A Tempestade que nos Trouxe escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
Uma cabine no platô


Notas iniciais do capítulo

O Mundo Perdido era minha série favorita quando eu era criança. Doctor Who é minha série favorita atualmente. Pensando nisso, eu decidi reunir essas duas séries num conto.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776216/chapter/1

—Tá legal, isso não é só uma turbulência!-Gritei, tentando não cair no meio do caos que a TARDIS se tornou repentinamente. -Você disse que estávamos apenas voando por aí!

—E estávamos! Eu não sei o que aconteceu!

—Tá ouvindo esse som? É lá de fora!

—Acho que é uma tempestade.

—A TARDIS não devia ter um para-raios ou algo do tipo? Como uma nave tão incrível não tem algo tão simples? Ai! Ela me queimou!

—O que?-Tentou se aproximar, mas não conseguiu. -No que você tocou?

—Eu não sei!-Encarei o console. -Por que você tá bancando a maluca? Vai nos matar desse jeito! Faz a gente pousar agora!

—Se os controles me obedecessem já estaríamos no chão!

—Espera, os controles não...
Então houve um som alto, um clarão, faíscas, uma batida e a escuridão.

—Nós caímos?-Sussurrei, sentando com cuidado. -E estamos vivos?

—Você está bem?

—Acho que sim, aparentemente nada quebrado, mas não é como se eu tivesse certeza. A gente tá no escuro.

—Eu sei. -Dei uma olhada em volta.

—E agora?-Atrás de mim as portas abriram, a luz de fora iluminado a sala de controle. -Foi você que...?

—Não. Não fui eu. -O encarei, enquanto ficávamos de pé.

—Acha que isso é um convite pra gente sair?-Um jato de ar nos atingiu, nos atirando para fora da nave. As portas fecharam com um som alto.

—Acho que foi mais uma ordem.

—Isso doeu!-Me levantei, irritada. -Qual é o problema da sua nave? Ela não pode fazer essas coisas. -Me aproximei as caixa azul. -O que deu em você?-Tentei abrir a porta, mas pulei para trás, assustada. -Ela me deu um choque!

—O que?-Se aproximou, imitando meu gesto. -Em mim também. Mas não acho que seja proposital. Se fomos pegos por uma tempestade...

—A TARDIS andou levando uns raios. É. Me lembre de não tocá-la de novo. Eu não sabia que tempestades faziam isso...

—Acho que isso significa que estamos trancados aqui fora.

—Aqui fora aonde, exatamente?

—É uma boa pergunta.

Me virei, olhando a paisagem. Estávamos num campo aberto cercado por árvores grandes. Há alguns passos de distância, estava um moinho de vento, feito com madeira e tecido.

—Legal. -Murmurei.

—Os moinhos de vento surgiram por volta de 1170, então estamos em algum ponto depois disso.

—Era Vitoriana, legal.

—Que? Passou longe.

—Sério? Bem, eu nunca fui boa em história. Contei que reprovei várias vezes nessa matéria? Okay, uma vez não foi culpa minha, a professora fez questão de...

—Rachel.

—Hum? Momento inapropriado pras minhas pérolas de estudante?

—Uhum. Muito.

—Você tá com cara de quem viu a ex e a atual conversando. Eu vou querer ver seja lá o que for?

—Não tenho muita certeza. -Me virei, franzindo a testa.

—O que diabos...?

—Corre!-Agarrou meu pulso, girando no lugar e começando a correr.

O que estava atrás de nós nos seguiu. Eu não fazia ideia do que eram. Pareciam macacos do tamanho de humanos, com a cara sem pelos e expressões nada convidativas à amizade.

—O que é aquilo? Que coisas são aquelas e por que estão atrás de nós?

—Talvez estejam com fome. -O Doutor sugeriu.

—Você realmente disse isso?

—Você que perguntou! Cuidado!

Alguma coisa pulou de uma árvore, caindo entre o Doutor e eu e me derrubando. Era um daqueles macacos estranhos. Recuei, me arrastando no chão de folhas... Então houve um som alto e ele caiu. Os outros ouviram o disparo e começaram a correr para longe, abandonando o possível jantar e o companheiro morto.

—Você está bem?-Uma mão foi estendida na minha frente.

—Eu tô é... Opa. -Parei um momento. Eu não conhecia o dono da mão. Era um homem alto, cabelos escuros e tinha um rifle na mão livre. Parei um momento, e aceitei a ajuda para levantar. -Estou bem.

—Essa foi por pouco. Nunca vi um bando tão grande de homens macacos.

—Homens macacos?-O Doutor repetiu. -Interessante. O nome combina com eles. É uma espécie bem diferente.

—E muito hostil. -Outro homem se meteu na conversa, tinha os cabelos claros e também possuía uma arma. -Não há diálogo com eles.

—Isso explica por que seu amigo simplesmente atirou. -Torci para ele não começar um de seus discursos anti-armas e morte.

—Era o homem macaco ou sua amiga. Desculpe, não nos apresentamos. Edward Malone. Esse é o lorde John Roxton.

—Eu sou o Doutor. Essa é Rachel. -Acenei.

—Será que podemos perguntar como chegaram no platô?-Roxton perguntou.

—Platô?

—Não sabem onde estão?

—Até agora, não. Em que século estamos?-Os homens armados trocaram um olhar.

—Século 20.

—Ah. Certo. Tudo bem. Sabe como é, eu sempre esqueço. -Olhou pra mim. -Século 20.

—Legal. -Respondi. -Não é a Era Vitoriana.

—Não.

—Okay.

—Estão acampados aqui perto?

—Alguns minutos de caminhada mata à dentro. -Malone respondeu. -Não é muito longe. Podem ir com a gente. Os outros estão lá.

