Pouco mais de uma semana havia se passado desde o acidente no lago congelado. Carlisle havia tirado todos os pontos e confesso que não tinha ficado muito melhor do que antes de costurá-los. Dizer que aquilo pouco me importava era mentir para mim mesma.

Durante esses dias, embora eu tentasse ao máximo evitá-los, todos os meus pensamentos; dia e noite, noite e dia, minuto a minuto; estavam direcionados à Jacob, transformação e cicatrizes. Jacob, obviamente, era a minha mais importante preocupação. Apesar do meu mais que certo e definido destino, Jacob havia me convencido à viver o “hoje” e ao lado dele. O estranho é que até agora ele ainda não tinha deixado Leah. No começo isso apenas me incomodava; fazia-me ficar com raiva. Mas agora, o que eu mais sentia mesmo era uma grande mágoa por toda essa situação, mágoa esta que eu preferia jogar para debaixo do tapete do que brigar com Jacob por causa dela. Eu não sabia até quando aquilo ía durar, até quando eu ía suportar, mas por outro lado eu tinha pena de Jacob. Talvez estivesse sendo difícil para ele jogar tudo para o ar, talvez ele, enquanto homem, estivesse querendo ter alguma garantia para depois que eu me tranformasse e tudo entre nós acabasse para sempre.

Eu não sei o que era, mas sei que estava me consumindo por dentro. Cada vez que eu o via, cada vez que ele me beijava, cada vez que ele me levantava no ar e dizia que eu era dele, eu tinha uma vontade extraordinária de chorar e ultimanente eu não sabia mais dizer ao certo se era de felicidade ou de tristeza.

Voltei a caminhar pela floresta sozinha, como há muito tempo eu não fazia. Dia após dia eu andava um pouco mais, eu corria um pouco mais. Hoje pela manhã deitei-me sobre a relva fria da “nossa” clareira e fiquei observando as nuvems. Eu queria que todas as respostas caíssem de lá de cima... Apertei meu peito em carne viva e prendi a respiração, numa vã tentativa de sufocar a dor e talvez a mim mesma.

_ Precisa de uma injeção?

A voz amarga de Leah entrou em meus ouvidos e eu imediatamente levantei-me.

_ Não, eu estou bem. _ Olhei discretamente para os lados, com a falsa esperança de encontrar alguém.

_ Somos só nós duas. Acho que precisamos finalmente ter uma conversa franca, não é mesmo Renesmee?

_ Eu não sei... Não há nada que eu tenha para falar com você Leah. _ Respondi sem fitá-la.

Ouvi um risinho contido por trás dos dentes cerrados de Leah.

Ela deu três passos em minha direção e eu dei dois para trás. Estava com medo, confesso. Ela poderia me matar se ela quisesse, se ela se transformasse.

_ Não tenha medo de mim Renesmee. Eu não tenho a intenção de machucá-la. _ Ela sorriu e eu tive muito mais medo daquele sorriso. Não havia verdade nele. _ Então... Diga-me.

_ O que? O que você quer que eu diga.?

Leah era muito ardilosa...

_ Fale sobre meu noivo. Jacob. _ Ela insistiu.

_ Chega Leah, eu já disse que não tenho nada a dizer. _ Decidi ser dura. _ Eu tenho que voltar, já vai anoitecer. _ Peguei meu casaco no chão e passei por Leah, seguindo a longa trilha de volta para minha casa. No entanto, percebi que ela me seguia e, quando me dei conta, ela segurou uma de minhas mãos, puxando meu séter e fazendo com que alguns botões abrissem.

...

Assim que a toquei, eu vi a prova do que eu já desconfiava. Foram inúmeros flashes de imagens de Renesmee e Jacob jogados em minha mente. Meu corpo inteiro tremeu ao finalmente ver com meus próprios olhos o que os dois estavam escondendo de mim, a deslealdade de Jacob... E pensar que eu tinha feito tanta coisa por ele...

_ Leah! _ Acordei com o grito de Renesmee. Minha mão ainda segurava seu suéter pela manga, puxando-o para baixo, deixando à mostra seu ombro esquerdo e parte do braço cobeto de cicatrizes horrorosas.

_ O que é isso Renesmee? _ Tentei me lembrar se la já tinha aqueles machucados, mas eu não me recordava de nada parecido.

_ Foi um acidente. _ Ela puxou ferozmente a manga do suéter, pegou o casaco do chão e começou a correr. Eu fui atrás dela e pouco depois, consegui alacançá-la. Rolamos pelo chão enlamaçado e eu me pus em cima dela, com as mãos em seu pecoço. Inesperadamente, ela segurou em meus pulsos, apertando ainda mais.

_ Vamos Leah, me faça esse favor.

_ Bem que eu gostaria, mas não é isso o que eu quero, ao menos agora. Vamos, me mostre.

_ Não.

