Premonição: Congelados escrita por VictChell


Capítulo 2
Aquário


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da continuação. Aproveitem =D



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It's something bigger than me

I can feel it beginning

Something bigger than me

I can feel it opening

 

A música parecia tocar cada vez mais alto para as pessoas na pista de patinação. O som embalava o ritmo dos patinadores, deixando o ambiente envolvente e tônico. Os ventiladores trabalhavam junto com os exaustores para renovação do ar, as luzes piscavam de forma descontinua e incessante. Todas as paredes e colunas estampavam a logo Howclover Ice Space, como se fosse uma espécie de mantra a ser lembrado, repetido e disseminado. O nome vem de seu fundador, Jomar Howclover – um homem com baixíssima estatura, sempre muito bem vestido e com um constante bom humor.

Chegou aos Estados Unidos da América nos anos oitenta, quando decidiu por vez sair das Filipinas. Pertencia à uma família que mal conseguia se sustentar em sua casa de aluguel. Fazendo bicos por toda a cidade de Davao como garçom, funcionário de hotel e alguns restaurantes de beira de estrada, conseguiu, junto com sua irmã, Jonalyn Howclover, reunir quantia suficiente para que ambos deixassem sua cidade natal e partissem para Chicago. Cheios de esperanças e planos, os irmãos Howclover deram as mãos e, juntos, fizeram uma oração. Davao ficou para trás e, somente uma longa estrada os esperava pela frente. Sobreviver nos primeiros dias foi a parte mais difícil, mas com a experiência de Jomar em se adaptar a qualquer função e a prática de Jonalyn em trabalhar com crianças em festas infantis, pouco a pouco conseguiram se manter e edificar um estilo de vida que nunca pensaram em conquistar.

Abraçando todas as oportunidades que batiam a sua porta, Jomar alimentou-se das brechas e migalhas espalhadas para o recém-imigrante, continuou seu caminho, degrau por degrau, estabelecendo-se numa faculdade e mantendo um emprego de meio período. Juntou o pouco tempo que lhe restava, as emoções que o transbordavam e as palavras que lhe sobravam, e então desenleou a bola de lã que seu corpo – por muito tempo – havia se tornado. Gravou tudo em um livro – inicialmente escrito à mão – quando um senhor moribundo o deu de presente de aniversário quando morava Davao. Apesar de não ter muitas posses ou ostentar de um belo Mustang, o senhor que sempre andava arrastando os pés e puxando um carrinho de mão, tirou um caderninho com as pontas amassadas de um de seus largos bolsos do sobretudo puído e entregou ao menino. Menino que nunca se cansava de explorar sua fantasia e contaminar a todos com seus sonhos e expectativas. “Nunca se esqueça da onde veio, garoto. Para onde vou e da onde vim são partes importantes da sua história”, disse o ancião.

Desde então, cada passo, cada sentimento, cada lugar e cada abraço que lhe deram, fora registrado naquele caderninho amassado e cor anil. Letras minúsculas o compõem, para que caiba toda a energia naquelas páginas brancas. “Deveria transformar isso num livro. Tipo, um livro de verdade, que vendem nas lojas”, disse Jonalyn com um sorriso bobo. “Quem compraria um livro sobre a vida de uma pessoa que nem conhecem, minha irmã?”, respondeu incrédulo. “Eu compraria”, retrucou mais rápido do que ele imaginava. Então olhou para a irmã, com sua pele bronzeada, dentes a mostra num belo sorriso, cabelos unidos numa trança escama de peixe e completamente incauta dessa ideia. Duas semanas depois, foi diagnosticada com um tumor cerebral inoperável. Trezentos e oitenta e dois dias depois, ela veio a falecer – deitada em sua cama, silenciosa como um navio naufragado, vulnerável como uma rosa seca prestes a se despedaçar ao primeiro toque.

Setembro do ano seguinte, Jomar finalizou sua escrita. Pôs as mãos na cabeça e deixou uma lágrima escorrer pela bochecha. Ainda descrente de que a ideia da irmã daria certo, mas apostara todo o seu esforço de que ela estava torcendo, gritando e balançando pompons no ar... Seja lá onde estivesse. Deu uma última olhada em seu trabalho e sorriu. Direções, por Jomar Howclover.

Não demorou muito para suas palavras rendessem frutos. Logo, terminou seus estudos, e depois da turnê com seu livro, Jomar se viu de pé no salão mais elegante que já viu na vida. Com um terninho básico, uma taça meio cheia de champanhe na mão e ouvindo homens engravatados falarem sobre a grande importância de seus negócios, sentia-se lábio, pulando de conversa em conversa, de pessoa em pessoa, até intrometer-se num debate entre três homens, que lutavam para defender suas opiniões e análises. Faltava algo na cidade, algo que as pessoas ansiavam, e que, talvez, nem saibam que desejam. Parques, shoppings, bares, cafeterias e restaurantes. Bibliotecas, cinemas, sorveterias e incontáveis áreas aplicadas ao esporte. Temos natureza, lazer e belos bosques. Sussurrou no ouvido de um investidor, então, sua ideia. Durante o inverno, as ruas se enchem de neve e os lagos se contraem em gelo. O que mais vemos nas ruas são crianças escorregando e patinando. Por que não ter isso o ano todo?

Desdobramentos atrás de desdobramentos, a pista Howclover Ice Space foi inaugurava. Nos primeiros meses a ideia se provou um tiro certeiro. Todos os finais de semana o lugar ficava lotado, as pessoas se espremiam pelos corredores e arquibancadas como sardinhas. A pista foi recebida abertamente pela cidade, que sempre a mantinha bem frequentada. Durante a semana, a demanda era menor (assim como no inverno), entretanto nos feriados, finais de semana e aniversários compensavam por cada cada dia.

 

 

A música tocava alto por toda a pista. Apesar de muitos patinadores não estarem prestando atenção, seus corpos se movimentavam ao ritmo da pulsação das caixas de som.

 

La dee da dee, we like to party

I know you hate it cause I flirt with everybody

La dee da dee, we just wanna party

It’s all for fun and games until I hurt somebody

 

— Já pode me largar. – Marcie tentava se soltar das mãos de Chris. – Ela não tá mais no meu pé. – A garota loira olhava em volta procurando Brandie, mas sem sucesso. Era o que Marcie queria? Ficar fora do campo de visão da irmã? Nem mesmo ela sabia responder. Sentiu-se perdida entre as pessoas até Chris toca-la no ombro novamente.

— Tem certeza? Vai cair no primeiro passo. – Então a solta e a menina quase perde o equilíbrio.  – Ou nem vai precisar dar um para cair. – Ele exprime um risinho amigável.

— Quero fazer isso sozinha. Será que me deixaria tentar?

— Claro, claro. Por favor, fique a vontade. – Disse ele dando espaço.

Marcie nada fez. Só encarava o gelo sob seus patins parados.

— Eu posso... – Ele começou.