—Há mais pessoas com vocês?

—Mais três. Éramos... Somos uma expedição.

—Então nos mostre o caminho...

—Alguém ouviu isso?-Roxton perguntou, ficando alerta de repente. Eu podia apostar que ele era um caçador.

—Mais daquelas coisas horríveis?-Sussurrei, olhando cuidadosamente em volta.

—Não. Depende. É maior e está vindo direto pra cá.

—Tipo uma onça?

—Maior.

—Um urso?

—Muito maior. -Franzi a testa, confusa.

—E existe algo maior numa floresta? Alces? Rinocerontes?

—Dinossauros. -O Doutor murmurou.

—Claro, tipo, uns anos atrás. Ou muitos anos, no caso. Não me pergunte quantos.

—Acho que não tão atrás assim.

—Tá, agora é você sendo ruim em história. Ou isso é geografia?

—Rachel!-Me puxou do lugar, apontando.

—Ai, cacete!

Não é como se eu fosse especialista nos nossos queridos amigos mortos que hoje eram fósseis, mas se me mostrar um dinossauro no meio de outros bichos, eu saberia dizer qual era qual. E isso era bem útil por que tinha um na nossa frente.

—Não devia ser uma pilha de ossos enterrada ou num museu?-Sussurrei.

—No século 20?-O Doutor sussurrou de volta. -É, devia.

—Esse parece bem vivo. E com fome. -Roxton atirou.

—Corram!-Gritou.

Nem precisou dizer uma segunda vez, eu já estava me virando e correndo, tentando convencer mentalmente minhas pernas a não virarem gelatina no caminho.
***

—Acho que o despistamos. -Roxton declarou, quando paramos de correr. Apoiei as mãos nos joelhos, tentando respirar.

—Vocês viram o tamanho dele?-O Doutor perguntou, animação estampada no rosto de maneira gritante. -Era um dos grandes.

—Um dinossauro, -Comecei, sem muito fôlego. -no século 20. Por que tem um dinossauro no século 20? Eles estavam extintos! Não é? Dinossauros. Meteoro. Adeus dinossauros. Olá fósseis. Não é assim?

—Bem, é. Mas ainda há teorias que...

—Danem-se as teorias. Tinha um dinossauro vivo bem na nossa frente! Um dinossauro! Grande! E irritado!

—Rachel...

—Vivo! Mais vivo impossível! Por que tem um dinossauro vivo aqui?

—Na verdade ele não é o único. -Malone declarou. -Encontramos várias espécies ao decorrer do tempo que passamos aqui.

—Como é que é?

—Nesse platô, de alguma forma, os dinossauros sobreviveram à extinção. -Balancei a cabeça negativamente. -E não é só o que se pode encontrar. Vocês já conheceram os homens macacos. Aqui há civilizações perdidas, fantasmas, homens lagarto, e até mesmo Eldorado. Tudo nesse platô.

—Você tá brincando.

—Não, é realmente verdade. Também não acreditamos de início, mas está tudo aqui.

—Isso é...

—Fantástico!-O Doutor interrompeu. -Eu não tenho nem palavras. Um lugar assim, na Terra, em pleno século 20? É indescritível. Eu já vi muitas coisas, mas essa... Esse lugar é magnífico!

—Eu ia dizer aterrorizante.

—Não estamos muito longe da casa da árvore. -Roxton afirmou. -É melhor chegarmos lá antes que escureça. -Voltamos a caminhar, dessa vez sem um gigante faminto atrás de nós.

—Daqui a pouco vocês vão dizer que existem bruxas aqui.

—Uma Rainha Vodoo conta?

—O que?

—Ela transformou a própria tribo em zumbis escravos. Não foi uma aventura muito boa de se lembrar.

—Há quanto tempo estão aqui?-O Doutor perguntou.

—Há mais tempo que deveríamos. Dois anos e meio. Não achamos um meio de voltar para casa.

—E como vieram parar no platô?

—De balão. Fomos pegos por uma tempestade e caímos aqui. Nem preciso dizer que não fazia parte dos planos.

—Uma tempestade?

—Foi algo sem igual. -Malone contou. -Eu sou repórter, mas nunca vi nada assim. A tempestade surgiu do nada e nos atingiu em cheio.

—Foi como a tempestade que nos trouxe. -O Doutor sussurrou, andando ao meu lado.

Continuamos caminhando, tendo apenas pequenas surpresas desagradáveis como cobras e um escorpião ou dois. Então finalmente avistamos a casa da árvore. Era enorme, e complexa, protegida por uma cerca elétrica.

—Como vamos subir?-Perguntei. Malone sorriu.

—Pelo elevador.

Havia mesmo um elevador. Enquanto subíamos, nossos salvadores explicaram que a casa tinha sido construída por uma expedição que esteve lá anos antes, e que a única sobrevivente era Verônica, uma jovem que havia encontrado, salvado e abrigado a expedição atual.

—Temos visita. -Roxton declarou, saindo do elevador e deixando a arma de lado, assim como a mochila. -Esses são Rachel e o Doutor. Os encontramos não muito longe. Essa é Verônica. -A loira num canto acenou, as roupas dela se destacavam no meio do grupo. Era algo que uma versão feminina do Tarzan usaria. -Marguerite Krux. -A morena apenas olhou pra nós atentamente, enquanto cortava uma fruta. -E o professor George Challenger.

—Challenger?-O Doutor perguntou, se apressando para apertar a mão do homem ruivo. -George Edward Challenger? Eu sou muito fã do seu trabalho! As suas descobertas científicas, seus trabalhos, é simplesmente incrível!

—E lá vai a fangirl. -Murmurei, divertida.

—O moinho que encontramos foi obra sua?