Eu percebi o esforço que ela fazia para não me deixar ver através dos olhos dela.

_ Eu quero ver, mostre! _ Apertei um pouco seu pescoço, imaginando que se ela estivesse agoniando, não teria forças para barrar suas visões e não me deixar ver o que eu queria.

Eu estava certa. Quase sem forças, ela finalmente permitiu que eu visse. O que mais doeu foi ouví-lo dizer que a amava. Jacob nunca disse que me amava, não para mim.

...

_ Me solta! _ Com o restante de minhas forças, consegui empurrar Leah de cima de mim.

_ Eu devia ter te matado quando tive a chance, quando você era só um estúpido bebê!

_ Você ainda tem a chance. Faça.

Ela riu cinicamente.

_ E você ainda acredita que podem ficar juntos...

_ Isso não é da sua conta. _ Eu não soube o que dizer.

_ Tudo o que diz respeito ao meu noivo é da minha conta.

_ Vá se resolver com ele Leah, não me coloque no meio da briga de vocês dois.

...

Renesmee voltou a correr e eu fui atrás. Lancei-me sobre la e caímos as duas entre velhos troncos e vegetais rasteiros da floresta.

_ Espera, você tem que me ouvir!

Ela gritou, provavelmente de dor, dava para ver no rosto dela. Mas eu não me importava, eu até queria que ela sentisse dor, embora a dor da traição ainda fosse pior e isso, ela não sentia.

_ O que você quer de mim Leah? Me deixe m paz!

Ofegante, Renesmee se levantou e continuava dando alguns passos para trás, ainda fugindo de mim.

_ Sabe o que nos faz tão diferentes?

_ Do que você está falando Leah?

_ Não é o fato de você ser uma sanguessuga e de nós sermos lobos selvagens. Não é o fato de sermos predadores uns dos outros.

_ Eu não entendo onde você quer chegar com essa conversa Leah...

_ É o fato de vocês, apesar de todo esses fardo, serem bons.

_ O que??

_ Eu sei que você não é um montro como eu sou...

...

De repente, Leah jogou-se aos meus pés e agarrou-se às minhas pernas. Ela tinha lágrimas gordas saltando de seus olhos negros, o corpo tremia, as palavras saíam amargamente de sua boca.

_ Leah, por favor, levante-se!

Tentei levantá-la, mas ela era pesada demais e realmente parecia querer continuar ali, nos meus pés, sem me encarar, com a cara quase que enterrada no chão.

_ Eu juro que não queria, ele também não queria. Nós realmente não desejávamos, não para já, mas... Nosso amor foi mais forte do que nós e agora...

Leah finalmente levantou sua cabeça. Eu pude ver nitidamente que ela mantinha uma de suas mãos em seu ventre.

_ Não somos mais só nós dois, Renesmee. Tudo o que eu te peço; eu te imploro para que você não destrua nossa família. Você não pode impedir um filho de ter um pai!

O timbre rouco da voz de Leah ecoou pela floresta. Seus olhos negros estavam à flor de seu rosto, enquanto grandes lágrimas escorriam por sua pele dourada.

Eu sentia o ar faltando dentro de mim, queimando em meus pulmões. Minha mente baralhada por lembranças de Jacob, me impediam de controlar meu corpo, de esboçar qualquer reação, embora a dor fosse tremenda.

_ Você está blefando! Não pode nem engravidar!

_ Você acha que milagres só acontecem entre vocês? Me diga o que você acha do tipo de criatura você é... Praticamente única neste planeta, nascida do amor de um vampiro e uma mortal? Você acha que só você tem o direito?

As palavras de Leah queimaram em meus ouvidos. Ela tinha razão, estava absolutamente certa.

_ Eu nunca mais de tranformei desde que fui embora de La Push viver com Jacob na Inglaterra. Talvez não tenha nem sido muito bem um milagre, talvez o nome seja outro. Talvez neste momento eu só seja, simplesmente humana.

Ela levantou um padeço da blusa e eu realmente podia ver certa saliência ali, bem onde o pequeno bebê deveria estar se desenvolvendo.

Totalmente destruída, senti lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto. Eu não era uma destruidora de lares. Não! Eu não queria ser! Jacob ía ser pai... Ía receber da vida o melhor de todos os presentes, o que se pode esperar de mais precioso. Ele ía dar vida ao que seria a continuação de sua espécie, o próximo Alpha da tribo Quileute, que todos ía amar e obedecer, durante muitos e muitos anos. E eu era apenas Renesmee.

_ Você está vendo, não está? Tudo o que esse filho pode ser, o futuro dele para nossa comunidade, o símbolo de um amor que deu certo e não de uma impressão estúpida.

Inspirei profudamente e fitei-a. Não havia dúvidas de que aquela era a mais difícil de todas as decisões que eu havia tomado em minha vida.