— NÃO! Eu só não consigo fazer isso com você me encarando.

Ele não tira os olhos dela, e nessa hora ele percebe o quanto Marcie é linda – pensamento que lhe desabrocha pela primeira vez. Os cabelos loiros dela, que escapam pelo capacete, chacoalham sob o ventilador preso na coluna em que eles estão perto.

— E como você quer que eu não olhe?

— Vai ficar com a sua turminha. Aposto que aquela sua amiga está te procurando. – Marcie revira os olhos quando pronuncia a palavra “amiga”.

— Que amiga seria essa?

— A Sienna, eu acho.

— Sierra. – Chris corrigiu. – Acho que ela está se divertindo. É muito casca grossa, sabe? Bem o seu tipo, só que mais legal. – Ela o encara com descaso. – Só um pouquinho mais legal. – Ele finaliza erguendo o polegar e o indicador fazendo sinal de “só um pouquinho”.

— Tanto faz. Pode ir atrás da Sierra?

Ele espera ela mudar de ideia e nada acontece.

— Não vou te incomodar mais, falou? – Chris então dá duas voltas ao redor de Marcie, fazendo círculos no gelo. – Qualquer problema só dar uma gritada. Eu venho.

Marcie o lança uma careta e Chris desaparece no meio da multidão de patinadores.

 

 

— O que está procurando? – Jake abraça Melissa por trás e beija seu rosto.

— Um cara. – Ela responde sem pensar. Mexia a cabeça de um lado para o outro, navegando seu olhar pelas pessoas que lhe passavam. – Alto, loiro, forte e... Bonitão.

Jake da uma volta por ela e entra em sua frente.

— Já achou. – Ele faz piada com o que ela acabara de dizer, o que faz Melissa soltar uma risada doce. Apesar de não ser loiro, Jake possui fios com uma tonalidade clara de castanho em seu cabelo escuro. Quando os raios de sol são refratados por alguma janela ou refletem num espelho e acertam a cabeça de Jake, é possível ver as matizes mudando do escuro para o claro toda vez que ele se mexe.

— Não, amor. Jasmine tá saindo com um cara assim.

— Ah, então não sou eu.

— Claro que não. Ele é fotógrafo. – Diz ela num tom excêntrico, de alguma forma. E ele dá de ombros.  – Você é péssimo batendo fotos, não sabe tirar nem uma selfie sem que ela esteja tremida. – Eles riem.

— Não me zoa. É o charme das minhas selfies. É como se estivéssemos debaixo d’água. – Jake defende as próprias fotos sarcasticamente e faz uma pausa. – Como você ainda não o conhece?

Ela não entende a pergunta.

— Quer dizer, vocês duas são amigas. Não é dever de uma amiga conhecer o namorado da outra ou algo do tipo?

— O que? – Ela ri. – Da onde você tirou isso?

— Não sei. Acabei de inventar.

— Pare, Jake. – Melissa ri das caretas que ele faz quando fala. Ela sabe que as caras e bocas são propositais para ela rir, Jake sempre gostou de ouvir o som do sorriso da namorada. Era doce e sincero. – Somos amigas, mas não tão intimas como antes. Cursamos os quatro primeiros períodos da faculdade, mas ela teve que sair e... Você sabe do resto.

— Uhum, ok. E não mantiveram contato? Tipo... Ela saiu da faculdade então foda-se, ela morreu pra você dali em diante.

Mais uma vez Melissa ri da palhaçada, mesmo sabendo que não é genuinamente engraçada.

— Não nos afastamos tanto. Estamos sempre conversando no facebook.

— Ah, o facebook. Sempre aproximando mais as pessoas. – Jake tirava sarro já que não gostava da rede social. Na verdade, Jake nunca gostou de rede social alguma. Não tinha motivos fortes para isso, apenas não o interessava.

 

 

Josh se movimentava intensamente. Quem olhava de longe não saberia definir se o garoto estaria patinando ou fugindo de ursos armados. O ritmo elétrico da música estalava simultaneamente com as luzes piscando. O gelo, uma vez branco, estava agora colorido. As luzes fortes o faziam lembrar-se de qualquer boate. Só faltava um pouco de álcool para ele entrar na vibe automática.

Diana patinava o mais rápido que conseguia atrás do namorado.

— Josh! – A música impedia que seus gritos chegassem aos ouvidos dele. – Josh! Josh!

Uma pessoa esbarra em Diana, a derrubando.

— Desculpa. – Uma garota muito alta a ajuda a se levantar.

— Tudo bem.

— O que disse? – A garota perguntou aproximando-se de Diana.

— Eu disse que tá tudo bem. – A morena alta entendeu. – Relaxa.

Ela não pôde deixar de lembrar-se do que acontecera da última vez que esteve lá. O empurrão que levara de um total desconhecido no meio da escuridão a fez se sentir com raiva. Nesse momento o que sentia era desânimo. De uma hora para outra não queria mais estar ali. Sentia que lutava por algo que já estava perdido. As dúvidas e questionamentos que a atormentavam durante a noite emergiram dentro de sua cabeça, então Diana voltou a afoga-los.

Ela não o vê mais. Apenas pessoas e mais pessoas.

— Ai, que se dane. Cadê a Sierra? – Diana desliza em busca da amiga.

 

 

Marcie se apoia numa pilastra, quase tombando no chão.

— Quer ajuda? – Um rapaz aparece ao seu lado.

— Por que todo mundo acha que eu preciso de ajuda? – Marcie põe os olhos no rapaz e percebe que ele trabalha na pista. Veste uma camisa azul com um crachá: Johnny. – Oh. Você trabalha aqui? – Brandie não mentiu, essa camisa é quase um pedido de socorro.

— Sim, senhorita. – Ele é magro e alto, nem um pouco atlético. Não tem uma aparência muito atraente ao primeiro olhar, mas seu rosto expressa simpatia. Também usava capacete e cotoveleiras, o que deixava parecendo um ciclista perdido.

— Não tô conseguindo ficar em pé. Ereta. Se eu continuar patinando curvada vou ter dor nas costas.

— Hum. – Johnny rapidamente observa a inexperiência dela. – É a sua primeira vez?

— Não. – Mente.

— Ok. Vamos fundo então. – Ele estica o braço. – Me dê sua mão.

Marcie olha em volta para ver se Brandie ou Chris estão por perto. Não os vê.

Ela se aproxima de Johnny para alcançar o alvo, mas ele se afasta. Ela sacou o objetivo rapidamente. Marcie chega um pouco mais perto, e, mais uma vez, Johnny dá um passo para trás. Disposta a agarrar sua mão, sem que o dê chance de se deslocar, ela se joga para frente e cai bruscamente.

Johnny solta uma risada.

— Vai ficar aí?

— Não está ajudando. – Marcie reclama.

— Vai chegar lá. – Ele garante.

