Vossa majestade escrita por Hamona Wayne


Capítulo 8
A grande depressão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775795/chapter/8

  Sabe o que aconteceu no dia 30 de junho de 1997, certo? Acertou! Dia do aniversário de Astória Greengrass. Nunca tive muito espirito para isso, só Daphne quem lembrava. Depois, meus amigos. Depois, só Daphne novamente, porque eu não tinha mais ninguém.

  Susan veio por Daphne e eu não considerava Francis um amigo ainda. Era dia de ir em Hogsmeade e tudo o que eu queria fazer era trabalhar, cantar baixinho, estudar e dormir. Nada diferente de um dia normal. Mas foi. Perdi totalmente a hora e fui correndo para o banheiro. Nem tomei café da manhã, não podia me atrasar.

  Fui parada por Filch por correr demais e levei uma baita bronca. Os portões quase iam sendo fechados e quando saí, fui obrigada a ouvir uma religiosa gritar no pé do meu ouvido por meia hora. Faltou alguma coisa? Ah, é. Tropecei em algo, caí no chão e minha roupa ficou suja de lama. É assim que comemora seu aniversário de dezesseis anos.

  Finalmente cheguei no trabalho e levei um baita susto.

— Surpresa!

  Lá estavam eles: Daph, Susan, madame Rosmeta e Francis. Havia uma grande faixa escrita “Parabéns, Astória”, vários balões verdes, um lindo bolo torto colorido. Fiquei tão espantada que mal conseguia formular uma frase na minha cabeça.

— Feliz aniversário, manona! – Daphne colocou um chapéu de cone na minha cabeça – Dezesseis aninhos, em!

— Já ‘tá velhinha. – Brincou Francis

— Venha cá, querida – Madame Rosmeta viu a lama em mim – O que aconteceu?

— Eu...

— Não se preocupe. Susan, Daphne, cuidem ela!

  Ainda não falava nada. As duas me levaram para o banheiro, tiraram minha blusa e molharam meu cabelo.

— Quanto creme! – Surpreendeu-se Susan – O que ela usa em um dia, eu uso em um ano.

— Pronto.

  Meu cabelo ficou natural, com uma leve pitada de creme. Ficaram lindos e sedosos, como há tempos não eram. Pus uma blusinha simples e bem bonita.

— Que broto! – Galanteou Francis

— Cala boca.

— Está sim – Concordou minha chefa – Linda, Astória! Devia soltar mais o cabelo.

  Sorri um pouco envergonhada. Susan colocou a vitrola para tocar e Daphne dançou comigo. Foi o aniversário mais divertido que tive em anos. Sorte, que não teve música lenta, sabe que não sou boa nisso. Me soltei um pouco, era meu aniversário, afinal.

— Hora de soprar a vela! – Avisou madame Rosmeta

Fui para perto do bolo, acendemos a vela.

Feliz aniversário para tu

Você é um chuchu

Feliz aniversário para tu

Você é um chuchu

  Soprei as velas.

— Faça um pedido, querida. – Sugeriu madame Rosmeta

— Um pedido? – Olhei em volta com meus amigos de verdade ali, embora a turma estivesse incompleta – Ele já se realizou.

  Bateram palmas e cada um me abraçou. Ganhei um livro de Daph; sapatos de Susan; uma mini saia de Francis

— Achei que combinaria. – Disse sorrindo

  Revirei os olhos. Um disco de Abba – melhor banda forever – de madame Rosmeta; e um belo colar com uma pedrinha verde idêntica ao da minha coroa.

— Quem deu? – Quis saber

— É surpresa – Respondeu Daphne, cerrei os olhos – ‘tá, a gente não sabe.

— Canta uma música, Lady cobra – Implorou Francis – Canta! Canta!

— Não – Ficaram triste – Astória Greengrass vai.

  Subi num palquinho – várias caixas grudadas – as pessoas olhavam para mim. Respirei fundo, era meu aniversário, não tinha o que me preocupar. O toque começou, minha voz saiu (Autora: The one that got away, da musa Katy Perry). Várias pessoas foram entrando e dançando. Meu coração só fazia sorrir. Quase explodiu.

  Loiro, olhos azuis acinzentados, roupas escuras e pesadas. Sentou na mesa mais distante, acompanhava todos meus passos com o olhar. Após a música, todos bateram palmas.

— Incrível, Astória – Francis beijou minha mão – Você é incrível.