—Ora, foi. -O cientista confirmou. -Mas eu tive ajuda dos meus amigos. Não poderia fazer tudo aquilo sozinho, mas sim, a ideia partiu de mim, como a cerca elétrica lá em baixo.

—É mesmo? Eu achei uma excelente ideia. Num lugar tão perigoso, uma cerca dessas pode salvar vidas!

—Certamente, meu jovem, certamente. É em tempos assim que surgem ideias brilhantes, humildemente falando.

—Tenho que concordar.

—Eles falam a mesma língua. -Verônica brincou, sorrindo. Assenti. O professor saiu com o Doutor, querendo mostrar seu laboratório, e obviamente o convite foi aceito. -Challenger adora falar de seu trabalho, eles vão passar horas juntos.

—Acho que o Doutor encontrou sua alma gêmea. -Declarei. -Malone disse que a casa é sua. É realmente incrível. Sempre quis uma casa na árvore.

—Bem, eu não tive muita participação na construção dela, era muito jovem na época, mas me esforço para mantê-la em ordem.

—Ninguém nos contou como chegaram no platô. -Marguerite comentou, como quem não queria nada.

—Eles acabaram de chegar, por que não os deixa descansar um pouco antes do seu interrogatório?

—Eles podem saber a saída do platô. Estamos procurando um jeito de voltar pra casa há quase três anos. É errado querer voltar para Londres?

—Voltar cheia de joias preciosas, você quis dizer. -Marguerite ficou de pé, jogando a trança por cima do ombro.

—É o mínimo que posso tirar desse lugar. Minhas pedras vem comigo e é bom ninguém tentar me impedir. -Olhou pra mim. -Se você e o seu amigo forem problemas, eu vou jogá-los dessa sacada para os raptors. -Ergui as mãos em gesto de rendição. A mulher apenas passou por mim e sumiu de vista. Havia mais andares na casa, eu pude ver quando estávamos lá em baixo.

—E essa foi Marguerite Krux, em mais um de seus momentos dóceis. -Roxton brincou, se sentando. -Ela é assim mesmo. Diamantes primeiro. Pessoas depois. Não deixe ela te intimidar.

—Ela vai ter que se esforçar mais pra isso. -Me sentei também.

—Mas ela está certa em algo. Como chegaram aqui?

—Nós caímos. Fomos pegos por uma tempestade, como a que vocês nos contaram. Caímos próximos de seu moinho.

—O balão de vocês está em boas condições?-Malone perguntou. Balão? Ah. No mínimo não havia tantas opções de voo nessa época. Não me julgue. Péssima em história, lembra?

—É... Ainda não sabemos de todos os danos. Nós caímos e em seguida estávamos correndo dos homens macacos. Não conseguimos analisar a extensão dos danos.

—Podemos levar vocês lá quando quiserem. -Roxton ofereceu. -Não é seguro andar por aí sem armas. Enquanto isso não vejo problemas em deixá-los ficar. -Olhou para Verônica.

—É claro. -Concordou. -Temos espaço suficiente. Mas e o resto de sua expedição?

—Somos só nós dois, na verdade. -Avisei. -Não somos bem uma expedição. Nós apenas... Viajamos por aí.

—Estavam indo para algum lugar específico quando foram surpreendidos pela tempestade?-Malone perguntou.

—Não, nós geralmente nunca temos um destino em mente. As coisas não costumam sair do jeito que planejamos. Nosso... Balão parece ter vida própria às vezes.
***

—Esse lugar não é tão ruim. -Comentei, parando ao lado do Doutor. -Mas você devia ouvir a história dos vampiros e do castelo mágico que se alimentava de pessoas. Eu vou ter pesadelos. Okay, tem algo errado. Você não está tagarelando sobre isso ser fantástico ou sobre encontrar seu ídolo...

—Eu já ouvi falar nessa expedição. O visionário, a herdeira, o caçador, o cientista e o repórter... Uma expedição que saiu de Londres para encontrar um mundo perdido aonde existiria vida pré-histórica.

—Mesmo? Nunca ouvi nada sobre eles. Deveriam ser famosos, não é? Olhe tudo o que eles vivenciaram. Devem ter conseguido provas. Malone mostrou algumas coisas que eles pretendem levar de volta, e seus diários onde anota tudo para publicar no jornal. Eles seriam... Heróis. -Olhou pra longe, se apoiando na madeira. -O que houve com eles?

—Simplesmente desapareceram. Dados como mortos um tempo depois. Jamais voltaram à Londres.

—Nunca acharam a saída.

—Não. -Suspirei.

—É uma pena. E se os levássemos na TARDIS? Eles já viram de tudo, uma cabine azul que viaja no tempo seria fácil de aceitar. Você não é o primeiro alienígena aqui. Conheceram dois algumas semanas atrás. Dois. É simples, nós...

—Não acho que devemos interferir.

—Nós sempre interferimos. Você interfere na história do universo antes mesmo de eu nascer.

—O que não é responsável...

—Mas você sempre faz. Por que não dessa vez? Eles descobriram algo que mudaria tanta coisa...

—Exatamente.

—Não acho que a humanidade vai pirar por causa de uns dinossauros e...

—Rachel. -Me calei. -Dessa vez não.

—Tá legal. Mas só pra constar: eu não concordo com você e não gosto disso.
Me afastei, descendo as escadas e encontrando os outros.

—É hora do jantar. -Verônica avisou. -Com fome?

—Depende. O que é aquilo?-Riu.

—Você quer a resposta antes ou depois de provar?

—Acho que a fome passou.

—Bom, não temos muitas opções de carne quanto a cidade grande, mas dá pro gasto. -Me sentei. O Doutor fez o mesmo, mas não olhei pra ele. Mexi com a carne no meu prato, desconfiada. -É a receita do Summerlee. Você nunca diria o que é se não soubesse. Experimenta.