Marcie fica com as duas mãos apoiadas sobre o gelo. Ela encara um fundo níveo que parece infinito sob seus dedos enluvados. Até que as luzes mudem de novo, e o branco dê lugar ao vermelho, tendendo ao magenta.

De pé ao seu lado, Johnny bate com a lâmina de um dos seus patins no gelo e fala:

— Aqui em baixo tem uma máquina que faz o gelo. Você não vai cair mais do que isso. – Ele a ajuda se levantar. – Então, qual o seu nome?

 

 

— Enfim achei vocês! – Diana se junta a Sierra e Chris, que estavam num canto conversando.

Apesar de a pista ser muito grande, suportando um grande número de pessoas, iludia a mente dos que estavam no interior, os fazendo duvidar do real tamanho.

— Você não estava com o Josh? – Sierra pergunta.

— Hum... – Com certa vergonha, ela resolve desconversar. – Acabamos nos desencontrando. E vocês? Estão parados por quê?

— Tem muita gente hoje. – Chris esclarece. – Tá difícil patinar sem ser empurrado.

— Já me esmurraram três vezes nas costas. É o mais perto que eu vou chegar de ter uma massagem de graça. – Sierra diz. – Daqui a pouco eu tento de novo. – E ri desengonçadamente para o resto da pista.

— Não vai ficar menos cheio, vocês sabem. – Diana fala. – O Doug vai chamar nossos números e vocês não vão ter patinado nada.

— Acabamos de entrar, temos duas horas. – Chris olha no relógio.

— Você deveria correr para achar o Josh. – Sierra fala.

— Acho que não. – Diana rebate.

— Acho que sim. – Sierra lança um olhar sugestivo para a amiga. – Se tem que fazer alguma coisa, tem que ser agora.

Diana entendeu perfeitamente o que Sierra quis dizer. Ela precisa decidir o que fazer: Continuar com Josh ou terminar de vez. Parece fácil na teoria, mas ela realmente gosta dele. Quando o sentimento está em jogo, você nunca sabe se quando o apostar vai perder ou ganhar em dobro. Mas ela precisava. Ela se afastou um pouco e com um giro voltou para a procura de Josh.

— Eu perdi alguma coisa? – Chris balança os dedos indicadores.

Sierra entrelaça seu braço com o do amigo, o conduzindo lentamente.

— Nada que precise saber. – Desconversa. Se é que já não sabe.

 

 

Brandie fazia movimentos delicados com os patins. Ela girava, girava e girava, com a suavidade de um cisne. Um sorriso estampava seu rosto. Felicidade e liberdade eram os sentimentos que a engrandeciam naquele momento. Deu uma pirueta eclética e rodou sobre um dos patins, enquanto o outro estava içado no ar. Parecia uma patinadora profissional.

Quando parou de rodar e estabilizou a visão, conseguiu observar uma garota tombando no gelo. Devia ter seus dezesseis ou dezessete anos, aos olhos de Brandie, e, ao que parecia, era sua primeira vez (ou uma das primeiras) patinando no gelo. Seus cabelos tingidos de laranja escapam pelo capacete e as sardas no rosto a deixavam mais jovem. Ela tropeçou nos próprios patins tentando colocar um pé na frente do outro.

— Opa! Aqui. – Ela pegou a mão da menina e a levantou. – Você tá bem?

— Aham. Obrigada, moça. – Agradeceu a garota sem olhar nos olhos de Brandie.

— De nada.

A menina saiu patinando como se nada tivesse acontecido, deixando Brandie boba com a sua disposição. Escorregou, caiu, levantou-se e continuou sorrindo alegre. A maioria dos adolescentes teriam se envergonhado, ela pensou.

Então Marcie invadiu seus pensamentos, que até então estavam vazios. Será que o Chris ainda está ajudando ela?

Brandie se apoiou numa pilastra e começou a assistir as pessoas patinando com a esperança de identificar a irmã. Um lado seu gostava da constante luta em aproximar-se de Marcie, querendo quebrar o escudo invisível que ela criou ao seu redor e abraçar a garotinha indefesa que conhecera há muito tempo. Outro lado seu gostaria de não se preocupar tanto, pensar mais em si e em todos os seus desejos. Sempre que brotava essa questão em sua mente, impreterivelmente Brandie chegava à mesma conclusão; eu escolho a minha irmã.

 

 

— Chega! Desisto. Não nasci pra isso. – Marcie descontava sua frustração em Johnny. Levantou-se novamente. Já não podia mais saber quantas vezes tinha caído, seu cérebro abatido não era capaz de raciocinar aquele número.

— O seu problema está nos pés. Você os mantem muito juntos. Se separasse um pouco mais...

Johnny não conseguiu terminar sua frase. Foi interrompido por um enorme baque. Num dos cantos da pista, havia uma abertura para o limpa-gelo entrar e varrer a diferença da consistência que as laminas causavam no chão refrigerado. Ele desceria um leve arrampado e entraria na pista de gelo, tornando o piso plano novamente – para que os patinadores não escorregassem ou tropeçassem no próprio campo.

O problema é: Não havia ninguém dirigindo a máquina e a área estava cheia de gente.

O limpa-gelo chegou com força, rompendo o portão e invadindo a pista. Todos ficaram em choque, mas foi só quando a máquina acertou duas pessoas no caminho que todos começaram a patinar para longe do desastre.

Marcie viu que estava no caminho. Seus olhos tremeram de medo e rapidamente tentou escapar da rota, porém seus pés não obedeceram as ordens que sua cabeça determinava. Um passo em falso e a loira acabou no chão, como vem acontecendo desde que pisou ali. Johnny foi mais rápido e conseguiu escorregar para longe.

Apoiando-se numa coluna, tentando se reerguer, ela pôde ver Johnny apontando para ela com uma expressão desesperadora. Gritou:

— Cuidado!

Marcie só teve tempo de fechar bem os olhos antes de acontecer. O limpa-gelo a esmagou contra a pilastra, quebrando-a. O gelo em volta do concreto começou a rachar abruptamente. Uma parte sob a máquina de limpar gelo cedeu, vergando o carro. Com a pilastra não mais no lugar, fragmentos de concreto começam a se desprender do teto acertando quem estivesse em baixo.

A música alta não ousou parar, disputando o volume com os gritos.

As rachaduras se estendiam ao longo de todo o campo de gelo, derrubando os desatentos.

Jake e Melissa não estavam perto do local quando aconteceu, mas o barulho e os gritos eram confirmações de que alguma desgraça havia ocorrido. Ele pegou a mão da namorada e tentou surfar por entre as pessoas tentando não ser derrubado. Começaram a se apressar sem saber do que estavam fugindo.

Fendas se abriam no teto, originadas de onde a coluna atingida deveria estar sustentando. Diana ziguezagueava desesperada em busca de um rosto conhecido ou uma saída. Não sabia o que fazer; se procurava seu namorado e amigos ou se tentava sair o mais depressa possível.