_ De hoje em diante, Jacob não existe mais para mim.

Deixei-a lá, no meio da pequena clareira repleta de velhos troncos espalhados pelo chão, enquanto cambaleava junto com minha dor, em busca da trilha que me levaria de volta para casa. Eu estava decidida: partiria para Denali no dia seguinte, antes que eu pudesse causar mais dor e sofrimento às pessoas que eu amava, antes que eu juntasse coragem o suficiente para destruir a vida de Jacob, seu filho, e até mesmo a pobre Leah, que não teve culpa de nada.

...

“Leah! Onde ela está?”

“Me deixa Jacob”. Continei correndo rumo à La Push.

“Para com isso Leah! Todos estão preocupados com ela”.

“Ela é uma sanguessuga Jacob, não há porque se preocupar com ela”.

“Hey!”. Jacob ganiu alto.

“Saia da minha cabeça! Inferno!”.

“Eu não acredito que você foi procurá-la!”

“Você não me deu alternativas”. Apertei o passo, mas ele continuava na minha cola.

“Grávida???”

Deixei que ele pegasse essa última.

Imediatamente ele freiou e começou a correr na direção da casa dos Cullen.

“Você não podia ter feito isso Leah! Eu jamais vou te perdoar”.

“E não preciso do seu perdão Jacob, não preciso de mais nada. Você vai ser pai agora e isso me basta”.

...

Combaleei atortoado floresta adentro com aquela notícia. A princípio, confesso que fiquei tentando imaginar a reação de Renesmee, mas depois, logo em seguida... Um filho, meu filho. Meu. Mas como? Leah não era estéril? Mas... Por que ela mentiria? Eu não encontrei nenhuma mentira nos pensamentos de Leah.

Faltava pouco para chegar na casa dos Cullen quando encontrei Renesmee. Ela caminhava a passos largos em direção ao iluminado sobrado branco, cujo brilho era possível enxergar através da fina névoa que cobria a floresta.

Toquei-a com o focinho, mas ela não me deu atenção. Ao invés disso, caiu num choro contínuo e repleto de suluços. Retornei à minha forma humana e vesti rapidamente a velha e surrada calça jeans que eu costumava a carregar comigo, presa à minha perna direita.

_ Ness, Ness, espera!

A passos largos, eu tentava acompanhá-la. Toquei seu ombro, mas ela livrou-se avidamente de minhas mãos.

_ Me escuta amor...

_ Amor? _ Ela virou-se para mim. _ Parabén Jacob! Você vai ser papai. _ Disse com sarcasmo.

_ Eu disse à Leah que ela não podia ter te contado dessa forma. Desculpe!

Ela voltou a andar apressadamente.

_ E de que forma seria Jacob? Daqui a uns 2 anos, quando a criança já tivesse nascido?

_ Ness, eu não sabia! Eu juro!

_ Ora, não importa Jacob! Não importa!

Ela parou no gramado em frente de casa e virou-se para mim.

...

Segurei firme as mãos de Jacob. Eu sabia que seria a última vez.

_ Jake... _ Suspirei, na vã tentativa de segurar o choro. _ Seja feliz...

_ O que???

_ Viva! _Protestei. _ Eu não vou te impedir. Você tem um filho agora...

_ Mas Ness! Isso não muda nada! Nada mudou entre nós!

_ Ora Jacob, cresça! Você vai ser pai! Será que você ainda não entendeu? Tem alguém ali que muito em breve vai ser totalmente dependente de você. Alguém que vai te amar incondicionalmente, que você também vai amar acima de tudo. Você é responsável pelos seus atos Jacob, assuma!

_ Eu não quero ser pai de nenhum filho que não seja um filho seu! _ Ele gritou com lágrimas nos olhos.

Solucie ao ouvir aquilo. Era incrível como Jacob sabia pisar muito bem em minhas feridas, bem onde mais doía. Ele não media palavras quando queria me ferir.

_ Você é cruel Jacob...

Comecei a correr em direção à porta da sala.

_ Eu estou falando sério!

Jacob corria atrás de mim.

_ Adeus Jacob. Vai embora!

Antes de abrir a grande porta branca que permitia acesso à sala, eu vi uma enorme sombra escura refletir-se na porta, seguida de um terrível ganido de dor.

Abri a porta furiosamente e o lobo atrás de mim terminou de quebrá-la.

_ Renesmee!

Uma voz nada familiar chamou pelo meu nome, fazendo meus pés travarem no sétimo degrau da escada.

Presa feita uma estaca enraizada ao chão, voltei-me à fonte daquela voz. Meus olhos saltaram à minha face, deleitando a figura magnífica de Nahuel. Senti meu coração amolecer e o chão faltar sob meus pés.

E de repente, nada mais era tão ruim quanto parecia. Uma nova esperança ressurgiu em meu coração quando meus olhos cruzaram com os dele.