O despertar da Herdeira escrita por Course


Capítulo 10
IX - O que há nas paredes


Notas iniciais do capítulo

Possivelmente um ano desde minha última aparição por aqui.

Resolvi dar continuidade à história como forma de exercício para a mente e distração dos meus problemas pessoais.
Mesmo que não haja mais leitores para acompanhar a história (que, no fundo, ficarei absolutamente feliz se houver), pretendo voltar e continuar com a história de Ella.



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O que há nas paredes.

 

Eu não conseguia mover uma única parte de meu corpo.

Tudo parecia paralisado no tempo e espaço, absorvendo toda a energia que havia em meu interior: as mãos quentes entorno da minha cintura e nuca, os lábios ansiosos que pousavam com urgência nos meus, a brisa suave do vento em meus cabelos, o Sol que lançava feixes de luz em direção a minha pele, o som de arfar em surpresa das pessoas a nossa volta.

Parte de mim queria voltar no tempo e ter permanecido dentro das montanhas enquanto eles não se aproximavam. Parte de mim queria nem mesmo ter voltado para buscar a trompa da rainha Suzana. Parte de mim ansiava por respostas às palavras antes ditas pelo rei que invadira minha privacidade com o beijo.

Uma mistura de sensações perpetuava em meu corpo quando, finalmente, o rei notou que eu não fui muito receptiva às suas investidas. Afastou-se, finalmente, depois do que pareceu uma eternidade e, pousando seus olhos azulados exatamente nos meus, percebi um misto de alegria, satisfação e urgência por respostas enquanto sua mão que não saia de meu rosto, acariciava minha face direita.

― Aurora. ― Ao dizer esse nome novamente, ele parecia querer confirmar algo que poderia ser um delírio de sua mente ― De todas as coisas que temi ter perdido, você foi a que eu mais sofri nestes dias... Mas aqui está você. Como um presente de Aslan para mim.

Eu ainda não sabia bem o que fazer enquanto seus olhos vagavam por meu corpo, como se me analisasse por completo, em busca de alguma resposta às perguntas que ele ainda não havia feito.

Permaneci parada, temendo que qualquer movimento meu em falso fosse o suficiente para delatar toda a confusão e transtorno que irradiava nos meus pensamentos, contudo, não foi necessário mais que alguns segundos até que o rei fosse capaz de perceber que havia algo de errado.

― Aurora? ― Dando um passo para trás, finalmente, e deslizando suas mãos para longe do meu corpo, notei que ele me fitava um pouco confuso e ansioso ― Você... você não se lembra de mim?

Foi ali, próxima a ele, que deixei que meus olhos passeassem por suas linhas de expressões em seu rosto que compunham suas feições joviais, bem como o olhar azulado que parecia me lançar uma série de indagações silenciosas enquanto seus lábios, franzidos em uma linha tensa, não demonstrava qualquer sinal de segundos antes ter estado colado aos meus. Segui caminho por suas vestes até percebê-lo usar uma vestimenta em tom azul notoriamente larga para seu corpo e a espada que descansava em seu cinto não parecia tão assustadora quanto deveria ser em uma batalha. Busquei por qualquer sinal ― qualquer que fosse ― de conhece-lo realmente, contudo, incapaz de sentir qualquer chama de certeza se acender em meu interior, eu apenas fui capaz de proferir as palavras a seguir, consciente de que poderia estar cometendo um erro:

― Eu sinto muito, majestade, mas acredito que esteja cometendo um erro.

Desviando meu olhar para longe de suas feições, pude pegar Caspian aproximando-se rapidamente de nossa posição.

― Ella. ― chamando-me com um tom firme, parecia me encarar em busca de respostas, em seguida desviou o olhar e encarou ofendido o rei à minha frente enquanto se posicionada ao meu lado prontamente.

Notei que o rei Pedro pareceu igualmente abalado com a proximidade de Caspian a mim, então o observei dar um passo para trás, buscando uma visão mais ampla da situação.

― Não satisfeito em roubar minhas terras e a trompa de minha irmã, está tentando roubar, também, a Aurora?

Caspian olhou-me petrificado com a constatação final nas palavras autoritárias que ouvimos e provavelmente aguardou por qualquer que fosse minha explicação por alguns segundos.

― E-eu já disse... Acho que está me confundido... Até porque, seria impossível que eu fosse ela, já que e-eu sou só uma fada qualquer... E-eu realmente não sei o que está acontecendo...

Minhas palavras saíam entrecortadas e rápidas demais, enquanto encarava meu entorno, atordoada e buscando alguma explicação lógica para aquilo tudo. Olhei prontamente nos olhos de Caspian, consciente de que ele sabia do meu segredo e era capaz de discernir o tamanho temor que me inundava naquele instante.