Com tanto movimento, Diana se viu perdida no meio da pista e freou os patins. O que eu faço? O que eu faço? Por onde eu vou? Tentou fixar o olhar em alguma coisa, mas sem sucesso.

Antes que pudesse decidir, duas pessoas a empurraram para trás. Seu corpo atingiu um rapaz alto que caiu com ela de encontro a uma pilastra.

— Oh, garota. – O rapaz gritou sem olhar para o rosto dela. A camiseta azul delatava que ele trabalhava ali. Johnny.

Ela começa a chorar tentando sair de cima do homem – o que deu-se por uma tarefa fácil, uma vez que o rapaz empurrava a loira rispidamente. Diana se ajoelha ao seu lado e retira o capacete. Não o responde.

— O que você tá fazen... – Johnny não terminou a frase.

Um ventilador que estava preso à transversina desabara em cima de sua cabeça. Seu corpo, já sem vida, tomba à ilharga. O ventilador jazia ao seu lado, com a grade de frente escancarada e soprando o sangue que vertia de sua nuca por todo o gelo. Apesar de Johnny estar usando capacete, o objeto não foi capaz de protegê-lo contra o impacto – que torceu seu pescoço de modo abrupto. O sangue escorria pelo gelo até as mãos de Diana, que a apoiavam numa posição como se ela estivesse prestes a engatinhar. As mãos estribadas da loira vacilaram sobre o líquido rubro e descai de mau jeito para trás.

— Ah! – A jovem não reprimiu um grito ao bater com o antebraço no gelo.

— Diana! – Ela ouviu Josh chamar de longe, se virando imediatamente.

Pôde ver o namorado correndo até ela, mas antes que pudesse sorrir ou pensar em qualquer coisa, sentiu um bruto puxão na parte de trás de sua cabeça. Meu cabelo, o ventilador!

Sua cabeça foi rebocada agressivamente para trás, trazendo seu rosto para perto das hélices. A força intensa do ventilador a moveu por detrás de modo que a deixasse deitada sobre o gelo, debatendo os pés.

— Não! Não! Josh! Jo-o-osh! – Gritava. Pessoas passavam correndo ao seu lado e gritando tão alto quanto ela. Todas elas com os pés desequilibrados, mas nenhuma parava para ajuda-la.

Josh ajoelhou-se desesperado sobre sua namorada.

— Ai meu Deus! Ai meu Deus! – O que ele poderia fazer? O cabelo da namorada já estava contornado na rosca de centro e quanto mais Diana se debatia, mais seu cabelo ia enroscando.

— Me tira daqui! – Ela não parava. – Josh! – Diana pôs as mãos na cabeça para tentar puxar os fios “manualmente”, mas as hélices esgadanharam os nós dos seus dedos (agora muito brancos e roxos). Os fios envolviam o ventilador, aproximando o rosto da garota em direção à espiral.

Josh tentou puxa-la pelos ombros, mas as hélices não paravam de rodar. Diana sentia seu coro cabeludo desprendendo da cabeça enquanto o movimento torcia os fios e contorciam seu pescoço. O sangue escorria quente pelo gelo sob sua roupa.

— Não! Não! – Ele disse com lágrimas nos olhos. Então numa rápida movimentação, as hélices atingiram o rosto da garota a matando na hora. Seu sague é esguichado no cenho do namorado, que fecha os olhos e tenta não ver o que aconteceu.

 

— Ali! – Melissa aponta para Josh, agarrada ao braço de Jake. A jaqueta verde se distinguia no meio de um monte de borrões cinza. – Eles estão ali.

Seguiram na direção de Josh o mais rápido possível.

— Vamos Josh. – Jake pegava no braço do amigo.

— Ah! Ai meu Deus! – Melissa berra ao ver o resultado que as hélices provocaram no rosto de Diana. A garota loira com angélicos traços, agora exibia uma grotesca imagem de um rosto desfigurado. Sem um pedaço do nariz e com os olhos enterrados no próprio crânio, Josh não conseguia reconhecer mais a namorada.

As pessoas corriam e jogavam seus pertences pelo caminho para se livrarem dos pesos. Logo, patins e capacetes se tornavam pequenos infortúnios causadores de morte em potencial naquele espaço.

 

Pessoas tentam pular o portão médio que cerca a pista para escapar dos despojos caindo do teto, e dos buracos já notavelmente abertos pelo gelo.

Um homem alto e loiro tenta patinar rápido para fora da pista. Não vai dar tempo de chegar à saída. Ele pensou. Viu a multidão tentando sair pulando o portão que circundava a pista e segue o mesmo caminho. Você consegue, Harper.

Chegando bem perto do que parecia ser seu tiro de sorte, o piso à sua frente foi rompido, abrindo uma grande ruptura. A lâmina de um dos seus patins adentra na rachadura, o fazendo tropeçar e cair debruçado ao portão médio. Sentia uma dor lancinante subir pela sua perna. Ele se apoia sobre o portão e olha para onde um de seus patins ficou preso. Se arrepia ao ver que seu tornozelo estava enviesado.

Uma dor palpitante, então, surge em seu tornozelo. Não fazia ideia se estava quebrado ou apenas torcido. Entretanto, essa não era a hora de ele se preocupar com o tornozelo, tinha que sair dali e procurar por Jasmine.

As pessoas se jogavam ofegantes sobre o portão, querendo se livrar daquele inferno de agonia. Harper estava pronto para ser um dos felizardos quando uma placa de vidro irrompe do teto, descendo violentamente. Não pôde ver o que o atingiu, foi uma morte instantânea. A vidraça o partiu ao meio, deixando metade do seu corpo para fora da pista e metade para dentro.

As pranchas de vidro desceram ao redor de toda a pista, prendendo todos no local. Doug gritava algo no microfone, mas sua voz desaparecia entre os gritos, choros e ao ritmo da música.

 

Jasmine não conseguia manter a calma. Olhava freneticamente a pista para ver se encontrava Harper ou Melissa, mas nada via. Apenas pessoas tentando sair pela estreita saída e um pouco de fumaça surgia de algum lugar na parte de dentro do campo de gelo. Ela se vê presa ao lado dos nichos de sapatos, tentando encontrar alguma forma de escapar. As pessoas se debatiam e corriam pela pequena escada, tumultuando aquela área de preparação. Ela seca uma lágrima que escorria por sua bochecha e empurra ferozmente as pessoas até chegar à beirada da pista de patinação. Ela ficou na ponta dos pés, ao lado da escada, e olhou para dentro.

O limpa-gelo se curva cada vez mais, deixando as hélices do Zamboni (limpa-gelo) à vista. Os patins e capacetes jogados por todos os lados e os torrões de concreto que descolavam do teto formavam uma pista de obstáculos para Jake, Melissa e Josh, que tentavam não cair nessas armadilhas. Eles precisavam ter cuidado, qualquer tombo definiria suas vidas.