  Deve ter sido o ciúme que o fez despertar da vida.

— Ast.

  Não deu tempo de lhe responder, me puxou pela cintura e me beijou. Draco Malfoy me beijou. E não foi um beijinho, foi um beijasso. Colocou a mão na minha nuca para que eu não me afastaria tão cedo. Levei alguns minutos para entender o que estava acontecendo, que Draco Malfoy foi o primeiro rapaz que... Caralho, aquilo foi bom. Meus olhos se fecharam, segurei em sua camisa. Nos separamos sem fôlego, mordi o lábio inferior.

— Adeus, Astória.

  Foi embora. Ser beijada por Draco Malfoy como presente de dezesseis anos era um sonho. Seus lábios macios encostando nos meus, sua mão pegando em meu longo cabelo, seu gosto de hortelã na minha boca. Mesmo assim, não me sentia feliz.

— Você beijou Draco Malfoy! Draco Malfoy! – Alegava Daphne, ao voltarmos para Hogwarts – Draco Malfoy! Draco e Astória, vivem se beijando! E logo vão acabar se casando!

— Cala boca, Daphne!

— Qual o problema? Não gosta dele?

— Que diferença faz?

— Que diferença faz? Astória, ele gosta de você! Ele te beijou!

— Aquilo não foi um beijo, foi uma despedida.

— Como assim “despedida”?

  Despedida de partir de tudo aquilo que era bom. 30 de junho não é só meu aniversário, é o dia de morte de Dumbledore. Draco sabia que não seria o mesmo depois de mata-lo. O que por sorte, não foi ele. Entretanto, o afetou profundamente.

  A morte de Dumbledore abalou muita gente, principalmente eu e Daphne. Quem nos salvaria agora? Daphne chorava quase todas as noites, tinha medo de morrer.

— Tenha dó! – Mamãe abriu as cortinas do quarto dela – Estamos livres daquele velho gagá e você fica chorando? Pensei que ele só gostasse dos seus preciosos leões.

— Dumbledore ia nos salvar! – Defendeu Daphne

— O Lorde das trevas vai nos salvar! E não ouse repetir isso ou sua amiga não virá novamente, entendido?

  O pior não foi ter ido ao enterro, e sim, a festa de comemoração. Fizeram até pinhata dele. Mamãe e papai não podiam ir, então fomos obrigadas para representar a família.

— Eu não vou! — Protestou Daph, enquanto a ouvia do corredor

— Ah, você vai sim! — Mandou mamãe – Quer mesmo fazer essa desfeita ao Lorde das trevas? A nossa família?

— Que família, mamãe? Que família? Família precisa de amor, e é isso o que mais nos falta!

— Não me venha com asneiras, Daphne! Trate de se arrumar agora!

— NÃO!

— VENHA ME GRITAR DE NOVO! VENHA! — Ouvi minha irmã sendo estapeada e não fiz nada, a poção não permitia – Eu te criei tão bem pra isso? Pra me envergonhar assim?

— Vai embora! Me deixa!

  Não olhava elas, olhava suas sombras e deixei lágrimas caírem com os gritos de Daph.

— Você é uma Greengrass! E eu espero que aja como tal! — Mamãe saiu do quarto e olhou para mim – Viu o que fez com sua irmã? A culpa é toda sua!

— Me desculpe, mamãe.

  Não respondeu, seguiu reto. Minhas pernas me deixaram entrar, Daphne chorava largada no chão. Deitei sua cabecinha no meu colo e fiquei alisando seu rostinho.

— N-Não q-quero ir! – Exclamou Daphne – N-Não q-quero...

— Também não, mas temos. – Expliquei

— A-Acabou tudo – sentou – E-Estamos mo-mortas! S-Sem Dumbledore, sem sa-salvação!

— Escuta aqui – agarrei seus ombros – precisa ser forte, entendeu? ‘tá difícil, mas o bem sempre vence!

— Para de se iludir com esses livros idiotas, Astória! Não temos ninguém! Ninguém!

— Eu tenho você! E você tem a mim! – Colei nossas testas – Enquanto tivermos uma a outra, sempre teremos tudo! Você é a melhor coisa que me aconteceu, maninha!

  Me abraçou com força, com muita força. Suas lágrimas obrigaram as minhas a escapulirem ainda mais. Tempos depois, nos arrumamos. Mesmo que a festa não fosse de luto, teríamos que ir de preto. Coloquei um vestido de mamãe, não podia ir com os meus antigos, eram desqualificados.