—Se isso for dinossauro assado...

—A carne de raptor acabou ontem. -Roxton comentou.

—É um tipo de dinossauro?

—É. Não são tão grandes, andam em bando e são bem perigosos.

—Excelente vizinhança essa. -Experimentei um pedaço da carne misteriosa, mastigando devagar.

—E então...?

—É diferente. Algo que minha mãe chamaria de “exótico". Bem, é comestível. Se não é dinossauro, o que é?

—Lagarto. -Marguerite respondeu.

—Okay, vou ficar só com a salada mesmo. -Todos riram.

—Você levou sorte, poderia ser o Tribuno.

—Outro amigo de vocês?

—Eu não diria isso. Esse homem lagarto só aparece para trazer confusão.

—E se declarar pra você. -Roxton provocou.

—Não é culpa minha se eu sou atraente e interessante. Falando em coisas interessantes... Vocês não são do século 20. –Olhei para o Doutor e pra ela de novo. -As roupas. Eu entendo de roupas, e essas eu nunca vi.

—Mais viajantes do tempo?

—Já viram alguns?-O Doutor perguntou.

—Em algumas ocasiões. -Challenger respondeu. -Uma família e um piloto de um aeroplano vieram parar aqui. Vinham do século 21.

—E tivemos mais dois viajantes, dois jovens. -Malone completou. -A moça era descendente da Marguerite de alguma forma. Mas como a história foi alterada e não saímos do platô, ela não existe mais.

—Vocês acharam uma saída?-Perguntei, me inclinando para frente.

—Achamos, mas foi fechada. Acontece o tempo todo. Vocês são mesmo viajantes do tempo?

—Século 21, ano de 2019.

—Eu adoraria ouvir sobre o ano de 2019. -Challenger comentou. -Como está a ciência do seu tempo? E o platô? Não me diga que foi destruído pela ganância do homem do século 21.

—Spoilers. -O Doutor se meteu, assim que abri a boca. -É melhor não estragarmos as surpresas, não é?

Tipo o fato de que vamos abandoná-los aqui, deixando a maior descoberta recente da humanidade ir para o ralo?

Depois do jantar mais histórias foram contadas. Abelhas gigantes. Um povo que morava num vulcão. Egípcios. Canibais. Cidades que surgiam e desapareciam. Tudo isso era fantástico.

Eu já tinha visto muita coisa em meses de viagem com o Doutor, mas isso era da Terra. Um mundo perdido dentro do meu mundo. Humanos descobrindo algo inédito.

Também nos contaram sobre o professor Arthur Summerlee, o criador da receita do lagarto. Ele havia morrido algum tempo antes quando o grupo teve problemas com homens perigosos que habitavam o platô.

—Vou tentar checar a TARDIS amanhã. -O Doutor avisou, em voz baixa.

—É? Vai sozinho? Cuidado, um desses dinossauros pode te encontrar no caminho. Você é bem magro, mas talvez eles gostem de ossos.

—Rachel.

—Deixá-los aqui é errado e você sabe disso. -Me afastei dele, suspirando. -Tive muita informação pra um dia só. É melhor eu ir dormir agora. Boa noite, Doutor.
***

No dia seguinte, eu parti com Verônica e Marguerite para uma exploração diária. Era comum nossos amigos da casa da árvore saírem para saber mais sobre o platô e achar um modo de ir embora. Os homens tinham se dividido: Malone e Roxton saíram bem cedo após o café; e o Doutor estava com Challenger no laboratório

Enquanto caminhávamos, Verônica me contou sobre seus pais, que vieram para o platô num grupo de pesquisa botânica. Quando seus pais sumiram, muitos anos antes, ela ficou sozinha e aprendeu a cuidar de si mesma. Até a expedição recente chegar.

—E você nunca saiu do platô, mesmo quando seus pais estavam aqui?-Perguntei.

—Nunca. Mas me falaram muito como é o mundo lá fora e às vezes eu imagino.

—Você pensa em ir, com os outros, quando acharem uma saída?

—Minha casa é aqui, e eu tenho que achar meus pais. Mas posso muito bem ir visitar os outros. Seria muito bom.

—Apenas se aceitar se vestir adequadamente. -Marguerite se meteu. -Não pode ir para Londres com essas roupas. Você seria presa.

—Acho que ela tem razão. -Comentei. -É o século 20.

—E de onde você vem?-Olhou pra mim. -As mulheres todas se vestem assim?

—Jeans e camiseta? Nem todas. Temos uma moda diversificada.

—Interessante. Olhem isso. -Paramos de andar. Havia uma caverna na nossa frente, não parecia convidativa. -Acho que estou vendo algo brilhar lá dentro.

—Marguerite, nem pense nisso. -Verônica alertou. -Não sabemos o que vive aí dentro ou se é seguro.

—Eu tenho uma arma e você tem facas. -Olhou pra mim.

—Ah, não, eu não tenho armas. -Avisei. -De nenhum tipo. Mas eu sei lutar três tipos de luta. Isso serve?

—Talvez. -Começou a entrar na caverna.

—Marguerite, volte aqui. -Verônica mandou, sendo ignorada. Suspirou. -Ela entraria na boca de um dragão se os dentes dele fossem de diamantes.

—A gente tem que ir atrás dela, não é?-Perguntei. Assentiu. -Droga, eu devia ter trazido uma lanterna.

Entramos na caverna. Marguerite tinha se adiantado e acendido uma das tochas que estava em sua mochila. Não havia nada na caverna, e ela parecia se estender até ser impossível de ver.