Um patim escorrega pelo gelo, de encontro com a parte de baixo do limpa-gelo. O objeto rodopia com os giros da rosca transportadora e é arremessado com força para longe. O patim desliza pelo gelo redemoinhando pelo caminho até acertar a cabeça de Jasmine. Parte de seu rosto foi decepado pela lâmina e sangue golfa de suas orelhas. Seu corpo é jogado rispidamente para trás, caindo com frieza sobre carpete verde.

 

A essa altura, a pista já estava notavelmente desnivelada. Grandes rachaduras se estendiam, formando blocos de gelo escabrosos. Entre esses blocos, subia a água gelada das partes inferiores que derretiam.

— Brandie! – Josh a avistou sentada num canto encolhida, agarrada a grade do portão médio. Ela ergueu o olhar para ver quem a chamava, e se deparou com seus amigos a gritando descontroladamente.

Jake fitou os olhos da amiga. Estavam cheios de lágrimas e medo. Brandie não se mexeu, e Jake sabia que ela não ia nem tentar. Conhecia o sentimento, sabia que o pânico não a faria mover um músculo. Brandie estava em choque. Não pensou duas vezes antes de soltar a mão de Melissa.

Com a voz fraca, disse para Josh:

— Leve-a daqui. Não deixe que nada aconteça a ela. – Josh balançou os olhos, entendendo de imediato.

— O que? – Melissa tentou agarrar a manga de Jake. – Não!

Jake virou-se e deslizou até Brandie. Passou por vários capacetes e duas pessoas mortas. Tomou cuidado ao pular um concreto que caíra do teto, até tropeçar num patim perdido. Ele cambaleia, mas não para de se mover, chegando à Brandie.

— Jake! – Titubeia.

— Brandie, me dá a mão. – Ele estendeu.

As fissuras rabiscavam sob eles. A qualquer momento o gelo poderia se dissipar e nenhum dos dois saberia o que poderia acontecer.

Brandie não conseguia largar a grade. Segurava com firmeza. Se eu soltar, vou morrer. Vai acontecer alguma coisa muito ruim. Segurando, eu estou segura. Estou segura. Não vou me machucar. Ela pensava.

Ele viu água com resquícios de sangue escorrer até eles e alagar o lugar onde estavam. Sentiu o gelo ceder um pouco, o que o desesperou. Olhou para o lado e viu um corpo jogado no canto com um intenso hematoma na têmpora esquerda.

— B, por favor. Não temos tempo. Precisamos sair daqui.

— Vamos morrer. Vamos morrer, Jake.

— Não vamos. – Ele tentava a acalmar com os olhos, apesar de estar apavorado. – Eu sei o que está sentindo. Eu senti isso. Lembra? A melhor opção agora parece ficar onde está, mas, na verdade, isso é um engano. Se não sairmos, não vamos conseguir.

Ela não respondeu, não disse nada. Brandie o encara nos olhos, mas não consegue reagir. Não consegue pensar com clareza. A grade daquele portão parecia uma garantia da sua sobrevivência. Ele sabia o que ela estava sentindo naquele momento; lembrou-se como suas pernas estalaram e simplesmente pararam de funcionar quando ele mais precisava. Ele morde o lábio e segura a mão da amiga.

 

Sierra pulava os destroços e corpos pela pista. Muitas pessoas foram atingidas por quebrados do teto. Muitos se machucaram e estava no gelo suando e chorando. Chris estava logo atrás a seguindo. Uma grande parte das pessoas ainda estava presa lá dentro, muitas delas batiam nas pranchas de vidro que os prenderam, tentando quebrar ou simplesmente pedir socorro. Muitos também se encaminhavam para a saída, mas a fumaça que saía do Zamboni dificultava encontrar o caminho.

Uma enorme fenda se abriu atrás de Chris, o puxando para dentro.

— Sierra! – Gritou.

Era a maior fenda que abrira. O gelo estava ficando cada vez mais fraco e sensível.

A garota se virou e tentou ajuda-lo a sair do buraco. Lagrimas escorriam dos seus olhos.

— Chris, se segura! – Ela puxava a mão dele, mas o gelo cedia gradativamente.

Ele escorregava cada vez mais para dentro. O gelo, que uma vez era branco e resistente como osso, agora estava frágil e tinha uma tonalidade de laranja com vermelho. Imediatamente Sierra soube o que isso significava. A máquina abaixo deles estava esquentando.

O gelo sob seus joelhos estava amolecendo e sucumbindo, não tinha como ajudar Chris. Se continuasse tentando, iria morrer junto. Chris, você precisa me soltar. Por favor.

— Sierra, não me larga. Não me larga. – Ele leu sua expressão facial.

Ela fechou os olhos.

— Me desculpa. – Então sacudiu a mão para que ela se libertasse. – Me desculpa, Chris. – Ela começou a dar pequenos beliscões nos dedos dele para que se separassem.

— Não. Não. – Ele lançou-a um olhar enigmático de medo e soltou. Sierra o viu deslizando pelo gelo e sumindo na abertura da superfície. – Nã-ão.

Ela gatinha de costas no gelo, se afastando da greta. Um arrepio passou como eletricidade pelo seu corpo quando viu um redemoinho delgado de fogo subindo por onde Chris afundara. Uma espadana se prolongava intensamente pela fenda, atingindo algumas pessoas por perto e chamuscando o teto.

 

Jake e Brandie viram de longe. A garota foi hipnotizada pelo fogo que subia do fundo do gelo, a deixa para que Jake a surpreendesse. Ele pega a amiga pelos braços e a puxa para onde Melissa e Josh estavam. O que eles ainda estão fazendo aqui? Jake pensou.

As pessoas iam se deslocando ao redor do fogo, fugindo e caindo. Nessa correria, Brandie pôde ver Sierra jogada no chão.

— Sierra. – Ela aponta. – Jake, a Sierra.

Ele se vira, mas nada dá tempo de se fazer. A plataforma de gelo onde ela estava se quebra, inclinando a talhada em direção ao Zamboni. Ela tenta impedir sua própria queda, mas desliza rapidamente em caminho certeiro às hélices das roscas transportadoras da máquina. Na posição de bruços, Sierra escorrega rumo à morte certa.

O sangue da garota é jorrado em todo o gelo a sua volta. O som da pele sendo cortada e ossos quebrando foi ensurdecedor para aqueles ainda por perto.

— Oh, meu Deus! – Melissa grita tampando a boca.

— Vamos sair daqui. Agora! – Jake puxa a namorada novamente. E Josh guia uma Brandie nervosa e desorientada.

Sob seus patins, água subia incessantemente.

Os quatro amigos seguem para a saída lotada. No meio de empurrões, chutes e gritaria, eles conseguem descer a pequena escada até a área onde se aprontaram anteriormente para entrar na pista. O carpete verde já não tinha mais a cor de antes e os bancos ordenados com precisão, foram afastados pelas pessoas que queriam abrir espaço.

Jake olha em volta: As pessoas tropeçando por estarem correndo com os patins. Caindo e tendo dificuldade em levantar. Pensa rápido.

