O despertar da Herdeira escrita por Course


Capítulo 6
V - O que há na confiança


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Espero que estejam tão empolgados quanto eu.
Não quero me prolongar por aqui. Queria apenas agradecer aos leitores que não desistiram de mim e que, apesar de não comentarem, eu sei que existem.



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O que há na confiança 

Pânico.

Eu estava em pânico.

Sinceramente, se eu pudesse, naquele instante, sairia correndo floresta a dentro, deixando-o ali, sem uma resposta. Entretanto, sabendo que as pernas longas de Caspian logo ganhariam de meus pés feridos, optei por fitar o mais distante possível de seus olhos e respirar fundo, enquanto planejava dizer alguma coisa enquanto minha mão queimava entre seus dedos longos e macios.

― Ella, por favor. ― Sua voz era baixa e cautelosa ― Eu lhe dou minha palavra que não pretendo, jamais, lhe fazer mal. Sei que nos conhecemos há pouco mais que um dia, mas preciso lhe garantir que minha intenção está longe de causar a você qualquer tipo de sentimento ruim a meu respeito.

Eu queria lhe dizer que causar um sentimento ruim era exatamente o que ele fazia naquela hora, contudo, sabia que a culpa não era sua, no fim das contas.

Céus! Pouco mais de um dia, ele dissera. Para mim, parecia uma eternidade.

― Tudo bem, compreendo que sou um telmarino, mas, Ella, não é possível que não sinta o mesmo que eu quando nos tocamos. ― E, como se quisesse provar seu argumento, deslizou um de seus dedos por meu punho, na parte mais sensível de meu antebraço, causando-me o tão típico aquecimento e calafrios que somente ele conseguia ― Ella, quando eu toco você, o que eu sinto dentro de mim... ― Ele arfou, enquanto subia mais um pouco sua mão, lentamente, por meu braço ― Não é possível que seu rosto fique corado somente por constrangimento ou incomodo.

Eu sentia que podia explodir a qualquer momento. Meu coração retumbava em meu peito de forma inconsequente e descontrolada, fazendo-me ter a sensação de que um pouco mais e eu estaria morta. Minhas mãos suavam, assim como o ar parecia querer me faltar e os pulmões aqueciam, bem como todo o restante de meu corpo. E mesmo que eu considerasse veemente a hipótese de desfalecer ali mesmo, não fui capaz de mover um centímetro sequer de meu corpo para longe, pois com a menor das remotas possibilidades de pensar em fazê-lo, meu corpo entrava em alerta, como se eu estivesse tentando arrancar de mim algo que me pertencia.

Era absurdo, não? Pensar que os toques que ganhava de Caspian me pertenciam.

Foi observando seus olhos castanhos que vagavam por meu rosto, em busca de respostas, que eu senti em meu interior uma porta se abrindo para que eu pudesse revelar a verdade. Pelo menos, a minha verdade.

― Caspian, preciso te contar uma coisa.

Quando eu poderia imaginar que uma pergunta inocente me colocaria em maus lençóis? Uma parte de mim ousava pensar em jamais tê-la feito, enquanto outra parecia extremamente aliviada com a decisão que eu estava prestes a tomar.

― O que eu lhe contarei agora precisa ficar extremamente entre nós e você precisa garantir, me dar sua palavra de honra, que não contará a nenhum outro narniano... Pelo menos, até eu descobrir o que fazer ou-ou...

― Sim, tem minha palavra. ― Ávido para ouvir o que eu tinha para contar, Caspian foi capaz de se aproximar mais alguns segundos e unir seus dedos aos meus, aguardando por minha história.

Talvez as palavras se atropelaram um pouco enquanto narrava minha saga dos últimos 3 dias a Caspian, mas não medi esforços para contar-lhe toda a verdade, ciente de que era o melhor a se fazer a cada palavra que jorrava de meus lábios e ele as absorvia totalmente atento e paciente aos meus detalhes.

Contei-lhe que, após meu despertar, estava sozinha no alto de alguma montanha, perdida e atônita, busquei por caminhar e chamar por qualquer um que pudesse me ouvir. Revelei-lhe que haviam ruinas ao meu entorno do que parecia ser, no passado, uma antiga construção composta por madeira e vidraças cristalinas. Não havia uma alma viva ali, senão eu e as borboletas que, por um tempo, me acompanharam pelo trajeto. Aproveitei para relatar que realmente havia passado o primeiro dia apenas vagando pela floresta, até cair desacordada próximo a margem de um rio. E fora lá, pela manhã, que encontrei um exército elaborando algo na margem de um largo rio. Fiquei apavorada com a quantidade de armas que possuíam e meus instintos me diziam que aquelas pessoas eram inimigas.