—Não há nada aqui. -Verônica declarou. -Podemos continuar nosso caminho agora?

—Não antes de eu pegar aquela belezinha ali. -Marguerite avisou. Havia algo brilhando, grudando na parede da caverna. Parecia um diamante, mas estava muito alto.

—Você não vai alcançar.

—É claro que vou. -Entregou a tocha para Verônica, largou a arma e tirou a bolsa.

—Não seja ridícula... Marguerite. -A outra ignorou, começando a escalar. -Você vai cair daí.

—Eu não vou não. Vem cá, pedrinha...

—Vocês ouviram isso?-Estendeu o braço, iluminando parte do túnel.

—Não. -Respondi. -O que é? Passos? Não diz que é um dinossauro.

—Não conheço nenhuma espécie que durma em cavernas, mas pode ser.

—E obviamente ele não vai ser vegetariano.

—Marguerite, temos que ir, tem algo vindo pra cá.

—Eu estou quase lá. -Avisou. -Vem com a mamãe...

—Marguerite, agora!

Houve um pequeno tremor e o teto da caverna começou a desabar um pouco. Marguerite caiu de onde estava, com um som alto, mas não parecia ter se machucado. Agarrei a mochila dela, enfiei a arma em suas mãos, então corremos para fora, antes de pedras fecharem a passagem.

—Estão todas bem?-Verônica perguntou.

—Meu diamante ficou lá! Acho que ele caiu, não consegui ver... Droga!-Estendi a mão, exibindo o diamante na palma dela. -Como... Como fez isso?

—Tenho as mãos ágeis. -Respondi. -Cometi um delito ou outro quando era mais nova. Não se preocupem, eu sou uma garota da lei agora. -Marguerite pegou o diamante.

—Você é policial?

—Que? Não. Eu gravo vídeos pro YouTube. -Devolvi a mochila. -Bem, quem tá pronta pra próxima aventura?
***

Chegamos na casa da árvore bem no fim do dia. Eu estava exausta, e doida para experimentar o chuveiro. Challenger tinha comentado que queria montar uma de suas coisas científicas para que houvesse água quente. Eu achava uma excelente ideia.

—Malone e eu pescamos essa tarde. -Roxton comentou, quando passei por ele, que estava limpando suas armas. -Será que isso você come?-Sorri.

—Vou fazer um esforço por você. -Marguerite limpou a garganta.

—Você é que vai limpar tudo, John. -Avisou. -Me recuso a continuar limpando peixes.

—Se você lavar os pratos. -Retrucou.

—Desculpe, eu pareço uma de suas criadas?

—Na verdade...

—Não ouse. -Deu tapa no braço dele e foi embora.

—Ela é um doce.

—Ao extremo. -Brinquei.

—Como foi o dia hoje?

—Andamos muito, fomos perseguidas por um bando de raptors, Marguerite quase nos matou por causa de um diamante e dinossauros voadores roubaram nosso almoço. Foi um dia fantástico.

—Espere até ver os outros. -Ri.

—Se todos forem animados como esse, eu quero ver mesmo.

—Não dá nem vontade de ir pra casa, não é?-Meu sorriso diminuiu um pouco.

—Acha que há uma saída do platô?

—Acho. E vamos encontrá-la. Você vai ver, George Challenger ainda vai esfregar na cara da sociedade científica que estava certo sobre um mundo perdido. -Ri.

—Eu adoraria ver isso. -Me sentei, esticando os braços. -Por que decidiu fazer parte da expedição? Você é um lorde, não é?

—É só um título. E eu sempre gostei de me aventurar por aí. Sou um caçador. Estive em muitos lugares. Nenhum como esse, é claro. Quando Challenger surgiu com essa ideia maluca, eu não pode ficar de fora.

—É muita coragem, até para um caçador.

—Você teria recusado?

—Encarar dinossauros não é um dos meus hobbies.

—E quais são?

—Bem... Filmes. Já existem filmes no século 20?

—Já.

—Certo. Filmes. Livros, mas não os muito longos. E música. Não posso viver sem música. -Suspirei. -Esqueci meu celular na T... No nosso balão.

—O que é um celular?

—Ah. Ainda não existe no seu tempo. É um aparelho maravilhoso. Faz ligações, vídeos, fotos, e muito mais.

—Um único aparelho que faz tudo isso?-Assenti. -Incrível.

—É mesmo. Infelizmente ele tem sido um problema do meu tempo. As pessoas se conectam mais com um pedaço de... Seja lá do que for feito, do que com outras pessoas.

—Como um vício.

—Descreveu perfeitamente. Isso aqui, -Fiz um gesto para mostrar o que estava à nossa volta. -seria bem diferente com todos com a cara enfiada num celular.

—Por que se deixaram escravizar por isso?

—É uma boa pergunta. -Dei de ombros.

—Espero que não esteja enchendo nosso amigo com spoilers. -O Doutor brincou, se aproximando.

—Ah, pequenas informações apenas, nada como um modo de sair do platô. -Fingi sorrir. -Até por que eu nem sei como sair daqui, não é?

—É claro.

—Bem, terminei aqui. -Roxton declarou, pegando suas armas. -É melhor não deixá-las espalhadas pela casa.

—É uma boa ideia. -Esperou o caçador sair para continuar a falar. -Você vai mesmo falar essas coisas?

—Eu não fiz nada. –Retruquei. -E aí, foi ver o estado do nosso balão?

—Não está mais dando choques, mas está com as portas trancadas.

—Alguma ideia do por quê? Você teve uma briga com a sua esposa azul e ela jogou a gente pra fora?

—Por que eu é que seria o culpado?

—Por que você é homem. -Fiquei de pé. -Se me dá licença, vou tomar um banho. Marguerite prometeu me emprestar umas roupas para que as minhas possam ser limpas. Enquanto isso, pense em um modo de fazer as pazes com a sua esposa.