Se eu não era nem mesmo capaz de lembrar do meu passado, como seria capaz de refutar o que ele estava falando naquele instante?

O outro filho de Adão, seguido de suas irmãs, aproximou-se do nosso pequeno grupo e todos os três encaravam-me igualmente surpresos.

― Pedro ― A mais alta das meninas começou falando ―, essa... ela realmente se parece com a Aurora, mas talvez ela tenha razão, afinal é impossível que esteja viva depois de todos esses anos.

― Susana tem razão, Pedro. ― O outro filho de adão, agora já consciente de que aquele era o Edmundo, prosseguiu ― Essa aí realmente se parece com a Aurora, mas... é mesmo impossível que seja ela. Aurora já deve estar morta há, pelo menos, uns 450 anos.

Ciclone movimentou-se logo atrás, na fila formada para a recepção, e galopou até nosso alcance.

― Senhores, perdoem a intromissão, mas talvez seja melhor levar esta discussão para o interior da montanha. ― Com sua firmeza de costume, o centauro prontamente nos fez observar que aquele tipo de conversa realmente não deveria ser discutido à céu aberto.

Todos nos observavam curiosos e, até mesmo, um pouco escandalizados com a temática do que era abordado ali naquele instante.

― Ele tem razão. ― Pedro finalmente se pronunciou depois de analisar nitidamente os narnianos nos observar ― Não devemos discutir este assunto na presença de quem não diz respeito. ― Olhando de forma altiva para Caspian, ele deixou que suas palavras fossem as finais e seguiu caminho, acompanhado de seus irmãos e adentraram na montanha, seguidos por eu, Caspian e Ciclone, que agora me olhava de uma forma extremamente desconfiada e curiosa.

Os outros, do lado de fora, não demoraram a nos seguir e se encaminharem para suas devidas tarefas, sussurrando fofocas e apontando disfarçadamente para os reis que analisavam o grande pátio no interior da montanha que apresentava as primeiras acomodações, como a cozinha e as bancadas prontas para receberem as armas assaltadas de um dos acampamentos telmarinos.

Eu ainda estava absorvendo toda a informação recém-lançada e minha mente maquinava e trabalhava, tentando resgatar qualquer resquício mínimo da minha vida passada para tentar assimilar aos fatos propostos pelo loiro, que afirmou com tanta veemência que eu era Aurora, até então, sua esposa fada que era narrada nas lendas narnianas.

Ciclone tomou a dianteira de nosso pequeno grupo, portando uma tocha nas mãos, e guiou a todos para algum cômodo mais no interior da montanha.

― Que lugar é esse? ― finalmente, a menor dos irmãos, Lúcia, se pronunciou enquanto analisava atentamente as formações das rochas no entorno dos corredores que seguíamos caminho ― Não lembro desse tipo de construção da última vez em que estivemos aqui.

― Pois é ― Pareceu concordar Suzana, enquanto também analisava os detalhes ―, quem construiu tudo isso, Ciclone?

Foi então que entalhos nas pedras começaram a surgir e formar alguns desenhos que, apesar da baixa luminosidade, começaram a despertar a curiosidade dos quatro humanos que observavam atentamente as gravuras.

― Olhem isso! ― Arfou Edmundo enquanto analisava uma das imagens.

― Essa aqui... Essa aqui sou eu! ― Lúcia apontou para o desenho de uma pequena menina próxima ao que parecia ser uma clareira branca desenhada em uma das paredes.

― Alguém pareceu querer contar nossa história. ― Pedro caminhava lentamente, segurando uma tocha que fora oferecida por Ciclone minutos antes e acompanhava suas irmãs enquanto observava atentamente para o que ali foi desenhado.

Quanto mais caminhávamos, mais desenhos surgiram. Lúcia e Susana sentadas no que parecia ser o dorso de um leão ― que considerei ser Aslan, pelas histórias que os narnianos contaram ao longo dos poucos dias de convívio. Pedro e Edmundo portando espadas e lutando contra bestas altas e muito bem armadas. Os quatro ao lado de seus respectivos tronos no que parecia ser um grande palácio. Até que, curiosamente, a imagem do que parecia ser uma fada com asas douradas ao lado de uma versão adulta do rei Pedro, caminhando por um jardim repleto de flores rosas. Ela foi retratada usando um longo vestido branco e segurava o que parecia ser um conjunto de flores azuis em uma de suas mãos, enquanto tinha a outra apoiada no braço de Pedro.

Parei imediatamente na frente desta última imagem e senti novamente o calafrio na nuca enquanto observava os traços que formavam aquela gravura que me parecia tão estranhamente familiar.