  Ele era lindo. Deixando os ombros aparecendo e batia até as coxas. Passei um batom vermelho lindo de morrer – foi mal a brincadeira. Prendi o cabelo num coque com mechas soltas. Usei luvas prestas para ficar um pouco mais chique.

— ‘tá bonitona. – Elogiou Daphne

— Queria me sentir assim.

  Nos abraçamos mais uma vez e partimos. Evitamos ver nossos pais o máximo, naquele dia. A festa estava cheia, com várias pessoas bebendo, dançando e xingando os inferiores. Tive vontade de vomitar. Algumas pessoas me notaram e poucas me reconheceram.

— Que sexy, Greengrass! – Admirou Goyle

— Poupe-me com suas palavras!

— Quê? Não gosta de um elogio?

  Não sabia se ele falava aquilo por conta da bebida ou por causa da babaquice. Fui obrigada a falar com pessoas que não gosto e sorrir para todas. Daphne puxou assunto legal com Nott, me deixando um pouco aliviada. Aproveitei o sossego e subi para o andar de cima, não conseguia suportar por muito tempo.

— Fugindo? – Quis saber Draco

  Usava aquelas roupinhas de gala, ficou um gatinho.

— Quem não? Lá embaixo está uma loucura.

— Tenta viver onde o Lorde das trevas vive.

— Tenta viver onde ele enterra suas vítimas. Muitos pesadelos?

— Todos os dias.

— Nem me fale. Então é verdade? Você se tornou um deles?

— Eu tinha te contado.

— Achou mesmo que eu ia acreditar?

— E no que acredita agora?

— Que está perdido.

  Naquela hora, lembrei do que Luna disse. Devia ter lhe dado ouvidos.

— Perdido?

— É. E tudo bem ficar perdido, não é vergonha. Vergonha é... É...

— Isso é vergonha!

 Ele mostrou a marca negra que tinha no pulso, senti vontade de vomitar outra vez.

— Eu não escolhi um lado – apoiou-se no corrimão – Fui obrigado a isso.

  Coloquei minha mão sobre a dele e nos encaramos.

— Quero ficar do seu lado, Draco. Só do seu lado.

— Draco – a mãe dele subia as escadas – temos que ir, o Lorde das trevas... – Ela me encarou – Quem é você? Sinto que te conheço de algum lugar.

— Astória Greengrass.

— Nossa! O tempo fez muito bem a você. Bom, desçam os dois! O Lorde das trevas fará o discurso.

   Draco segurou minha mão com firmeza, sabia que eu sentia medo do Lorde das trevas. O estranho foi ter que ver pessoas que eu achava que eram de confiança, sendo das trevas, como Snape. Nunca me acostumei que ele fora comensal. Ele parecia ser leal demais ao Lorde das trevas. Sempre achei que lutava na Guerra por seu próprio lado, o que lhe era mais importante. Não fazia ideia de que seria por seu amigo.

  A mesa que hoje sento tomar café da manhã com as crianças fora onde o Lorde das trevas fazia um de seus bizarros discursos.

— Hoje – começou – comemoramos uma longa e efetiva data, a morte de Dumbledore – Os comensais e as outras pessoas vibraram – se inicia uma nova era! A nova era!

  Pouco me importava que era ele se tratava, meus olhos caíram em Daphne, que entrelaçava os dedos em Nott. Susan não gostou nem um pouco e os olhava com desprezo.

  Na mansão, as coisas estavam mais complicadas. Daphne dormia, tomei coragem para ir no meu canto favorito, o balanço. Uma perna de cada lado, balancei devagarinho, cantando bem baixinho, pensando nos problemas. Para onde iriamos? Com quem iriamos? Daria minha vida por Daphne. Se bem que ela nunca foi minha. Sempre dei o melhor de mim para os que amo.

  Algo encostou no meu pé descalço, um dedo. Um dedo encostou no meu pé. A porra de um dedo de um corpo enterrado tocou meu pé. A porra de um corpo foi enterrado no meu lugar favorito.

— Porra!

  Não tinha mais lugar para mim, nunca tive. Saí dali furiosa e só parei ao ver outro corpo sendo enterrado.

— Olho-tonto.