—Seria mais fácil com ela ou com você?

—Vai ter que me perguntar primeiro se eu quero.
***

Acordei no meio da noite como se alguém tivesse gritado meu nome bem ao meu lado. Fiquei sentada no escuro, encarando o nada, então saltei da cama.

O Doutor não estava no quarto destinado à ele, o encontrei sentado na varanda.

—Você nunca dorme. -Acusei, me jogando ao lado dele.

—Só às vezes. Dormir não é tão divertido. Não fazemos nada.

—Você não sonha?-Sem resposta. -Vamos ficar presos aqui pra sempre?

—Por que está perguntando isso?

—Por que pode ser verdade. E se a TARDIS nunca mais abrir as portas? E se a tempestade a danificou e não há conserto? Se essas pessoas nunca acharem uma saída, nós também não acharemos uma. Vamos ficar aqui para sempre. Você mais do que todos nós. Esse lugar é perigoso e incrível, mas... Eu não quero ficar presa aqui para sempre. Deixei minha casa, minha vida, meu canal no YouTube, e meus amigos. Ah. Espera. Eu não tenho amigos. Que seja. A melhor parte de um sonho ruim é quando acordamos. A melhor parte de uma aventura assustadora é quando voltamos para casa. E se nunca pudermos voltar?

—Saímos de muitas enrascadas antes dessa. Sempre conseguimos no fim.

—E se dessa vez for diferente?

—Lembra o que eu prometi na primeira viagem?

—Que sempre me daria comida de graça?

—Eu nunca prometi isso. -Sorri.

—É mesmo?-Sorriu também. -Você prometeu sempre me levar pra casa.

—E eu vou. Nem que a gente precise adestrar um desses dinossauros grandes com asas e fazê-lo nos levar pra fora daqui.

—Você ia adorar isso, não ia?

—Com absoluta certeza!-Rimos.

—Fica longe dos dinossauros, tá? Se você for comido, eu vou ficar aqui presa sem minha carona.

—É, e teria que passar o resto da sua vida aqui, casar com o lorde Roxton, ter uns cinco filhos e construir sua própria casa na árvore.

—O que? Roxton? Você surtou legal.

—Eu notei uma coisa mais cedo.

—Não tinha nenhuma coisa rolando.

—Não foi o que eu vi.

—Então arrume uns óculos, por que seus olhos são bonitos, mas não estão funcionando direito, meu amigo. -Fiquei de pé.

—Tem certeza, lady Roxton?

—Cala essa boca, menino.

—Cuidado com a Marguerite.

—E cuidado comigo. -Apontei pra ele. -Eu te jogo pros raptors, magrelinho. -Riu, enquanto eu me afastava.

—Boa sorte com isso!
***

—Bom dia!-Saudei, descendo até o laboratório, onde o Doutor estava com Challenger, mais uma vez. Eu disse que eles eram almas gêmeas. -Desculpe estragar a reunião dos cérebros brilhantes, mas o café está pronto.

—Obrigado, Rachel. -O Doutor agradeceu. -Roupa legal.

—Marguerite me emprestou. Sinto falta do meu jeans. Mas okay. Vida que segue. Vocês vem?

—Já estamos indo.

—Tudo bem.

Me virei e subi as escadas de volta para a cozinha. Verônica e Malone tinham saído algum tempo antes, então não estavam lá.

—Já chamei a dupla da ciência, mas provavelmente vou ter que fazer isso mais três vezes até eles aparecerem.

—Com certeza. -Marguerite concordou. Ela estava mais gentil comigo desde que consegui recuperar seu diamante. -John, o que está fazendo aí? Venha pra mesa.

—Temos alguns visitantes na área. -Avisou. Marguerite e eu corremos até ele, que mirava seu rifle lá em baixo. -Estão vendo lá, entre as árvores? Pelo menos uns cinco.

—Por que não estão tentando se aproximar?

—Talvez saibam sobre a cerca elétrica. Espero que Malone e Verônica não esbarrem com eles.

—Seria azar pra eles esbarrar com a Verônica.

—Pegue o espelho, vou tentar mandar um sinal os alertando.

Por mais que a presença dos homens estranhos lá em baixo tenha preocupado todo mundo, eles logo desapareceram, provavelmente desistindo por não poderem se aproximar, e os ânimos acalmaram conforme o dia continuava.

O Doutor convocou Roxton e Challenger para ir com ele até o moinho mostrar nosso “balão”. Talvez a TARDIS precisasse de uma mãozinha para abrir suas portas e ser consertada.

Isso deixou Marguerite e eu sozinhas na casa da árvore. Ela lembrava muito a minha avó, uma mulher que enlouquecia se ficasse mais do que algumas horas em casa, e inventava qualquer coisa para sair. A mesma coisa parecia acontecer com Marguerite Krux.

—Vamos caminhar um pouco. -Sugeriu. -Talvez ir até o rio.

—Não devíamos ficar aqui caso...

—Estou entediada. Temos que sair. Talvez encontremos algo interessante pelo caminho.

—Tipo diamantes?

—E por que não?-Pegou sua arma e colocou seu chapéu. -Vamos?

Ela ia de qualquer forma, então achei melhor acompanhá-la.

Marguerite havia financiado a expedição. Eu estava desconfiando que sua presença na própria era para encontrar coisas preciosas e levá-las consigo para casa. Não parecia haver outro motivo.

—Então o que você faz agora que abandonou o crime?-Perguntou.

—Em primeiro lugar: eram pequenos delitos. Eu não era uma criminosa profissional. Em segundo lugar: o que eu faço é complicado demais para explicar para alguém do seu tempo. Nada do que eu possa citar já existe no início do século 20, então nem adianta tentar te contar. E o que você faz?