Fui me esgueirando pela floresta, até que senti sede e busquei por um pequeno córrego que havia encontrado há algumas horas. Então, esbarrei nos guardas que me levaram a correr em direção ao precipício e, por fim, fui resgatada por ele. Após toda aquela revelação, senti-me na obrigação de fazer algo que já deveria ter feito há tempos.

― Nunca agradeci decentemente por seu resgate, Caspian. Se não fosse você, eu... provavelmente seria apenas um corpo sem vida sendo carregado pela correnteza infinitamente agora. ― Suspirei, deixando meus olhos caírem para onde nossas mãos se encontravam.

― Não diga isso. ― Ele puxou-me, de repente, para um abraço, como se aquele simples tocar de corpos fosse o suficiente para resolver todos as nossas dificuldades e afastar todos os monstruosos problemas que aumentavam a nossa volta.

Apoiei minha cabeça em seu ombro, permitindo-me interromper a luta incansável contra os sentimentos que se formavam. Já não valia mais a pena, afinal. Caspian havia tomado conta de tudo que eu possuía, mesmo que não fosse muito.

― Ella, você disse que despertou há pouco mais de três dias, certo? ― Ele finalmente voltou a falar, depois de ficarmos absortos em nosso silêncio ― Eu acho que fui eu que a despertei.

Movimentei-me para desvencilhar meu corpo de seu abraço, buscando olhá-lo nos olhos e compreender exatamente o que ele falava.

― Bem, acho que é a minha vez de compartilhar com você um pouco mais da minha história, afinal. ― Com um suspiro, Caspian passou uma das mãos pelos cabelos, parecendo querer organizar seus pensamentos. ― Há anos, conta a história de Nárnia, que viveram aqui dois reis e duas rainhas e eles possuíam presentes importantes que os ajudaram a vencer a batalha contra uma temível feiticeira que instaurou anos terríveis de um inverno medonho por toda a terra narniana. Então, após a vitória, eles viveram em Cair Paravel, uma fortaleza construída para eles. Bom... a lenda... quer dizer, a história narra que o Grande rei Pedro estava de casamento marcado com uma... com uma fada. Ela era uma princesa do Jardim das Montanhas altas e eles iriam se casar para unificar totalmente os reinos de Nárnia. Só que... bom, o pouco que eu sei é que os quatro reis simplesmente sumiram no dia em que ela chegou ao castelo e ela, junto deles, desapareceu do mapa. Alguns anos mais tarde, os telmarinos atacaram Cair Paravel e, como dominamos muitos artefatos narnianos, a trompa da rainha Suzana foi uma das relíquias resgatadas. ― Ele fez uma pausa para observar-me e verificar se eu acompanhava sua história ― Quando eu fui escapar do castelo e do ataque do meu tio, meu tutor, lembra-se dele?

― Sim, o doutor Cornelius. ― Assenti, recordando bem de sua primeira história.

― Bem, ele me entregou a trompa e eu escapei para a floresta. ― Ele suspirou, parecendo ter dificuldades para contar essa parte ― De acordo com Caça-trufas, eu fui prometido em uma profecia antiga, que afirmava que um jovem cavaleiro sopraria a trompa e chamaria de volta os antigos reis e rainhas de Nárnia, para recuperarem as terras e reacenderem o povo narniano em sua glória novamente.

― Qual era o nome da princesa fada, Caspian? ― Resolvi indagar, sentindo uma espécie de aperto no peito.

― Não sei, na verdade. A história sempre a chama como a herdeira do sangue narniano.

― Será que foi por causa dela que despertei? ― Coloquei em palavras o que meu cérebro estava formulando ― Não sei, talvez... talvez, bem, os faes tenham me protegido, de alguma forma, para estar aqui quando ela retornasse. Talvez eu seja a última dos faes, Caspian! ― Finalmente cheguei à uma conclusão.

Ele parecia calcular o que eu lhe contava, então permaneceu em silêncio por mais um instante.

― É algo realmente a se pensar. ― Concordou, por fim.

Apesar de não obter nenhuma resposta conclusiva, só de imaginar o que realmente estava fazendo ali e que eu realmente possuía uma importância no meio de tanto caos, trouxe-me um alívio imediato. Eu sentia como se estivesse tendo uma série de peças novas no quebra-cabeça que era a minha vida e aquilo realmente era algo bom.