— Pessoal, tirem os patins. – Alerta ele.

Josh o olha com cara de dúvida.

— Nunca iremos sair daqui com esses patins! – Jake conduz Melissa até um dos bancos. – Tira isso, por favor. – Ele senta no chão e puxa os cadarços.

Melissa obedece e faz o mesmo. Josh entende o objetivo e os acompanha.

No lado de fora da pista, o clima, igualmente, desesperador assombra. As pessoas gritam, choram e principalmente, correm!

— Estão loucos? O que estão fazendo? Vamos embora! – Brandie se desespera.

A garota corre com os patins ainda vestidos para a pequena abertura do portão cinza. Josh consegue tirar um dos patins quando vê Brandie batendo em retirada.

— Não, Brandie. – Josh se levanta e vai atrás dela.

— Josh! – Jake grita ao amigo. – Cuidado!

Josh corre com um dos patins calçados. Ele anda desengonçadamente, tentando alcançar a amiga. Afastava as pessoas que tentavam entrar no caminho.

— Brandie, para!

— Se parar, vai morrer. – Ela devolve.

— O que? – Josh não entende o que ela diz.

As rachaduras no teto se estendiam pelo teto fora da pista, jogando pequenos torrões de concretos em cima das pessoas que tentavam escapar.

Ela para e alcança a mão dele:

— Vem!

Seus dedos se cruzam. Toda a energia de terror, medo e pânico pôde ser compartilhada entre os dois pelo gesto. Os músculos firmes do braço de Josh sentiram a pressão dos dedos de Brandie o puxando, mas não conseguiu se mover. Uma multidão de pessoas os separa, jogando cada um para um lado.

Josh voa em direção a uma estante de troféus. Seu rosto se corta com as portas de vidro. Ele desaba no chão sangrando, sem tempo de ver que a estante está caindo em sua direção. O maior troféu – posicionado de modo central em relação aos outros – esmaga sua cabeça quando o atinge.

Brandie é arremessada ao chão. As pessoas passam por cima dela como se ela fosse um saco de batatas. A garota recebe chutes no rosto até seu nariz quebrar. Uma dor aguda surge do corte que mais borbota sangue. Ela tenta gritar, mas o liquido rubro escorre para dentro de sua boca, o que a faz cuspir no chão. Brandie só consegue gemer, pois respirar se tornou uma tarefa árdua naquele momento.

Tenho que sair daqui. Tenho que sair daqui. Era única coisa que a menina pensava.

Ela se arrasta pelo chão com muita dificuldade. Os passos não param, e as pisadas ficam mais intensas. Parem! Por favor, parem! Ela estica a mão para se forçar à frente. Uma pessoa correndo com patins pisa em seus dedos, arrancando dois deles fora.

— Aah! – Ela não mediu forças. Precisou botar para fora. Gritou o mais forte que pode esperando que alguém a ouvisse. – Ah! Ah!

Sem nem ao menos conseguir olhar para o resultado do corte, o sangue se espalhava muito depressa. Sentia que não tinha muito ainda a perder. Brandie virou-se de costas para o chão e viu uma luz branca. Brilhante e bonita. Achou que fosse algo divino, mas sua mente conturbada e visão danificada não conseguiram distinguir as lâmpadas do teto – que eventualmente começaram a piscar sem controle e, então, perderem vida.

Outra pessoa de patins passou correndo por cima de Brandie. A lâmina acertou seu pescoço, afundando completamente sua pele. O sangue esguichou como uma mangueira aberta. A pessoa tombou mais à frente e gritou ao ver o corpo morto da garota com tranças nagô.

 

Jake e Melissa saíram da área com carpete verde e seguiram por um largo corredor, onde viram uma estante derrubada e o corpo de várias pessoas pelo local. Um deles era de Brandie, ensanguentado e com o pescoço dilacerado.

— Não, não! – Melissa tapou a boca.

— Vem, Mel. Não olha. – Jake a puxou desviando de alguns corpos, como se estivessem numa gincana com obstáculos. Entretanto, nada animado.

À frente deles, um rapaz de touca preta corria desajeitado com um pé manco. Sua nuca estava encharcada de sangue que escorria de algum lugar por dentro da touca. Não foi tão difícil para Jake e Melissa reconhecerem Doug – ou sua silhueta – por trás de um véu de fumaça, mas iluminado sob uma caixa de som em chamas.

Viram seu corpo caindo no chão quando um pedaço de concreto vindo de cima o atingiu. Melissa se assustou, largando a mão de Jake. O rapaz não mediu sua velocidade e tropeçou no corpo de Doug, caindo ao lado de uma poça de sangue e membros retorcidos.

— Mel. – Sua voz saiu tartamudeada entre os intervalos de soluços. A fumaça entrava com força pelas narinas, fustigando seus pulmões (embora ele tentasse respirar o mínimo possível).

— Jake! – A namorada respondeu com a voz embaraçada e olhos lacrimejados pelo calor.

A última palavra que Jake ouviu sair de sua boca foi seu nome. Uma grande explosão calhou na parte de dentro da pista, fazendo as pranchas de vidro se despedaçassem num rompante. O estouro berrou em direção à Melissa, disparando estilhaços de metal e vidro contra seu corpo. Ela foi violentamente projetada de encontro à parede oposta, e tombando numa pilha de destruição.

— Não! Mel! – Jake se rastejou pelos destroços até o corpo da namorada. Pela mórbida aparência, posição retorcida e excesso de sangue escorrendo de seu rosto, uma averiguação não seria necessária para confirmar o que Jake temia. – Na-Não! Não!

O lugar começou a desabar, esmagando todos que ali ainda permaneciam. Enormes pedras voam. Lascas de madeiras junto com fragmentos de concreto caem, e essa foi a última imagem que Jake pôde ver antes do teto desabar sobre seus olhos.

 

— Vamos nessa! – O grito de Chris reavivou a mente de Jake.

O garoto piscou duas vezes para ter certeza do que via. Ele está prestes a entrar na pista Howclover. O portão à sua frente está fechado e no gelo, pessoas patinam alegremente. O que? Como assim? Ele balança a cabeça e olha para trás. Seus amigos estão numa fila desorganizada, preparados para entrar.

Ele se lembra. Olha para Sierra prevendo o que ela vai responder.

— Ah, seu maluco. Grita no ouvido da sua mãe.

Todos riem, com exceção de Jake. Ele olha aflito para todos os lados. Procurava algo? Uma explicação, talvez.

— Tá tudo bem, Jake? – Chris indaga.

Melissa escuta a pergunta e volta seu olhar para o namorado e entende o que Chris quis dizer.

— Você tá suando, amor. – E pode perceber que suas mãos tremiam um pouco.

— O que tá acontecendo? – Jake pergunta nervoso.

Ninguém responde. Diana olha para Josh com dúvida, que responde com uma expressão facial de que também não está entendendo.

