundo todo estivesse em guerra.

A hospedaria passou a chamar-se então “Hospedaria Shibuya”, pois a filha de Jouchirou, Ume, a essa altura, já era uma mulher casada, embora seu marido estivesse longe enfrentando os “horrores da guerra” como ele bem descreveu ao retornar, e tantos horrores foram esses que o homem, um pobre e gentil jardineiro, recusou-se a deixar aquela colina novamente pelo resto de sua vida e para esquecer o terror que vivera, começou a construir o seu pequeno recanto do paraíso ali, e transformou o jardim zen em volta da cerejeira num jardim de chá, era muito tranquilizador e reconfortante para o Zashiki Warashi estar ali, o lugar permaneceu em paz mesmo quando o mundo voltou a entrar em guerra, e três dos quatros filhos da agora viúva Ume foram convocados — seu segundo filho fora poupado por ter uma perna ruim e andar apoiado numa bengala desde criança — não havia grande coisa que o Zashiki Warashi pudesse fazer, mas ele sempre se dispunha a rezar com a pobre mulher pelo retorno em segurança dos filhos dela… mas dois deles jamais retornariam, e Ume morreu de coração partido ao saber disso.

Takane era neto de Ume, o único filho de seu primogênito perdido na guerra, mas ele era um rapaz muito jovem ainda e confiara em seus tios para lhe auxiliar na difícil tarefa de gerenciar a hospedaria Shibuya, embora o Zashiki Warashi não confiasse de todo neles.

Takane amava a hospedaria da mesma forma que Jouchirou a amara, mas seus tios eram gananciosos e amargos, eles não se importavam com nada além do lucro e não se importavam com o que o rapaz tinha a dizer, e quando ele tentou-se opor-se à tirania de ambos, foi imediatamente expulso dali, eles estavam discutindo planos sobre vender os terrenos da hospedaria, o tão amado sonho de Jouchirou, aquilo foi demais para si… e quando se deu por si o pequeno Zashiki Warashi já estava abandonando o lugar, correndo para dentro da noite escura e para junto de Takane.

Zashikis Warashis podem trazer grandes riquezas e prosperidade quando se instalam em suas propriedades, mas quando as abandonam apenas miséria e calamidade as aguardam.

Não demorou muito até que os irmãos começassem a se desentender, ambos queriam levar a melhor sobre o outro e seus planos gananciosos sobrepunham-se um ao outro e menos de um ano depois veio à ruptura definitiva, quando o irmão mais novo, o único dos filhos de Ume que sobrevivera à guerra, desapareceu de forma misteriosa — supostamente tendo fugido com todo o dinheiro que desviara da hospedaria — e poucos meses depois o irmão restante morreu ao cair da escada e quebrar o pescoço — ele sempre tivera uma perna ruim.

Takane recebeu de volta uma hospedaria quase a beira da ruína e, além disso, havia novamente boatos se espalhando pela região de que o lugar era realmente amaldiçoado, e que Takane de alguma forma assassinara aos tios para reaver a hospedaria de sua família, mas ele era um homem tão persistente quanto fora Jouchirou em seus tempos e, com o Zashiki Warashi ao seu lado, pouco a pouco reergueu novamente aquela que passaria a ser desde então a “Pousada e casa de banhos Shibuya”.

Por tudo isso e ainda mais aquele lugar passou e o Zashiki Warashi ali permaneceu, ele trancava as portas quando alguém as esquecia destrancadas, expulsava dali uma ou outra criaturinha repugnante que acabava por subir a colina colado a algum cliente, e dava prosperidade à pousada… até que a raposa apareceu.

Ele usava os banhos, invadia as dispensas e sempre fazia todo o possível para criar a maior quantidade de caos possível, mas era uma criatura absolutamente poderosa demais, como o pequeno Zashiki Warashi sequer se lembrava de já ter visto alguma vez antes, para que ele pudesse expulsá-lo dali sozinho… suas barreiras haviam sido capazes de mantê-lo afastado da dispensa, mais nada mais, Zashikis Warashis não eram criaturas beligerantes ou persistentes, muito pelo contrário, se encontravam um obstáculo grande demais para transpor ou mesmo algo que os incomodava, eles simplesmente preferiam recuar e desaparecer para encontrar um novo lugar onde morar, no entanto ele amava tanto àquela pousada, o grande sonho de Jouchirou… foi quando a raposa passou a andar o tempo todo aos calcanhares da filha de Daisuke, o proprietário atual, e de repente pareceu tornar-se calma.

Ele ainda fazia uso dos banhos, mas já não deixava ali o completo caos que tanto lhe parecia gostar de provocar, muito pelo contrário e agora se certificava de manter a colina livre da escória de criaturas nascidas de ódio e ressentimento, não somente isso como também por diversas vezes ajudava a filha de Daisuke em suas tarefas, inclusive a substituindo certa vez, ele nunca havia visto uma humana interagindo de tal maneira e tão conscientemente com um youkai, mas aquela garota parecia de alguma forma ter domado a raposa — quase de forma parecida a que Jouchirou por vezes afirmava que seu avô era capaz com pequenos youkais.

Mas isso era realmente bom?

Afinal se a raposa estava ali por eles agora, para que a pousada precisaria dele? Mas não havia indícios de que a raposa pretendesse partir em qualquer futuro próximo, especialmente agora que andava tão abertamente sempre junto à filha de Daisuke, doía-lhe admitir, mas estava enciumado, um sentimento tão impuro e tão pouco digno de um ser que só deveria transmitir boas vibrações de boa sorte e prosperidade.

Como Zashiki Warashi ele já sabia o que fazer: era sua hora de partir daquela pousada onde sentia como se houvesse nascido… até que encontrou o cachimbo.

O kiseru estava caído no jardim e ele o reconheceu no momento em que o viu, pois aquele era um importante tesouro daquela raposa prateada, e sem nem pensar no que fazia, pegou-o e o escondeu entre as dobras de suas roupas. Pensou que talvez quando a raposa se cansasse de procurar pelo cachimbo na propriedade, ele iria embora para buscá-lo em outros lugares, ou então na pior das hipóteses devolveria o kiseru e, como pedido de retribuição pelo favor de tê-lo o encontrado, pedir-lhe-ia encarecidamente que partisse para sempre.

Agora mesmo a raposa já não estava mais por ali… mas é claro que ele estava perfeitamente ciente de que ele ainda não se fora realmente.

—Você realmente passou a noite aqui?

Gintsune se despertou com a imagem de Haruna, carregando um gato branco sonolento em seus braços, sobre si.

—Passei. — confirmou espreguiçando-se e então apoiando o tornozelo sobre o joelho dobrado e cruzando os braços atrás da cabeça — Estou aqui para passar, no mínimo, o final de semana, eu não te avisei isso ontem?

—Não. — Kakeru fitou Hana adormecida e bem aninhada na raposa, ela geralmente costumava dormir com ele no futon todas as noites, mas daquela vez havia simplesmente o trocado por um pedaço de pele de raposa, enquanto ele próprio havia acordado sufocando com Yuki deitado em sua cara. — Eu não me importo, então pode ficar o tempo que quiser, mas a Shibuya-san não vai se preocupar?

Bocejando Gintsune girou e deitou-se sobre a barriga, apoiando o queixo entre as mãos.

—Um ou dois dias não são razão para Yukari se preocupar. — afirmou em meio a um bocejo. — Na verdade ela nem vai dar pela minha falta. — olhou-o significamente e arqueou uma sobrancelha — Yukari foi dormir na casa das amigas para estudar e terminar a lição de férias e me proibiu de sequer me aproximar. — explicou ultrajado — Porque apesar de eu tê-la ajudado com todas as cem questões de matemática que você deixou para a turma, ela e as amigas ainda precisaram se reunir para ajudarem-se umas as outras com os deveres de casa e tentar terminar tudo antes das aulas recomeçarem, já que mesmo sendo férias você e os outros professores passaram lição o suficiente como se não quisessem que os alunos tivessem nem um segundinho de descanso sequer. Como um bando de carrascos!

Basicamente ele estava chateado porque não podia ir incomodá-la durante trinta e seis horas inteiras. Kakeru riu balançando a cabeça e saindo da sala.

—Sou um carrasco, mas ainda assim você bem que tentou me seduzir não faz muito tempo!

—Por mera diversão. — Gintsune deu de ombros, enquanto Hana esfregava-se contra sua bochecha — Na verdade ainda estou disposto a trocar uns beijos se você quiser…

—O que acha de ovos com sardinha para o desjejum? — Haruna gritou-lhe da cozinha, nem parecendo escutá-lo.