― Talvez seja melhor manter essa informação somente para nós, mesmo que você revele aos outros sobre, bem... sobre o que você não sabe sobre si.

Concordei, balançando a cabeça, ainda aproveitando a nova sensação de certeza que se apoderava de mim. Me dei alguns minutos para aproveitar a sensação, até que fui puxada de volta para a realidade e os problemas mais emergentes.

― O telmarino e a fada estão aqui. ― Ouvimos alguém dizer não muito distante dali e fui capaz de notar um fauno aproximar-se aos poucos, na companhia de um lobo.

Arfei, recordando do que Caça-trufas havia nos informado sobre os lobos.

― Mentius pediu que eu viesse ao seu encontro, senhorita. ― O fauno começou, olhando temeroso em direção à Caspian ― Conseguimos roupas novas e algumas botinas para proteger seus pés. Ele nos contou que você feriu seu pé correndo pela floresta dos caçadores de Telmar.

Aproximando-se um pouco mais, percebi que ele se interrompeu, no meio do caminho, bem ao lado do lobo e não avançaria mais, temendo a presença da minha companhia.

Levantei, deixando minha mão escorregar de Caspian e segui até o fauno que aguardava prontamente segurando um conjunto de coisas que possivelmente me seriam úteis.

― Separamos uma tenda para que a senhorita possa se trocar com mais privacidade. ― O fauno falou ― A propósito, sou Cimnus, a seu dispor. ― Em uma reverência, ele apresentou-se pomposamente.

Meu sorriso acabou tornando-se sincero pela hospitalidade gentil do jovem fauno.

― Sou Ella, Cimnus.

― Sim, sabemos disso. ― Mais animado, ele revelou, antes de prosseguir: ― Caio, porque não acompanha o telmarino até o centro da Clareira, enquanto eu acompanho a senhorita até a-

― Não. ― Levantou-se Caspian, discordando do fauno prontamente ― Eu irei com ela.

Meu rosto instantaneamente ficou vermelho com suas palavras.

― Caspian é um bom homem, posso garantir a vocês. ― Notei que Caio, o lobo, parecia discordar veemente de minha afirmativa ― E imagino que não haverá problema algum em Caspian também me aguardar do lado de fora da tenda.

― Vocês estão juntos? ― O tom acusatório de Caio logo foi revelado e aquilo me preocupou um pouco. A forma como ele cuspiu a palavra juntos deixou-me sem graça com suas suposições.

― Caspian me salvou de um ataque de guardas telmarinos ontem, enquanto eu pulava em uma cachoeira. ― Defendi-o usando meu tom mais firme possível, sem saber de onde vinha tanta coragem.

― Ele... a salvou de telmarinos? ― Cimnus parecia surpreso.

― Mais de uma vez, na verdade. ― Reafirmei.

― Oh... ― Foi tudo o que recebi em resposta.

Sem muita conversa, Cimnus e Caio nos guiaram pela floresta, em direção à clareira que agora parecia com mais narnianos que anteriormente. Cada um deles nos encarou com curiosidade e fui capaz de captar algumas ofensas.

― Ele não deveria estar aqui.

― Aposto que está fazendo a fada de refém e ela é pura demais para admitir isso.

Apesar de não compreender tudo o que eles sussurravam entre si, eu tinha certeza de que a estima de Caspian não era uma das melhores por aqui e aquilo me preocupou. Peguei-me, então, procurando por Ciclone que, de alguma forma, trazia-me segurança e meus instintos indicavam que Caspian ficaria seguro em sua companhia enquanto eu não estivesse por perto.

Não sabia bem o porquê, mas sentia que até agora ninguém ousara ataca-lo, pois eu permanecia em sua companhia e, de certa forma, aquilo parecia uma incógnita para os narnianos. Isso pode ser comprovado com a reação de Caio ao perguntar se estávamos juntos. Talvez fosse pretenciosismo demais da minha parte, claro, mas meus instintos não costumavam falhar, até então.

― Ciclone! ― Suspirei aliviada, quando o peguei caminhando em nossa direção, segurando o que parecia ser um bastão em suas mãos.

― Senhorita Ella. ― Acenando com a cabeça, ele cumprimentou-me e nos acompanhou enquanto seguíamos para a tenda ― Vejo que Mentius conseguiu algumas coisas úteis para a senhorita.

― Algumas peças de roupas para eu me livrar destes panos. ― Sorri enquanto puxava a ponta de meu vestido que já estava aos trapos.