― Nosso casamento. ― A voz de Pedro soou baixa, mas muito próxima de mim.

Quando me virei, ele estava há poucos centímetros de distância do meu corpo, mas não estava com sua atenção focada em mim. Na verdade, ele olhava atentamente e de forma cálida para as gravuras à nossa frente enquanto iluminava com a tocha toda a parede.

― Aurora estava... radiante naquele dia. ― Ele prosseguiu, ajeitando sua posição ali para ficar ao meu lado e ter mais proximidade com a ilustração, enquanto os outros se aproximavam de nós ― Isso foi pouco antes de voltarmos para a Inglaterra.

― Eu lembro desse dia. ― Lúcia foi a que mais se aproximou e tocou no desenho do longo vestido branco ― A Aura dançou tanto que até machucou os pés no sapato que ela usava.

― Foi uma das melhores festas de Nárnia. ― Edmundo pareceu relembrar o evento com uma espécie de sentimento velado que não consegui identificar muito bem.

― Todos vieram de muito longe só para assistirem à união dos dois. ― Susana complementou ― Foi realmente muito bom aquele dia...

― Parece até que aconteceu ontem. ― Pedro e Lúcia falaram juntos e riram quando se encararam ao notarem o que haviam feito. ― Você estava muito feliz. ― Continuou Lúcia ainda olhando o irmão. ― Parecia ser o dia mais feliz da sua vida.

― Que lugar é esse, Ciclope? ― Pedro tornou a lançar a pergunta para o centauro que nos observava calado e analítico.

― Me acompanhem, por favor.

Seguindo o centauro pelo corredor, caminhamos em silêncio, ouvindo apenas o ecoar de nossos pés e dos cascos batendo no chão. O corredor não demorou a findar-se e dar vasão para o que parecia ser um largo salão no mais profundo interior da montanha. Ao centro, parecia haver uma antiga mesa quebrada ao meio com algumas pilastras igualmente antigas ao seu entorno.

Ciclope lançou a tocha no chão próximo à entrada e o fogo alastrou-se, formando um círculo, acompanhando as paredes na sala e iluminando finalmente todo o ambiente. Nas rochas na parede, foram entalhadas diversas figuras representando os narnianos. Desde anões e texugos aos enormes ursos, os centauros e faunos também. Toda criatura que habitava e possuía sangue narniano fora representado no salão entorno da enorme mesa partida.

Parei ao lado de Caspian e deixei que os quatro humanos contemplassem o espaço à nossa frente. Todos eles pareciam conhecer exatamente o que aquela mesa significava e a importância do que a história por trás daquela rocha partida tinha para eles.

Lúcia aproximou-se em passos lentos e reverentes ao centro do salão e pousou uma das suas mãos na rocha, como se demonstrasse pesar e, ao mesmo tempo, emoção pelo que estava contemplando. Os seus irmãos aproximaram-se também, mas mantiveram uma distância, enquanto a menina analisava os entalhes com cuidado.

Depois de longos minutos em silêncio, a menina começou a falar:

― Eu acho que Aslan deve saber o que faz. ― lançando-me um olhar doce e gentil, prosseguiu ― Talvez ela não seja mesmo a Aurora.  Talvez ela seja alguma espécie de descendente de Aurora e Pedro... Não sabemos o que aconteceu com ela depois que voltamos para a Inglaterra. Trumpkin disse que as histórias narram que ela desapareceu assim como nós.

Todos no salão, finalmente, voltaram suas atenções exclusivamente para mim.

― Quem é você? ― Susana indagou, por fim.

Engoli em seco e, em busca de apoio, fitei Caspian segurou minha mão brevemente em sinal de apoio e suporte para o que eu estava prestes a revelar.

Dei um passo à frente, respirei fundo e resolvi revelar toda a verdade.

Pelo menos... a minha verdade.

***

― Então, você pode mesmo ser a Aurora. ― Edmundo falou enquanto se levantava do banco que dividia com Pedro e ainda parecia refletir sobre tudo.

Demorei tempo demais contado a história, pois eu queria exprimir a maior quantidade de detalhes possível, para que compreendessem, até mesmo, que o meu discurso em prol de Caspian e a omissão da minha verdadeira identidade naquele momento foi necessária para que os narnianos se unissem em prol da liberdade.

― Não posso confirmar isso. Infelizmente, eu realmente não me lembro. ― tornei a falar o óbvio, para reafirmar minha crua realidade.

― Eu posso. ― Pedro levantou-se e olhou-me decidido. ― Eu sinto no meu coração que você é a Aurora.