—Desde que não tente me fazer beber leite novamente, para mim está ótimo. — respondeu com uma careta de nojo, entrando na cozinha com Hana no colo.

Yuki estava em um canto, já com a cara enterrada na tigela de ração, e não se via Tsuki em canto algum, mas era bom ficar atento, o danadinho gostava de saltar para suas emboscadas nos momentos mais inesperados possíveis.

—Por acaso leite é alguma forma de repelir raposas? Eu nunca ouvi falar disso. — Haruna perguntou mexendo o conteúdo da frigideira, cuidando para não queimar nada.

—Eu só não gosto de leite. — Gintsune respondeu enojado, deixando Hana no chão ao lado do irmão.

—Mas é realmente lamentável. — Haruna lamentou suspirando.

—O que?

—Eu sou o professor orientador do clube paranormal e nem sequer posso dizer aos meus alunos que conheci uma raposa de verdade!

Humanos eram faladores demais, Gintsune estalou a língua deitando-se no ar e cruzando os braços atrás da cabeça.

—Ouça Haruna, não é, nem de longe, bom que humanos demais simplesmente fiquem tomando conhecimento a respeito de coisas como eu, aquela mulher já é praticamente uma de nós então ela não conta, mas quando eu abri uma exceção para Yukari pensei que estivesse parando por aí mesmo, mas aí tive que abrir mais uma exceção para você! E agora definitivamente já chega. Então se você continuar dizendo que gostaria de contar aos seus alunos eu acho que serei obrigado a apagar sua memória.

Haruna apagou o fogo e olhou de canto enquanto dividia o desjejum em dois pratos.

—Pode mesmo fazer isso? — perguntou curioso e desconfiado ao mesmo tempo.

—Talvez, não sei. — Gintsune deu de ombros — Minha mãe me ensinou, mas eu não prestei muita atenção então no mínimo eu te deixaria meio “variado das ideias” — fez aspas no ar — Ou transformaria seu cérebro em purê de nabos de uma vez. De qualquer jeito você não poderia falar mais nada para ninguém, então eu ainda sairia ganhando.

Pigarreando o professor ajeitou os óculos sobre o nariz.

—Acho que é melhor eu ficar quieto então. — concluiu entregando um dos pratos à raposa.

—Ótima ideia! — Gintsune concluiu entusiasmado estalando os dedos e pousando no chão para receber sua refeição.

—Você também ameaçou transformar o cérebro da minha aluna em purê de nabos caso ela contasse sobre você para alguém? — quis saber enquanto abria a geladeira.

Gintsune olhou-o chocado.

—Por que eu faria purê de nabos dos miolos da Yukari?!

Haruna entregou-lhe uma garrafinha de suco de laranja e ignorou a careta de desgosto da raposa para esse gesto, pois começar o dia com álcool já àquela hora do dia estava fora de cogitação!

—Gintsune, você mencionou uma mulher que “já é praticamente uma de vocês”, mas obviamente não estava se referindo à Shibuya-chan. — comentou sentando-se para comer. — Então de quem estava falando?

Gintsune sentou-se à sua frente com sua própria refeição.

—Vocês por aqui a conhecem como “princesa” ou “a irmã de exterminador” — respondeu enchendo a boca de comida.

—O-o que?! — o professor engasgou-se — Está falando sério?! Você realmente conheceu a irmã do exterminador?!

—Correção: eu conheço aquela garota. — Gintsune continuou comendo calmamente — Ela continua perfeitamente viva.

—Então você realmente é a raposa que foi l…!

—Não.

—Mas como isso é possível?!

—É uma longa história. — Gintsune respondeu com um suspiro entediado erguendo a tediosa garrafinha de suco à altura dos olhos e girando-a laconicamente — E eu não estou exatamente no humor agora para contar longas histórias. Se é que me entende.

Olhou-o de canto e quase caiu na gargalhada quando o professor por pouco não derrubou sua cadeira e tropeçou nas próprias pernas na pressa de correr até a geladeira e voltar dali com uma lata de cerveja.

—Muito bem. — ele abriu a lata — Primeiro de tudo, essa lenda de vocês é quase que inteiramente pura conversa fiada! Quer dizer, olhe só para mim! Por que uma raposa haveria de ter inveja da beleza de uma mera humana?! — girou os olhos e bebeu um gole — A garota não foi levada por inveja, entende? Foi por amor. E nem sequer foi uma raposa que a levou foi um tengu.

Haruna arregalou os olhos.

—Não. Brinca. Comigo!

—É sério. — bebeu mais um gole — Ouça, tudo começou quando meu estúpido irmão postiço veio ao mundo humano e apaixonou-se a primeira vista por…

Na verdade ele podia muito bem estender aquela história por muito mais do que a duração de apenas uma única lata de cerveja, quantas será que ainda haveria na geladeira de Kakeru? E quanto álcool será que Gintsune conseguiria extorquir do ingênuo professor até o final do verão?

Quando iriam parar de buscar por ele? Yukari pensou com um suspiro enfadado.

—O que Yonekura queria com você? — a representante questionou-lhe quando ela se juntou a elas novamente.

—O mesmo que os outros: perguntar-me sobre aquela pessoa. — Yukari deu de ombros pegando seus hashis.

—Ele está realmente persistente dessa vez. — a representante girou os olhos — Nunca o vi fixado numa mulher por tanto tempo assim!

—Mas… Ayakashi-chan realmente não te disse nada? — Kaoru perguntou-lhe — Digo, ela simplesmente sumiu, sem se despedir de ninguém… nem sabemos para onde se transferiu. E por que tão repentinamente?

—Sei tanto quanto vocês. — Yukari desconversou, concentrando-se em seu almoço.

Ouviu alguém estalar a língua, mas não se atreveu a erguer os olhos novamente.

—E quanto a você Nishiwake, já se adaptou à nova sala? — a representante quis saber.

—Eu… eu estou indo bem. — Aoi-chan respondeu timidamente.

—Mesmo? — ela não pareceu muito convencida. — Porque você continua a vir almoçar conosco todos os dias e eu nunca te vejo interagindo com mais ninguém além de nós.

—I-isso…!

—Não estou dizendo que não gosto da sua companhia. — a representante continuou — Mas você não pode sempre depender de nós, o que fará durante a viagem?

Repentinamente tendo sua atenção capturada novamente, Yukari voltou a erguer os olhos.

—Que viagem? — perguntou confusa.

—A viagem. — a representante respondeu-lhe parecendo surpresa por Yukari não saber do que ela estava falando, mas Kaoru e Aoi-chan também a olhavam igualmente a espera de uma explicação, e ela suspirou exasperada erguendo as mãos. — Mas em que planeta vocês vivem? É óbvio que estou falando da viagem escolar! Já estamos no nosso segundo ano de colegial e está quase chegando à época, sabiam disso?

Pega de surpresa, Yukari se consolou com o fato de que ao menos ela não era a única ali: pois ao entreolhar-se com as outras garotas era óbvio Kaoru e Aoi-chan haviam sido pegas tão desprevenidas quanto ela.

—Nossa! — Kaoru exclamou por fim — Mas já estamos nessa época? E para onde iremos?

A representante balançou a cabeça.

—Na verdade segundo o que Hiroshin me disse, o conselho estudantil apenas começou a estudar as propostas que pretende apresentar ao corpo docente. — contou-lhes — Mas acho que até semana que vem talvez já tenhamos uma resposta definitiva. E quanto a vocês? Para onde gostariam de ir?

Aoi-chan mordeu o lábio inferior.

—Acho que… Kyoto? — sugeriu — Kyoto é linda no outono e eu gostaria de conhecer o templo de Fushimi Inari e o Castelo de Nijõ.

Mais raposas? Yukari conteve-se para não rir, muito obrigada, mas ela passava.

—Será que conseguiríamos ver alguma gueixa? — Kaoru animou-se de repente — E será que nos dariam permissão para visitar Gion?

Agitada ela levou as mãos ao peito como se mal pudesse conter a emoção apenas por imaginar aquilo.

—E além de tudo teríamos que pegar o trem bala para chegar lá, sim, Kyoto seria muito bom. — a representante concordou, parecendo achar graça na animação de Kaoru — E quanto a você Shibuya?

Yukari franziu o cenho pensando por um instante.

—Eu gostaria de conhecer Tóquio. — respondeu por fim.

—Hum… Tóquio? — Aoi-chan repetiu, como se querendo se certificar.

Yukari confirmou.

—Também há muito para ver em Tóquio. — alegou, já começando a enumerar seus argumentos nas pontas dos dedos: — Harajuko; a Estação de Shibuya e especialmente a saída de Hachiko; Akihabara; Shinjuku; e a Torre de Tóquio!