— Do que você tá falando, amiguinho? – Brandie brinca.

Oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh. Ele procura uma caixa de som presa em algum canto e foca sua atenção nela. Essa música... De novo. Pensou.

Doug passa por eles com um microfone na mão e abre o portão.

— Pessoal, encostem-se ao corrimão, por favor. Só um minuto antes de eu liberar vocês.

Não pode ser. Jake se desespera.

— 250 e 402 – Ele e Doug falam ao mesmo tempo.

O rapaz de touca preta arregala os olhos para Jake, que abaixa o olhar e fita suas luvas. 180.

— Hey amigo, como sabia disso? – Josh pergunta.

— Temos que sair daqui. – Todos encaram Jake. Os olhares perdidos o contornavam, estáticos. Ele não conseguiria explicar e nem se preocupou em fazer isso. – Agora!

Jake puxa Melissa pelo braço escada abaixo até o banco mais próximo, quase a derrubando sobre os patins. Os outros assistiam colados ao corrimão sem saber o que dizer ou o que fazer.

— Jake, você tá me machucando.

— Desculpa, desculpa. – Ele beija seu rosto, passando os dedos trêmulos pelas suas têmporas. A encara bem nos olhos antes de começar a tirar um dos patins da namorada.

— O que você tá fazendo Jake?

Marcie se senta no último degrau da escadinha. Aff.

— Esse lugar vai desabar. – Ele grita. O som alto não o deixa ser ouvido por muita gente, apenas seus amigos, Doug e Jasmine, que chega correndo.

— O que tá acontecendo? – Ela olha primeiramente para Jake e depois para Melissa.

— Essa pista vai derreter. Esse lugar vai explodir. Todo mundo vai morrer!

— Gente, o que é isso? – Sierra junta as duas mãos ao peito, assustada com as palavras ditas.

Jasmine se aproxima de Jake.

— Isso não é nem um pouco engraçado.

— Não é para ser engraçado, não é uma piada. – Ele fala irritado. Diana e Josh olhavam em volta; ela com vergonha e ele achando a cena um pouco cômica.

— Garoto, qual o seu problema? – Doug se aproxima entrando na frente de Jasmine. – Não pode fazer isso... Hey!

O jovem agarra o microfone do funcionário e começa a gritar:

— Saiam todos! Saiam. Essa pista vai explodir. Vocês vão morrer. Me escutem...

Doug tenta tirar o microfone das mãos de Jake a força. Os dois travam um cabo de guerra para ver quem conseguiria arrancar a bandeira da mão do outro.

— Não toca nele! – Chris interviu entre os dois.

— Melissa! – Jasmine fala. – O que tá acontecendo com seu namorado?

Sierra balança a cabeça para Diana, que entende o que amiga quer dizer.

— Josh, vem. – A menina loira puxa o namorado pelo cotovelo.

Sierra, Diana e Josh começam a tirar seus patins correndo.

— Jake! – Melissa chama sua atenção. Ela ainda está sentada apenas com um pé calçado, seus olhos estão esbugalhados exprimindo medo.

Ele se ajoelha à sua frente e tira o outro patim dela.

— Mel, você tem que acreditar em mim! – Ele fala suando e com a voz embargada. A namorada o pega pelas bochechas e o encara nos olhos.

— Jake, o que tá acontecendo?

Ele resolve dizer. Não importa se ela não acreditasse, era a verdade.

— Eu vi. Na minha cabeça, como um filme.

— Viu o que? – Ela perguntou.

— Você morrer. – Uma lágrima escorre por seu rosto. – Vi todos morrerem. Vi esse lugar virar um inferno. As pessoas correndo... O gelo quebrando... Os corpos... O sangue... Os gritos... Mel, eu vi tudo ir para os ares.

Melissa paralisa com as palavras. O que?

— Que merda está acontecendo aqui? – Um homem alto de óculos, com uma aparência intimidadora surge de uma porta ao lado dos nichos de sapatos.

Jake não diz mais nada, apenas se concentra em tirar seus próprios patins agora.

— Ele tá dizendo que a pista vai explodir ou alguma coisa assim, chefe. – Doug delata.

— Melissa, por favor. Acalma ele. – Jasmine pede.

O homem pega no braço de Jasmine e pergunta:

— Você os conhece?

— Hum... – Ela não sabe o que dizer. Sabia o que aconteceria se dissesse que sim.

— Oh, cara! Solta ela. – Um rapaz loiro e alto sai da pista, descendo os degraus firmemente.

Adam – o chefe – a solta grosseiramente.

— Tudo bem, Harper. – Jas tenta amenizar. Então sussurra – Ele é o meu chefe.

— Esse cara tocou em você, Jas. – Responde indignado.

— Cala a boca, rapaz. – Adam repreende levantando o dedo indicador como se estivesse brigando com uma criança de seis anos. Sua voz potente fazia com que todos naquele espaço o ouvissem claramente.

— Tenta calar, figurão.

— Oh, Deus. – Chris fala.

— Cara, acredita em mim. Vamos embora. – Jake diz a Chris.

— Está tudo bem. Não há nada para se preocuparem. – Doug apaziguava pelo microfone as pessoas dentro da pista de patinação por qualquer transtorno que tenha ocorrido nas palavras de Jake.

— Saiam daqui. Todos vocês. – Adam apontava a saída.

— O que? – Brandie surpreendeu-se. – Estamos sendo e expulsos?

— Saiam antes que eu chame a polícia. – Adam faz sinal para dois seguranças que tinham saído com ela da porta atrás da pista.

— Tá bom, tá bom. – A menina tira os patins rapidamente com Chris.

— Vamos, Jas. – Harper chamou a namorada para lhe acompanhar.

— Não, eu não posso ir ainda. Tô no horário de...

— Vai com eles. – Adam mandou.

Jasmine ficou boquiaberta.

— Mas... Eu não tenho nada a ver com isso.

— Não quero mais você aqui. Nem você, nem seus amigos.

A garota não disse mais nada. Não teria adiantado de qualquer forma. Seguiu, visivelmente irritada, com Harper até a abertura do portão cinza. Estavam todos prestes a sair quando, numa última tentativa, Jake puxa o microfone mais uma vez da mão de Doug e grita o alerta.

— Seu filho da puta! – Adam xinga.

— Jake, solta isso. – Chris e Josh tentam tirar o microfone dele junto com um dos seguranças.

— Por que não me ouvem? Vai acontecer um acidente! Saiam já. – Jake cuspiu as palavras enquanto os seguranças arrastavam ele e os amigos para fora através de uma saída interna por trás do local, onde, provavelmente, só Jasmine tinha conhecimento.

— Espera! Espera! – Brandie gritava para um dos seguranças que a segurava. – A minha irmã! A Marcie ficou lá. Me deixa voltar.

Eles eram conduzidos por um corredor escuro com uma porta de ferro no final.