― Ou você só quer que ela seja a Aurora. ― Caspian, que permaneceu fora do círculo formado enquanto eu falei, finalmente deu alguns passos e se juntou à nós no centro do salão.

― Está me chamando de mentiroso, telmarino? ― o loiro rebateu, encarando-o agora irritado.

― Só acho que você vai dizer o que quiser dizer, já que lá fora mesmo afirmou que sentia falta da Aurora, então... agora, com uma fada na sua frente, você pode muito bem estar se confundindo. ― Caspian não perdeu sua postura enquanto refutava o rei com a maior maestria e cordialidade possível.

― Mas ela se parece mesmo com a Aurora. ― Edmundo observou ― E é muito curioso que ela tenha acordado na floresta no mesmo dia em que Caspian soou a trompa. Tudo está ligado de alguma forma.

Edmundo pareceu seguir o mesmo caminho que eu, então comecei a sentir uma pontada de esperança quanto à revelação do enorme mistério que girava entorno da minha verdadeira identidade.

― Talvez ela esteja enfeitiçada ― sugeriu Susana ― Algo para esconder suas lembranças e que precise somente de algum gatilho para liberar tudo.

Voltei minha atenção para a irmã que estava encostada na pedra, acompanhando a mais nova que se acomodou no topo da mesa partida e percebi que o que ela falava realmente tinha sentido.

― E o que poderia ser esse gatilho? ― dei um pequeno passo em sua direção, esperançosa de que poderíamos, finalmente, dar um fim á todo o mistério.

― Não sei... Qualquer coisa. ― ela prosseguiu.

― Ou, talvez, ela não seja a Aurora. ― Voltou a falar Caspian ― Talvez ela realmente seja apenas uma fada enviada pelos faes para nosso conselho de guerra. Ela pode ter caído, batido a cabeça e perdido a memória.

― Claro, para você seria muito mais conveniente que ela não fosse Aurora, não é mesmo? ― brandiu Pedro, voltando a proferir palavras agressivas ao príncipe telmarino.

― Por favor, não briguem. ― Lúcia interrompeu o que parecia estar prestes a começar a crescer entre os rapazes ― Precisamos descobrir uma forma de ajudar a Ella a recuperar as memórias. Sendo ela a Aurora ou não. Ela merece isso.

Sorri afetuosa para a menina e fiz uma leve mesura com a cabeça em agradecimento.

― Lúcia tem razão. ― concordou Edmundo ― Se for algo que precise de algum gatilho, podemos pensar em algo. Mas, se for como Caspian supõe, podemos buscar algum tratamento alternativo para recuperar as memórias dela.

― Pode ser até mesmo que ela tenha algum recado dos faes para a reunião. ― Susana sugestionou algo que fora novidade ali ― Precisamos pensar em como recuperar as memórias dela.

Uma pequena enxurrada de esperança pareceu começar a me inundar naquele instante, enquanto eu os observava ponderarem a melhor alternativa para recuperarem minhas lembranças.

― Poderíamos procurar Aslan! ― Lúcia sugeriu, de repente.

― Será que conseguiríamos encontra-lo? ― indaguei imediatamente, consciente de que ele era possivelmente o ser mais poderoso de toda a Nárnia.

― Acho que só ele para nos ajudar neste momento. ― Lúcia confirmou e parecia animada quanto à ideia.

― Lúcia... ― Susana voltou-se para a irmã e olhou-a com pena ― Aslan não vai voltar.

― Cabe a nós buscarmos uma saída para esta situação. ― Pedro, decisivo, afirmou ― Aslan não vai voltar. Se ele deixou os narnianos por todo esse tempo, não podemos acreditar que ele voltará agora.

― Mas-

― Pedro tem razão, Lúcia. Precisamos dar o nosso jeito para resolver isso agora. ― Edmundo concluiu. ― Se Caspian soprou a trompa e fomos nós que aparecemos, significa que cabe a nós a responsabilidade de resolver tudo e salvar Nárnia dos telmarinos.

― E a recuperarmos as lembranças da Ella também. ― concordou Susana enquanto me olhava com gentileza.

― Está decidido, então. ― declarou Pedro ― Nós vamos recuperar as lembranças de Ella.

Finalmente, um consenso foi alcançado e todos pareciam entrar em acordo quanto a recuperar minhas memórias.

Havia uma pequena linha cruzando toda a maré de esperança que crescia em meu interior.

Insegurança.

E se eu fosse mesmo Aurora? O que isso significaria para mim? O que isso significaria para Caspian? E, se eu recuperasse minhas memórias, o que eu iria encontrar? Que mistérios meu passado me revelaria?

Será que eu estava mesmo pronta para descobrir?

Só havia um jeito de saber:

Eu precisava recuperá-las.


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