—Eu? Eu sou rica. -Assenti.

—Legal. -Funguei. -Sensação esquisita.

—De que tipo?

—Só esquisita. Tem certeza de que é uma boa ideia sair sem os outros?

—Eu estou armada.

—É, com um revólver, eu vi. Não acredito que vou dizer isso, mas umas armas extras seriam bem vindas.

—Nós vamos ficar bem. Não é comum ter dinossauros ou homens macacos por essa trilha. E estamos longe do território dos canibais.

—Até onde eu sei não são as únicas ameaças por aqui. -Ergueu a arma, apontando na minha direção.

—Você tem razão.

—Ei, espera aí, eu te consegui aquele diamante!

Atirou.

Mas não foi em mim.

Aparentemente o grupo estranho que vimos de manhã não tinha ido exatamente embora.

Tiros. Gritos Mais tiros. Algumas porradas aqui, outras lá. Foi uma coisa meio demorada.

Marguerite correu para o meio das árvores, desaparecendo enquanto dois dos homens iam atrás dela. Eu teria corrido também se já não tivessem me rendido.

—A gente não pode só conversar?-Perguntei.

As respostas não foram positivas.
***

Meus pulsos estavam amarrados juntos, um pilar de madeira entre meus braços. Sentada no chão daquela tenda, minha mente estava à mil por hora, tentando formar um plano para escapar. Nem sempre dá pra ficar e esperar o príncipe encantado vir nos resgatar.

Tinha um pedaço de algo que podia ser uma pedra próximo ao meu pé. Me estiquei, fazendo meus pulsos doerem, e consegui puxar a pedra pra perto de mim. Foi um contorcionismo e tanto até que eu conseguisse segurar aquilo nas mãos. Cantarolando baixinho minhas músicas favoritas do Modern Talking, comecei a esfregar a pedra nas cordas que me prendiam. Ia levar uma eternidade, aparentemente, mas por enquanto era minha única opção.

Havia várias caixas na tenda. Aparentemente ali era um dos depósitos do grupo que tinha me sequestrado. Uma bolsa preta estava me chamando atenção, um pedaço do que podia ser um pergaminho estava saindo para fora dela. Aquilo era um mapa do tesouro? Se fosse, Marguerite ia adorar por as mãos nele.

Falando na caçadora de diamantes, eu não a culpava por dá no pé. Sério. Eu teria corrido também se estivesse no lugar dela. A mulher resistiu bem, atirando e dando uns socos, mas era duas contra cinco, e a desvantagem ficou maior quando me derrubaram. Eu só esperava que ela contasse aos outros o que tinha acontecido, e não que eu tinha sido devorada por dinossauros grandes e famintos.

De vez em quando uns homens apareciam na entrada da tenda e só ficavam lá, observando. Eu não estava gostando disso, mas pelo menos eles não faziam mais nada e logo iam embora, me deixando voltar para minha tentativa de fuga.

Tentei usar a tática do Doutor para escapar de enrascadas: falar, falar muito. Aqueles homens, por mais que fossem estranhos e tivessem gestuais bem selvagens, entediam o que eu falava. Não adiantou muito, por que eles estavam me ignorando desde que me pegaram.

Interrompi meu ato de cortar as cordas quando um homem entrou na tenda. Ele tinha me pego de surpresa por simplesmente ir entrando, e eu congelei por alguns segundos. Ainda não tinha me soltado, como ia me defender?

O magrelo se aproximou de mim, as roupas tão sujas quanto sua pele. Esse grupo não curtia banho, pude perceber. Encolhi as pernas. Ele deu mais alguns passos para frente... Então se abaixou e deixou uma tigela suja de água perto de mim. Olhei dela para ele algumas vezes.

—Obrigada, mas eu estou meio amarrada aqui.

—Eu, não. -E aí se virou e foi embora. Suspirei.

Pelo menos não estava com sede.

Voltei a tentar me soltar, cantarolando de novo. Eu estava quase lá, depois de uma eternidade depois, e das minhas mãos estarem arrumando uns arranhões.

As cordas caíram dos meus pulsos bem quando um som de tiro soou no acampamento. Travei no lugar. Aqueles homens não tinham armas de fogo. Será que meus amigos tinham chegado?

Fiquei de pé, correndo para a bolsa e pegando o pergaminho. Eu estava certa sobre ser um mapa, mas errada sobre o tema. Enfiei o papel dentro da roupa e fui para a saída ao mesmo tempo em que alguém entrava, nos fazendo bater de frente.

Era o Doutor.

—E aí?-Perguntei. -Vieram me resgatar é?

—Ah, as coisas na casa da árvore estavam meio tranquilas, sabe. Um resgate é uma boa ideia para acabar com o tédio.

—Com certeza é. -Mais um tiro. -A gente devia correr agora.

—É uma boa ideia.
***

Usando minhas roupas de novo, assim como meu tênis, segui a trilha junto com o Doutor e meus amigos do século 20. A TARDIS tinha aberto suas portas e estava funcionando. Era hora de ir para casa.

O Doutor e eu não levaríamos os outros de volta para Londres, mas eles já sabiam o que era a cabine azul parada ao lado de seu moinho.

Por mais que os pernilongos, as feras da selva, os dinossauros, homens macacos e sequestradores fossem uma parte meio desagradável, eu tinha me divertido naquele platô. Ia sentir falta dos meus novos amigos, da casa da árvore, das refeições com todos juntos. Tinham sido dias incríveis.

—Posso abraçar vocês?-Perguntei. -Já era, vou abraçar de qualquer jeito. -Riram. Abracei Verônica primeiro. Ela tinha me ensinado uns truques legais.