— Vão sair agora. – O segurança apertava os dedos nos braços de Brandie, a carregando até a porta dos fundos. Diana e Sierra estavam andando aos tropeços pelos empurrões que Adam dava nelas. Diana reclama alguma coisa e Sierra não continha os palavrões engasgados.

— Que loucura! – Josh enfrentava o outro segurança. – Não podem tocar na gente desse jeito. Não tem esse direito.

— Não podem fazer isso! – Afirmou Chris.

O ar frio da noite invadiu o local e uma corrente de vento percorreu o corredor.

— Posso quando medidas extremas são necessárias. – Adam dizia quando já estavam do lado de fora do espaço Howclover.

— Que medidas extremas, irmão? – Indagou.

Os seguranças bloqueiam a porta para que eles não voltem a entrar.

— Se um rapaz entra na minha pista de patinação e alarma a todos os meus clientes que irão morrer, devo-o chutar para fora. Não concordam?

— Eu sei o que eu vi. É tão difícil de acreditar?

Adam pende a cabeça pra ele, mas não responde. Apenas completa:

— Se isso não é uma medida extrema, eu não sei o que é. Sugiro a você que procure outro emprego. – Adam levanta seu dedo e o aponta para Jasmine, então o mirou na direção dos olhos de Jake. – E a você, um bom psicólogo.

Jake estava prestes a acertar o queixo de Adam antes que Chris o impedisse. O amigo lhe mandou uma mensagem com o olhar, com um pedido para parar de reagir. Adam deu meia volta retornou para o interior do local com os seguranças. Os amigos ouviram as trancas sendo passadas pelo lado de dentro.

— Assim eles não vão conseguir sair. – Jake diz num tom baixo.

Ele observa em volta e percebe que todos estão com olhares aterrorizados.

— Melhor irmos. – Harper quebra o silencio, se atendo somente à Jasmine. A garota encara Melissa e depois Jake. Queria dizer muita coisa para os dois, mas preferiu não fazer. Apenas deixou que Harper passasse o braço ao redor de seus ombros e a guiasse para longe daquele lugar.

— Pessoal. Eu não tô maluco. Eu juro que vi. Meus pensamentos...

— Eu acredito. – Sierra diz.

Todos a olham.

— Quer dizer, acredito que você possa ter visto algo. Não significa que seja um prenuncio mal intencionado, pode ter sido apenas uma sensação forte que fez você se desesperar. – Sierra se explica. – Só não acho que precisava de tanto.

— Acho que perdemos a noite. – Diana se manifesta. – E dinheiro. Josh pagou a entrada de cinco pessoas aqui. – Fez questão de lembrar. Apesar de não se importar com isso (e definitivamente não estava), foi esse o único meio que ela conseguiu encontrar de expressar o seu descontentamento. Não tinha coragem de culpar Jake... Não diretamente. Não naquele momento.

— Tá tudo bem, ok? Não ligo pra isso. – Josh fala olhando para Jake.

— Desculpem. Me desculpem. – Jake não sabia o que dizer. – Eu só... Quero que vocês fiquem bem. Foi assustador... Na minha mente... Eu não sei. Só me desculpem.

Eles assentem com a cabeça e Chris pousa sua mão no ombro do amigo como sinal de solidariedade. Logo depois, Melissa o abraça forte.

— Tá tudo bem, amor.

Brandie caça o telefone no bolso e liga para Marcie.

Alô.— Atende.

— Oi, onde você se meteu?

Eu entrei antes que vissem que eu estava com vocês. Nunca patinei antes, você sabe. Não queria sair agora.

— Ok, espertona. Você tem duas horas até acabar o nosso horário. – Brandie explica para a irmã.

Tudo bem. Posso ir para casa sozinha depois.— Outra voz é ouvida, uma masculina. – Marcie, larga o telefone. Assim não irá aprender.— A voz de Marcie volta a falar – Já vou, Johnny.

— Tem certeza? Não quer que eu espere?

Brandie não ouve uma resposta.

— Marcie?

Do outro lado da linha apenas se ouvia um grito muito alto de uma mulher, seguido por outro grito de um homem:

— Cuidado!— Brandie pôde ouvir um baque surdo na linha, como se algo tivesse sido atingido brutalmente por algo muito maior. – O que é isso? Socorro! Parem esse negócio!— Os gritos dominam a ligação, fazendo a espinha de Brandie gelar.

— Marcie, responde! Marcie! – A menina gritava no telefone.

— O que houve? – Sierra aparece ao seu lado. O semblante indicando curiosidade.

— Não sei. Aconteceu alguma coisa lá dentro. Falaram que uma garota morreu. A Marcie não me responde. – Brandie se desespera a medida que os gritos aumentam e se distorcem em meio a outros sons indistinguíveis. Uma mulher começa a chorar forte ao lado do telefone, exprimindo palavras engasgadas, a voz então se dissipa pouco a pouco até não ser mais ouvida (como se o telefone tivesse sido chutado para longe). Por fim, o outro lado fica mudo e a ligação cai.

Brandie correu os olhos pelos amigos, procurando algum tipo de amparo ou palavras que desmentissem seus pensamentos naquele momento. Buscou os olhos de Chris, que pareciam mais aturdidos que os dela, então pulou para Diana e Sierra, que respiravam pesadamente. Sem encontrar qualquer conforto, voltou seu olhar para a porta trancada pela qual saíram e esperou que ela se abrisse, revelando a resposta para as suas incertezas.

Jake sabia exatamente o que se passava dentro do Howclover Ice Space. Ele não queria acreditar que estava realmente acontecendo, mas não conseguia fingir. Ele abraçou forte Melissa quando fumaça começou a emergir das frestas da construção.

— Oh, meu Deus! – Diana tapou a boca com as mãos. – Jake... Você...

— Não pode ser. Não pode estar acontecendo o que ele disse. – Josh declara balançando a cabeça em negativa. – É impossível. Não pode estar acontecendo.

Todos, então, o encaram assustados como se Jake tivesse sete cabeças. O garoto, por outro lado, com a pele pálida e suada, sentiu os olhos lacrimejarem enquanto era mirado por olhares encharcados de dúvidas e medo. Tentou dizer algo, mas saíram apenas balbucios que nem ele mesmo entendeu. Não sabia realmente o que dizer.

O local inteiro explode então. Chamas saem pelas janelas e a fumaça escura permeia o ar ao redor. Gritos os alcançam como insetos atacando suas orelhas. O terror se alastra pelo chão coberto de seixo do estacionamento, perseguindo os amigos – que se afastam para longe do fogo e da fumaça.

 

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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do acidente inicial. Quando eu estava planejando a fic, pensei logo “Não quero que dois personagens morram da mesma forma no acidente inicial, quero explorar esse ambiente de todas as formas que eu conseguir”, então fiquei pensando no que poderia ocorrer lá dentro para que as mortes ficassem diferentes e criativas. Tentei aproveitar o máximo o que o cenário escolhido me permitia. Espero ter conseguido =D



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