—Muito bem, Shibuya, você tem seu ponto. — a representante sorriu-lhe — Mas creio que, já que se trata de uma excursão escolar, o mais provável seria que visitássemos lugares como o Museu Nacional de Tóquio, o Museu de Fotografia de Tóquio e o Templo Senso-ji.

—Eu gostaria de tirar uma foto com Hachiko. — Kaoru comentou sorrindo.

Yukari concordou, de qualquer forma ainda seria Tóquio. Apesar de seus escassos momentos de tempo livre, sempre que podia Yukari costumava passar várias horas na internet apenas pesquisando e lendo a respeito da cidade mais populosa do mundo, ela mal podia imaginar como seria estar em meio a tantas pessoas e deparar-se com tantas coisas maravilhosas de uma vez só, mas gostava de fantasiar como seria, a bem da verdade ela já estaria extasiada só em ter a chance de passear pelo sistema de metrô de Tóquio.

Ir a Tóquio seria ótimo sem sombra de dúvidas. Mas desde que esse com certeza não era o destino mais provável a uma excursão escolar, Yukari não se importava realmente para onde iriam… ela já estaria satisfeita o suficiente desde que pudesse sair de Higanbana.

É claro que as meninas provavelmente também estavam conscientes de que mesmo Kyoto era sonhar alto demais, mas nem todo mundo ali mantinham seus pés no chão, assim como o professor Haruna fez questão de demonstrar na semana seguinte, logo depois de ter passado, pela primeira vez, uma aula inteira sem narrar ou mesmo mencionar qualquer tipo de lenda:

—Creio que a essa altura todos já devem estar sabendo, mas ainda assim, como professor responsável, é melhor que eu faça logo um anuncio oficial. — ele pigarreou — Vocês agora já estão no segundo semestre de seu segundo ano do colegial, o que significa que a época para a excursão escolar se aproxima. — fez uma pausa — Eu havia sugerido que a viagem desse ano se desse a Izumo, mas, assim como aconteceu nos anos anteriores, fui ignorado, por isso estaremos indo para uma reserva florestal onde acamparemos durante o final de semana, vocês precisam formar grupos com até cinco integrantes até lá… — voltou a suspirar — seja como for está tudo explicado no formulário de permissão que vocês devem trazer assinados por seus pais até o próximo sábado e peço que, por favor, não deixem para cima da hora.

Se a proposta dele era recusada todos os anos, por que é que ele ainda assim estava tão decepcionado? Yukari balançou a cabeça, recebendo o seu formulário em mãos e passando o restante deles para trás.

Para onde iriam não lhe era de grande importância afinal, o que realmente importava era que sairia de Higanbana… mas nunca parou para pensar que talvez mesmo isso acabasse se tornando um problema:

 

—Um final de semana inteiro fora? — o pai a olhou severamente. — Nessa época do ano?

—É uma excursão escolar. — Yukari confirmou.

Ele remoeu aquilo por alguns segundos, apertando a mandíbula quadrada antes de finalmente dizer:

—Mas não é nada obrigatório.

Yukari hesitou.

—Não… não senhor.

—Yukari, eu não posso simplesmente lhe dar um final de semana inteiro de folga assim do nada, tem ideia de como a pousada está movimentada?

—Sim pai, mas eu pensei…

—Estamos bem no meio da temporada, já há pelo menos vinte reservas só para esse mês e cada uma com três hóspedes em média… — ele bufou fechando os olhos e massageando o centro da testa — Você tem até quando para entregar esse formulário?

—Sábado, senhor.

—Muito bem. — ele atirou o formulário para o lado, junto com a pilha de papéis acumulados, e perfeitamente organizados ali em sua mesa — Eu dou uma olhada nisso mais tarde, e onde está mamãe?

—Cuidando do jardim.

—Então fique na recepção até ela voltar, estamos muito ocupados aqui.

—Sim pai.

Yukari curvou-se e saiu, talvez tenha realmente sido besteira sua pensar que…

—Seu pai é mesmo casca grossa, não é Yukari? — Gintsune comentou recostado de braços cruzados ao lado da porta.

Arregalando os olhos Yukari rapidamente precipitou-se sobre ele e tapou-lhe a boca com ambas as mãos.

—Mas o que está fazendo aqui?! Já te disse para não aparecer na pousada durante o dia!

Segurando-a pelos pulsos Gintsune afastou-lhe as mãos.

—Se quiser eu posso falsificar a assinatura de seu pai. — ofereceu-se.

Yukari olhou alarmada para os lados, temendo que algum hospede aparecesse por ali, afinal, como seu pai dissera, a pousada estava bastante movimentada.

—Isso não é necessário. — garantiu afastando-se — Só suma logo daqui!

Suspirando Gintsune desencostou-se da porta.

—Mas que garota mais mal agradecida. — reclamou se afastando — Bem, que seja, faça como quiser!

No entanto ao invés de seguir em direção à porta da frente, ele foi justamente para a direção contrária, e Yukari suspirou massageando as têmporas, torcendo para que Gintsune não arrumasse mais nenhuma confusão por ali, mas a raposa não reapareceu pelo resto do dia, o que a deixou bem mais tranquila… pelo menos até a hora do jantar.

—Yuki, a sua escola já resolveu qual será a data para o passeio? — sua avó perguntou.

—O ônibus sai cedo pela manhã no dia 21. — respondeu sequer prestando atenção. — Será um acampamento.

Na verdade “acampamento” era apenas maneira de falar, já que ninguém dormiria em barracas e todos teriam hospedagem numa pousada nas montanhas.

—Isso é bom. — a avó concordou — Não se esqueça de levar repelente para insetos.

—Você tem calçados adequados, Yuki? — a mãe perguntou.

Calando-se, Yukari mexeu-se desconfortável por um momento.

—Hum… na verdade eu… não sei se realmente vou. — confessou baixinho.

—Oras, é mesmo? E por quê? — a avó cerrou os olhos em direção ao filho — Se é que posso saber?

O pai de Yukari parou de comer e ergueu o olhar.

—A pousada está muito cheia esse mês, então ainda estou considerando. — respondeu calmamente — Talvez na próxima vez.

Ou seja, ele já havia considerado e a resposta era “não”, Yukari franziu o cenho, mas guardou o que quer que tivesse para dizer apenas para si e continuou a comer quietamente… ao contrário de sua avó.

—A pousada está muito… — a avó foi parando de falar lentamente, ficando boquiaberta por quase quinze segundos inteiros — Daisuke! Essa garota que está aqui é sua filha!

O pai franziu o cenho, parecendo não entender onde a avó queria chegar.

—Eu sei disso, mãe.

—Então por que a trata apenas como uma mera funcionária? Não, minto, pois aos funcionários é permitido terem dias de folga, férias, um salário justo e ano passado eu lembro perfeitamente que você não teve problema algum em liberar Naoko-chan para que ela fosse à excursão escolar dela.

Yukari e a mãe se entreolharam.

—Daisuke… mamãe, por que não nos acalmamos um pouco e…

—Naoko não é a futura dona da pousada, Yukari é, então ela precisa aprender o negócio. — o pai afirmou parecendo nem ter escutado à esposa.

Yukari nunca disse que queria herdar aquele lugar, muito pelo contrário.

—Mas isso só será daqui a muito tempo! — a avó protestou — Não há problema algum que ela aprenda aos poucos! A garota já não pôde ir ao passeio durante o ginásio porque calhou de ter catapora justo nessa época, deixe a menina viver um pouco e criar algumas memórias Daisuke! — e apontando intimidadoramente para Yukari ordenou — E você, menina, vai me trazer aquele formulário agora mesmo porque eu mesma vou assinar e se preciso te levo até o acampamento também!

No fim seu pai acabou assinando ele mesmo a permissão.

—Oras, que bom para você, não é Yukari? — Gintsune comentou jogado na cama enquanto rabiscava casualmente no caderno dela quando Yukari retornou ao quarto. — O que seria de você sem a sua avó?

Yukari fechou a porta atrás de si.

—Eu aposto que isso teve algum dedo seu.

—Não exatamente. — Ele deu de ombros. — Aconteceu apenas de Tsubaki estar no jardim quando passei por lá, e eu gosto de falar com ela, já que ela é uma mulher interessante.

Estremecendo Yukari arrancou o caderno das mãos dele, pois sabia bem o que aquela raposa queria dizer quando dizia que alguém era “interessante”, mas preferia não pensar no assunto… ora vejam, afinal ele não estava apenas rabiscando em seu caderno: estava  resolvendo seus exercícios de matemática.