― Enquanto a senhorita usa a tenda de Cimnus para se trocar, eu gostaria de conversar um pouco com Caspian. ― Diferente dos outros, Ciclone não era indelicado ou agressivo ao falar do telmarino que todos pareciam temer ou odiar por aqui e eu estava aliviada por isso.

Encarei o rapaz ao meu lado que assentia com cautela para o centauro.

Ao chegarmos na tenta, deixei todos para trás e entrei sozinha.

Com o entardecer do dia, pude notar uma pequena tocha acesa e fincada ao chão, permitindo que o ambiente fosse clareado, mesmo que singelamente, ajudando-me a andar lá dentro.

Como já esperado, tive dificuldades para me livrar do corpete do vestido e até pensei em pedir ajuda a alguém, contudo, quando realmente caminhei até a porta, consegui me ver livre dos fechos apertados e puxar a longa faixa que trançava minhas costas, conseguindo um pouco de ar. Eu sequer tinha percebido o quão apertado aquele vestido era e agora, com um pouco de folga, nem o detestava tanto assim. Apesar do peso e da enorme quantidade de tecidos que a parte debaixo possuía, sentia algo especial por ele. Como se ele fosse uma parte importante do meu quebra-cabeça que ainda estava em construção.

Gentilmente, Cimnus pareceu deixar uma bacia com água quente para mim e um pequeno buquê de flores, junto de um jarro com água, pão e umas frutas cortadas. Aproveitei a bacia para lavar minhas mãos, pés e retirar o calor de minha face que já estava grudenta de suor. Vesti a camisa, sentindo-a mais larga do que efetivamente meu corpo precisava e temi que a calça também seguisse o mesmo efeito que, por sua vez, apesar de ter fechado muito bem em cima, ficou bons centímetros mais curta nos pés, deixando uma parte da minha pele exposta. Cuidadosamente usei uma parte do meu vestido que não estava tão suja para secar meus pés e observei que as feridas haviam quase desaparecido, como um ato milagroso. Talvez fosse coisa de fada, quem sabe? Era algo para anotar mentalmente e indagar à Caspian ou Caça-trufas mais tarde.

Tão generoso que parecia ser, deixara também uma superfície oval pendurada na bancada, em que eu pude contemplar, pela primeira vez, minha própria face e ficar absorta com minha expressão de surpresa. Meu cabelo estava bastante bagunçado e desgrenhado combinando perfeitamente com a confusão que meus olhos esverdeados refletiam em seu brilho além dos lábios cheios que pareciam mais terem sido picados por abelhas na floresta e minha pele pálida, sem vida completava o arranjo facial. De fato, diferentemente de Caspian, havia um acréscimo em minha cabeça que eu não podia notar nele. Orelhas pontudas que se destacavam, escapando pelos cabelos bagunçados, apresentavam-se, revelando minha cartilagem pontiaguda no topo externo das orelhas. Bom, definitivamente, aquela era uma coisa de fadas.

Optei para resolver meu problema, unir todo o meu cabelo em uma trança lateral que fiz rapidamente e automaticamente, sem me dar o trabalho de pensar no quão natural aquele movimento parecia ser em minhas mãos. Talvez seja outra coisa de fada, afinal.

Encarando toda a cascata de tecido que eu deixava para trás, resolvi reunir tudo e levar embora comigo, incapaz de pensar no que o futuro nos reservava.

Foi só quando terminei de vestir o último calçado que comecei a ouvir a gritaria do lado de fora.

Uma sequência de uivar de lobos, junto de algumas gritarias ferozes dos narnianos, senti em meu peito que a causa disso era Caspian. O que havia acontecido, afinal? Bem, só havia um jeito de descobrir.

Reuni o tecido do vestido e impulsionei meu corpo para fora da tenda, usando meus cotovelos para abrirem passagem enquanto eu deixava o conforto da tenda de Cimnus e invadia o que parecia ser uma espécie reunião macabra.

 

 


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Notas finais do capítulo

Afinal de contas, todos parecem bastante receptivos com a Ella, não é mesmo? Será que eles imaginam que há algo a mais em nossa senhorita Ella?
(Deixarei esse mistério para vocês pensarem até o próximo capítulo)

O que estão achando até agora? Saibam que a opinião de vocês possui muito valor. Até mesmo um "Continua" seria um grande impulsionador em minha vida, já que acredito que esse pedido seria devido ao gosto de vocês pela história.

Bem, vejo vocês por aí.



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