Malone foi o próximo. Eu tinha adorado ler as coisas que ele tinha escrito sobre os dias no platô. Ele até mesmo tinha escrito sobre o Doutor e eu.

—Quero dedicatória quando publicar isso aí. -Brinquei.

—Pode deixar.

—Professor Challenger!-O abracei. -Vou tentar não esquecer as coisas científicas que me contou.

—Espero que se lembre. -Disse. -E lembre-se: 220, e não 240.

—Anotado bem aqui. -Apontei para a minha cabeça. Marguerite revirou os olhos quando parei na frente dela. -Feliz com seu diamante?

—Vou ficar feliz quando voltar para casa com ele. -Avisou. Abriu a mão, mostrando-o. -Devia ficar com ele, você o pegou.

—Ele é seu, senhorita Krux. -Fechei a mão dela. -Apenas não compre um exército com ele e comece uma guerra.

—Vou pensar no caso. -A abracei também.
Me aproximei de Roxton, tentando não sorrir tanto.

—É, acho que vou sentir sua falta também, sabia?

—É bom saber. -Declarou. -Achei que ficaria mais.

—O Doutor está preocupado com algumas coisas e achou melhor irmos logo. Mas foi divertido. Não vou esquecer dessa aventura.

—Acho bom mesmo. Vou ficar ofendido se esquecer. -Ri.

—Tudo bem então. -O abracei. O Doutor me chamou, na porta da TARDIS. -Hora de ir. Ah. -Tirei o pergaminho de dentro da blusa. -Peguei isso dos meus sequestradores.

—O que é?

—Ao que parece... Um meio de sair do platô. -Olhou pra mim. -Faça bom proveito, lorde John Roxton. -Corri para a TARDIS. -Adeus!

Acenei e fechei as portas. Talvez, no fim das contas, eles conseguissem sair.

—Eu sei o que você fez. -Me virei rapidamente. O Doutor estava mexendo em alguns controles.

—Eu? Eu não fiz nada.

—Deu à eles algo que pode fazê-los sair do platô.

—Quer saber? É, eu fiz isso. Mas se tentar ir lá e pegar o mapa deles, saiba que vai ter que passar por mim e não será fácil. Eu vou gritar, te bater, talvez até te morder e agarrar as suas pernas...

—Não vai precisar de nada disso. -Sorriu. -Você fez o certo. Deu uma chance a eles.

—Será que é o suficiente?

—Quer mesmo saber?-Assenti. -Tudo bem, mas antes... Vai ter que passar no guarda roupa.
***

—Caramba, quanta gente. -Murmurei, seguindo o Doutor. -O que tem aqui, uma reunião de homens velhos? Não tem uma mulher nesse lugar.

—É onde a sociedade científica de Londres costuma se encontrar.

—Foi o que eu disse. Reunião de homens velhos.

—Shh, olha.

Paramos de andar. Lá em baixo, havia a maior concentração de pessoas do local. Objetos estavam expostos dentro de vidros protetores. Entre eles: pedras, algumas plantas, um ovo enorme que só podia pertencer a um dinossauro, ossos...

—Um momento por favor!-Um homem pediu. Todos se calaram imediatamente, voltando suas atenções à ele. -Essa noite não estaríamos aqui se não fosse pelo professor George Challenger e sua expedição. Quero pedir que brindemos e comemoremos em seus nomes.

—Eles conseguiram!-Exclamei. -Eles acharam a saída!

—Olhe eles ali!-O Doutor apontou.

O grupo estava todo lá. Challenger, mais orgulhoso impossível, contando sobre seus achados científicos. Roxton e Marguerite discutindo num canto, algo que eles não podiam evitar. Malone estava com uma moça de cabelos claros e expressão de boneca, mas sua atenção mudou repentinamente quando Verônica se aproximou, usando roupas que Marguerite certamente acharia “adequadas".

Challenger pegou uma taça e a ergueu.

—Um brinde à senhorita Rachel Adams, e ao Doutor, onde quer que estejam. Se eles não tivessem cruzado nosso caminho, não teríamos achado a saída do platô.

Sorri. Tinha dado certo. Meu mapa roubado tinha os ajudado a voltar para casa.

O Doutor começou a sair. Me virei para ir também, mas meu olhar bateu em Roxton. Ele tinha me visto. Acenei e corri atrás do Doutor.
***

Me ajeitei em frente a câmera, respirando fundo, e iniciei a filmagem.

—Oi, gente. No vídeo de hoje eu vou contar sobre uma expedição que houve no início do século 20. Composta por George Edward Challenger, Arthur Summerlee, Marguerite Krux, John Roxton e Edward Malone, a expedição encontrou um novo mundo, e fez descobertas incríveis. A localização do platô é segredo até hoje, para que não haja interferência do homem nele, mas as histórias que sabemos parecem ser o suficiente. Então acomode-se aí do outro lado da tela e prepare-se para dar o like nesse vídeo, por que eu prometo... Ele vai ser tão incrível quanto essa aventura.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A personagem Rachel tem esse nome em homenagem à Rachel Blakely, a atriz que interpreta Marguerite Krux na série, e era minha personagem favorita ♥
E sim, a Rachel da fanfic é youtuber. Eu também sou kkkk Coisas da vida.
Decidi deixar a localização do platô em segredo, por que o coitado já teria sido destruído hoje em dia (no livro que inspirou a série, ele parece ser localizado num canto do Brasil - eu não tenho boa memória, mas acho que é isso mesmo).
É isto. Espero que tenham gostado. Sintam-se livres para comentar e até mais! ♥
P.S.: John Roxton foi meu primeiro crush :3 ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Tempestade que nos Trouxe" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.