—Não é o que você está pensando sua maliciosa. — Gintsune provocou-a apoiando o queixo entre as mãos ao ver sua reação — Tsubaki pode ser relativamente jovem em comparação aos youkais, mas levando em consideração a expectativa de vida humana ela com certeza já está mais do que passada para mim.

Yukari grunhiu enojada.

—Por favor, poupe-me dos pesadelos. — pediu fechando o caderno e sentando-se ao seu lado na cama. — e… obrigada.

Gintsune deitou a cabeça sobre os braços cruzados.

—Esfregue as minhas costas enquanto eu tomo banho e ficamos quites. — Claro que ela lhe atirou um travesseiro na cara, mas isso só o fez gargalhar. — Então você vai acampar afinal, parece-me que será bem divertido, haverá trilhas, pescaria e… o que é tirolesa?

Yukari olhou-o de cenho franzindo.

—Você por acaso está pensando em ir?

—Sinto decepcionar a você e ao Kakeru, mas não, posso ser uma raposa, mas não gosto de estar no meio do mato. — mostrou-lhe a língua — Não, não, vou ficar aqui e namorar, dormir sobre as máquinas de lavar e tapear os turistas.

—Por que o professor haveria de ficar decepcionado?

—Porque ele convidou-me para ir, disse-me que a minha presença lá seria um trunfo e tanto para uma tal “prova de coragem”, mas eu pesquisei e francamente! Onde Kakeru anda com a cabeça para pensar que alguém como eu se submeteria a ficar assustando criancinhas?! Que dizer, olhe só para o meu lindo rosto e me diga se eu realmente pareço do tipo…!

Quando ele começava a falar de si mesmo não havia quem conseguisse fazê-lo parar mais, Yukari girou os olhos… mas acabou sorrindo no fim.

—Então faça boa viagem. — Gintsune desejou-lhe entregando-lhe sua grande bolsa de viagem, que ele carregara durante todo o caminho até ali — Eu guardarei todas as minhas histórias sórdidas para contar-lhe assim que voltar.

Garantiu com uma piscadela.

—Na verdade eu prefiro ser poupada delas. — afirmou pendurando a bolsa em seu ombro — Por favor, tente não destruir nada só porque eu não vou estar aqui para lhe dar bronca.

—E os meus ouvidos certamente serão gratos por esse descanso. — ele curvou-se zombeteiro.

Ficaria tudo bem, disse a si mesma enquanto se afastava em direção aos ônibus que já aguardavam em frente ao portão do colégio, Gintsune não era tão arruaceiro quanto ele gostava de parecer… ela esperava.

—Ora Shibuya, bom dia, eu já estava começando a achar que você não viria mais. — a representante a cumprimentou assim que ela parou ao seu lado.

Junto aos veículos Haruna e mais alguns professores explicavam a todos os pormenores da viagem: “devemos chegar ao destino após uma hora a duas horas e meia… uma parada para ir ao banheiro em… todos devem estar sentados antes de…”. Yukari franziu o cenho.

—Eu não estou atrasada. — afirmou.

—Sim, nem atrasada, nem adiantada, mas estritamente no horário. — a representante concordou checando o relógio de pulso — Ainda assim eu sou da opinião de que se deve chegar, no mínimo, vinte minutos antes a qualquer compromisso… — parou olhando a volta — E nem sinal da Hongo ainda! Bem, de qualquer forma acho que ainda vamos demorar a sair, já que eles certamente ainda vão levar algum tempo para revistar todas as malas.

Itens eletrônicos — com exceção de câmeras fotográficas —, lanches em geral, maquiagem e “revistas inadequadas” eram estritamente proibidos, por isso os professores estavam revistando mochila por mochila de cada aluno antes de deixá-los embarcarem em algum dos ônibus, muitos foram flagrados com celulares e/ou jogos eletrônicos e nada menos que dezessete garotas foram pegas com maquiagem, e um número ainda maior de garotos também foram pegos carregando revistas inadequadas.

—São mesmo tão idiotas. — a representante comentou logo atrás de si, na fila em que esperavam para terem as bolsas revistadas — Nem para esconderem essas coisas direito.

As duas estavam um pouco longe, mas ainda assim Yukari pôde ver claramente quando uma das professoras se pôs a repreender duramente a Aoi-chan, que levava duas malas de viagem, sendo que uma delas estava completamente preenchida de “lanches ilícitos”, e tal cena fez a representante bater a mão espalmada contra própria testa de forma incrédula.

Yukari sabia que ela não havia posto nada de inadequado em sua mala, porém nunca se sabia quando Gintsune podia aprontar das suas, e quando pensou nisso ela se colocou imediatamente receosa, mas o professor Haruna deve ter pensado na mesma coisa, já que fez questão de ele próprio averiguar sua bolsa, por sorte tudo estava em ordem.

—Bem, parece que conseguimos nos sair dessa vez. — a representante comentou enquanto olhava pela janela, quando Yukari sentou-se ao seu lado com um suspiro de alivio — Mas é melhor não relaxarmos ainda, eu soube que ainda há uma segunda revista logo que chegarmos lá… ah, olha aí a Hongo! Mas ela vai ter que subir no terceiro ônibus, e como Nishiwake subiu no primeiro parece que seremos apenas eu e você pelo resto da viagem, Shibuya.

—Parece que sim.

Yukari assentiu olhando para a paisagem na janela além da representante que já começava a se mover, isso a fez sorrir um pouco: mesmo que por um breve momento, ela estava saindo de Higanbana.

—… celular?

—O que? — Yukari pestanejou, parece que havia adormecido por um momento, pois quando olhou para fora já não reconheceu onde estavam — Desculpe, dizia algo, representante?

A representante estalou a língua.

—Está com a cabeça nas nuvens, Shibuya? Perguntei onde escondeu seu celular.

Yukari franziu o cenho.

—Não o trouxe. — respondeu.

—Não? — a representante apoiou o rosto de lado sobre a mão — Então escolheu justo hoje para começar a usar maquiagem?

—Não.

A representante arqueou as sobrancelhas.

—Então é comida que está escondendo? Ou são mangás? — de repente ela arregalou os olhos — Será possível que trouxe com você revistas pornog...?!  

—Eu não tenho nada disso. — as sobrancelhas de Yukari já estavam praticamente unidas em uma só.

—Não? Estava tão nervosa durante a revista de pertences que pensei que poderia ter alguma coisa. — ela olhou para o lado de fora — Então só estava com medo que alguém te desse uma bronca por causa dele ou algo assim?

—Ele?

—Gin. — olhou-a — Eu o vi quando a deixou na esquina.

—Ah, ele. — Yukari recostou-se ao seu assento — Não sei o que ele tem ultimamente, primeiro aquele festival de verão e hoje insistiu em acompanhar-me, acho que anda entediado…

Ou estava louco para se ver longe dela e poder aprontar das suas sem ter ninguém reclamando em seu ouvido.

—Entediado é? Hum… — a representante cruzou os braços também se recostando — Ouça Shibuya, sei que já me disse que vocês são amigos, mas eu não gosto de como isso soa.

—Como assim?

A representante suspirou impaciente.

—Você é muito certinha Shibuya, por isso eu temo que só consiga enxergar os outros através da mesma ótica de moral pela qual você vive.

—Ah, sobre isso não há com o que se preocupar, eu sei perfeitamente bem o tipo de sem vergonha que ele é. — Yukari balançou a cabeça — Mas ele não é tão ruim quanto parece… e de jeito nenhum poderia se interessar em me seduzir como você teme, representante.

Na verdade apenas pensar nessa mera possibilidade a fazia querer rir, e Gintsune certamente teria caído na gargalhado se ouvisse um absurdo daqueles, até podia imaginá-lo zombando da soberba humana.

—É mesmo? E por quê? — a representante duvidou.

—Somo amigos.

—Só por isso?

—Também sou absurdamente entediante para ele, de fato nenhum pouquinho interessante. — deu de ombros.

—Mas que cretino!

—Ele é um cretino libertino. — concordou — Mas não penso que tem intenção de me ofender quando diz isso, essa é só a maneira dele de me dizer que não me vê como um de seus joguetes.

—Se você diz. — a representante anuiu, não parecendo muito covencida — De qualquer forma, Shibuya, eu só queria deixar claro que se precisar de alguém com quem falar, eu estou à disposição.

—Obrigada, representante.

—Ou claro, se você quiser ligar para a polícia também, basta teclar três números…

A voz da representante silenciou-se aos poucos juntamente com as vozes das outras dezenas de alunos que conversavam no ônibus quando o som de palmas começou a estalar da parte dianteira do veículo, onde o professor Haruna estava de pé tentando chamar a atenção de todos.