  Lá estava, o líder da Ordem da fênix, um dos melhores aurores de todos os tempos, sendo enterrado no quintal da minha casa. Ele guardava um sorriso estranho, acho que se sentiu honrado por precisar de sete comensais da morte para mata-lo. O jogaram de qualquer jeito, colocaram terra por cima e foram embora. Me aproximei devagar.

— Sinto muito, senhor. Lamento que não tenha tido um enterro digno.

— Falando sozinha? – B. Lestrange mexia no meu cabelo – Não fique assim, querida. Nosso povo se sairá bem.

— Claro, o sangue-puro sempre prevalece.

  Fingir ser preconceituosa não era difícil, complicado era fingir que isso acabaria. Peguei uma extrema mania de nunca andar descalça, após esse dia, nunca vou esquecer da morte me tocando. Bebi três goles naquele dia. Eu era uma maluca que me escondia. Minha mente passou a ser perturbada por gritos e frases de pessoas, sempre me dizendo coisas ruins.

  Ouvir música me deixava aliviada, fazia o peso das minhas costas saírem por um tempo. E eu sempre escutava o mesmo disco, o que Neville tinha me dado.

— Ops!

  Antônio Dolohov deixou cair um pouco de uísque de fogo na vitrola e ela pifou. Ele e mamãe ficaram rindo da minha cara triste. E o que eu fiz? Virei um rádio ambulante. De tanto ouvir as músicas e as notícias, repetia mesmo sem querer e fazia as imitações dos interlocutores.

— Agora é meia-noite e dezoito e Harry Potter não foi encontrado. Ele, o traidor de sangue, Rony Weasley, e a sangue-ruim, Hermione Granger, fugiram há uma semana do casamento do Weasley mais velho. Aquele que tiver informações, avise imediatamente ao Ministério. Por hoje é só e boa noite.

  E claro que mamãe e seu novo amigo se divertiam. E eu, de certo modo. Tinha atenção dela, ela ria para mim. Digo, de mim.

— Cale essa matraca! – Mandou papai incomodado, na sala de estar

— Continue, meu bem – Manipulou mamãe – Continue! Continue!

— Hoje, mais quatro trouxas pagaram o preço. Uma criança, seus pais e a criada. Exatamente entre as seis horas da noite, a família se servia da carne podre que gostam, quando a casa foi invadida. Gritaram como bebezinhos, coitados.

— Eu mandei parar!

— Continue!

— A primeira a morrer foi a criada. Uma velha imunda e imprestável, que não fazia nada além de incomodar a vida dos outros. — Mamãe e Dolohov riam – Depois foi o casal. Morreram juntos, que bonitinho. O marido ficou na frente, não queria queimar no inferno por ser infiel.

— Eu mandei parar!

— E a criança? A criança é quem mais devia pagar por tudo o que fez! Por todos seus estragos! E daí se só tinha nove anos, não tinha o direito de fazer o que fez! Não devia existir! Era um mal! Mal! Mal! Mal! Mal para aquela maldita família! Mal! Mal! Mal!

— Astória, pare! – Ordenou mamãe séria

— Um vermezinho! Um desgraçado! Uma dor de cabeça na vida de todos! Ninguém o planejou, ninguém o amou! E tinham motivos para isso! Ótimos motivos! Ele não prestava! Fazia tudo errado! Tudo errado!

— Eu mandei você parar!

— Parar por quê? Não é a verdade? Ele não merecia morrer, mamãe? Merecia ser torturado mais do que todo mundo! Por causa dele que a família se tornou assim! Culpa dele! E os pecadores devem pagar! Bando de...

  Não terminei a frase, fui acertada por um jarro de vidro na cabeça e desmaiei. Acordei em um lugar apertado, muito apertado. Não conseguia nem me mexer ou enxergar direito. O oxigênio quase não tinha ali. Parecia estar dentro de uma caixa. Uma caixa com algo dentro. Um esqueleto.

 Me assustei na hora, fiquei batendo e gritando, mas.... Onde estava minha voz? Sumiu? Tentava gritar, gritar bem alto, alto mesmo. Não saía nada, absolutamente nada. Me sentia sendo imprensada, como se o caixão se encolhesse.

  Horas de muita agonia, o caixão foi aberto. Não conseguia ver quem era, estava muito escuro. Me sentei e senti a água no meu corpo. Como fui parar na banheira do meu quarto? Aquilo devia ter acontecido, ainda sentia um pouco de dor na cabeça. E se a dor não fosse mesmo real? E se minha mente tivesse inventado tudo aquilo?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vossa majestade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.