—Muito bem pessoal, prestem atenção aqui um pouco, está bem? — ele os chamou entre o som das palmas — Estamos agora a menos de trinta minutos de nosso destino e, inclusive, se olharem pela janela já poderão ver a montanha despontando ali no horizonte, por isso acabo de me lembrar de uma história muito interessante sobre essa montanha… — uma pausa para dar um ar de mistério que ele tanto gostava — Parece que há uma deusa morando ali!

Uma dúzia de bolinhas de papel voou de vários cantos do ônibus em direção ao professor Haruna, o professor Oyamada, que também estava acompanhando-os no ônibus, podia ter dito alguma coisa, mas estava ocupado demais roncando nos bancos da frente, e alguém no fundo reclamou:

—Professor, todas as montanhas possuem deuses!

E mais alguém, muito provavelmente Kijima, completou:

—Algumas delas são deuses!

Abaixando os braços, que erguera para se proteger, o professor afirmou em tom indulgente:

—Eu sei disso, mas agora quero contar a lenda sobre a deusa dessa pequena montanha. — houve uma série de reclamações, mas nem por isso ele se deteve: — Já diziam os antigos, nunca escale esses picos quando eles são tomados pela neblina, pois é quando os deuses que neles habitam se erguem, e mortal algum deve poder ver suas faces. — iniciou com sua já familiar voz de vovô contador de histórias — No entanto, muito tempo atrás nasceu nessas terras uma mulher que se apaixonou por aquela montanha, ela era capaz de ouvir as vozes dos deuses e dia após dia a subia para estar mais próxima a eles, especialmente nos dias em que a neblina era mais forte, quando as vozes tornavam-se quase ensurdecedoras, quando a mulher engravidou de seu primeiro filho o marido a avisou que deixasse de subir a montanha por um tempo, pois era muito perigoso… no entanto, certo dia a montanha amanheceu coberta de neblina, mas pela primeira vez estava completamente silenciosa, para o desespero da mulher que nunca antes havia passado um dia sem ouvir as vozes dos deuses, seu marido a proibiu de subir a montanha, mas em algum momento da noite ela escapou e subiu a montanha clamando pelos deuses, no entanto naquela noite a lua estava coberta por nuvens e estava muito escuro, assim sem ver por aonde ia, a mulher caiu. Chorando e lamentando enquanto perdia sangue e sentia seu filho morrer, a mulher implorou para que um deus, qualquer deus, os salvasse. — aquela altura o ônibus todo já estava em completo silêncio, professor Haruna sabia mesmo como envolver aos outros em suas histórias, ele continuou: — Foi quando ela surgiu! Usando uma longa coroa de peônias e uma máscara branca de madeira laqueada, com a lua surgindo por detrás das nuvens: a deusa sob o luar. Era inverno naquela ocasião, mas quando a deusa estendeu a mão, toda a neve derreteu e as flores floresceram, a mulher foi encontrada desacordada próxima ao vilarejo usando uma máscara branca de madeira laqueada, seu filho nasceu forte e saudável, marcado pela deusa, pois uma brilhante mecha branca atravessava seus cabelos escuros. Tempos depois a mulher subiu novamente a montanha para devolver a máscara à deusa que a salvara, e morou naqueles picos pelo resto de seus dias, mas ainda assim dizem que daquele dia em diante ela nunca mais foi capaz de ouvir as vozes dos deuses.

—Professor essa lenda é mesmo verdade?

—Bom. — o professor cruzou os braços — A máscara de fato existe, ela está guardada em um horoka que foi construído no exato ponto onde a deusa e a mulher se encontraram, e a dona da hospedagem onde vamos ficar diz-se uma legítima descendente da criança que nasceu abençoada pela deusa do luar, ela tem até uma mecha branca atravessando-lhe os cabelos escuros!

Yukari fez uma careta, lendas era com certeza uma boa maneira de atrair clientela, e as pousadas certamente gostavam de fazer uso dessa estratégia, afinal a própria Pousada e Casa de Banhos Shibuya, não tinha ela mesma a sua “Dama da Cerejeira”?

De repente o ônibus freou bruscamente, fazendo todos os seus passageiros ricochetearem para frente e para trás, e Yukari agarrou-se instintivamente ao braço da representante quando a terra começou a tremer.

As memórias mais antigas de Gintsune sempre o levavam aos dias em que ele ainda era apenas um pequeno filhote que sequer conseguia assumir uma forma humana, e brincava na água se banhando dos rios e lagos junto aos seus pais e sua irmã mais velha, apesar de que seu velho não era realmente do tipo que desse risada livremente, ele sempre estava por perto, observando-os com um olhar tranquilo e atento.

Gintsune e a irmã haviam herdado a bela pelagem prateada do pai, mas sua mãe era um tipo mais raro de raposa e não tão facilmente visto por aí entre os youkais, de pelagem completamente negra, não o bastante enquanto o dom das chamas era muito comum aos youkais raposas, sua mãe era possuidora de um tipo mais singular de poder: uma do tipo que era capaz de manipular eletricidade e convocar raios.

E a água é um ótimo condutor de eletricidade… talvez seja por isso que essas memórias tão remotas de infância se mantivessem tão vividas ainda na cabeça de Gintsune.

—Tenha mais cuidado, mamãe. — ainda podia ouvir sua irmã reclamando seriamente, arrastando-se para fora do lago e carregando-o entre as mandíbulas pela frouxa pele do pescoço — A senhora podia ter parado nossos corações agora há pouco.

Nua e mergulhada na água até os quadris, sua mãe ria a sonoras gargalhadas após ter saltado “como uma bola de canhão” de cima de uma árvore e quase eletrocutado ambos os seus filhotes quando atingiu a água. Diziam-se as lendas que avistar uma raposa negra era sinal de boa sorte, mas aquela mulher era um anuncio de puro caos, era assim que ela sempre fora: uma mulher absolutamente incontrolável, praticamente uma força viva da natureza… e ainda assim era de longe a mais inofensiva entre os quatro.

Rindo ela estendeu as mãos para seus filhos:

—Vamos minha flor, não fique brava com sua mãe, venham brincar também.

Aquela mulher era sempre despreocupada daquele jeito mesmo, ela parecia completamente incapaz de entender quando uma situação era séria ou não… e Gintsune a amava muito. O incauto filhote, atraído como uma mariposa pelo fogo, já estava prestes a saltar novamente na água, mas foi detido pela irmã que pisou vigorosamente em sua pequena cauda felpuda, o fazendo ganir e estremecer dos pés a cabeça.

—Isso é perigoso, To-chan poderia se machucar. — A pequena filhote repreendeu severamente, sentando-se sobre as patas traseiras e ainda pisando firmemente na cauda do irmão, que fungava e tentava empurrar com o focinho a pata dela para longe de sua cauda, desde tão pequena ela já era uma criança tão séria… mas sempre fora gentil e cuidadosa com seu pequeno irmão. — Ele ainda é só um bebê, mamãe.

Por fim erguendo a pata que pisava sobre a cauda do mais novo, ela esticou-a em sua direção com a pata de raposa transmutando-se lentamente num braço humano de aparência clara e delicada com o qual o puxou para si, abraçando-o de forma cuidadosa e protetora, enquanto ele acomodava-se e escondia o rosto na curva se seu pescoço.

—Não desperdice o nome de seu irmão assim tão levianamente, você nunca sabe quem pode estar por perto ouvindo. — repreendeu o pai, que fumava de vigília nas sombras.

Acomodando o bebê raposa no colo, a menina ergueu o queixo altivamente.

—Eu não disse o nome. — argumentou defensiva.

Expirando calmamente a fumaça de seu kisero que espiralou para o alto o pai nem sequer os olhou quando lhes explicou pacientemente:

—Mesmo um único kanji é perigoso em determinadas situações. — ele apontou-lhes com kiseru em mão — Jamais se esqueçam: o nome está entre um dos bens mais preciosos e também uma das maiores fraquezas de um ser, um nome pode aprisionar-te e libertar-te.

Com a garra do polegar da mão livre ele tocou o próprio peito e traçou seriamente um “X” ali… até que todos foram atingidos por uma grande onda d’água lançada pela mãe que, de braços cruzados na água, fazia beicinho por ter sido esquecida. Afinal de que adiantava brincar na água se ela seria a única a brincar ali?

Ela era tão complacente quanto o marido era severo, e se os filhotes estivessem pertos o suficiente, Gintsune tinha certeza de que o pai os teria atirado na água sem cerimônias, mas como eles não estavam ao alcance de seu braço, pois a irmã odiava aquele “cheiro de morte” que o pai por vezes exalava, ele mesmo tratou de deixar seu kiseru de lado e despir-se das roupas manchadas de sangue para entrar na água, e antes que a irmã pudesse detê-lo Gintsune já estava se contorcendo para escapar de seus braços e saltar de volta na água também.

Nunca entreguem seus nomes a quem não for digno de confiança; sejam cuidadosos e respeitosos ao tratarem com deuses, eles são seres volúveis e de fácil ira; cães são bestas terríveis; sempre proteger à família; esses eram os valiosos ensinamentos de seus pais que Gintsune levaria por toda a vida… Gintsune despertou-se com um longo bocejo enquanto erguia a cabeça abrindo sua boca o máximo que conseguia e então descruzando e cruzando novamente as patas dianteiras. A julgar pela posição do sol, ele não havia dormido por um longo tempo, será que Yukari já havia chegado ao acampamento?

 

—Você não tem família, tem? — comentou com a raposa de pedra diante de si, mesmo sem esperar resposta alguma — Hum… é bem provável que não, a maioria de nós somos sozinhos no mundo. E se tivesse, por que eles a deixariam aqui? — girou esfregando as costas no gramado e voltou a bocejar sonolentamente. — Por que eu sempre acabo retornando para cá de uma forma ou de outra? Algum tipo de atração pelo perigo, talvez?

E a raposa de pedra, tal como ele já esperava, não lhe respondeu coisa alguma, Gintsune sentou-se coçando a orelha com a pata traseira, que pena que Eisuke também estava no segundo ano e havia ido naquela viagem escolar, pois do contrário “Ayaka Shiori” bem poderia fazer uma reaparição no restaurante da família dele e conseguir alguma comida de graça… será que Say-chan estava ocupado?

Oh bem, àquela altura a cidade estava abarrotada de turistas, então ele certamente arranjaria alguém com quem se distrair, ou em todo caso ele sempre poderia visitar Edo ou qualquer outro lugar que quisesse, não havia porque ficar preso à Higanbana, a raposa ergueu-se retornando a sua forma humana e virou-se… e foi quando o avistou.

Higanbana estava cheia de turistas, mas aquele homem certamente não era um deles, velho, sujo e esquálido ele caminhava arrastando os pés calçados em esfarrapados chinelos de palha e vestido em um quimono tão encardido e puído que Gintsune ficou surpreso por ele não desfazer-se enquanto o velho andava, sua pele era queimada e seca pelo sol, não havia cabelos em sua cabeça e as costelas eram tão proeminentes que pareciam praticamente a ponto de perfurar a pele, Gintsune não conseguia farejá-lo de onde estava, pois o velho vinha contra o vento, mas certamente fedia, pois todas as pessoas desviavam do seu caminho… mas um segundo depois percebeu que elas provavelmente o faziam instintivamente sem sequer dar-se conta, pois nem ao menos eram capazes de enxergá-lo, era algum tipo de espírito humano? Sempre havia um ou outro aqui e ali, especialmente no mês do obon, mas esse tinha uma aparência tão faminta e miserável então… um espírito faminto talvez?

Esse tipo só servia pra ser comida de youkai ou acabar virando um, embora em muitos casos ambas as coisas acabassem significando o mesmo, Gintsune com certeza não queria ter nada haver com essa laia, mas… havia algo de muito estranho naquele velho maltrapilho: uma hora conseguia vê-lo e na outra já não mais, ele vinha arrastando seus pés e então desaparecia para reaparecer novamente somente alguns passos depois e mesmo então não era completamente visível, pois era transparente aqui e ali, tal como os espíritos humanos deviam se parecer através dos olhos humanos, no entanto os olhos de Gintsune não eram meros olhos humanos, então se mesmo ele não conseguia ver o velho claramente… quando a raposa deu-se conta do que aquilo significava já era tarde demais: o velho estava bem a sua frente, e Gintsune se assustou tanto com isso que quase saltou para dentro do lago da raposa de pedra e foi purificado até a morte por isso.

—Essas terras estão mudadas. — disse o velho com voz arrastada e trêmula, unindo as mãos nas costas e estando ali tão perto não havia nada que a direção do vento pudesse fazer pelo odor quase pungente que invadia as narinas de Gintsune praticamente queimando-as, mas por que estava falando justamente com ele? Fora por que Gintsune o havia encarado? Estúpido! Estúpido inconsequente, ele deveria ter fugido quando teve a chance! — Os humanos transformam o mundo com uma velocidade bastante impressionante, não acha?

Sua risada parecia-se com o som de papel sendo amassado, a boca era quase completamente desdentada e ele tinha um terrível mau hálito escapando dela, mas não havia dúvidas, ele e aquele velho estavam em patamares completamente diferentes, pois aquele velho esfarrapado era um deus.

Porém, apresentando-se tão sujo e miserável daquela forma, Gintsune só conseguia pensar numa única divindade: o deus da pobreza, Binbogami.

É senso comum dizer-se que raposas são criaturas naturalmente dotadas de sorte, mas quão desafortunado alguém precisaria nessa face de terra para encontrar-se cara a cara justamente com o próprio deus da miséria?! A menos…

—Então o ano do Binbougami é real. — afirmou assombrado.

O caquético deus inclinou a cabeça de lado, sorrindo desdentado.

—Como foi que disse?

Involuntariamente Gintsune recuou um passo, deveria fugir? Mas e se ofendesse o deus lhe virando as costas? Ele certamente não queria ser amaldiçoado pela própria personificação da miséria, então… curvar a cabeça? Mas quais seriam as consequências de prostrar-se diante da pobreza?

—Uma vez por século, essa cidade passa por grande calamidade. — engoliu em seco — Eu achei que isso era consequência da grande quantidade de energia sinistra dispersada a cada vez que uma cauda nova nascia na raposa…

O Binbogami grasnou novamente aquela sua risada com som de papel amassado.

—É claro, se alguma calamidade acontece é culpa do Binbogami! — afirmou bem humorado — mas embora eu tenha culpa de muitas coisas, provavelmente sou inocente aqui, já que não piso nessas terras há… o que? Oras já deve ter quase dois séculos! Ou um pouco menos que isso! — gargalhou, Gintsune recuou mais um passo, qual seria o castigo por dizer a um deus que ele tinha um mau hálito capaz de derrubar os pássaros do céu? — Mas estou realmente surpreso por reencontrar-te aqui, livre eu quero dizer. — sorriu-lhe desdentado e olhou para a estátua de raposa — Mas por que continua a rodear essa velha estátua? Não me diga que não conseguiu se soltar por completo e ainda há uma parte sua presa ali? Ou será que decidiu assombrar a pedra como Tamano-no-Mae? Está buscando vingança nos descendentes daquele homem? Sim, porque o homem já deve ter partido há bastante tempo.

Gintsune piscou surpreso quando se deu conta do sentido por trás das palavras do deus.

—Sinto muito, mas temo que tenha me confundido. — disse — Eu não sou a raposa a raposa que foi lacrada aqui nessa cidade.

—Oras, não é? — Binbougami semicerrou os olhos, como se quisesse vê-lo melhor e fungou talvez na intenção de captar seu cheiro, mas ele era realmente capaz de sentir qualquer outro odor ao seu redor sob aquele forte fedor dele? — Tem certeza?

—Absoluta. — confirmou sem titubear. — Aquela continua presa ali dentro.

Apontou para a estátua de vigília, e erguendo unhas quebradas e amareladas o deus da pobreza coçou a pele ressecada do pescoço.

—Que estranho, sabia que aquela lá também é uma raposa prateada?

—Eu não fazia ideia. — negou educadamente, mas não era surpresa, muitos youkais raposas tinham o pelo prateado.

O deus encarou-o por mais alguns segundos, movendo o maxilar silenciosamente como se remoesse aquilo… e de repente começou a rir.

—Bem, então lamento muito, eu o confundi. — afirmou — Mas é melhor eu ir agora, não é bom para ninguém quando o Binbougami fica parado num mesmo lugar por muito tempo, se é que me entende. — deu mais uma curta risada e então, justo quando passava ao lado de Gintsune, parou e tocou-lhe o antebraço fazendo-o enrijecer na mesma hora — Acho que você também deveria ir, já que sabe o que acontece com as raposas que pisam nessas terras.

Só muito depois de o deus da miséria já ter seguido seu caminho e desaparecido é que Gintsune conseguiu mover-se, ele lentamente ergueu o braço direito e em silêncio fitou a manga direita de seu quimono onde a própria miséria o segurara…

—Com a sua licença e perdoem-me pela intromissão!

Exclamou ao passar correndo com urgência por entre as estátuas de raposa que guardavam o templo de Inari naquela cidade e curvando-se tão apressadamente ao passar debaixo do tori que quase tropeçou.

Ele foi direto até o chozuya e parou ao seu lado puxando de dentro do quimono o chapéu do tengu e o kanzashi que Yukari lhe presenteara para jogá-los na água juntamente com um sem fim de pedidos de desculpas a divindade, logo antes de chutar as sandálias para longe de seus pés e também arrancar suas roupas e atirá-las no chão incendiando-as com uma grande bola de chamas azuis ali mesmo e, sem pensar duas vezes, saltou em sua menor forma para dentro da fonte de água, ficando submerso ali por vários minutos antes de emergir puxando o ar com força, e logo depois de mergulhar novamente, repetiu isso por mais três vezes até que, por fim, nadou até a borda e ali repousou a testa sobre as minúsculas patinhas, rezando apressadamente por entre os dentes:

—Inari-Sama proteja-me da má sorte, Inari-Sama proteja-me da miséria, Inari-Sama proteja-me…!

Parou subitamente quando um doce odor alcançou-lhe as narinas, e fungando ele ergueu a cabeça farejando o ar.

—Esse perfume… — murmurou, saltando para fora da fonte e sacudindo-se para livrar-se da água em seu corpo — Esse perfume é…

Mas arregalando os olhos ele mordeu a língua e desequilibrou-se caindo de lado no chão quando a terra começou a tremer.

Era a má sorte, miséria e calamidade, pois o Bibougami caminhava por aquelas terras.

...

Às vezes, quando era bem pequena, Yukari costumava brincar entre os quartos da pousada Shibuya quando tudo estava vazio, e fazia de conta que era uma importante hóspede ali com seu jogo de chá de brinquedo… mas aquela era a primeira vez em que de fato pisava numa pousada como cliente.

—Shibuya, o que é que você está fazendo?

A representante a chamou quando Yukari, instintivamente, abaixou-se para arrumar os sapatos deixados na entrada no segundo em que pisou na pousada, todos a estava olhando agora e, envergonhada, ela escondeu o rosto por trás de uma mão.

—Foi um reflexo. — resmungou pondo-se ereta.

E nem podia culpar Gintsune por bagunçar seus pensamentos, já que ele sequer estava ali agora.

—Vamos Yuki. — Kaoru enganchou o braço dela ao seu.

Não era uma pousada das mais requintadas, mas ainda assim Yukari sentia-se como uma princesa, pois ela não só não precisava arrumar os sapatos na entrada como também dessa vez foi ela a ser guiada pelos corredores ao invés de ser a guia e, pela primeira vez, curvaram-se à sua passagem ao invés do contrário, mesmo que ela tenha respondido a cada uma das reverências por saber bem qual era a sensação de ser “invisível”, e sorriu agradecidamente quando lhe entregaram uma yukata, informaram a direção dos banhos e a hora em que o almoço seria servido.

—Aoi-chan? — chamou quando avistou a garota sentada sozinha num banco ao lado de uma máquina de bebidas. — Por que está sentada aí?

—N-não posso entrar ali. — gaguejou baixinho. — Nas casas de banho são proibidos o uso de toalhas ou roupas de banho enquanto se lava, não é?

—Sim.

Aoi-chan encolheu-se levemente.

—Não tem jeito de eu entrar ali, ficar nua na frente de tantas pessoas…

—Mas somos todas mulheres. — relembrou-a.

Mas Aoi-chan balançou vigorosamente a cabeça.

—Para você é diferente Yuki-chan, cresceu numa casa de banhos, é claro que está acostumada…

—Nunca usei a casa de banhos da minha família. — acabou por dizer.

—Não? — quando Aoi-chan a olhou, Yukari limitou-se a dar de ombros, mas logo em seguida a robusta garota inclinou-se para frente como se quisesse transformar-se numa bola — mas não tem jeito de eu entrar ali.

Franzindo o cenho Yukari involuntariamente olhou a volta, não era boa lidando com aquilo, se ao menos a representante estivesse ali…

—Por que não toma banho no seu quarto? — sugeriu por fim.

Aoi-chan suspirou.

—Bem que eu queria, mas duas das minhas colegas de quarto estão bem no meio de seu período e uma delas já tomou posse do banheiro enquanto a outra espera, se eu for esperar ainda mais a minha vez perderei a hora do almoço…

—Então use o chuveiro do meu quarto. — ofereceu sem pensar.

—O que? — Aoi-chan a olhou surpresa.

Yukari deu de ombros.

—Ninguém o está usando agora. — levantou-se — Vamos. Eu te acompanho e espero até que termine para não ficar sozinha num quarto estranho, depois volto para tomar o meu banho.

Aoi-chan lhe pediu desculpas pelo menos umas mil vezes pelo inconveniente, e também lhe agradeceu umas mil e uma vezes, mas ou era isso ou ela provavelmente teria ficado todo o final de semana sem tomar banho, e ela não chegou a demorar nem quinze minutos no banho, de forma que Yukari ainda conseguiu correr para ter tempo de usar uma casa de banhos como parte da clientela, ao invés de simplesmente ser aquela que limpa tudo depois.

—É melhor não comerem demais. — a representante as avisou quando deu uma olhada nos pratos de Yukari e Kaoru — Podemos ter as próximas duas horas livres, mas teremos trilha na parte da tarde, sabiam?

—Achei que teríamos trilha amanhã. — Kaoru respondeu surpresa.

Aoi-chan, por ser de outra classe, tivera de se sentar em outra mesa.

—Não, eles disseram que amanhã será “atividades ao ar livre”, pode ser que seja trilha novamente, mas ninguém disse nada disso. — a representante corrigiu — Mas eu soube que amanhã à noite, a nossa última noite antes de voltarmos para casa, teremos “a prova de coragem”.

Yukari arqueou as sobrancelhas.

—Verdade?

—Sim, e conhecendo o professor Haruna como o conhecemos é bem capaz de ele bolar algo com relação àquela lenda que nos contou no ônibus. — a representante confirmou rindo — Algo como chegar até o templo da deusa sob o luar, ascender uma vela e voltar enquanto os professores tentam nos assustar vestidos de fantasmas. Amanha durante o horário livre podíamos explorar e tentar achar esse templo, o que acham?

Yukari não tivera nenhum desejo em particular por fazer trilhas, explorações ou qualquer atividade ao ar livre, muito pelo contrário: sonhava com as luzes da cidade grande. Mas já estava bastante feliz por sair de sua rotina, ao ponto até de animar-se com a expectativa do que viria, pois afinal ela nunca havia participado de uma prova de coragem.

Kaoru ergueu a mão.

—Espere, mas quem é a deusa sob o luar? — questionou.

—Ah claro, você estava em outro ônibus Hongo… bem, se eu estiver certa sobre a prova de coragem amanhã, o Haruna com certeza vai repetir toda a história amanhã, mas não tem problema, eu te conto agora também.

Ao chegar da noite, não precisou arrumar os futons no quarto para os hóspedes, pois ali ela era a hóspede, e deitou-se e adormeceu sem imaginar que, naquele exato instante uma imensa raposa prateada subia pela estrada desde a base da montanha com seu belo pelo resplandecendo ao luar.

Da última vez que Gintsune subira uma montanha para uma caçada à noite, as coisas não haviam acabado exatamente como ele esperava, mas aquilo não era precisamente uma caçada, era? Afina ele sabia onde encontrar seu alvo, e desde que continuasse naquela estrada encontraria Yukari, pois Kakeru havia feito questão de lhe dizer a exata localização de onde todos estariam hospedados, numa tola esperança de que Gintsune fosse realmente aparecer por ali para assustar seus alunos… mas se Yukari não fosse uma garota de tão pouca sorte ele com certeza não teria posto suas patas ali.

Mas aquela era realmente uma mulher sem sorte, não é mesmo?

Quando ela finalmente conseguia sair daquele seu “pequeno e claustrofóbico fim de mundo” ele era obrigado a ir até ali para buscá-la… ah, ela com certeza ia ficar com um humor péssimo, mas se ele não fosse buscá-la então com certeza seria muito pior.

Ainda que ele a preferisse o mais longe possível de Higanbana naquele momento com o próprio Binbougami andando por aquelas terras… ele mesmo queria estar o mais longe possível!

Mas precisava levar Yukari para casa ou… Gintsune parou.

Fora apenas por um breve momento quando a brisa soprara de certa forma, de forma suave e muito sutil, teria sido impressão sua? Erguendo a cabeça e farejando o ar ele tentou sentir novamente aquela fragrância, o mesmo perfume que sentira no templo de Inari… girando e ainda farejando o ar ele a buscou, não seria possível seria? Ela não poderia estar ali… ali estava! O perfume dela novamente, tão suave que parecia até parte de um sonho, Gintsune saiu da estrada e saltou por entre as árvores.

O perfume desapareceu e reapareceu por várias vezes ali e foi muito difícil segui-lo, provavelmente séculos sendo mimado e sem precisar caçar o haviam deixado pessimamente mal acostumado e agora ele era um péssimo rastreador, mas ali e agora, se ela realmente estivesse naquela montanha, Gintsune precisava encontrá-la.

Quando seu caminho encerrou-se num barranco cercado por uma pequena cerca de proteção feita em madeira ele achou que havia errado seu caminho em algum canto… ou então simplesmente havia se confundido, Yukari poderia perder sua família agora, é óbvio que ele havia acabado pensando em sua própria família, balançando a cabeça Gintsune deu meia volta e ergueu voo, partindo dali sem perceber o pequeno horoka na escura clareira mais abaixo…

Yukari despertou-se repentinamente quando uma sombra caiu pesadamente sobre ela, mas antes que pudesse gritar, algo lhe tampou a boca e a escuridão era tamanha que mesmo ela conseguindo sentir a respiração dele em seu rosto, ainda assim não era capaz de enxergá-lo, tentou mover os braços, mas eles estavam presos sob suas cobertas e o peso do que deveriam ser as pernas dele, tentou então mover as pernas e dar uma joelhada naquela raposa — não podia ser outro além dele — mas não conseguia alcançá-lo.

—Acalme-se, sou eu. — ele murmurou roçando os lábios em sua orelha e fazendo-a paralisar — Pegue suas coisas e me encontre lá fora. É a sua avó.

E assim da mesma forma que ele repentinamente apareceu sobre ela, ele também se desvaneceu, como se nunca houvesse estado ali e tudo não houvesse passado de um sonho… mas ainda assim Yukari viu-se recolhendo sua bolsa enquanto saia do quarto na ponta dos pés.

Sua avó, ele dissera, mas o que poderia ter acontecido à sua avó? Do lado de fora Yukari deteve-se prendendo a respiração por um momento, o professor Haruna estava sentado no final do corredor em sua vigília, garantindo que nenhum garoto se esgueirasse para o quarto das meninas ou vice-versa, mas… com os braços cruzados e o queixo apoiado sobre o peito ele parecia estar profundamente adormecido, então engolindo em seco e apertando firmemente as alças de sua bolsa ela começou a andar nas pontas dos pés, mal ousando respirar… quando uma mão gelada agarrou-lhe o braço, fazendo-a deixar escapar um gritinho fino e involuntário.

—Bem e o que temos aqui? — o professor ergueu o rosto sorrindo matreiro, mas parou confuso quando viu quem havia capturado ali — Shibuya-chan…? O que você…? Mas por que essa mala?

Yukari olhou-o angustiada.

—Professor eu tenho que ir.

—Ir? — ele piscou — Mas ir aonde?

O professor tentou convencê-la de que apenas estivera sonhando, mas Yukari estava bastante convencida de que Gintsune estivera sim no quarto alguns poucos instantes atrás e que ela estava sim completamente desperta na hora e que algo havia acontecido à sua avó, algo grave, pois mesmo Gintsune não faria uma brincadeira daquelas, de forma que o professor não conseguiu convencê-la a simplesmente voltar para o futon e precisou acompanhá-la até o lado de fora na tentativa de convencê-la que não havia nada de errado e que estava tudo bem.

—Talvez você só esteja um pouco nervosa por estar dormindo tão longe de casa, Shibuya-chan. — ele tentou tranquilizá-la, acompanhando-a até a entrada da pousada — É a sua primeira vez?

Provavelmente o professor estava pensando na dúzia de garotos e garotas que poderiam estar transitando ilegalmente entre os quartos, mesmo que com certeza houvesse outro professor de vigília na entrada do corredor que dava ao quarto dos garotos.

—Sim. — respondeu sem hesitar, apertando o haori em volta de seu corpo e abrindo a porta da frente.

O caminho de cascalho da entrada para a pousada era iluminado por espaços postes de luz, mas para além deles tudo era escuridão e silêncio.

—Shibuya-chan, Gintsune-Sama não está…

—Ouvi alguma coisa. — Yukari cortou-o arregalando os olhos e agarrando-lhe o pulso instintivamente.

Ligando a lanterna que trouxera junto consigo, o professor direcionou o feixe de luz para os arbustos e árvore ao redor, mas tudo o que surgiu dali foi um morcego que saiu voando de uma das árvores, e depois apenas o silêncio absoluto reinou.

—Shibuya-chan, foi apenas um sonho. — o professor reafirmou pacientemente.

Concordando, Yukari começou a retornar para dentro quando um alto suspiro ressoou entre eles, e virando-se novamente deparou-se com Gintsune pousando lentamente no meio da estrada, descalço e usando jeans e a camisa listrada de mangas longas que certa vez ele roubara em alguma loja do centro comercial de Higanbana.

—Eu preferia que você tivesse vindo só, mas se é apenas Kakeru acho que não tem problema…

Yukari correu até ele.

—O que aconteceu com minha avó?

Segurando-a pelos ombros, Gintsune olhou por cima de sua cabeça para o professor.

—Eu preciso levá-la comigo agora. — avisou — É importante.

Atrás de si, o professor suspirou longamente.

—Acho que posso dizer alguma coisa pela manhã. — afirmou cansado — Mas o que aconteceu com a vovó Shibuya?

Novamente ele absteve-se de responder e, afastando-se um passo para trás, a raposa a olhou seriamente.

—Se formos voando podemos chegar até lá em meia hora, ou eu poderia levá-la na metade do tempo ainda… — avisou-a e olhou para o professor Haruna antes de voltar-se a ela novamente, ele definitivamente estava desconfortável ali, e isso só deixou Yukari mais nervosa — Mas para isso terei de mostrar algo que… — sacudiu a cabeça — Só não gritem, está bem? Kakeru se você tentar tirar fotos eu juro que te devoro.

Levando as mãos ao peito Yukari recuou, nunca ouvira Gintsune falar daquela maneira, sim, uma vez ele tinha ameaçado devorá-la, mas agora podia ver que na época ele estava apenas brincando, porém dessa vez aquele cara estava definitivamente falando sério!

—Mas o que é que você…?!

Ele olhou-a suplicante.

—Só… não grite.

Suas caudas foram as primeiras a surgir, quatro delas ao todo, depois vieram as garras e as presas, e sob um forte redemoinho de vento que o envolveu o rosto transfigurou-se e o corpo expandiu-se e triplicou de tamanho até que Yukari estivesse cara a cara com a mais imensa e magnífica criatura que alguma vez já contemplara. A imensa raposa de prata deitou-se sobre suas patas e encarou-a silenciosamente com seus profundos olhos cinza tempestade.

—Suba. — ordenou com voz profunda.

E Yukari não percebera que seus joelhos haviam cedido sob o peso de seu corpo com o choque até que o professor agarrou-lhe o braço e ajudou-a a levantar e, quase como num sonho, ela agarrou-se aos seus pelos e subiu em seu pescoço, sentindo toda a tensão de Gintsune ao sentar-se rigidamente ali.

—É melhor segurar-se bem, mas não puxe meus pelos.

Ele avisou e, talvez houvesse sido apenas impressão sua, mas havia qualquer coisa triste em seu tom de voz… afinal o que havia acontecido à sua avó? Pensou em agonia.

De repente a imensa raposa ergueu-se e Yukari, assustada, abafou um grito se curvando automaticamente sobre o pescoço do youkai e enterrando seu rosto ali.

—Estamos indo agora.

Ele avisou dando meia volta e começando a caminhar a passos lentos, e antes que Yukari pudesse realmente estar de fato preparada ela quase deixou seu coração escapar pela boca quando a raposa trocou seu lento caminhar por uma rápida corrida e pouco depois de três ou quatro passos saltou para os céus e voou.


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Notas finais do capítulo

E então o que acharam desse capítulo?
Queiram perdoa-me por qualquer erro, mas é que devido as circunstâncias precisei corrigi-lo e programá-lo todo de ma só vez, e agora esou morrendo de sono ^^'

Curiosidades do Japão:

Moedas a fundação da construção e Zashiki Wrashis:
Segundo a lenda do Zashiki Warashi, uma das maneiras de conseguir um destes “espíritos guardiões” para seu negócio é enterrar ma moeda ainda durante a fundação da construção, para invocá-lo.

Izumo, a cidade dos deuses:
Uma das cidades mais antigas do Japão, é apelidada como “o lar dos deuses” por ser, segundo as lendas, o lugar onde os deuses se reúnem durante o décimo mês do ano.



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